OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 97-118

A GESTÃO DAS PESSOAS E DO CONHECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES

– OS DESAFIOS DAS PRÓXIMAS DÉCADAS

João Paulo Feijoo

Consultor em Qualidade, Processos de Negócio, Capital Humano e Gestão da Mudança, e Country Manager para Portugal da Finalta. Docente convidado em programas de formação de executivos e de pós-graduação (UAL). Quadro superior do Millennium bcp (1990-2005), onde dirigiu áreas de qualidade, formação e desenvolvimento de carreiras, recrutamento, coordenação de agências e comunicação interna. Fundou e dirigiu a Eureko Academy (1994-96). Foi membro e presidente do Eureko Human Resources Activity Group (1997-2002).

Cursou Engenharia Mecânica no IST em Lisboa. Frequentou um grande número de cursos e seminários no domínio dos Recursos Humanos e da gestão, em Portugal e no estrangeiro, com destaque para Seminário para a Alta Direcção do BCP (INSEAD) e Programa de Alta Direcção de Empresa (AESE).

Este artigo foi escrito de acordo com o novo Acordo Ortográfico

Resumo

As caraterísticas das organizações e a forma como elas gerem o capital humano serão condicionadas, nos próximos 15 a 20 anos, pela evolução de oito processos com uma presença global: o primado do conhecimento, a globalização, o envelhecimento populacional, a importância do papel da mulher, o contrato psicológico, a erosão da autoridade tradicional, e a emergência de novos valores organizacionais. Estes oito condicionantes são analisados, e apontadas as suas tendências de evolução.

Estes processos estão a conjugar-se para transformar as organizações da segunda e terceira décadas do século XXI em estruturas mais complexas e mais plurais, com fronteiras mais difusas, arquiteturas abertas e dispersas, e forças de trabalho escalonadas em vários níveis de envolvimento que comunicam entre si e com o exterior por meio de redes globais.

Estas organizações colocam desafios inéditos à gestão de pessoas, como as consequências do aumento da idade da reforma, ocupação e a produtividade dos colaboradores idosos, o convívio entre três gerações na força de trabalho, a inteligência intercultural, a evolução das motivações, o significado do mérito, a gestão do talento em organizações abertas, e as novas formas de liderança requeridas num contexto mais igualitário, mais fluido e mais disperso.

A situação portuguesa é abordada à luz das semelhanças e das diferenças em relação quer à evolução dos condicionantes analisados, quer às medidas recomendadas para o caso geral. São identificadas as suas peculiaridades, e discutido o impacto que poderão ter sobre as políticas e práticas de gestão de pessoas a adotar no período em apreço..

Palavras-chave

Gestão das pessoas; capital humano; economia do conhecimento; redes globais; organizações abertas

Como citar este artigo

Feijoo, João Paulo (2011). "A gestão das pessoas e do conhecimento nas organizações

os desafios das próximas décadas”. JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 1, Primavera 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n1_art7.

Artigo recebido em Setembro de 2010 e aceite para publicação em Março de 2011

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A gestão das pessoas e do conhecimento nas organizações – os desafios das próximas décadas João Paulo Feijoo

A GESTÃO DAS PESSOAS E DO CONHECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES

– OS DESAFIOS DAS PRÓXIMAS DÉCADAS

João Paulo Feijoo

Compreender a mudança

No dealbar da segunda década do século XXI, o mundo enfrenta um conjunto de desafios sem precedentes na história da humanidade: esgotamento dos recursos alimentares e energéticos, alterações climáticas, destruição dos habitats, sobrepopulação, urbanização e envelhecimento global, alterações profundas na ordem política e económica mundial.

Estes fenómenos conjugam-se para provocar profundas alterações em todos os aspetos das nossas vidas: na forma como nos relacionamos com os nossos familiares, colegas e amigos, na forma como nos deslocamos e como comunicamos, na forma como consumimos e nos alimentamos, na forma como trabalhamos e descansamos.

Esta dinâmica de mudança transforma inevitavelmente as organizações enquanto agentes económicos e instituições sociais, afetando de forma significativa os fatores – missão, produtos, intervenientes, recursos, cultura – que definem e condicionam a sua atividade. Estas transformações estão também a exigir respostas inovadoras na forma como as organizações gerem o seu capital humano – os seus trabalhadores e o conhecimento por eles detido e aplicado no exercício da sua atividade.

Para compreender o sentido e o alcance destas respostas é necessário identificar os fenómenos que mais diretamente impactam a realidade organizacional e as suas políticas e práticas de gestão do capital humano.

A escolha destas causas é sempre subjetiva e não exaustiva, e condicionada pela visão e pelas preferências do autor. Houve contudo a preocupação de selecionar processos suficientemente discretos e autónomos, que não constituam duas facetas de uma mesma realidade, e suficientemente síncronos para que os seus efeitos se façam sentir durante um mesmo período de 10 a 20 anos. A escolha recaiu sobre os seguintes oito fenómenos:

-A importância crescente do conhecimento como fator de produção

-A globalização

-O envelhecimento global

-A evolução tecnológica (em particular, mas não exclusivamente, no domínio das TIC - tecnologias de informação e comunicação)

-A importância crescente do papel da mulher nas organizações

-A alteração do contrato psicológico entre o trabalhador e a organização

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-A erosão das formas de autoridade tradicional

-A emergência de valores como a responsabilidade social das organizações (RSO) e o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar (work-life balance)

Como se pode verificar, apesar de autónomos, estes fenómenos são em larga medida interdependentes: estão ligados por uma teia complexa de efeitos conjuntos, com múltiplas e variadas instâncias de reforço ou de amortecimento mútuo, tais ondas à superfície de um plano de água cujas cristas se sobrepõem e cujas cavas se afundam à medida que se entrecruzam.

Os fatores em presença

a. O predomínio do conhecimento como fator de produção

A segunda metade do século XX assistiu ao nascimento dos knowledge workers, ou “trabalhadores do conhecimento”: trabalhadores cuja atividade exige a aplicação de conhecimentos especializados adquiridos por meio de uma educação formal prolongada. Tem existido desde sempre uma elite intelectual dedicada a atividades saber-intensivas – médicos, professores, cientistas, juristas – mas a massificação de uma classe laboral com aquelas caraterísticas teve início apenas após a Segunda Guerra Mundial, e nas próximas duas décadas ela tornar-se-á certamente o grupo profissional mais numeroso.

O conhecimento é hoje o fator de produção mais importante e mais escasso, e as suas propriedades determinam as caraterísticas das chamadas “sociedade do conhecimento” e “economia do conhecimento”,

O conhecimento é especializado. A sua incorporação num produto final implica por isso a intermediação de uma qualquer forma de organização que assegure a necessária interdisciplinaridade. Até muito recentemente, a forma mais eficiente era a empresa funcionalmente integrada, centralizada e concentrada. A natureza imaterial do conhecimento, a existência de um mercado global de talento e as possibilidades criadas pelas TIC estão hoje a fazer emergir alternativas radicalmente inovadoras: alianças, organizações abertas e em rede, envolvimento dos clientes e fornecedores (co-criação, crowdsourcing), etc.

O conhecimento torna-se rapidamente obsoleto. Esta “perecibilidade” obriga a uma formação permanente, ao longo da vida, em complemento da formação inicial. A distinção entre “estudo” e “trabalho” como duas etapas da vida sucessivas e estanques tenderá a desaparecer nas próximas décadas. Para não se desatualizar, para estar “em forma” como um atleta de alta competição, o conhecimento tem de ser constantemente aplicado, o que exige uma quantidade de oportunidades muitas vezes fora do alcance de departamentos especializados. A solução poderá ser a autonomização e posterior fusão dessas unidades, de maneira a poderem prestar serviços a várias organizações e adquirirem a escala indispensável para serem suficientemente bons no seu ramo.

O conhecimento é facilmente transmissível. Ao contrário dos stocks de matérias- primas, das instalações e das máquinas, é difícil confiná-lo num lugar: no final do dia de trabalho, sai pela porta da organização com o trabalhador que o detém. As

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tentativas para converter o conhecimento tácito em conhecimento explícito, ou seja, para o codificar e descrever de forma a autonomizá-lo do indivíduo que o detém, esbarram sempre em dificuldades intransponíveis de interpretação e de contextualização. Além disso, a sua natureza imaterial permite a sua rápida difusão à distância, hoje imensamente facilitada pela existência de redes globais.

Na verdade, os trabalhadores do conhecimento tendem a identificar-se cada vez mais com a sua especialidade do que com a organização em que a exercem. Graças à revolução das TIC, cada vez lhes é mais fácil relacionar-se com outros “profissionais do mesmo ofício” pertencentes a outras organizações. A sua primeira lealdade está a transferir-se da organização em que trabalham para o “ofício” que exercem.

O facto de o conhecimento ser detido pelos trabalhadores e não pelas organizações significa, ironicamente o cumprimento da profecia marxista da apropriação coletiva dos meios de produção. Paradoxalmente, porém, estes permanecem firmemente na posse do capital, por intermédio dos fundos de pensões e outros veículos de investimento das poupanças desses mesmos trabalhadores, que controlam a maioria do capital de muitas empresas (Drucker, 2001).

b. A globalização

A globalização é o processo de integração das economias nacionais numa economia transnacional, por meio de fluxos de bens (comércio internacional), de capitais, de pessoas (turismo, migrações), e do conhecimento.

Este processo intensificou-se a partir do final da década de 80 com a entrada de três mil milhões de novos consumidores, produtores e aforradores na economia global de mercado, em consequência da dinâmica gerada pela desagregação do bloco soviético, do final das “guerras por procuração” entre aquele e o bloco ocidental e da abertura da China.

Esta expansão foi suportada pela liberalização do comércio internacional e dos fluxos de capitais e pelo desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) que, ao reduzir drasticamente os custos de transação, tornaram dispensáveis os modelos organizacionais baseados na centralização, na concentração e na integração vertical, e possibilitaram a externalização e deslocalização de vastos segmentos das cadeias de valor para países ou regiões de mão-de-obra mais barata, levando a um enorme aumento da capacidade produtiva global.

O resultado foi um crescimento espetacular da criação de riqueza, que conduziu a uma melhoria generalizada das condições de vida da população mundial.

A globalização fez surgir um mercado global de trabalho, em que o talento compete entre si à escala planetária. Este mercado é potenciado pela escassez que começa a fazer-se sentir em consequência do envelhecimento demográfico e do desalinhamento entre o output dos sistemas educativos e as necessidades da economia, e revela-se especialmente dinâmico nos dois extremos do espetro de qualificações – os trabalhadores menos qualificados por um lado, e os técnicos altamente especializados e os quadros diretivos de topo por outro – alimentando quer a imigração de trabalhadores pouco qualificados para as economias mais desenvolvidas, quer o fenómeno mais recente da “fuga de cérebros”.

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A esta mobilidade internacional de “ciclo longo” há que acrescentar as carreiras internacionais compostas por expatriações de maior ou menor duração, bem como todo o tipo de viagens de negócios, e ainda o que se poderá designar por “mobilidade virtual”, isto é, o contacto regular com trabalhadores de outros países e culturas sem necessidade de deslocação física, potenciado pelo predomínio do “trabalho do conhecimento” e suportado pelas novas TIC.

Todos estes tipos de mobilidade estão a fazer emergir um ambiente de trabalho caraterizado por um alargamento brutal das redes de relações e uma exposição intercultural sem precedentes – que paradoxalmente tem sido acompanhado pela adoção acrítica de uma cultura organizacional e de um modelo de gestão de matriz anglo-saxónica, cujas caraterísticas não raras vezes se revelam desajustadas às culturas nacionais em presença.

c. O envelhecimento global

Dos oito fenómenos escolhidos como condicionantes do futuro da gestão das pessoas, o envelhecimento global é o que se apresenta com um maior grau de certeza, pois todos os desenvolvimentos que vão determinar a evolução da população mundial nas próximas duas ou três décadas já ocorreram e são conhecidos.

Este problema não é exclusivo dos países ditos desenvolvidos. Trata-se de um processo global, que embora tenha começado mais cedo naqueles, já em marcha nas economias emergentes onde de resto vai desenrolar-se com muito maior rapidez.

Na China, o índice de fertilidade já só é de 1.79 – bastante inferior aos 2.1 do limiar de substituição; aliás, só se mantém acima daquele valor em algumas províncias do interior, pois nas províncias mais desenvolvidas do litoral já não ultrapassa 1.5. Na Índia, o nível de fertilidade nacional ainda é de 2.81; contudo, a fertilidade já caiu abaixo do limiar de substituição num conjunto de estados com uma população combinada superior a 200 milhões de pessoas.

Uma população em rápido envelhecimento e uma força de trabalho cada vez mais escassa levam a um aumento do rácio de dependência. Prevê-se que na Europa a população ativa (15-64 anos) se reduza em 20.8 milhões de indivíduos entre 2005 e 2030, e a proporção de dependentes idosos aumente de 1 por cada 4.2 para 1 por cada 2.4 ativos1 entre 2000 e 2030,

1No Japão, onde o envelhecimento se fará sentir de forma ainda mais acentuada, o agravamento será de 1/3.8 para 1/1.9 ativos

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Ilustração 1 – Comparação das quotas (percentagem) das faixas etárias 0-14,

0-24, 65+ e 85+ na população total, EU-25, EUA e Japão, 2000-2050

Fonte: Eurostat 2004 Demographic Proj. (Baseline scen.); UN World Population Prospects (2002 Rev. - Medium variant)

Ilustração 2 – Rácio de dependência (idosos) total de indivíduos com 65+

anos / total de indivíduos com 15-64 anos

EU25

CC

Europa

América

América África

China

Índia Japão

Ásia

Oceânia Mundo

 

 

(outros)

do Norte

Latina

 

 

(outros)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: UN World Population prospects (2002 Rev. - Medium Variant); For EU25 : Eurostat 2004 Demographic Projection (Baseline scenario); CC= BG, RO, HU, TR

A imigração a partir de países com uma demografia ainda pujante tem vindo assim a intensificar-se, e presença de elevados números de trabalhadores imigrantes nas sociedades mais ricas será uma constante nas próximas décadas.

Estes fluxos transnacionais, embora necessários, não serão suficientes para manter a população ativa em níveis capazes de assegurar algum crescimento económico. Em

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alguns países, é tal a escala do problema que a proporção de imigrantes em relação à população autóctone levaria a uma inevitável reação xenófoba por parte destas últimas2. Por outro lado, os excedentes demográficos nos países de origem tenderão a reduzir-se, em consequência do seu próprio envelhecimento e desenvolvimento económico.

Parece pois inevitável o aumento da idade da reforma, que apesar de impopular (sobretudo entre os trabalhadores mais velhos!), é uma medida inevitável e justificada, uma vez que a “longevidade saudável” têm vindo a aumentar continuamente: a generalidade dos indivíduos atinge a atual idade de reforma de boa saúde e em condições de continuar a trabalhar, e manter-se-á assim durante algum tempo.

Muito provavelmente, com o prolongamento da vida ativa, a transição para a reforma tornar-se-á mais gradual, com uma redução progressiva do tempo de trabalho e períodos de alternância entre atividades profissionais remuneradas e períodos de inatividade. Este fenómeno parece já estar em curso, impulsionado pela necessidade: nos Estados Unidos a taxa de emprego na faixa etária dos 65-74 anos era de 18.5% em 2003, comparada com apenas 5.6% na União Europeia, onde a proteção social é maior.

Esta transição será acompanhada pela mudança e diversificação do vínculo entre a organização e o trabalhador, que passará de trabalhador dependente e permanente integrado na força de trabalho “core” a trabalhador temporário, “boomerang”3, prestador de serviços, consultor mais ou menos independente, trabalhador das organizações fornecedoras e clientes, etc. Neste contexto, é possível que os trabalhadores mais experientes e qualificados, com maior capacidade de liderança e menor aversão ao risco decidam (e sejam encorajados a) dedicar-se aos seus próprios projetos de empreendedorismo, eventualmente a partir algum tipo de relacionamento com sua anterior organização.

Num outro plano, passarão pela primeira vez a coexistir sistematicamente três gerações na força de trabalho da maioria das organizações. O relacionamento entre elas – o confronto entre os respetivos valores, a divisão do trabalho, a relação hierárquica – irá marcar profundamente a vida da organização e alterar de forma radical os dados da gestão das pessoas.

d. A evolução tecnológica

Os meios de comunicação à distância nascidos do rápido desenvolvimento das TIC e da ubiquidade global da internet – desde o correio eletrónico ao instant messaging, da videoconferência aos serviços de banda larga, dos sites de pesquisa às redes sociais – estão na base de uma das maiores revoluções na forma como as organizações se estruturam e funcionam.

2Estima-se por exemplo que em 2020 a Alemanha tenha de acolher anualmente um milhão de imigrantes em idade ativa (sem contar com eventuais familiares) só para manter a população ativa a um nível

constante.

3Diz-se dos reformados que são esporadicamente convocados pelos seus anteriores empregadores para colmatar faltas temporárias de trabalhadores qualificados. Empresas como a Boeing e a Procter & Gamble chamam regularmente engenheiros e quadros intermédios reformados para substituir colegas mais jovens durante períodos de férias ou para integrar equipas de projeto.

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As TIC permitem que as organizações se libertem das suas barreiras físicas e ganhem acesso a reservas de talento que de outra forma dificilmente conseguiriam mobilizar, como especialistas baseados em locais distantes e jovens mães ou idosos que preferem trabalhar a partir de casa. São ainda mais importantes as possibilidades abertas pelo abatimento das próprias barreiras mentais, que permitem explorar um capital humano situado muito para além da sua força de trabalho “convencional”: as “organizações abertas”, a “open innovation”, as “x-teams”, a “co-criação”, o “crowdsourcing” são algumas das buzzwords presentemente na moda que designam esta capacidade inédita de envolver clientes, fornecedores, stakeholders em geral e mesmo simples simpatizantes, nos processos de inovação, desenvolvimento e produção.

As organizações do futuro serão assim estruturas cada vez mais abertas e difusas, constituídas por várias coroas concêntricas em que se movimentam “produtores” ligados à organização por vários tipos de vínculos e de modalidades de envolvimento: trabalhadores a tempo inteiro e em regime de exclusividade, temporários, reformados, prestadores de serviços, trabalhadores de organizações fornecedoras e subcontratadas, clientes, consultores, etc. Estes vários tipos de “produtores” podem movimentar-se entre umas coroas e outras à medida que o seu envolvimento se intensifica ou se atenua, e na maioria dos casos as suas contribuições não exigem a sua presença física continuada.

Os retornos decrescentes da “curva de experiência” típica das organizações tradicionais estão a ser substituídos pelos ganhos crescentes da “curva de colaboração” própria das redes abertas (Hagel e Brown, 2010): em vez de tender para um limite à medida que a experiência “interna” se vai acumulando, o valor criado tende a crescer sempre que novos membros se juntam à rede e contribuem com a sua experiência e as suas ideias.

Apesar dos mecanismos de controlo e censura que alguns estados procuram impor, o acesso à informação e a própria produção de conteúdos continuam a democratizar-se. Em vez de depender passivamente dos conteúdos fornecidos por agregadores (e.g. cadeias de televisão, jornais impressos ou online...), o consumidor de informação pode usar diretamente as funcionalidades das redes (motores de pesquisa, alertas, feeds, tweets, etc.) para selecionar e agregar aqueles que lhe interessam; melhor ainda, qualquer pessoa pode publicar conteúdos por ela criados (notícias, artigos, comentários e opiniões, vídeos, etc.). Este colossal fluxo de informação tem evidentemente uma qualidade muito desigual, mas é continuamente enriquecido, filtrado e depurado por constantes contributos e críticas.

Esta utilização de uma lógica “pull” em vez de uma lógica “push” tenderá a aplicar-se a todo o tipo de recursos, à medida que as novas tecnologias dão aos indivíduos uma escolha cada vez mais ampla e, sobretudo, a possibilidade de reagir com flexibilidade a acontecimentos imprevistos e de explorar de forma criativa as oportunidades por eles criadas, sem ficarem amarrados a planos e previsões criados por terceiros (Hagel e Brown, 2008).

Nas novas organizações do século XXI, o valor passou a residir no conhecimento, e o conhecimento cria tanto mais riqueza quanto mais é partilhado; a “proteção” desse conhecimento, numa lógica de acumulação e de sigilo, resulta invariavelmente na sua

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degradação. É o fluxo de conhecimento, e não o seu “stock”, que está na origem da criação de valor4.

Esta nova lógica representa uma total revolução na cultura de muitas organizações, e o fim do equívoco de que o poder resulta do acesso privilegiado à informação. Uma caraterística sintomática das organizações bem-sucedidas será o fato de as suas hierarquias estarem relativamente mal informadas, já que nunca poderão ambicionar dominar todos os fluxos de informação que atravessam a organização.

e. A ascensão socioprofissional da mulher

A entrada das mulheres no mercado formal de trabalho assume uma dimensão massiva na segunda metade do século XX, em consequência da terciarização da economia e do declínio do emprego no setor secundário.

De um modo geral, o crescimento da participação feminina na economia traduz-se na melhoria do estatuto social e familiar da mulher e está associado à aquisição de direitos civis e políticos, à melhoria do acesso à educação, e ao aumento das suas qualificações.

Cerca de dois terços dos nos novos empregos criados nas últimas décadas em todo o mundo são preenchidos por mulheres, que acumulam um poder de compra crescente – estimando-se que sejam já responsáveis por cerca de 80% de todas as decisões de compra – e têm maior sucesso escolar que os homens.

Contudo, a participação das mulheres na economia, na sociedade e na política em pé de igualdade com os homens continua a ser uma miragem em vastas extensões do globo. Mesmo nos países mais desenvolvidos, as mulheres ganham menos do que os homens, são mais afetadas pela precariedade e pelo desemprego, e continuam conspicuamente ausentes dos lugares de topo na economia e na política.

Na União Europeia (UE-27), um estudo realizado em 2009 sobre a composição dos órgãos executivos de topo de uma amostra de 599 empresas representativas das maiores empresas cotadas dos vários países revelou que só 3% dos presidentes e 11% dos membros dos conselhos de administração ou equivalentes eram do sexo feminino.

A situação é semelhante no que respeita ao exercício de atividades políticas, como mostra o gráfico da ilustração 3: com exceção dos Países Nórdicos, a percentagem de mulheres nos parlamentos nacionais anda à volta dos 20%, e nos Países Árabes cai mesmo abaixo dos 10%.

4A informação que importa manter sob reserva – e.g. determinados detalhes críticos sobre novos produtos em desenvolvimento – representa uma fração muito pequena da informação que circula na organização e através das suas fronteiras, e não põe em causa o princípio geral de abertura enunciado.

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Ilustração 3 – Percentagem de mulheres em parlamentos nacionais em todo o

mundo (2010)

Países Nórdicos

Americas

Europa (OSCE) - com Países Nórdicos

Europa (OSCE) - sem Países Nórdicos Ásia África Subsahariana Pacífico

Países Árabes

0.0%

10.0%

20.0%

30.0%

40.0%

50.0%

Fonte: Inter-parliamentary Union

As dificuldades enfrentadas pelas mulheres resultam essencialmente de dois obstáculos. O primeiro é um problema objetivo e tem a ver com as responsabilidades ligadas à família e a sobrecarga das tarefas domésticas, que podem variar de acordo com fatores culturais, mas estão sempre presentes.

O segundo assenta em mitos e preconceitos quanto à capacidade e motivação das mulheres para desempenhar funções ao mais alto nível: estão menos comprometidas com as suas carreiras, não têm disponibilidade para viajar nem para trabalhar as horas necessárias, o temperamento feminino não tem as caraterísticas certas, as mulheres não são suficientemente assertivas (ou, pelo contrário, são demasiado agressivas), etc.

A superação destes obstáculos é imprescindível para realizar o formidável potencial existente na plena participação da mulher da economia e na sociedade, em igualdade com o homem. As mulheres representam metade da humanidade, e não existe qualquer prova de que a inteligência, a energia e outras qualidades estejam desigualmente distribuídas entre os sexos; as mulheres beneficiam de uma educação cada vez melhor – em muitos países igual ou superior à dos homens. A assunção do papel a que têm direito reforçará a diversidade e pluralidade da força de trabalho, e acarretará mudanças em muitos aspetos da cultura organizacional, incluindo os modelos de liderança, a comunicação interna e externa, a natureza e a resiliência do “contrato psicológico”, a responsabilidade social, e o work-life balance.

f. A alteração do contrato psicológico

Na segunda metade do século XX, este contrato psicológico – ou seja, as crenças, as perceções, as expectativas e as obrigações informais recíprocas entre o trabalhador e a organização que o emprega – evoluiu no sentido de um conjunto de garantias mútuas visando assegurar a paz e a estabilidade laboral: em troco da promessa de segurança e estabilidade do emprego, de tratamento equitativo e de proteção social, os

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trabalhadores comprometiam-se a manter-se razoavelmente dóceis, a permanecer leais e fiéis à organização, a aceitar a separação entre a sua vida profissional e a sua vida privada, e a alienarem ao empregador a gestão da sua carreira.

Este acordo tácito está presentemente sujeito a tensões insuportáveis, e já deixou mesmo de fazer qualquer sentido para as gerações que mais recentemente entraram na vida ativa.

A responsabilidade cabe em primeiro lugar às próprias organizações, cujo comportamento nas últimas duas ou três décadas5 lay-offs, downsizings, reformas antecipadas, redução da proteção social6, aumento da precariedade... – configura uma denúncia unilateral dos termos deste acordo. È certo que muitas destas medidas eram inevitáveis no quadro de uma economia global cada vez mais competitiva, e que provavelmente resultaram na salvaguarda de muitos empregos. Mas não deixam de ser encaradas pelos trabalhadores como uma quebra de compromisso que não teve origem em nenhum comportamento repreensível por parte destes últimos.

Por outro lado, nos últimos sessenta ou setenta anos, a relação entre a longevidade das tecnologias, das organizações e das carreiras inverteu-se por completo. Ainda na primeira metade do século XX, uma determinada tecnologia (e.g. transporte de mercadorias por via marítima) tinha um horizonte de aplicação igual ou superior à “esperança de vida” da generalidade das organizações que a exploravam, e estas empregavam nesse negócio sucessivas gerações de trabalhadores cujas atividades pouco se alteravam com o tempo. Na atualidade, para não desaparecerem, as empresas nascidas para explorar uma determinada tecnologia têm de se reconverter sucessivamente a outras tecnologias que substituíram a inicial. Ao longo de uma vida ativa de 40 anos (e dentro em breve de mais!), o trabalhador é obrigado a atualizar-se permanentemente e, mesmo assim, assiste ao desaparecimento das organizações em que trabalhou, ou à sua transformação a um ponto em que deixam de ter lugar para ele.

Toda esta dinâmica de destruição e reconversão “schumpeteriana”, todas estas constantes fusões e aquisições, transmitem-lhe uma noção de vulnerabilidade das organizações e a suspeita de que, mesmo que estas queiram, não serão capazes de cumprir as suas promessas de estabilidade e segurança do emprego por tempo suficiente.

Conforme discutido mais adiante na secção sobre os valores emergentes, o aumento de participação das mulheres significou o fim da aceitabilidade de subalternização da vida pessoal e familiar, e a primazia conquistada pelo trabalho do conhecimento substituiu a lealdade para com a organização pela identificação mais forte com o grupo profissional.

Por sua vez, a nova geração nascida a partir de 1980 que nesta última década começou a entrar na vida ativa – a “Geração Y” – parece orientar-se por valores que privilegiam a realização nas três vertentes profissional, familiar e pessoal em detrimento da segurança e do sucesso financeiro a curto prazo, e subordina a sua lealdade a qualquer organização a padrões éticos exigentes.

5Muitos autores situam a génese deste processo no início dos anos 80, com a vaga de liberalização e

desregulamentação iniciadas respetivamente nos Estados Unidos e no Reino Unido pelos governos Reagan e Thatcher, então recentemente eleitos.

6Ver p.ex. a conversão dos planos de pensões de “benefício definido” para “contributo definido” que tem sido levada a cabo um pouco por toda a parte nos últimos dois ou três anos.

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Tudo isto conduz à emergência de um novo tipo de contrato psicológico, em que a lealdade à organização já não é determinada pela promessa de estabilidade e segurança, mas condicionada por expectativas de desenvolvimento, de empregabilidade e realização profissional.

g. A erosão das formas tradicionais de autoridade

Na sua forma tradicional, a autoridade é legitimada pelo estatuto, e não necessariamente pela competência. Esta forma de autoridade ainda hoje perdura em inúmeras organizações – em particular nas organizações familiares de menor dimensão onde impera a personalidade do patriarca, e mesmo em grandes organizações fortemente marcadas pelo carisma do seu fundador – mas é, por toda a parte, cada vez mais posta em causa pela convergência de múltiplos desenvolvimentos verificados na economia e na sociedade.

Nas organizações conhecimento-intensivas, a hierarquia assenta na competência demonstrada, pois o trabalhador do conhecimento tem uma extrema dificuldade em aceitar outra fonte de autoridade que não seja o próprio conhecimento. Esta hierarquia

étambém eminentemente plástica: em função do problema enfrentado, a autoridade transita para aquele ou aqueles cuja competência coloca em melhores condições de liderar.

A arquitetura aberta destas organizações, a sua dispersão geográfica e diversidade cultural, e a natureza informal do relacionamento de muitos dos intervenientes na produção do conhecimento – prestadores de serviços, membros de comunidades de prática, e mesmo clientes – torna extremamente difícil a projeção da autoridade pelos meios convencionais de coerção e punição. As redes colaborativas costumam por isso ser fortemente igualitárias, e costumam funcionar satisfatoriamente com uma divisão de responsabilidades meramente funcional e um mínimo de coordenação formalmente atribuída.

A geração mais nova, por sua vez, atribui grande importância à dimensão ética da autoridade, cuja legitimidade dependerá não só das caraterísticas da pessoa que dela está investida – competências, capacidade relacional, etc. – mas sobretudo da bondade das suas intenções. Esta exigência tem vindo a acentuar-se, naturalmente, na sequência da revelação de sucessivos escândalos, fraudes e outros episódios menos dignificantes que ao longo da última década têm vindo a destruir a reputação de líderes outrora prestigiados.

Todos estes processos têm sido potenciados pela crescente ubiquidade do modelo de gestão anglo-saxónico, que encoraja um tipo de relacionamento mais aberto e informal entre superiores e subordinados. Este modelo, porém, provém de uma matriz cultural igualitária e apreciadora da responsabilidade individual, e encontra dificuldades de implantação em culturas mais coletivistas e de maior “distância de poder” (Hofstede, 1991).

Em síntese, está a verificar-se uma crescente rejeição da autoridade imposta a partir do exterior, em benefício de uma autoridade aceite em função das caraterísticas e sobretudo das intenções do líder: a sua competência, a sua capacidade para assegurar a informação e os recursos necessários para o êxito da missão comum, o seu carisma, a sua postura ética e a aceitabilidade dos seus objetivos.

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h. Os valores emergentes

A preocupação com a ética não se limita aos fundamentos da autoridade. Nos últimos anos tem-se assistido a um protagonismo crescente de temas como a responsabilidade social das organizações (RSO), a importância da realização pessoal no trabalho, e o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar (work-life balance). Por detrás de algum aproveitamento oportunista, parece existir uma preocupação genuína com estes temas.

A reivindicação de um maior equilíbrio entre as exigências da profissão e da vida familiar resulta em grande parte do aumento da participação feminina na força de trabalho, e tem por fundamento a procura de um maior equilíbrio entre os papéis do homem e da mulher tanto no trabalho como na família e a melhoria a qualidade de vida familiar.

Por outro lado, aqueles valores correspondem de perto ao ideário da geração “Geração Y”. As desta geração (ver e.g. Pew Research Centre, 2007) revelam algo paradoxal. Por um lado, trata-se de uma geração marcadamente narcísica, criada num ambiente fortemente protetor e paternalista que lhe instilou a crença de ser verdadeiramente especial. Crescida durante o boom económico dos anos 80 e 90, beneficiou de padrões de consumo e de uma educação incomparavelmente melhores do que os dos seus pais, e é contemporânea do advento da competição baseada na qualidade de serviço e da afirmação dos direitos do cliente. Está habituada a exigir, e tem uma aguda sensibilidade à marca – ao ponto de ser exímia no branding pessoal.

Por outro lado, porém, muitos destes jovens adultos viram os seus pais ficarem sem emprego na turbulência das re-estruturações ocorridas naquelas duas décadas, e o momento da sua entrada na vida ativa coincidiu com as sucessivas crises económicas que abalaram o início do século XXI, e com as incertezas relativas ao advento de uma nova ordem mundial de que os ataques de 11 de Setembro de 2001 constituem um marco simbólico. Sobretudo na Europa, o fraco crescimento económico e o desemprego estão a dificultar-lhes o acesso a um trabalho suficientemente gratificante e adiar a sua saída de casa dos pais.

A conjugação destes eventos levou-os a re-equacionar as suas prioridades de vida e a trazer para os lugares cimeiros o tempo disponível para a vida pessoal, a natureza intrínseca do trabalho, a realização pessoal e o crescimento profissional. Ambicionam inserir-se em organizações cujos valores estejam alinhados com os seus próprios valores pessoais, e acreditam que elas devem ter preocupações sociais.

No domínio da política e dos costumes – por exemplo em relação a questões como a homossexualidade, as famílias não convencionais, a imigração e as relações interculturais – exibem uma atitude mais cosmopolita e mais tolerante do que qualquer das gerações anteriores.

No trabalho são impacientes e têm uma elevada autoestima, são fortemente orientados para a inovação e para as tecnologias, e apreciam o trabalho em equipa e a interação em redes informais. Manifestam uma intensa relutância por atividades cujo valor acrescentado não conseguem descortinar. Querem sentir-se a progredir, e precisam de estímulo e reconhecimento frequentes. Não compreendem nem aceitam restrições no acesso à informação e a contactos no exterior da organização.

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Éesta geração, com estes valores, que irá conviver na força de trabalho não com uma, mas com as duas que a antecederam – a chamada “Geração X” e os “Baby Boomers” – cujos valores e prioridades diferem por vezes substancialmente dos seus.

Ilustração 4 – Prioridades relativas das três gerações

Prioridade relativa atribuída ao

Baby-boomers

Geração X

Geração Y

trabalho ou à família

 

 

 

 

 

 

 

Trabalho

22%

13%

13%

 

 

 

 

Ambos

37%

35%

37%

 

 

 

 

Família

41%

52%

50%

 

 

 

 

Fonte: Generation and Gender in the Workplace, 2002

O futuro da gestão de pessoas

A complexidade e intensidade dos fatores em presença dão a escala das transformações que a gestão das pessoas terá de sofrer para responder eficazmente às novas realidades.

i. Gerir a escassez

Nas organizações conhecimento-intensivas que estão a dominar a economia global, o talento é o bem mais escasso.

Esta escassez tem duas origens: a erosão cada vez mais rápida dos conhecimentos gerada pelo constante avanço da ciência e da técnica, e a retração da força de trabalho provocada pelo envelhecimento e declínio populacional. Cada uma destas causas exige respostas específicas.

A constante erosão da base de conhecimentos exigirá a generalização da aprendizagem ao longo da vida. A formação terá de deixar de ser encarada como um recurso escasso, e pelo contrário oferecida em abundância. Contudo, os métodos, os formatos e os canais de distribuição usados serão radicalmente diferentes dos que hoje existem. O elevado risco de desatualização dos conteúdos desencorajará os programas de formação longos e abrangentes, concebidos como investimentos pesados ex-ante destinados a produzir efeito durante um período relativamente longo. Estes programas serão substituídos por módulos mais curtos e de realização mais assídua, cujos conteúdos terão maior probabilidade de produzir um retorno aceitável durante o período em que se mantiverem atuais.

A fragmentação e modularização dos conteúdos facilitarão também a personalização das aprendizagens, permitindo uma variedade quase ilimitada de combinações capazes de satisfazer as necessidades específicas de cada formando. A oferta de formação estará também omnipresente na rede global, sob os mais diversos formatos e de acordo com as mais diversas conveniências: texto convencional, hipertexto, e-learning, animações, vídeos, podcasts, roteiros de realização, interação online com os formadores, etc.

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A modularização e a ubiquidade dos conteúdos permitirão que a aprendizagem passe a organizar-se segundo uma lógica pull em que os indivíduos localizam, selecionam e combinam os recursos que correspondem em cada momento às suas necessidades, e abandone a lógica push em que agregadores especializados decidem que conteúdos são necessários para todo um grupo de indivíduos, em função de previsões centralizadas e de “necessidades médias” cada vez mais falíveis e desajustadas em consequência da incerteza e diversidade crescentes.

As preocupações centrais da formação deslocar-se-ão do planeamento centralizado para a disponibilização do acesso aos conteúdos e das ferramentas de autodiagnóstico e identificação de necessidades pelo próprio indivíduo. A produção de conteúdos estará cada vez mais externalizada, e incorporará um contributo cada vez maior dos próprios utilizadores agindo como “prosumidores” 7 de formação. Acima de tudo, as organizações de sucesso terão de ser verdadeiras “organizações aprendentes”, capazes de gerar, mobilizar e difundir conhecimento em todas as suas atividades.

As medidas para combater a escassez da força de trabalho - imigração, prolongamento da vida ativa - já foram enunciadas na secção sobre o envelhecimento global, tal como algumas das suas possíveis consequências na vida das organizações e na gestão do seu capital humano.

O adiamento da idade da reforma suscita ainda uma outra questão extremamente sensível – a da remuneração no troço final da carreira. Em concreto, a regra de que a esta cresce (pelo menos em valor unitário) até ao final da vida ativa terá de ser re- examinada. Não se trata de que os trabalhadores mais idosos sejam menos produtivos; pelo contrário, sabe-se hoje que o declínio de certas funções cognitivas com a idade é compensado pela experiência. Contudo, a combinação entre o aumento da oferta nesta faixa etária e a competição entre ela e a geração mais jovem, genericamente mais bem preparada, pressionarão inevitavelmente as remunerações da primeira. Ora, esta tendência colide com a oferta de incentivos pecuniários atualmente praticada para encorajar o adiamento da reforma.

j. Gerir a pluralidade

As organizações do futuro movimentar-se-ão num ambiente de extraordinária pluralidade.

O termo é aqui usado expressamente para denotar um conceito mais amplo e mais rico do que o da simples “diversidade”. Esta pluralidade manifesta-se em vários contextos e dimensões. É possível falar:

-Da pluralidade da força de trabalho, caraterizada por múltiplas dimensões de diversidade: a diversidade cultural originada pelos fluxos físicos globais (imigração, expatriações, viagens) e pela interação remota entre dos trabalhadores de países e culturas diferentes; a diversidade geracional provocada pelo convívio inédito entre três gerações; a representação mais equilibrada de homens e mulheres em todas as instâncias das organizações; e por fim, para além da força de trabalho no sentido

7Esta faculdade de produção de conteúdos pelos próprios consumidores, tal como o envolvimento dos clientes nos processos internos das organizações, representa a realização da profecia do “prosumidor” (i.e. simultaneamente produtor e consumidor) proposta por Toffler (1980).

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convencional, a diversidade de inputs e envolvimentos da constelação de stakeholders que juntam o seu contributo ao dos trabalhadores.

-De uma pluralidade funcional, presente na diversificação e desmassificação das atividades dos trabalhadores.

-De uma pluralidade estrutural e geográfica, decorrente da internacionalização, da especialização ou mesmo externalização de algumas operações, e das idiossincrasias das unidades de negócio que entram e saem do perímetro da organização ao sabor de sucessivas fusões, aquisições e alienações; e também da possibilidade de os trabalhadores do conhecimento desempenharem eficazmente as suas funções independentemente do local onde se encontrem.

-E até mesmo de uma pluralidade cronológica, visível na coexistência de partes da organização que se encontram em diferentes fases do seu percurso rumo aos novos paradigmas.

Esta pluralidade representa uma formidável fonte de riqueza, e as organizações vencedoras serão aquelas que melhor conseguirem mobilizá-la.

O desenvolvimento da inteligência intercultural passará pois a ser uma prioridade da gestão das pessoas. É indispensável que os trabalhadores saibam não só valorizar a diferença, mas também dominar os instrumentos necessários para lidar com ela e dela tirar partido: línguas estrangeiras, comunicação interpessoal, aplicações e plataformas de comunicação, conhecimento das caraterísticas das diferentes culturas, e tantos outros. Apesar dos constantes preitos à valorização da diferença e ao desenvolvimento da sensibilidade intercultural, a distância a percorrer é enorme: quantos colaboradores de empresas ocidentais (ou mesmo quantos executivos) com negócios em países islâmicos têm consciência de que o fim de semana nesses países calha à sexta-feira e ao sábado? E quantos conseguem citar os cinco princípios fundamentais do Islão?

Será também indispensável passar de uma atitude dominante de antagonismo para outra de procura ativa da vantagem recíproca: nas organizações abertas, a criação de valor depende fortemente da confiança entre os vários tipos de “produtores” que trocam conhecimento através das suas fronteiras – os clientes que participam na inovação, os profissionais da mesma especialidade que contribuem com soluções técnicas, e até mesmo dos concorrentes que colaboram na definição de normas e standards vantajosos para todos na lógica de “coopetição” preconizada por Toffler (1980).

Em síntese, poder-se-ia afirmar que, perante os desafios e as oportunidades da pluralidade, o papel da gestão das pessoas deverá consistir não tanto na procura dos equilíbrios necessários para garantir a coesão, mas na criação de desequilíbrios controlados suscetíveis de alimentar as diferenças para delas extrair valor, sem contudo nunca deixar ultrapassar os limites a partir dos quais a coesão seja posta em causa.

k. Gerir as motivações e o mérito

Nas organizações abertas e plurais, os fatores de motivação são seguramente muito distintos entre os diversos grupos que as compõem. A identificação e a compreensão destas motivações é essencial para orquestrar eficazmente todo o potencial presente

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nesta “força de trabalho alargada”. Gerir pessoas significa facultar a todas elas estas chaves essenciais para compreender o outro e com ele colaborar. Na organização do futuro, a gestão das motivações não poderá ser uma reserva de competência do líder. A natureza aberta e horizontal do trabalho colaborativo exige que todos os trabalhadores consigam entender aquilo que faz correr todos aqueles com quem se relacionam.

Éum lugar-comum defender a meritocracia como princípio estruturante das relações de poder e autoridade nas organizações. O problema está na definição de “mérito”. Com uma dose de ironia, poder-se-ia dizer que o “mérito” reside nos comportamentos e atitudes que são premiados pela elite dirigente, que vão do contributo objetivo para a criação de valor à “dedicação à empresa” (leia-se “número de horas trabalhado”), à lealdade a determinados círculos e à obediência acrítica aos superiores. Mas isso não é verdade, pois os fundamentos do mérito são um dos mais poderosos fatores de atratividade de uma organização: onde o mérito estiver na afinidade com a elite, só lá estarão os amigos; e onde ele estiver na obediência acrítica, só serão atraídos e retidos “yes men”.

A organização do futuro será muito exigente quanto aos fundamentos do mérito. Em primeiro lugar, evidentemente, a contribuição para a criação de valor. Mas a par desta, todos os comportamentos e atitudes exigidos pelo seu funcionamento: tolerância e valorização da diferença, capacidade de comunicação em todos os contextos, autonomia e iniciativa, procura das vantagens mútuas, curiosidade e aprendizagem permanente, ética. Porque sem estes, aquele valor não pode ser criado. (E para muitos, não vale a pena ser criado.)

l. Gerir fluxos de talento em vez de stocks

O modelo convencional de gestão do talento obedece a uma lógica de acumulação. Uma vez adquirido, o talento deve ser preservado e retido a todo o custo – incluindo diversas formas mais ou menos manifestas de aliciamento e chantagem – e a perda para o exterior é considerada uma rotura litigiosa entre a organização e o trabalhador. Nestas circunstâncias, é legítimo ocultá-lo do exterior, para evitar a cobiça alheia; a participação em reuniões, conferências e eventos afins, tal como a filiação em grupos ou associações profissionais, são desencorajadas, e a pertença a redes sociais é motivo de anátema. A própria formação é preferencialmente conduzida na própria organização, para minorar o risco de contacto com elementos externos.

Este modelo não serve, evidentemente, as necessidades da economia do conhecimento.

Não é possível hoje em dia conceber o desenvolvimento do talento em ambiente fechado. Por razões já apresentadas, a atualização e enriquecimento das competências do trabalhador do conhecimento exigem o seu relacionamento permanente com uma rede que se estende muito para além das fronteiras da sua organização.

Por outro lado, os novos termos do contrato psicológico – que aliás nascem em parte de uma reação contra uma visão tão paternalista – retiram todo e qualquer sentido às estratégias de acumulação e preservação do talento.

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Os novos modelos de gestão das pessoas têm pois de passar a incorporar a gestão do talento para além das fronteiras da organização – uma mudança radical de mentalidades, atendendo a que a rotura litigiosa deve ser substituída por uma saída amigável, e em certos casos mesmo recomendada pela organização. Na organização do futuro, a existência de talento benevolente, disponível e reconhecido para com a organização é um ativo de valor inestimável e facilmente superior ao da sua eventual retenção. A preservação de um bom relacionamento entre as partes vai permitir que ele faça parte das redes da organização, que seja parceiro na partilha de conhecimento, fonte de oportunidades de negócio e de ideias inovadores, e contribuinte de soluções técnicas dentro da sua especialidade.

Gerir fluxos de talento significa pois, sucessivamente:

1.Compreender os tempos, os ritmos e as motivações de carreira de cada trabalhador do conhecimento, e detetar os momentos em que uma transição faz sentido para ele8;

2.Se necessário, tomar mesmo a iniciativa de lhe recomendar essa transição: uma recomendação fundamentada e coerente, ajustada aos projetos do trabalhador, só reforçará a sua gratidão e benevolência futura, mesmo que não se concretize; além disso, permite controlar melhor o risco de perda direta para a concorrência, que pode dificultar as possibilidades de cooperação futura;

3.Manter e acarinhar o contacto para além das fronteiras da organização

m. Uma nova liderança

Tal como agora, os líderes das organizações do século XXI também terão a responsabilidade de motivar e desenvolver os trabalhadores do conhecimento, orquestrar a sua colaboração, e orientar as suas carreiras – mas terão de o fazer de forma muito diferente.

Os trabalhadores do conhecimento têm uma visão essencialmente igualitária acerca de si mesmos. Acreditam que os contributos valem pela sua qualidade objetiva e não pelo estatuto de quem os produz. A natureza do seu trabalho é mais autónoma, e exige-lhes maior iniciativa. As chefias não têm qualquer hipótese de conhecer toda a informação que circula entre os seus subordinados, e muito menos de a controlar e filtrar como forma de exercer o poder. Estes esperam por isso dos seus líderes orientação, estímulo, e os recursos necessários para fazerem o seu trabalho, mas não uma intervenção fortemente prescritiva ou um controlo apertado da sua atividade.

A influência exercida pelos líderes terá por isso que assentar na capacidade demonstrada de agir de acordo com aquelas expectativas. Estará mais próxima da auctoritas dos Romanos – a autoridade dos sábios, que convencem pela pertinência e pela justeza dos seus argumentos, com base na credibilidade do seu testemunho – do que da potestas, ou direito dos magistrados eleitos de exercer coerção e de aplicar punições.

8Esta capacidade já é razoavelmente dominada pelas organizações que praticam uma rotação interna sistemática. A diferença está na possibilidade de a “rotação” se fazer para o exterior.

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A liderança baseada na auctoritas terá um papel fundamental na relação entre gerações. O prolongamento da vida ativa, a transição gradual para a reforma, e a migração dos trabalhadores mais velhos para funções de aconselhamento e apoio traduzir-se-á numa perda objetiva do poder que antes exerciam. Os quadros mais idosos serão gradualmente substituídos nas suas funções de chefia por outros mais novos, mas como permanecerão ao serviço da organização acabarão por ser chefiados estes, no exercício de cargos que os primeiros tinham anteriormente ocupado. É duvidoso que aqueles alguma vez aceitem uma autoridade dos mais novos assente no poder de coerção e de punição. Estes terão de conquistar e merecer essa autoridade a partir do mérito demonstrado – e este, no sentido já aqui defendido, será sinónimo de competência e de resultados, mas também de lealdade, de humildade e de rigor ético.

Só há uma maneira de aprender esta forma de liderar: é aprendendo a ser liderado. Certamente, desde logo, aprendendo com o exemplo dos bons líderes, mas também com tudo aquilo que não deve ser feito, com os comportamentos que, em vez de granjearem a adesão do subordinado, suscitam nele a revulsão e a oposição: a arrogância, deslealdade para com os subordinados, o egoísmo, a incapacidade para dizer não aos próprios superiores, a falta de rigor ético – numa palavra, a falta de caráter. Este treino do followership (ou “seguidança”) dará aos candidatos a futuros líderes uma perspetiva muito mais rica da exigência ética e humana da liderança.

Esta exigência traduz-se, em síntese, no respeito pelas pessoas e por cada pessoa. E no respeito pelos seus valores e interesses, sejam eles o serviço à comunidade, a defesa do ambiente, ou a simples fruição de mais tempo com a família.

Mas para respeitar é preciso conhecer, e conhecer significa relacionar-se, expor-se, e reconhecer a individualidade e especificidade do outro. Ora, a natureza plural e dispersa da organização do século XXI dificulta muito consideravelmente esta descoberta: como conhecer alguém com quem só contactamos por e-mail ou por telefone? Que vive e trabalha a milhares de quilómetros de distância, que fala outra língua, e cuja cultura é tão diferente da nossa?

Este é certamente um dos grandes desafios da gestão das pessoas nas próximas décadas: ajudar a que, apesar de todos os obstáculos e dificuldades, os trabalhadores sejam reconhecidos como pessoas de carne e osso, com as suas ambições e as suas frustrações, as suas convicções e as suas angústias, as suas alegrias e as suas tristezas, o seu passado e o seu futuro – e não como meras representações abstratas numa base de dados, cuja verdadeira realidade nenhuma quantidade de informação, por maior que seja, conseguirá captar.

A situação em Portugal

A problemática da gestão das pessoas em Portugal não difere muito, na sua essência, do panorama apresentado.

Trata-se de uma economia fortemente terciarizada, em que o emprego no setor dos serviços cresceu de 33% para 61% da população ativa entre 1974 e 2009 – um valor típico das economias pós-industriais. É também uma pequena economia aberta, exposta aos ventos da globalização e integrada num espaço de livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais, na qual operam várias empresas multinacionais.

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A sua população é das mais envelhecidas, mas com indicadores comparáveis aos de outros países do Sul da Europa, e a sua taxa de fertilidade está abaixo da média da União Europeia.

Apesar de nos últimos anos ter acolhido um considerável número de imigrantes, continua a ser uma fonte de emigração de trabalhadores pouco qualificados para economias mais desenvolvidas, mas nos últimos anos tem visto crescer a “fuga de cérebros” em consequência da dificuldade que os jovens altamente qualificados têm em encontrar empregos compatíveis com as suas expectativas.

No domínio das TIC apresenta indicadores comparáveis aos de muitos outros países desenvolvidos (penetração da internet e dos serviços de banda larga, adesão a redes sociais...).

Tem uma das mais elevadas taxas de participação feminina na economia, uma das mais baixas diferenças salariais da União Europeia (9.2%), e um elevado output de diplomados do sexo feminino (64%), mas no acesso das mulheres a lugares cimeiros na economia e na política compara desfavoravelmente com os seus pares.

Uma história de instabilidade económica, uma tradição de dependência do poder, um baixo índice de individualismo e um elevadíssimo índice de aversão ao risco (Hofstede, 1991) levam a que a estabilidade do emprego por conta de outrem seja fortemente valorizada em detrimento da iniciativa e do empreendedorismo., o que de resto é reforçado pela rigidez das leis laborais.

A autoridade é marcada por uma elevada distância de poder (Hofstede, 1991), patente na aceitação social da desigualdade de estatuto, nas fórmulas de deferência usadas, e na existência de uma elite dirigente bastante fechada em consequência da pequena dimensão do meio e das relações forjadas na vida política e académica.

De um modo geral, os novos valores organizacionais mostram dificuldade em implantar-se. A preocupação com o work-life balance é subordinada à necessidade de assegurar um rendimento familiar suficiente, que mantém homens e mulheres afastados de casa durante longas horas, agravadas pelo tempo gasto em deslocações nos grandes centros urbanos. A dificuldade de emprego entre os jovens mantêm-nos a viver em casa dos pais até muito tarde, esvaziando aquele conceito de todo e qualquer sentido. A RSO não parece suscitar grande entusiasmo e é vista de forma algo cética, mesmo na sua vertente ambiental (conforme atestam os níveis de reciclagem comparativamente baixos); o voluntariado vegeta, apesar de episódios esporádicos de forte adesão a causas vistas como nobres (e.g. campanhas do Banco Alimentar contra a Fome, e Operação “Limpar Portugal” em Março de 2010).

Perante este panorama, não se afigura que as orientações para a gestão das pessoas em Portugal deva ser muito diferente da preconizada no capítulo anterior. Há no entanto alguns aspetos que merecem ser relevados.

No que se refere à gestão da pluralidade, a sociedade portuguesa parece ser suficientemente tolerante para aceitar e tirar partido de uma muito maior exposição à diversidade. Absorveu sem grande desconforto várias centenas de milhar de imigrantes nos últimos vinte anos, apesar da discriminação visível contra algumas comunidades (africanos pobres, ciganos) – e mesmo esta parece desaparecer ao nível das relações entre indivíduos. Ainda assim, não devem ser poupados esforços no sentido de uma verdadeira educação intercultural das novas gerações, por meio da aprendizagem de

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línguas, de intercâmbios, de viagens, de períodos de estudo ou trabalho no estrangeiro, de pertença a redes sociais internacionais, etc.

Algumas das caraterísticas culturais da sociedade portuguesa – em particular o baixo índice de individualismo e a tradição de dependência (seja ela da família, do empregador ou do Estado), a atribuição causal externa, a forte aversão ao risco, a inveja, e a elevada distância de poder – vão certamente dificultar algumas daquelas orientações.

O baixo individualismo e a aversão ao risco tenderão também a desencorajar a mobilidade profissional e a preservar o contrato psicológico na sua versão paternalista.

Simetricamente, o desenvolvimento de uma atitude mais aberta em relação aos fluxos de talento colidirá frontalmente com o primado do coletivo sobre o indivíduo, com a preferência pela evitação de incertezas e ambiguidades, e com a inveja para com alguém que conseguiu uma situação melhor. Por estas razões, exigirá um esforço muito maior. O mesmo se passará com a procura proativa de vantagens mútuas.

Tal como a aversão ao risco e a apetência pela dependência desencorajarão os trabalhadores mais velhos a encetar projetos de empreendedorismo no troço final das suas carreiras, também a distância de poder e a valorização do estatuto poderão dificultar a convivência e a colaboração intergeracionais.

O advento de uma liderança assente na auctoritas terá dificuldade em vencer a barreira da distância de poder.

Todos estes problemas serão agravados pela natureza do tecido empresarial português, em que 95% das empresas empregam menos de 10 trabalhadores e têm maioritariamente uma estrutura familiar. Pura e simplesmente, estas micro- organizações não têm a dimensão nem os recursos suficientes para por em prática as medidas preconizadas no capítulo anterior, ainda que muitas delas já se movimentem na economia do conhecimento. A única exceção poderia ter a ver com a liderança, já que a pequena dimensão facilita a aproximação entre os trabalhadores e o patrão; a falta de preparação deste (a maioria só tem habilitações ao nível do 1º ciclo do Ensino Básico), a sua insensibilidade ao que significa liderar, e a atitude fortemente paternalista típica das culturas coletivistas são porém obstáculos de monta.

A situação está no entanto longe de ser desesperada. As dificuldades são apenas de natureza quantitativa, e são superáveis com o esforço e o investimento apropriados. Várias das maiores organizações presentes no país, sejam de origem nacional ou multinacionais estrangeiras, já adotam muitos dos princípios e práticas aqui preconizados.

A boa gestão das pessoas na economia do conhecimento é possível em Portugal.

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