OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

NOTAS E REFLEXÕES

PORTUGAL 2010: O REGRESSO DO PAÍS DE EMIGRAÇÃO?1

Jorge Malheiros

Professor associado do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. Investigador do Centro de Estudos Geográficos.

Desenvolve trabalho na área das migrações internacionais com destaque para questões de gestão de fluxos, de integração social e económica dos migrantes, dos problemas da segregação e das relações transnacionais das comunidades imigradas

Durante cerca de 15 anos, entre inícios da década de 90 e meados do presente decénio, a emigração portuguesa adquiriu um estatuto de quase invisibilidade na abordagem dos fenómenos migratórios associados a Portugal, tanto por parte de políticos, como de académicos. A imigração, para muitos sinónimo de país desenvolvido, que num contexto de modernização e crescimento económico, não só assegurava emprego para todos os autóctones como necessitava de colmatar diversos défices sectoriais (desde os “clássicos” como os verificados na construção civil, nas obras públicas ou no emprego doméstico até aos “novos” como a agricultura, alguns segmentos da indústria e cada vez mais o comércio retalhista), assumiu quase todo o espaço reservado nas agendas política, académica e social ao fenómeno das migrações internacionais.

As evidências empíricas demonstram bem este processo, tendo sido criado neste período uma entidade governamental destinada a tratar das questões da integração dos imigrantes – o Alto-Comissário para a Integração e Minorias Étnicas (ACIME), em 1995; transformado em Alto-Comissariado em 2001, com um substancial reforço de competências e verbas e, posteriormente, no Alto-Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (actual ACIDI, IP), que criou dois Centros Nacionais para dar respostas a este público complementados com uma rede de 87 Centros Locais. Em simultâneo, a Rede Consular portuguesa foi “optimizada”, tendo-se reduzido o quadro de proximidade relativamente a diversos núcleos de concentração dos emigrantes portugueses, o que é sintomático de alguma desvalorização da emigração, como atesta igualmente o progressivo desaparecimento dos mecanismos de recolha e difusão de informação regular sobre os stocks e fluxos migratórios portugueses (os dados do Inquérito aos Movimentos Migratórios de Saída – IMMS – deixaram de ser disponibilizados pelo INE a partir de 2003 e só há poucos meses foram publicadas estimativas da emigração no contexto das Estatísticas Demográficas; os Censos quase

1In memoriam de Maria Ioannis Baganha, investigadora notável da área das migrações, inspiradora de muitos de nós e, sobretudo, uma verdadeira amiga.

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

Jorge Malheiros

excluem a emigração), apenas contrariados com a criação do Observatório da Emigração, em 2008.

Embora alguns políticos venham, recentemente, chamar a atenção para o facto, supostamente normal, de Portugal ter uma “dupla natureza, de país de origem e de país de destino de fluxos migratórios”2 (Vitorino, 2007: 20), isto acontece apenas no momento em que os relatos e os dados relativos ao número de saídas, mesmo que incompletos e com hiatos, apontam para um crescendo e uma diversificação da emigração. Efectivamente, nos anos 90 ou na primeira metade do presente decénio, quando os valores do IMMS estimavam saídas da ordem dos 27 a 28 000 indivíduos anualmente (como aconteceu no período 1995-1999, em 2002 ou em 2003) e as remessas dos emigrantes suplantavam o volume dos fluxos comunitários e ainda representavam 3% do PIB (agora correspondem a cerca de metade), a miopia da agenda política relativamente à questão dos fluxos emigratórios era significativa, sendo apenas concedida uma atenção tímida à denominada diáspora, consolidada, antiga e numerosa (com um valor situado entre 2,5 e quase 5 milhões, consoante se contabilizem naturais de Portugal ou pessoas de origem portuguesa)3, como atestam, entre outros, o ressurgimento do Conselho das Comunidades Portuguesas (19964) e a promulgação da legislação que estendeu – com restrições, é certo - o direito de voto nas eleições presidenciais aos portugueses residentes no exterior, em 1997.

Mas, como referimos acima, o posicionamento da academia nacional também reflectiu, ao longo deste período, este processo de invisibilização da emigração portuguesa. Enquanto o número de teses e trabalhos de investigação sobre imigração se multiplicou de modo quase exponencial nos últimos 15 anos, os estudos sobre emigração minguaram. Apenas como elemento ilustrativo, é significativo que a base bibliográfica sobre emigração portuguesa do Observatório da Emigração faça referência à publicação de apenas 17 livros sobre esta temática em Portugal, enquanto no âmbito exclusivo do Observatório da Imigração foram publicados, em apenas metade deste período, cerca de 40 títulos sobre diferentes facetas da imigração para Portugal (e ficam de fora as dezenas de obras publicadas por centros de investigação e editoras…)5.

E esta desproporcionalidade no tratamento dos dois fenómenos também passou para a comunicação social nacional, que multiplicou as notícias sobre imigração e minorias étnicas entre meados dos anos 90 e a segunda metade do presente decénio. Como atestam Ferin Cunha e Santos (2006; 2008)6 nos seus estudos sobre a presença deste fenómeno na imprensa e na televisão, entre 2003 e 2005, o número de notícias é crescente, o que justifica a afirmação de que estas questões “entraram definitivamente como temática nos jornais televisivos” (Ferin Cunha e Santos, 2008: 100). Já a

2Vitorino, A. (2007) “Introdução aos relatórios dos workshops realizados no âmbito do Fórum Gulbenkian

de Imigração” in Vitorino, A. (coord.), Imigração: Oportunidade ou Ameaça? – Recomendações do Fórum Gulbenkian Imigração, Princípia, Estoril, 2007, p.19.

3Pires, R.P. (coord.) (2010), Portugal: Atlas das Migrações Internacionais, Tinta da China, Lisboa, p.92.

4O primeiro Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) foi criado em 1980 e exerceu a sua actividade como órgão consultivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros entre 1981 e 1987, tendo sido desactivado no ano seguinte. O actual foi criado em 1996 pela Lei n°48/96 de 4 de Setembro. Sobre

este assunto, ver Aguiar, M. M. (2009) “O Conselho das Comunidades Portuguesas e a representação dos emigrantes”, in Padilla, B.e Xavier, M. (org.), Migrações, n.º 5, Lisboa: ACIDI, pp. 257-262.

5Não se consideraram, em qualquer das fontes de informação utilizadas como referência, publicações de carácter histórico, dedicadas exclusivamente a movimentos migratórios anteriores a meados do século

XX.

6Ferin Cunha, I. e Santos, C.A, (coords.) (2006), Media, Imigração e Minorias Étnicas II. Lisboa, ACIME e Ferin Cunha, I. (2008) e Santos, C. A. (coords.) Media, imigração e minorias étnicas: 2005-2006, Lisboa, OI/ACIDI, 2008.

134

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

Jorge Malheiros

emigração portuguesa, embora tenha sido objecto regular de notícia ao longo deste período, tende a aparecer de modo mais esporádico na comunicação social nacional, verificando-se um tradicional incremento nos meses de verão, quando os emigrantes regressam a Portugal para passarem o período estival.

Naturalmente, pode perguntar-se se o reforço da visibilidade da imigração nas agendas política e pública no período considerado não é amplamente justificado, por um lado pelo significativo crescimento e diversificação (regional, nas formas de inserção profissional…) dos fluxos de entrada, sobretudo nos anos de transição do século e, por outro, pela necessidade de dar uma resposta social eficaz ao fenómeno assegurando, em simultâneo, igualdade de direitos, controlo da eventual xenofobia nacional e condições de integração justas. Embora estejamos cientes de que sim, isto não justifica o apagamento da emigração enquanto fenómeno social e político que, efectivamente, continuou a ocorrer na sociedade portuguesa no decénio de 90 do século passado e nos primeiros 10 anos do presente. Efectivamente, o que parece ter-se verificado, para além do normal balanço em direcção à imigração suscitado pelo crescimento significativo e repentino do fenómeno, corresponde a um processo de uma certa invisibilização social do fenómeno emigratório em Portugal, sobretudo na sua dimensão fluxos, largamente promovido pelo poder político – a que se associaram a academia, a comunicação e outros poderes -, que o rotulou como algo de um passado que se queria esquecer, porque supostamente significaria pouco desenvolvimento, fraca dinâmica de emprego, atraso…

Mas, como veremos nas próximas linhas, a emigração portuguesa manteve-se sempre, tendo as redes sociais que lhe servem de suporte sido activadas com maior intensidade a partir de meados deste decénio, quando o modelo económico adoptado para o crescimento do país nos últimos anos começou a dar claros sinais de esgotamento.

A evolução recente da emigração lusa – intensidades, destinos e perfis

Se a emigração portuguesa se manteve activa nos anos 90, é no último decénio que as várias fontes a que temos acesso começam a dar sinal de um reforço no número de saídas, no contexto de um processo que conjuga a activação de novos destinos (e.g. Reino Unido e Espanha, com mais intensidade entre finais do decénio passado e 2007; Angola, nos últimos três anos), com a reanimação de redes migratórias pré-existentes, como as do Luxemburgo ou da Suíça.

Em termos concretos, embora não existam dados actuais exactos sobre os fluxos da emigração portuguesa, os valores existentes apontam para um volume que não deverá estar distante das 70.000 saídas anuais, na segunda metade do presente decénio. Este número, que é elevado e cresceu cerca de 30% da primeira para a segunda metade dos anos 10 do presente século (Quadro 1), tem de ser interpretado à luz de dois factores que o diferenciam da situação ocorrida na década de 60 e início de 70 do século passado: por um lado, o quadro de mobilidade alterou-se significativamente, ocorrendo uma porção significativa da emigração no espaço de livre circulação da União da Europeia; por outro, uma parte substancial desta emigração assume uma lógica temporária e não definitiva, facto que também é favorecido pelas possibilidades de livre circulação.

135

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

Jorge Malheiros

Quadro 1 - Fluxos de entrada de portugueses nos principais destinos

(médias 2005/06 e 2008/2009)

 

Média

Média

Taxa de

 

variação

 

(05-06)

(08-09)

 

05/06-08/09

 

 

 

Alemanha

3395

4341

27,9

Espanha

16993

13298

-21,7

Holanda

1021

1993

95,3

Luxemburgo

3779

4531

19,9

Reino Unido

10705

12605

17,7

Andorra

2438

722

-70,4

Suiça

12290

15629

27,2

Angola

156

12631

7996,5

EUA

1267

859

-32,2

Brasil

536

694

29,4

TOTAL

52577

67302

28,0

Notas: Holanda e Luxemburgo (2005/2006 e 2008); Angola (2006 e 2008/2009). Não existe informação para França.

Fonte: Observatório da emigração (compilação de dados baseada em várias fontes)

Esta relevância do carácter temporário da emigração é suportada, não só pelos dados do Inquérito aos Movimentos Migratórios de Saída (IMMS) divulgados pelo INE até 2002 e 2003, e que apontavam uma percentagem deste tipo de fluxos correspondente a cerca de ¾ do total, mas também pelo facto de Portugal ser um dos 6 países do Espaço Económico Europeu com maior volume de colocações no exterior7 em 2007 (Figura 1). Isto demonstra que os portugueses continuam a utilizar o espaço europeu como destino emigratório e, sobretudo, como espaço de movimento laboral, tendo este processo sofrido um incremento nos últimos anos.

Contudo, uma análise dos principais países de destino, com excepção da França para a qual não é possível obter dados sobre os fluxos anuais, mostra que não só a Europa não é o único destino relevante da emigração portuguesa, como mesmo dentro deste ocorreram alterações. Na verdade, a emergência de Angola como destino crescente da emigração portuguesa após 2005/2006 (Quadro 1), é o melhor exemplo do processo actual de recomposição relativa dos destinos da mobilidade internacional de portugueses, que podem tirar partido de países emergentes, com taxas de crescimento económico elevadas, nomeadamente aqueles que têm o português, o espanhol ou inglês como línguas oficiais e que manifestam carências ao nível de mão-de-obra com qualificações intermédias (ou mesmo elevadas) em sectores como a construção civil, as obras públicas ou o turismo.

7As colocações no exterior reguladas pela União Europeia correspondem a “trabalhadores que, por um período de tempo limitado, exercem a sua actividade profissional num país que não aquele onde habitualmente trabalham”. Exclui indivíduos que trabalham por conta própria ou que, por sua própria iniciativa, procuram emprego fora do seu país, dizendo portanto respeito aos activos que as próprias empresas deslocam temporariamente para o estrangeiro, para aí desenvolverem o seu trabalho. A este propósito, ver Directiva 96/71/EC do Conselho Europeu e Eurofound (2010), Posted Workers in the European Union. Dublin, European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions.

136

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

JANUS.NET, e-journal of International Relations

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ISSN: 1647-7251

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jorge Malheiros

 

 

 

 

Figura 1 - Colocações no exterior em 2007 - países do Espaço Económico

 

 

 

 

 

 

 

Europeu com 5000 e mais colocações

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

300

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

250

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

200

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

x 1000

150

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

100

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

50

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

0

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

a

a

 

 

da

 

 

 

l

ica

 

 

 

o

 

a

 

 

 

ria

 

 

 

ia

 

 

ia

 

a

 

a

 

a

 

 

 

 

ia

 

ia

 

ç

h

 

 

 

 

 

 

 

 

 

g

 

h

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

r

 

ç

ni

 

 

 

 

r

 

 

n

 

Fran

 

Polónia .

 

eca

n

 

 

uga

 

 

 

 

 

r

 

Unido

 

 

 

 

g

 

 

 

 

u

 

slovén

st

 

Sui

 

Romén

 

écia

lgá

 

 

 

 

 

h

 

 

 

 

 

 

 

u

 

 

 

 

 

 

 

 

q

 

 

 

 

ó

 

 

 

 

â

 

 

 

la

 

t

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

n

 

 

 

 

 

 

 

st

u

 

 

 

u

 

 

C

 

r

 

 

 

 

 

 

b

 

 

 

 

 

 

 

 

á

 

 

 

u

 

 

 

 

 

 

 

 

Ho

 

o

 

 

 

Bélg

 

m

 

 

 

span

H

 

 

 

 

 

 

 

 

Á

 

 

E

 

 

 

u

 

Li

 

 

 

 

 

 

 

 

P

 

 

 

 

 

e

 

 

 

 

 

E

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E

 

 

 

 

 

 

B

 

 

 

 

 

 

 

Aleman

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

slov

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Finlândia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lux

 

 

Reino

 

 

 

 

 

 

 

Dinamarca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rep

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas esta recomposição dos destinos emigratórios dos portugueses também ocorreu na própria Europa, emergindo entre inícios do presente decénio e a crise de 2008, a Espanha (principal destino dos fluxos de portugueses) e o Reino Unido, como espaços muito atractivos para os oriundos de Portugal. Nestes casos, contudo, as qualificações dos portugueses parecem assumir um carácter assimetricamente dicotómico, uma vez que a percentagem relativa elevada de activos a desempenharam profissões muito qualificadas (quase 20% no Reino Unido; cerca de 11% em Espanha) é contrabalançada pelo valor relativo ainda mais elevado daqueles que desempenham actividades não qualificadas (23,5 e cerca de 26%, respectivamente – Quadro 2).

Quadro 2 - Elementos comparativos dos stocks de emigrantes portugueses em França, Luxemburgo, Espanha e Reino Unido, 2000 (algumas características básicas)

 

 

 

 

Reino

 

França

Luxemburgo

Espanha

Unido

Quadros superiores do público e privado e dirigentes

3,4

2,6

7,1

12,1

Profissões intelectuais e científicas

2,0

1,4

3,6

7,4

Pessoal dos serviços e vendedores

2,9

8,8

17,3

26,7

Operários e afins

51,4

34,1

23,8

5,7

Trabalhadores não qualificados

8,4

32,9

23,5

25,9

Percentagem de pop. Com ensino superior

4,1

2,9

7,5

19,3

Percentagem de mulheres

48,7

47,2

51,7

50,8

Percentagem de pop. 15-24 nos maiores de 15

3,8

14,3

11,1

17,4

Fonte: OECD - DIOP - Database on Immigrants in OECD countries

137

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

Jorge Malheiros

Dos destinos europeus mais tradicionais, a Suíça, 2º maior receptor de fluxos de portugueses, assume destaque, para além do Luxemburgo (e, em menor grau, Andorra) que, dadas as suas dimensões demográfica, se têm de considerar destinos relevantes da actual emigração portuguesa. Já a França – apesar da carência de informação – e a Alemanha, que no período mais intenso das obras públicas de reconstrução dos Estados da antiga RDA, chegou a ser um dos dois ou três principais destinos dos portugueses, perderam algum do protagonismo de outrora.

Em síntese, a emigração portuguesa apresenta números com significado, ainda fornece contributos relevantes para o PIB nacional, apesar do ligeiro decréscimo observado após 2007 e que tem de ser atribuído às consequências da crise económica em muitos dos principais lugares de destino (2588,5 milhões de euros em 2007; 2281,9 em 2009, que correspondiam a cerca de 1,4% do PIB) e, apesar de continuar a utilizar as redes sociais já existentes em muitos países (Suíça, Luxemburgo, Andorra, França…), evidenciou um processo de recomposição que tira partido, em simultâneo, das proximidades geográficas e histórico-culturais (Espanha; Angola) e das dinâmicas económicas regionais num quadro de globalização e de facilitação das mobilidades à escala global.

Figura 2 - Estruturas etárias dos fluxos de portugueses (02/03 e 08/09)

100%

 

 

80%

 

 

60%

 

 

40%

 

> 44 anos

 

 

 

 

30-44 anos

20%

 

15-29 anos

 

 

0%

2002/2003

 

 

2008

 

 

Adicionalmente, os perfis dos emigrantes portugueses parecem estar a sofrer alterações – as modificações estruturais no perfil das qualificações dos cidadãos nacionais associadas ao crescimento do desemprego entre os jovens, muitos dos quais qualificados, contribuem para o ligeiro rejuvenescimento (Figura 2) e a diversificação dos tipos de “emigrante português”. Hoje, embora prevaleça a sobre-masculinização dos fluxos, a presença das mulheres é crescente, ultrapassando os 40% nos dados avançados pelo INE para 2008 (figuras 3a e 3b).

138

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

Jorge Malheiros

Figuras 3a e 3b - Composição por sexos da emigração portuguesa

2002/03 e 2008

Fluxo emigratório português segundo o sexo, 2002-2003

Mulheres

Homens

Fluxo emigratório português segundo o sexo, 2008

Mulheres

Homens

Fonte: INE, Estatísticas Demográficas 2003, 2004 e 2010

Quanto aos modos de inserção profissional, para além das diferenças associadas às características e oportunidades dos mercados de trabalho dos vários destinos, verifica- se a existência de uma componente vulnerável relevante, com baixos níveis de instrução que se insere nos segmentos não qualificados do mercado de trabalho e, também, de uma componente com qualificações médio-baixas e intermédias que, nos países de destino mais recentes (Espanha e, sobretudo, Reino Unido), está muito mais presente no sector dos serviços do que nos países de emigração antiga (França,

139

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

Jorge Malheiros

Luxemburgo), onde a construção civil e, em menor grau, a indústria transformadora são dominantes. Para além destas, é crescente a presença de emigrantes qualificados nos novos destinos (Quadro 2), o que atesta uma nova face da emigração portuguesa. Embora seja simplista falar de uma “fuga de cérebros”, já em 2000, Portugal aparecia como o 3º país da UE com maior taxa de emigrados entre os licenciados (13%)8, sendo cada vez mais significativo o número de jovens altamente qualificados que, no quadro de qualquer das etapas da fileira formação pós-graduada-projecto/estágio-inserção no mercado de trabalho, não regressam ao país. Por outro lado, o prolongamento da situação de estagnação económica com sistemático crescimento do desemprego, associado aos elevados níveis de precarização do trabalho e à lenta reconversão de um modelo produtivo tradicionalmente assente em mão-de-obra intensiva e barata, poderão acentuar mais ainda o número de saídas e, sobretudo, coarctar o eventual “vai-e-vem” dos qualificados.

O perfil contemporâneo dos emigrantes portugueses: das malas de cartão às malas de couro acompanhadas por pastas de executivo e sacos desportivos

O emigrante português contemporâneo tende a inserir-se mais no quadro dos fluxos temporários do que definitivos, é essencialmente jovem (mais de 55% têm menos de 30 anos) e predominantemente do sexo masculino, embora as mulheres já representem mais de 40% dos fluxos. Os indivíduos com níveis de instrução baixos ou médio-baixos ainda parecem ser os mais numerosos, o que conduz a formas de inserção profissional em segmentos pouco qualificados da indústria transformadora ou da construção civil. Contudo, é crescente o número de jovens com níveis de instrução médios e elevados que está a emigrar, o que se reflecte numa maior presença no sector do comércio e serviços e, também, nas profissões mais qualificadas (comparem- se, no quadro 2, as percentagens de quadros superiores e profissionais científicos+técnicos nos países de emigração mais antigos – França e Luxemburgo -, onde não ultrapassam os 6%, com as percentagens dos mesmos grupos profissionais em Espanha - cerca de 11% - e no Reino Unido – quase 20%).

Esta diversificação nos perfis, mais jovens, mais mulheres, mais qualificados, tem sido acompanhada por modificações nos destinos principais. Desde o decénio de 90 do século XX que o Reino Unido se afirmou como um destino preferencial na UE, tendo a Espanha emergido como o principal receptor já na presente década (média anual de quase 18 000 emigrantes portugueses entre 2005 e 2009). Dos países tradicionais de emigração, a Suíça continua a ser um espaço fundamental (média anual para o período referido um pouco acima das 14 000 pessoas), detendo os fluxos direccionados para Alemanha, Luxemburgo, Andorra, Bélgica e Holanda algum significado, ainda que muito inferior ao observado no caso helvético.

Fora do espaço europeu, foi o crescimento económico de Angola e o seu processo de modernização que mais atraíram fluxos emigratórios de portugueses, sobretudo a partir do momento – após 2007 - em que a crise económica veio atenuar as saídas para destinos como a Espanha.

8Pires, R.P. (coord.) (2010), Portugal: Atlas das Migrações Internacionais, Tinta da China, Lisboa, p.94.

140

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

Jorge Malheiros

E o futuro? Da emigração como drama à emigração como mais-valia…

Atendendo aos cenários de evolução da economia portuguesa que têm sido traçados para os próximos anos, a emigração portuguesa não tenderá a reduzir-se sendo mesmo muito provável que se acentue no curto prazo, designadamente no quadro da livre circulação comunitária, sobretudo se alguns dos estados onde já existem redes migratórias lusas recuperarem da crise num prazo mais curto do que Portugal e se outros países com os quais as ligações sócio-culturais são intensas mantiverem ou acelerarem os seus ritmos de crescimento económico e modernização, como é o caso de Angola ou mesmo do Brasil. Adicionalmente, outros países emergentes podem vir a tornar-se destinos de emigração qualificada e técnica, como é o caso da China, designadamente se alguns factores facilitadores se vierem a conjugar (reforço dos investimentos recíprocos, maior número de jovens a aprender mandarim, melhor aproveitamento de Macau como porta de entrada na China). Por último, destinos tradicionais distantes menos afectados pela crise (e.g. Canadá) podem também ser reactivados, para além de ser previsível que o quadro de circulação migratória (prática de períodos de trabalho temporário em diversos destinos) de muitos profissionais portugueses, não só se mantenha, como se possa mesmo acentuar.

Em termos de fluxos, as expectativas apontam para valores anuais relativamente elevados em termos absolutos (entre 75 e 100 000), que correspondem a cerca de 1,3- 1,8% dos activos portugueses, com uma componente crescente de qualificações intermédias e elevadas (se bem que não necessariamente dominante), muitos deles com um carácter marcadamente temporário, o que significa uma alternância ao longo do ano entre Portugal e destinos externos. Sumariamente, a curto prazo, parece estar- se perante uma tendência para a dupla diversificação – i) a dos destinos migratórios, mitigada pelo facto das redes sociais dos portugueses actuarem como propulsores de movimentos para destinos tradicionais; ii) a dos perfis dos emigrantes, atenuada pelas qualificações relativamente baixas dos indivíduos mais velhos9.

Embora estes valores possam, num primeiro olhar, ser entendidos como algo quase dramático, no fundo uma perda económica (em termos de mão-de-obra) e demográfica para o país, tal como aconteceu nos anos 60 e início de 70 do século passado, tal interpretação deve ser sujeita a uma análise mais profunda. Efectivamente, os contextos de globalização e integração europeia marcam hoje uma situação completamente distinta da que se verificava há 40-50 anos atrás, o que significa que economias pequenas, abertas e periféricas como a portuguesa estão inevitavelmente sujeitas a posicionar-se enquanto receptoras e emissoras de mão-de-obra, no quadro do reforço das interdependências económicas e da mobilidade internacional da mão-de- obra, sobretudo no espaço de livre circulação, mas não apenas neste.

Perante esta inevitabilidade da emigração, pelo menos no curto-médio prazo, o desafio coloca-se ao nível do modo como esta deve ser incorporada nas políticas internacionais. Se a opção passar por um “disfarçar” dos fluxos (porque emigração significa atraso; porque é uma evidência do crescimento desemprego, etc.), relegando-os para a periferia da agenda política e não criando as condições necessárias para uma circulação de qualidade (valorização das remessas financeiras, mas também das mais-valias

9Segundo o INE, em 2008, os maiores de 44 anos ainda representavam cerca de 16% do fluxo (figura 3).

141

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 133-142

Portugal 2010: o regresso do País de emigração?

Jorge Malheiros

associadas à experiência e reforço das qualificações dos jovens emigrantes; efectivação de acordos entre empresas e centros de investigação portugueses e estrangeiros que tenham emigrantes como ponte; manutenção de serviços consulares que garantam uma assistência eficaz às comunidades; efectivação de acordos bilaterais ou multilaterais ao nível da CPLP sobre movimentos migratórios…), então a perda pode ser significativa. Se, pelo contrário, a emigração ocupar um lugar visível na agenda política

-o que significa conferir-lhe, igualmente, respeito e valorização social no espaço público -, assumindo Portugal que há uma importante “nação móvel” que pode contribuir para o desenvolvimento do país, então os emigrantes poderão constituir-se como uma mais-valia para o difícil processo de recuperação económica e, sobretudo, de recomposição da auto-estima nacional.

Como citar esta Nota

Malheiros, Jorge (2010). "Portugal 2010: o regresso do País de emigração?". Notas e Reflexões, JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 1, Primavera 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n1_not3.

142