OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 2 (Primavera 2011), pp. 124-132

NOTAS E REFLEXÕES

A CRISE PORTUGUESA, O RESGATE INTERNACIONAL E O CRESCIMENTO

ECONÓMICO

Manuel Farto

Professor Associado no Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa (UTL). Licenciado em Economia pelo ISEG, Doutor em Economia pela UTL por equivalência do doutoramento em Histoire de la Pensée Économique, obtido na Universidade de Paris-X, Nanterre. É Professor Visitante da Universidade de Orléans (França) e da Universidade Federal da Paraíba (Brasil), e subdirector da revista JANUS (UAL/Público). Exerceu vários cargos públicos, designadamente de Chefe de Gabinete do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e Subdirector Geral do Ensino Superior e académicos, tendo sido Vice-Presidente do Conselho Directivo do ISEG. Participou em várias conferências nacionais e internacionais e publicou vários artigos em revistas e livros. Os seus principais interesses de investigação são: Macroeconomia, Economia Internacional, História do Pensamento Económico e Politica económica.

Henrique Morais

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Mestre em Economia Internacional (ISEG). Docente na Universidade Autónoma de Lisboa (cursos de Gestão e Relações Internacionais) e na Universidade do Algarve (MBA de Finanças Empresariais). Assessor do Banco de Portugal, no Departamento de Reservas e Mercados.

Actualmente encontra-se requisitado pela CP, E.P.E. para desempenhar funções de Vogal do Conselho de Administração da CP Carga, SA. Colaborador em revistas e anuários na área da economia, designadamente no Janus – Anuário de Relações Exterior (UAL/Público).

O modelo em que assentou o crescimento da economia nas últimas décadas está esgotado, podendo este esgotamento ser observado pela estagnação do crescimento económico na última década, pelo agravamento dos desequilíbrios, e em particular pelas dificuldades crescentes em assegurar o financiamento da economia e do estado em condições aceitáveis.

E, não se pense que a situação será mais fácil para Portugal por nos encontramos inseridos num clube de países ricos. Na verdade, estamos convictos de que uma política económica, e em especial uma política monetária, com carácter menos restritivo, por parte das entidades europeias poderia facilitar e aligeirar o movimento de transição da economia portuguesa para um novo modelo, mas é preciso não ter ilusões sobre os limites da solidariedade deste clube onde estamos inseridos.

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A crise portuguesa, o resgate internacional e o crescimento económico

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%Gráfico 1 - Produto Interno Bruto - taxa variação anual

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15º, só Itália pior...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Chipre

Portugal

1986-1989

Itália

Holanda

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1990-1999

Áustria

Grécia

2000-2010

Eslováquia

Mundo

doÁreaeuro

EuropeiaUnião

Luxemburgo

 

 

 

Espanha

Finlândia

França

 

 

 

Bélgica

Alemanha

 

 

Malta

Eslovénia

 

 

 

 

A crise que vivemos presentemente, surgida na confluência de uma crise de contornos internacionais com fundamentos nacionais, apresenta-se com uma complexidade particular pelas restrições que impendem sobre a economia portuguesa. À necessidade de mudanças profundas e coerentes, implementadas com bom senso e diálogo, junta- se agora uma incontornável urgência.

1. A economia portuguesa e as restrições actuais

A política monetária não depende de nós e pode não ser a mais favorável. Mais, dado o peso e influência da Alemanha, uma aceleração da economia alemã, nada improvável, pode conduzir a alterações da política monetária num sentido contrário aos nossos interesses. Se a esta eventual ausência de sincronia acrescentarmos alguma ortodoxia anti-inflacionista, que nos é particularmente desfavorável no actual contexto, temos fundadas razões para temer os efeitos da política monetária da zona euro sobre a nossa economia, designadamente com a persistência de uma política de moeda forte. Mesmo o financiamento da nossa economia até agora fortemente dependente da boa vontade do Banco Central Europeu poderá vir a defrontar-se em breve com dificuldades adicionais.

A política orçamental está e permanecerá limitada pelo Programa de Estabilidade e Crescimento, o qual deverá ganhar no futuro um carácter ainda mais rígido por efeito da grave crise da dívida soberana verificada em vários países da União Europeia, com todo um conjunto de limitações, obrigações e penalizações que se anunciam. As restrições serão ainda maiores para a economia portuguesa com as consequências que se adivinham.

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A crise portuguesa, o resgate internacional e o crescimento económico

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O menor crescimento tendencial dos nossos principais parceiros, designadamente a Espanha, constitui igualmente um factor adicional a dificultar o incremento das nossas exportações e a reposição de alguns dos desequilíbrios perdidos.

O contexto externo à União Europeia é igualmente muito difícil para uma economia como a portuguesa, pouco competitiva e com fraca tradição exportadora. O desenvolvimento da globalização com crescente importância dos países emergentes acresce a concorrência sobre a nossa economia surgindo com cada vez mais força em áreas e produtos onde assumimos alguma relevância. A concorrência dos novos Estados da União Europeia e emergentes (comércio, atracção do Investimento Directo Estrangeiro, partilha das ajudas comunitárias e deslocalização empresarial) constitui um desafio tremendo para a capacidade competitiva da nossa economia e uma dificuldade acrescida para dar início a uma retoma em condições sustentáveis.

Por seu lado, os custos de trabalho elevaram-se e existem por via da globalização muitas outras alternativas que afectam muito negativamente a atractividade do país face ao investimento internacional e mesmo nacional. Acresce que, como resulta dos acordos europeus e das dificuldades por que passa a própria Europa, os fundos comunitários não deixarão de se reduzir proximamente.

Neste quadro, a geografia periférica, já referida, manifesta-se com mais força, dificultando a localização de novas empresas e pressionando fortemente novos processos de deslocalização. É de crer igualmente que os próprios sistemas de apoio à actividade económica se distanciem dos padrões europeus dificultando ainda mais o incentivo a investir e a produzir o que conduzirá a uma tendência para que os equilíbrios se ajustem em patamares inferiores do produto, riqueza e qualidade de vida e bem-estar. E, não esqueçamos, a este propósito, que em termos de rendimento per capita a nossa economia continua a comparar mal com a restante Europa.

270Gráfico 2 - PIB per capita em paridades de poder de compra - 2009

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área do euro = 100

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Irlanda

Alemanha

Bélgica

França

Finlândia

Espanha

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Eslováquia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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A crise portuguesa, o resgate internacional e o crescimento económico

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A crise social que tende a aprofundar-se, com todo um cortejo de miséria e sofrimento, a fragilidade dos poderes constituídos no actual quadro político e a falta de tradição de diálogo social, sereno e profícuo, dificultará em muito a possibilidade de um pacto social, de grande importância nas condições actuais, minará a coesão social e conduzirá muitos portugueses a retomarem os caminhos incertos da emigração.

2. As perspectivas futuras ou os trabalhos de Hércules

Àcrise de produtividade e competitividade que se exprimia no alargamento tendencial dos desequilíbrios, a crise internacional adicionou uma insuficiência da procura que destruiu uma parte significativa do aparelho produtivo, com inúmeras falências de empresas e aumento brutal do desemprego. Infelizmente, a estas juntou-se finalmente uma crise de dívida soberana que obriga a políticas pró-cíclicas que continuarão a destruir a capacidade produtiva e a gerar desemprego. A recessão e estagnação parecem ter por consequência boas condições para se estabelecerem sustentadamente, conduzindo os portugueses a um empobrecimento generalizado.

Numa tal situação, urge levar a cabo um programa de ajustamento estrutural e crescimento que reduza drasticamente os desequilíbrios mais imediatos e prossiga uma política que permita ultrapassar os bloqueios mais fundamentais e construir um modelo de crescimento sustentado que garanta uma taxa de crescimento anual da economia tendencialmente acima de 2,5%. . Sem cumprirmos este objectivo dificilmente se poderão acomodar as consequências dos desequilíbrios passados e restaurar os equilíbrios fundamentais num quadro de coesão social.

Assim, o rumo que assumimos e que supomos ter um largo consenso entre os economistas só pode ser o do crescimento do produto, da produtividade e da competitividade, dando à economia portuguesa uma nova característica: a de produtor internacional.

Neste sentido, uma reorientação da oferta para os bens transaccionáveis, em especial para exportação para novos países e regiões de crescimento potencial mais elevado, constitui a primeira linha de orientação fundamental. O estímulo à exportação de bens e serviços torna-se um eixo de orientação permanente utilizando todos os instrumentos susceptíveis de produzirem resultados neste domínio, desde o desenvolvimento de uma política de crédito e de seguro de crédito à exportação até à atribuição de benefícios fiscais e implementação de uma diplomacia económica agressiva.

Esta orientação requer o desenvolvimento de estratégias e operações empresariais mais sofisticadas, que implicam uma acentuada melhoria da capacidade do país em termos de inovação e produtividade exigindo, por seu lado, um aumento da qualificação dos empresários e trabalhadores e a implementação de políticas públicas activas e selectivas.

Para resolver um problema é necessário primeiro identificá-lo. E, no caso dos factores de produção, conviria percebermos que as fragilidades dos empresários e dos trabalhadores portugueses não radicam apenas em questões de organização, mas

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também na sua qualidade intrínseca, que pode ser melhorada com mais e melhor formação.

A melhoria do ambiente de negócios, designadamente com o funcionamento atempado do sistema judicial, bem como a eliminação dos estrangulamentos em matéria de infra- estruturas como o novo aeroporto ou as ligações ferroviárias e rodoviárias dos nossos portos ao hinterland espanhol devem fazer parte do conjunto de correctas prioridades a estabelecer.

Não será inadequado apoiar especificamente alguns sectores, em particular quando exista algum consenso sobre a matéria, sobretudo quando se tratem de sectores ainda em consolidação e longe da maturidade, como as energias renováveis ou o automóvel eléctrico, ou que possam estar associados a recursos algo particularizados como o mar ou a alimentação mediterrânea, onde possam existir ou vir a ser criadas vantagens comparativas/ competitivas. Neste sentido, a re-industrilização competitiva e o desenvolvimento do potencial da fileira agro-industrial surgem como orientações a implementar.

Uma oferta competitiva e de dimensão superior exige uma melhoria da capacidade de captar investimento nacional e internacional por parte da nossa economia. Mais e melhor investimento aumentarão a actividade económica, o produto, o emprego e o rendimento. É bom não esquecer que uma política de investimento é simultaneamente uma política de crescimento e de emprego, talvez a que tem efeitos mais sustentados e reais. Sem a criação de oferta de empregos a melhoria da qualificação e formação por si só poderão não alcançar os objectivos desejados. Uma tal orientação exige políticas selectivas dirigidas não apenas ao investimento nacional mas igualmente à atracção do investimento internacional.

Estando o investimento público fortemente limitado no presente contexto ele deve ser muito selectivo e bem direccionado para ultrapassar estrangulamentos estruturais existentes que dinamizem o investimento privado. O investimento público na inovação e tecnologia, modernização e desenvolvimento deverá ser reforçado no futuro como meio de induzir igualmente um crescimento sustentado do investimento privado nesta área e mais geralmente na economia.

Do nosso ponto de vista, mais do que criar às empresas expectativas mais favoráveis de despedimentos mais baratos no futuro, urge agir nos factores que podem influenciar directamente os investimentos em Portugal, designadamente nos custos e impostos.

A reestruturação fiscal poderá constituir um instrumento indispensável para incentivar o investimento. Num país sem moeda e política monetária próprias e com limites a uma gestão orçamental exuberante dadas as restrições existentes (impostas pelo endividamento excessivo), a política fiscal constitui um instrumento fundamental para a orientação dos recursos. Assim, o facto de o país deter já uma carga fiscal elevada não nos deve levar à inércia fiscal defendendo simplesmente a sua manutenção.

Isto significa uma orientação no sentido de reduzir muito significativamente os custos da actividade empresarial e de discriminar positivamente a nível fiscal as empresas e trabalhadores que contribuem para a consolidação das nossas contas externas. Este choque poderia vir a incorporar uma alteração no sistema de financiamento da Segurança Social com uma significativa redução das contribuições empresariais

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compensada por aumentos de impostos ou taxas na área do consumo e em sectores até agora favorecidos.

No momento presente a estratégia de desenvolvimento exige ainda do lado da oferta o controlo dos custos salariais, embora naturalmente com participação dos trabalhadores nas melhorias que se venham a registar na produtividade. Uma legislação laboral mais flexível na gestão do tempo de trabalho poderá igualmente contribuir para melhorar a eficiência das empresas. Todavia, é preciso notar, os salários e a legislação laboral não têm constituído bloqueios de monta ao crescimento económico em Portugal, nem a sua deterioração em desfavor dos trabalhadores constituirá uma condição do desenvolvimento futuro.

Basta notar, em relação aos salários, que o crescimento médio dos salários nominais na função pública foi de 3.4% entre 2000 e 2009 confronta com uma inflação média no período de 2.6% o que denuncia a fraqueza do argumento que responsabiliza os desequilíbrios orçamentais pelos aumentos dos salários. Mais, a redução média dos salários da função pública de 5% prevista para 2011 implicará que entre 2000-2011 teremos assistido a um aumento dos salários reais de 1.9%, i.e., menos de 0.2% ao ano! Nada que se compare com os 6.6% de crescimento real (média anual) na década de 90, ou os 6.8% na década de 80.

Épreciso notar nesta altura que o desenvolvimento do sector de bens transaccionáveis necessário para atingir o nível de crescimento adequado da economia, a que aludimos anteriormente, pode revelar-se insuficiente se apenas insistirmos na vertente exportadora. Na verdade, a urgência e profundidade da reorientação da oferta, exigidas pela amplitude actual dos desequilíbrios, torna necessário simultaneamente um amplo processo de aumento da produção nacional que substitua produtos actualmente importados. Nem o facto de existirem múltiplas dificuldades na sua implementação nem o seu carácter “démodé” devem obstar às mudanças de comportamentos e atitudes que o permitam!

Em relação à procura torna-se, pois, necessário alterar atitudes e comportamentos de modo a reduzir importações e estimular aumentos do consumo que se dirijam especialmente para produção nacional. Algumas substituições de importações podem ser operacionalizadas de imediato, exigindo apenas vontade. A maior parte dos países desenvolvidos têm induzido comportamentos e atitudes proteccionistas informais, tão operativas e eficientes como as prescrições tradicionais, obviamente incompatíveis com as economias abertas de hoje.

Neste sentido, alguns impostos podem ter que aumentar, penalizando o consumo, para que outros possam descer de forma significativa para permitir reduzir os custos das empresas e alavancar o investimento. Note-se, de resto, que o consumo privado tem crescido na última década muito acima do PIB com forte incidência na importação.

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Gráfico 3 - Consumo Privado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Média da Década (%)

 

Consumo Privado (tca)

 

No domínio da reforma institucional é indiscutível que alguns progressos foram realizados, entre os quais destacaríamos dois: a redução de burocracia com várias acções dignas de nota e a reforma da segurança social, retirando-a de uma trajectória clara de insustentabilidade. Todavia, em muitos outros domínios as tentativas de reformas foram frustradas, como na Administração Pública, ou produziram resultados totalmente opostos, como é o caso da justiça.

No curto prazo, é indispensável reduzir a dimensão e o custo do Estado, aumentando a sua eficiência. O controle da despesa pública, eliminando despesas inúteis, reduzindo o número de institutos, mantendo apenas os de cariz técnico ou de regulação e reduzindo o número de funcionários, são r exemplos de medidas que urge implementar. A racionalização do funcionamento do sector público autónomo, promovendo designadamente um quadro de controlo físico e financeiro das PPPs que permita reduzir os enormes estragos por elas causados ao país, constitui seguramente uma exigência nacional. Levar a cabo uma política de orçamentação de base zero poderia igualmente constituir um instrumento disciplinador da despesa pública.

Um sector fundamental para que se possa prosseguir uma estratégia de desenvolvimento sustentado é o da justiça. No passado, o principal defeito da justiça era a morosidade e ineficiência, designadamente em sectores fundamentais para o desenvolvimento da economia. No presente, pressente-se e especula-se sobre anomalias muito mais graves, como a politização da justiça, o que coloca em causa o terceiro pilar do Estado de Direito e descredibiliza o próprio país. . Sem a introdução de uma clara ruptura institucional neste sector que possa ser percebida exteriormente dificilmente a atractividade da economia portuguesa poderá ser alterada.

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A educação e formação aos diversos níveis continuam a ser uma limitação ao desenvolvimento do país, apesar dos importantes progressos e de muita despesa feita nesta área. Em qualquer caso, a melhoria da sua qualidade e a elevação da qualidade dos nossos recursos humanos deve persistir como uma linha de orientação incontornável. Medidas simples como o reforço dos horários no sistema escolar de algumas disciplinas como a matemática, português e ciências podem permitir alterar em muito os resultados actuais.

3. A necessidade e limites do apoio externo

Não desconhecemos o elevado custo social de muitas das medidas propostas, que por isso tenderão permanentemente a ser adiadas. Mas acreditamos que o seu protelamento terá graves consequências para o país. O risco de o nosso actual modelo de funcionamento entrar em colapso, com a consequente necessidade de medidas muito mais gravosas, do ponto de vista do bem-estar da população, cresce a cada dia.

A este propósito, ao preparar um texto para o JANUS 2011 em Outubro de 2010 escrevíamos: “É por esta razão que sublinhamos a urgência e é também em nome dessa urgência que entendemos ser inadiável o recurso a ajuda externa para enfrentar a presente situação. É nossa convicção que um programa desta natureza não poderá ser executado num ambiente de dependência total dos chamados mercados, i.e., num permanente assédio de especuladores internacionais pressionando de maneira usurária o preço do dinheiro”.

Igualmente neste quadro afirmámos então: “Por tudo isto, o recurso ao Fundo Monetário Internacional deve ser considerado sem qualquer preconceito e numa óptica de custo/benefício cujo saldo reputamos de positivo. Porque ajudaria a criar um quadro estável para a política económica numa perspectiva, digamos de três anos, porque permitiria acrescer a credibilidade das políticas a nível nacional e internacional, reduzindo o custo das difíceis medidas a implementar e porque o envelope financeiro seria menos oneroso do que a persistência no financiamento através dos mercados. Confessaríamos, é certo, os erros da nossa política económica precedente mas essa realidade já não passa despercebida a ninguém”.

A perda de tempo transformou um pedido de apoio num resgate internacional. Apesar disso, a negociação que presentemente decorre com a “troica internacional” não altera fundamentalmente a orientação que temos vindo a propor. Pelo contrário. É necessário ter em conta que as políticas propostas por aquelas entidades internacionais não deixarão de se pautar por uma orientação de carácter “cosmopolita1 limitada e insuficiente para corresponder à dupla ambição da “Economia política” nacional: o ajustamento das contas nacionais (públicas e externas) e a retoma de um crescimento sustentado da actividade económica.

A implementação de um programa deste tipo requer um grande esforço de concertação por parte dos parceiros sociais, rompendo coma tradição e procurando encontrar novos caminhos de consenso. No entanto, na sua ausência e independentemente dos apoios externos a que tenhamos que recorrer nesta fase, torna-se indispensável que empresários, trabalhadores e governantes compreendam a verdade elementar de que

1List, Friedrich (2006). Sistema Nacional de Economia Política. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

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A crise portuguesa, o resgate internacional e o crescimento económico

Manuel Farto e Henrique Morais

não há estrada real para o crescimento sustentado da economia e melhoria do bem- estar dos portugueses e se unam em torno de um acordo social coerente, clarividente e pragmático. Só assim, e se tal for feito com urgência, evitaremos o caminho das trevas que se perfila neste momento no horizonte.

Como citar esta Nota

Farto, Manuel; Morais, Henrique (2011) "A crise portuguesa, o resgate internacional e o crescimento económico". Notas e Reflexões, JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 1, Primavera 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n1_not2.

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