OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 148-152

Recensão Bibliográfica

Barbé, Esther (Directora) (2010). La Unión Europea más allá de sus fronteras. Hacia la transformación del Mediterrâneo y Europa Oriental?. Madrid: Tecnos: 196 pp.

por Rita Duarte

Licenciada em Relações Internacionais e Mestranda em

Estudos da Paz e da Guerra na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL).

Assistente no Departamento de Relações Internacionais e no

OBSERVARE – Observatório de Relações Exteriores, da UAL.

A obra que nos propomos analisar, La Unión Europea más allá de sus fronteras ￿Hacia la transformación del Mediterrâneo y Europa Oriental? é a materialização de um projecto de investigação de três anos, dirigido pela Professora Esther Barbé, e realizado no âmbito do Observatório de Política Externa Europeia do Institut Universitari d'Estudis Europeus da Universitat Autònoma de Barcelona. Esther Barbé é professora de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Barcelona e coordenadora de programas de investigação, no Instituto de Barcelona de Estudos Internacionais.

A coordenação deste livro foi da responsabilidade de Anna Herranz Surrallés, coordenadora do Observatório de Política Externa Europeia e investigadora do Institut Universitari d'Estudis Europeus, que colaborou também no projecto de investigação. Este estudo reflecte ainda o trabalho directo de mais 13 investigadores na sua maioria professores na Universidade Autónoma de Barcelona mas também outros académicos, tais como Eduard Soler i Lecha, Coordenador do Programa para o Mediterrâneo da Fundação CIDOB.

Estruturalmente o livro está dividido em sete capítulos, sendo que o primeiro se diferencia dos restantes por fundamentar o objectivo da obra. Neste capítulo são suscitadas as questões e identificadas as variáveis que definem o quadro analítico deste estudo, além de nos serem justificados os critérios relativos à escolha dos estudo de casos abordados.

Os capítulos seguintes vão procurar responder às questões levantadas, com base na análise e comparação dos diversos estudos de caso tidos em consideração (273 no total). Estes estudos de caso são examinados à luz de uma comparação de duas dimensões: uma de carácter temático e outra de carácter geográfico. Assim, cada um

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dos seis capítulos seguintes diz respeito a um dos seis grandes sectores temáticos escolhidos para análise: o comércio, o meio ambiente, a energia, a política externa, a política de migração e a boa governação. E em todos os capítulos, é analisada a relação que a União Europeia (UE) estabelece em cada um destes sectores com sete dos seus Estados vizinhos, a saber: Argélia, Marrocos, Rússia, Ucrânia, Moldávia, Geórgia e Turquia.

A escolha por estes países reflecte uma lógica geográfica que procura abranger Estados vizinhos do leste e do sul. Mas procura também incluir diferentes posturas dos Estados vizinhos face à União Europeia, já que inclui um Estado em processo de adesão comunitária – a Turquia –, países que ambicionam vir a aderir à União – caso da Ucrânia e da Moldávia –, ou países que pretendem colaborar com a UE numa relação de igualdade, como a Rússia ou a Argélia.

A escolha dos sectores temáticos procura abranger matérias claramente “comunitarizadas pela União – como o comércio e o meio ambiente –, políticas com um carácter maioritariamente intergovernamental – como a política externa e a política de boa governação –, mas também áreas intermédias como a política de migrações e a política energética” (p. 33).

Contexto internacional

Os autores de La Unión Europea más allá de sus fronteras enquadram este estudo de investigação no contexto actual da estrutura de poder internacional, de carácter multipolar, onde a União Europeia tem vindo a perder influência, em paralelo com a emergência de uma liderança de um G-2 sino-americano. Mas este estudo chama a atenção desde o início de que a interpretação neo-realista, ao atribuir a polaridade exclusivamente a Estados, torna-se redutora quando aplicada à UE, já que a sua caracterização como potência não está associada à sua natureza mas ao reconhecimento da sua actuação como potência. Pelo contrário, os autores destacam a crescente importância que o multilateralismo tem vindo a assumir, nomeadamente com o efeito indiscutível das instituições nesse sistema internacional. No caso da União Europeia, com a adopção da Estratégia Europeia de Segurança desde 2003, o multilateralismo tornou-se o seu ponto de referência identitário como actor internacional, tendo desde então desenvolvido a noção de multilateralismo eficaz que implica uma ordem internacional institucionalizada e baseada no direito.

Com base neste enquadramento multilateral e de perda de influência da UE, e sabendo que a ambição da UE é, desde 2001 com a Declaração de Laeken, desempenhar o papel de actor (potência) global, os autores levantam a dúvida: será a União Europeia uma “hegemonia normativa regional” (p. 17), na qual a sua acção passa por um “bilateralismo como prática da sua Política Europeia de Vizinhança que não é mais do que uma forma de ocultar o unilateralismo que marca as relações da UE com os seus vizinhos” (p. 18), ou será antes uma “potência normativa” que assenta a sua política externa em “princípios e valores universais mais do que em interesses materiais” (p. 21)?

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Que convergência normativa?

A relevância dada nesta questão à vizinhança da UE tem origem, por um lado, no próprio Tratado de Lisboa que destaca a importância dos países da vizinhança da UE (com quem esta deve estabelecer relações de preferência) e, por outro, em averiguar se o domínio da União no âmbito regional lhe permite garantir o seu reconhecimento como potência a nível global. Os autores vão assim analisar o contributo da UE para a promoção da segurança a nível regional mas centrar-se, principalmente, na estratégia adoptada para estabelecer as relações com os seus Estados vizinhos do leste e do sul.

Este é o ponto de partida para a grande análise que o estudo nos apresenta: com o intuito de aproximar sistemas institucionais, jurídicos e políticos distintos, qual a estratégia de convergência que a União promove? As relações da União Europeia face aos seus vizinhos são assimétricas, nas quais estes últimos sofrem um processo de europeização e estão sujeitos aos interesses e à transferência unilateral das normas daquela instituição ou, o processo de relacionamento é mais complexo e há outros modelos passíveis de ter em consideração? Os autores pretendem demonstrar que esta última opção é mais consentânea com a realidade e defendem que no ambiente complexo e flexível do sistema internacional se “articulam níveis normativos – bilateral, europeu, internacional – e variáveis explicativas – poder, legitimidade – que permitem construir diferentes modelos de convergência normativa entre a UE e os seus vizinhos – coordenação, europeização, internacionalização –” (p. 18). Os estudos de caso utilizados para esta análise, que, relembramos, estabelece uma dupla comparação nas dimensões temática e geográfica, vão permitir identificar empiricamente qual o modelo que se aplicou em cada situação e porquê.

Assim, além do modelo de convergência designado como europeização, que implica a adopção parcial ou total da legislação comunitária – caso da Turquia no seu processo de adesão –, existem outros dois modelos de convergência: internacional e bilateral. Genericamente, os autores identificam a existência do modelo internacional quando a “política de convergência se baseia em normas desenvolvidas por outras instituições internacionais” (p. 25), e dão como exemplo os diversos Planos de Acção da Política Europeia de Vizinhança que citam convénios, regulações, protocolos e normas de instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas, ou regionais, como o Conselho da Europa ou a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. O terceiro modelo normativo baseia-se numa convergência de políticas através de “normas elaboradas bilateralmente entre a União e o país vizinho, para se adaptar à situação em causa” (p. 25).

Ressalvando-se assim que, segundo esta obra, a transferência do acervo comunitário para os seus vizinhos é apenas uma de três possibilidades para delinear um processo de convergência de políticas, é necessário então perceber quais as variáveis – que os autores designam por independentes –, que influenciam a escolha do modelo de convergência no qual se irá basear a relação da União Europeia com cada um dos seus Estados vizinhos.

Essas variáveis independentes são o poder negocial da UE e a percepção mútua de legitimidade por parte do Estado vizinho. O poder negocial da União Europeia refere-se “à sua capacidade em proporcionar incentivos ou desincentivos (sanções políticas ou económicas, por exemplo), suficientes aos países vizinhos para que estes adoptem as normas delineadas pela União” (p. 27). Partindo de uma racionalidade de

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custo/benefício, esta variável implica uma escolha por parte do Estado vizinho entre o benefício esperado pela incorporação das normas da UE e o custo que irá ter pela sua implementação.

A segunda variável, a percepção mútua de legitimidade, “refere-se ao grau de coerência entre as normas proporcionadas pela UE e o ambiente normativo existente no país vizinho” (p. 28). Esta variável tem por base uma abordagem construtivista que defende a adopção por um actor de novas normas, sempre que estas forem consideradas adequadas ao contexto social desse actor. Por sua vez, esta variável é influenciada pelo “i) grau de identificação do país vizinho com a União como comunidade a aderir, tenha esta sido reconhecida ou não pela União; ii) autoridade que o país vizinho atribui à União Europeia como promotora de normas e; iii) se o processo de definição dos padrões de convergência é visto pelo país vizinho como unilateral ou se é resultado de uma consulta adequada aos actores relevantes nos países vizinhos” (p. 28).

Em consequência, a escolha do modelo de convergência mais adequado a cada situação vai depender da relação que se estabelece entre o modelo em causa e estas variáveis independentes. À luz destes factores, os autores vão definir três hipóteses de trabalho para a escolha do modelo de convergência, estabelecendo que a convergência através das normas da União Europeia será o modelo mais exigente, e implica um forte poder negocial da UE e uma boa percepção de legitimidade por parte do estado parceiro. Por sua vez, partem do princípio que a convergência através das normas internacionais poderá ser considerado um modelo menos oneroso já que as normas das organizações internacionais são mais genéricas e abrangentes que as da UE, mas implica igualmente uma forte percepção de legitimidade das normas internacionais (maior que a atribuída a possíveis congéneres europeias), e implica também um bom poder negocial da UE. E, por último, que o modelo menos invasivo e mais legítimo do ponto de vista do Estado vizinho será o modelo de convergência através de normas desenvolvidas bilateralmente. Este modelo – coordenação – é aplicado quando o poder negocial da UE e a percepção de legitimidade são baixos e geralmente reflecte “uma combinação equilibrada dos interesses e visões políticas de cada uma das partes implicadas” (p. 30).

A análise empírica

Este conjunto de factores – modelos de convergência, variáveis independentes, áreas temáticas e Estados vizinhos – demonstra a dificuldade em estabelecer à priori o modelo de convergência a adoptar. Para mais, é-nos demonstrado que a cada um dos diferentes modelos de convergência corresponde um impacto e um modo de interacção diferentes e, os diferentes exemplos retirados dos estudos de caso, tornam-se desconcertantes para quem procurar estabelecer um conjunto de regras pré-definidas para aplicação de cada método de convergência.

No capítulo III, por exemplo, dedicado às questões energéticas, os autores demonstram que apesar de o principal modelo de convergência ser feito através das normas europeias (muitas vezes devido ao vazio normativo internacional), a aceitação dessas normas europeias não implica uma europeização imediata mas antes uma “reforma gradual e selectiva” (p. 82) nos sectores energéticos dos países analisados.

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Por sua vez, a política de imigração e de asilo referida no capítulo VI, demonstra-nos inclusive que, dentro de uma mesma área temática, podem ser aplicados diferentes modelos de convergência, já que no subsector da imigração ilegal a União Europeia promove fundamentalmente a convergência através da europeização, no subsector da imigração legal a convergência é feita através de normas bilaterais e, ainda, em matéria de asilo, é feita uma convergência combinada entre normas internacionais e normas da UE.

No que diz respeito à influência das variáveis independentes, é-nos demonstrado que no caso da boa governação, no capítulo VII, o modelo de convergência é afectado não só consoante a temática mas também consoante o país em questão, já que por exemplo, a Argélia, que tem um poder de negociação muito alto devido aos recursos energéticos, torna-se um “parceiro relutante” (p. 171) em relação à Política Europeia de Vizinhança e procura manter uma relação num nível de cooperação entre iguais.

O caso específico da Argélia demonstra que apenas 5% das relações com a UE são efectuadas através de uma convergência mediante as normas comunitárias (p. 177), sendo dada uma forte prevalência às normas negociadas bilateralmente. Pelo contrário, é-nos demonstrado que em países onde o poder de negociação da União Europeia é maior, como é o caso da Ucrânia e da Moldávia que já afirmaram a sua aspiração à adesão à UE, a europeização é o modelo de convergência mais frequente.

Conclusão

Esta obra é bastante rica em exemplos práticos que respondem às questões levantadas no seu início. As conclusões obtidas contrariam a teoria que a União Europeia age de forma unilateral, já que o modelo de convergência com base nas normas comunitárias

éo menos frequente (a única excepção é o caso da Turquia, dada a sua situação de país em processo de adesão). De facto esta análise vai demonstrar que “as normas da UE figuram como padrões de convergência em apenas 23% dos casos examinados, uma percentagem inclusivamente menor que a das normas negociadas bilateralmente” (p. 181). O modelo de convergência mais frequente é feito com base nas normas internacionais devido às variáveis independentes: reflecte um menor poder negocial por parte da UE e tem maiores probabilidades de serem percepcionadas como legítimas junto do Estado vizinho.

Nesta perspectiva, a acção da União Europeia na relação com os Estados vizinhos não encaixa no conceito identificado inicialmente de “hegemonia normativa regional”. Apesar de se constatar que a sua Política Europeia de Vizinhança foi criada com o intuito de convergência através das normas da União, a União Europeia está “sujeita a uma série de constrangimentos internos e externos” (p. 190), tal como qualquer actor internacional. Num momento crítico da construção europeia como o que estamos a presenciar, estas reflexões são, sem dúvida, de grande utilidade.

Como citar esta Recensão Bibliográfica

Duarte, Rita (2011). Recensão Crítica de Barbé, Esther (Directora) (2010). La Unión Europea más allá de sus fronteras. Hacia la transformación del Mediterrâneo y Europa Oriental?. Madrid: Tecnos: 196 pp., JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 1, Primavera 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n1_rec1.

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