OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 55-72

APRENDER A CONSTRUIR UMA PAZ SUSTENTÁVEL:

“APROPRIAÇÃO LOCAL” E PRÁTICAS DE CONSTRUÇÃO DA PAZ.

O CASO DA REFORMA DA JUSTIÇA NO HAITI

Amélie Gauthier

Consultora independente no Centro Norueguês de Consolidação da Paz - Norwegian Peacebuilding Center (Noref) em projecto sobre Juventude e Violência Armada em cenários de pós-conflito. Foi investigadora na área da paz, segurança e direitos humanos da Fundación para las Relaciones Internacionales y el Diálogo Exterior - FRIDE. Mestre em Cooperação Internacional e Gestão de Projectos do Instituto Ortega y Gasset (Madrid), com licenciatura em Administração Internacional e Finanças pela École des Hautes Études Commerciales (HEC) de Montreal. Anteriormente, foi analista política para a Embaixada do Canadá em Madrid. Foi investigadora assistente no livro Perspectives from the Front Lines de George E. Irani, Vamik D. Volkan, Judy Carter (2006).

Madalena Moita

Investigadora portuguesa a terminar a sua tese de doutoramento sobre "As Nações Unidas e Construção da Paz - os casos do Haiti e da Guatemala" na Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Mestre em Estudos da Paz e da Guerra em Nova Relações Internacionais (UAL) com licenciatura em Ciências Políticas e Relações Internacionais (Universidade Nova de Lisboa, Portugal). Consultora da FRIDE (Fundación para las Relaciones Internacionales y el Diálogo Exterior) e de outras instituições, como o NOREF (Centro Norueguês de Consolidação da Paz) e o Instituto Internacional da Paz, centrando-se em processos de paz e de reconstrução pós-conflito. Actualmente trabalha para a Comissão Europeia em diversos projectos sobre a Sociedade Civil.

Resumo

O debate sobre a apropriação local na política de construção da paz é relativamente recente, fruto da reflexão sobre a eficácia da ajuda e da sustentabilidade. Ao debruçarmo-nos sobre a sua aplicação no terreno, como no caso do Haiti, torna-se evidente que a sua inclusão na doutrina de construção da paz de todos os grandes doadores não teve correspondência a nível estratégico e operacional. Este artigo é o resultado de uma pesquisa no terreno sobre a forma como o conceito de "apropriação local" nos esforços de construção da paz é posta em prática e percebido pelas diferentes partes interessadas. As autoras centraram-se na reforma da Justiça em curso no Haiti antes do terramoto de Janeiro de 2010 para melhor compreender a dinâmica entre os actores internacionais e locais, desde a fase de definição de políticas até à sua aplicação a nível nacional.

Palavras-chave

Construção da Paz; Estado de Direito; Justiça; Haiti; Apropriação

Como citar este artigo

Gauthier, Amélie; Moita, Madalena (2011). "Aprender a construir uma paz sustentável: «apropriação local» e práticas de construção da paz. O caso da reforma da justiça no Haiti”. JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 1, Primavera 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n1_art5.

Artigo recebido em Outubro de 2010 e aceite para publicação em Março de 2011

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Aprender a construir uma paz sustentável: «apropriação local» e práticas de construção da paz. O caso da reforma da justiça no Haiti Amélie Gauthier e Madalena Moita

APRENDER A CONSTRUIR UMA PAZ SUSTENTÁVEL:

“APROPRIAÇÃO LOCAL” E PRÁTICAS DE CONSTRUÇÃO DA PAZ.

O CASO DA REFORMA DA JUSTIÇA NO HAITI1

Amélie Gauthier e Madalena Moita

O Haiti é um estudo de caso interessante na investigação da evolução das intervenções internacionais nos conflitos violentos. No país verificou-se como estas têm mudado com a natureza da guerra, desde a chegada de uma primeira operação de manutenção da paz (peacekeeping) no início dos anos noventa à missão integrada de construção da paz (peacebuilding) multidimensional do novo Milénio.

Apesar destas novas abordagens, nas últimas duas décadas, o retorno da violência continua a evidenciar as limitações das intervenções externas nos processos de construção da paz. O debate entre académicos e profissionais associa a sua falta de sustentabilidade ao facto das estratégias e políticas experimentadas serem fundamentalmente incentivadas por forças externas (normalmente grandes potências regionais ou internacionais ou organismos multilaterais) incapazes de serem suficientemente sensíveis às especificidades de cada contexto.

Quando as políticas impostas externamente não têm bons resultados a longo prazo – na ausência de compromissos dos governos locais e de aceitação popular –, as relações assimétricas entre os actores nacionais e internacionais começa a ser questionada e a necessidade de um maior envolvimento da população local nos processos de tomada de decisões priorizados. O conceito de “apropriação local” emerge, nestas circunstâncias, como fonte de legitimidade internacional, mas também como uma solução para tornar mais eficientes as intervenções internacionais.

O debate sobre este conceito está hoje presente no diálogo entre os principais actores nestas matérias, das grandes organizações multilaterais aos principais doadores de ajuda ao desenvolvimento. Tem, no entanto, estado concentrado sobretudo no refinamento de um discurso político sobre a consolidação da paz, sem uma reflexão consequente sobre a forma como estes processos são postos em prática no terreno. O objectivo deste estudo é conduzir o debate para o nível do terreno, para tentar compreender como princípios gerais orientadores, como a “apropriação”, se transformam em práticas do dia-a-dia.

1Este artigo é produto de uma pesquisa realizada em colaboração com o Chr. Michelsen Institute e financiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pelo Centro Norueguês de Consolidação da Paz (NOREF). Embora os resultados finais tenham sido apresentados em Maio de 2010, a pesquisa foi concluída antes do terramoto no Haiti, em Janeiro de 2010. Se é verdade que a calamidade mudou as prioridades da ajuda ao desenvolvimento no Haiti, os autores acreditam que as políticas sobre o Estado de Direito terão também de ser parte da agenda da reconstrução. Os autores esperam que este artigo possa ser útil, neste contexto, não só para compreender a apropriação local nos esforços de consolidação da paz geral, mas também para tirar algumas lições do passado no Haiti, que podem ser úteis no projecto de reconstrução.

Os autores gostariam de agradecer o apoio do Jacob Ole Sending como coordenador do projecto pela assistência constante durante o período da pesquisa, bem como ao Chr. Michelsen Institute pela sua colaboração com a FRIDE. Além disso, os autores também gostariam de estender os seus agradecimentos aos actores locais e internacionais que aceitaram participar do estudo.

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Em termos gerais, este estudo pretende estimular a reflexão sobre como o conceito de “apropriação local” é compreendido e materializado no plano político, estratégico e operacional. Procura compreender melhor a dinâmica entre os actores internacionais e locais, de uma primeira fase de definição das políticas à sua aplicação aos níveis nacionais. Procura verificar em que condições as políticas de consolidação da paz são “locally conceived and led” (Bendix e Stanley, 2008: 95) e como ambos os actores, externos e internos, entendem este conceito.

Em termos mais concretos, centra-se nas políticas de protecção do Estado de Direito (Rule of Law) no Haiti: um conjunto específico de políticas de consolidação da paz que tem sido uma prioridade para os actores externos no país. Entre as várias políticas de reforma do Estado de Direito, os autores optaram por centrar-se na reforma da Justiça, fundamental para os doadores como pilar inequívoco da reconstrução do Estado.

A reforma da Justiça no Haiti segue hoje um roteiro baseado no Documento da Estratégia Nacional de Crescimento e Redução da Pobreza (DSNCRP, pela sua sigla em francês)2 de Novembro de 2007, que estabelece cinco prioridades para a reforma:

1.Reestruturação e modernização do Ministério da Justiça e da Segurança Pública;

2.Restauração do sistema judiciário;

3.Melhoramento do acesso aos tribunais e a um sistema judicial eficaz;

4.Reabilitação e desenvolvimento consistente do sistema das prisões, e

5.Modernização da legislação.

A aceitação do Documento como ponto de partida para a reforma é um exemplo paradigmático da operacionalização internacional do conceito de apropriação, quando, na realidade, este traduz uma perspectiva restrita do mesmo. Com esta investigação, os autores tentaram encontrar as limitações e as oportunidades do processo de construção da paz no Haiti a partir de algumas das questões levantadas por esta abordagem internacional na promoção da apropriação local.

Para começar, “apropriação local haitiana” pode ter significados muito diferentes, daquela que está circunscrita aos seus líderes políticos a uma apropriação mais ampla, de cidadania. No Haiti, a instabilidade governamental e a constante mutação destas políticas deveriam sugerir a necessidade de procurar outras fontes de apropriação: da dos profissionais do sector da Justiça e dos funcionários que irão aplicar essas políticas,

àapropriação pela população, que terá de as cumprir diariamente. Se a “apropriação” em si tem múltiplas dimensões – nomeadamente nos três níveis acima referidos: político, estratégico e operacional – ao observar a sua aplicação a um ambiente específico, é fundamental considerar a heterogeneidade e a complexidade tanto dos beneficiários como dos “construtores da paz”3. No mesmo sentido, deve-se analisar a “abordagem internacional” como um conjunto de culturas e práticas de trabalho de actores profundamente dissemelhantes, daqueles que são mais próximos à cooperação

2Document Stratégique National pour la Croissance et la Réduction de la Pauvreté disponível em: http://www.mpce.gouv.ht/dsncrpfinal.pdf

3Sobre o uso da palavra “construtores da paz”: traduzido do termo inglês peacebuilder é uma palavra utilizada em diversos documentos desta temática e usado para descrever os profissionais que trabalham num contexto de pós-conflito em áreas específicas da construção da paz como o Estado de direito, a segurança, a reconciliação, etc.

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para desenvolvimento aos que priorizam a consolidação da segurança e da paz num sentido estrito.

A conjugação de todas estas diferentes variáveis deve ser considerada ao abrir um debate sobre a apropriação, sem pretensões de idealizar o conceito, mas centrando-nos nas possibilidades que este pode trazer na materialização de processos de construção da paz mais sustentados.

Metodologia

Para esta investigação, os autores combinaram diferentes abordagens, a fim de analisar a dinâmica das interacções internacionais-locais na definição e implementação da reforma da Justiça no Haiti, seguindo quatro das cinco prioridades definidas pelo DSNCRP. Após uma revisão bibliográfica prévia, os autores prepararam um conjunto de entrevistas abertas semi-estruturadas dirigidas aos representantes das principais entidades internacionais nas suas respectivas sedes. Numa segunda etapa, prepararam uma visita ao país para entrevistar4:

-Actores judiciais nacionais;

-Os principais doadores do Haiti na reforma da Justiça: a MINUSTAH5, o PNUD6, os Estados Unidos, a União Europeia e o Canadá

-As agências de implementação: o National Centre for State Courts (NCSC), o International Legal Assistance Consortium (ILAC) e a Organisation Internationale de la Francophonie (OIF)].

-Organizações da sociedade civil.

Este artigo irá começar por apresentar o contexto normativo do conceito de “apropriação”, seguido por um breve diagnóstico do Sistema Judiciário no Haiti e algumas reflexões sobre a forma como o conceito é compreendido tanto por quem o operacionaliza como pelos beneficiários.

a.Contexto Normativo

A narrativa geral sobre a construção da paz herdou o conceito de “apropriação local” das políticas de cooperação para o desenvolvimento, quando este emergiu da constatação do fracasso da ajuda nos anos 90. Em 1996, o documento Shaping the 21st Century: The Contribution of Development Co-operation do CAD OCDE7 fez referência à necessidade de respeitar a “apropriação local” do processo de desenvolvimento (Kuehne, 2008). O termo era usado então com o sentido de “participação local” ou de “empoderamento local”.

O debate sobre a eficácia da ajuda tem enfatizado, em anos mais recentes, a importância da participação local como um factor tanto de legitimidade como de sustentabilidade das intervenções internacionais. As principais entidades e países doadores de ajuda ao desenvolvimento afirmam que os beneficiários locais devem

4A participação dos autores num projecto paralelo permitiu-lhes participar num seminário em Port-au- Prince sobre os desafios políticos da reforma do sistema judicial, organizado após a investigação no

terreno (Junho 2009).

5Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti.

6Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

7Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico 58

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participar na elaboração das políticas que irão mudar a sua maneira de viver, não apenas porque é mais ético abandonar um tipo de relação paternalista herdado do colonialismo (Donais, 2008: 6), mas também por razões de eficiência a longo prazo.

Os documentos estratégicos e de doutrina sobre a consolidação da paz começaram já a incluir referências à apropriação local. No entanto, em termos operacionais, este conceito não está tão bem definido.

Para este estudo, os autores aceitaram a definição sugerida por Annika S. Hansen e Wiharta Sharon:

“local ownership embraces the recognition that a justice and security sector reform process is of integral concern to the local population and that local actors should have a say in formulating the outcomes of the process [...]It should, wherever possible, build on existing judicial systems and legal traditions and reflect the culture and values of the country in question. It should also reaffirm international law, norms and standards. Local ownership cannot be treated as an absolute but instead must be implemented to different degrees that range from local acceptance and support for the reform process to local control over decision-making.” (Hansen and Wiharta, 2007: 17)

Diagnóstico do sistema judicial e do plano de reforma

Esta secção analisa e responde a uma das principais questões lançadas nas entrevistas: Como descreveria o problema ou desafio central no Haiti e, mais precisamente, no sector da Justiça?

Um dos principais problemas salientados foi a interferência do Poder Executivo, de políticos e outros grupos no sistema judiciário. A ausência de um órgão independente do governo, com orçamento próprio para gerir os tribunais, nomear os juízes e magistrados, e acompanhar a conduta dos mesmos torna o sistema judiciário vulnerável a todo o tipo de interferências. Foram também salientados conflitos de autoridade entre o governo e o Presidente sobre o controlo do Ministério da Justiça8. Controlar o sistema judicial é do interesse de muitos, o que converte este sector numa arena muito politizada e corrupta.

Outro aspecto frequentemente mencionado foi a debilidade das infra-estruturas disponíveis. Os tribunais estão muito degradados, com pouco mobiliário e ainda menos instrumentos de trabalho essenciais, como os códigos civil e penal em francês e crioulo e computadores e arquivos para armazenar as informações dos julgamentos. Os recursos materiais representam um componente que para a comunidade internacional é relativamente fácil financiar, mas suficiente para a Justiça começar a funcionar de forma adequada e eficiente. Alguns doadores estão relutantes em financiar directamente o material sem o desenvolvimento de uma matriz e de um plano de sustentabilidade. Na verdade, a questão dos bens móveis é um ponto de divisão entre os actores locais e internacionais, porque os haitianos defendem a necessidade de recursos e equipamentos para poder executar o seu trabalho. Os actores internacionais reconhecem essas necessidades, mas argumentam também que as melhorias materiais não vão tornar a Justiça mais eficaz e transparente.

8Entrevista a um advogado, Port-au-Prince, 31 de Março, 2009. 59

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A falta de recursos é particularmente grave no que respeita aos recursos humanos. A maioria dos actores jurídicos não têm formação adequada para as suas responsabilidades e terão sido nomeados devido a laços pessoais ou políticos. O problema é tão grave como alguns juízes não saberem ler e escrever em algumas áreas remotas do Haiti. Este é um problema que não é específico do sector judicial, mas geral a todo o país. A fuga de cérebros é um obstáculo complexo que tem tornando o país altamente dependente de conhecimentos técnicos estrangeiros.

No contexto particular que nos importa, a administração da Justiça e o funcionamento dos tribunais são fortemente afectados. Especialmente, na área de processos criminais, onde há uma tendência para serem bloqueados pela multiplicação de pronunciamentos sobre assuntos civis, causando longos períodos de detenção pré-julgamento e tornando os processos extremamente longos. Algumas Organizações não-governamentais (ONG) no Haiti estão a trabalhar para reunir informações detalhadas sobre cada detido e sobre os procedimentos legais postos em prática. Este exercício ajudará a identificar as dificuldades nos processos de detenção e julgamento e a situação particular em que cada detido se encontra. Embora exista um grande número de relatórios sobre os problemas do sistema judiciário, parece haver lacunas importantes na informação disponível sobre cada caso, sobre o perfil de cada juiz, assim como nas informações estatísticas sobre o funcionamento dos tribunais.

A falta de informação é ainda agravada pela desconexão existente entre a capital e as áreas rurais. Algumas das maiores ONG locais como o Réseau National de Défence des Droits de l’Homme têm representantes em cada província, que se assumem como informantes-chave da situação em cada região. O Groupe de travail sur la réforme de la Justice, criado por Decreto presidencial em Fevereiro de 2009 também inclui funcionários em cada província, o que tem sem dúvida melhorado as relações entre a capital e as zonas mais remotas. Ainda assim, o actor mais informado a nível nacional é a MINUSTAH devido à sua presença estável em todo o território.

O acesso desigual à Justiça é identificado como uma questão crítica, especialmente para 60% dos haitianos que vive nas áreas rurais. Para muitos, aceder a um tribunal ou uma esquadra da polícia exige várias horas ou dias de transporte. Os conflitos são resolvidos localmente: os cidadãos depositam a sua confiança na chefia da polícia ou no representante comunitário eleito localmente (quando estão presentes), ou numa figura religiosa, seja católica, protestante ou pertencente à hierarquia vudu. Embora seja difícil definir estes meios de resolução como casos típicos de “justiça informal”, tal como acontece nos estados africanos9, os métodos de resolução de conflitos nestas áreas rurais estão definitivamente fora dos parâmetros oficiais jurídicos estabelecido pelos códigos civil e penal. A legitimidade da deliberação decorre do prestígio da pessoa que toma a decisão ou sentença10. No entanto, ao mesmo tempo que ajuda a manter uma convivência pacífica (os casos de violência nas áreas rurais são esporádicos em comparação com a capital), os métodos e ritmos saem do quadro legal do respeito pelos direitos humanos.

Os sentimentos expressados pelos haitianos sobre a Justiça formal são de medo e desconfiança. É de entendimento comum que os juízes, como funcionários públicos do

9Os sistemas jurídicos informais africanos são geralmente caracterizados por fortes estruturas tribais, onde a hierarquia está fortemente definida, a supremacia do chefe é reconhecida e a sua decisão respeitada.

10Entrevista a um advogado, Port-au-Prince, 31 de Março, 2009 60

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Estado com a responsabilidade de servir os cidadãos, muitas vezes servem os seus próprios interesses. Não há brio, ética profissional ou princípios que orientem os juízes e o seu trabalho, e estes são frequentemente acusados de corrupção. A desconfiança, desrespeito e suspeição entre os cidadãos e as instituições judiciárias são alarmantes, e gerar um nível mínimo de confiança é já de si um imenso desafio.

b.O plano da reforma

O DSCRP é o documento mais relevante no sentido em que estabelece as prioridades da reforma e mais ainda permite aos internacionais intervir no quadro de um programa governamental. Tem, no entanto, várias limitações. Por um lado, as prioridades são demasiado amplas e o Documento não estabelece uma estratégia para atingir os objectivos. Por outro lado, uma vez que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública gere um orçamento para as três reformas (Polícia, Justiça e prisões), a maior parte do orçamento acaba por ser destinado à reforma da Polícia, que tem apresentado resultados positivos e alcançado um certo consenso tanto junto dos haitianos como dos actores internacionais.

Dentro deste quadro geral, os principais doadores no Haiti têm os seus próprios planos, visões e estratégias sobre a reforma. Esforços de coordenação são constantes e diferentes mecanismos têm sido postos em prática. Infelizmente existem ainda muitas lacunas em matéria de coordenação. A MINUSTAH, o PNUD, a OIF, o NCSC, o ILAC, a União Europeia e os Estados Unidos, são os principais actores internacionais no âmbito da reforma da Justiça. Há uma certa divisão nas áreas de trabalho numa tentativa de reduzir sobreposições, mas que criando uma separação entre as actividades de cada entidade tem levado à dispersão do impacto das acções no seu conjunto. Os projectos são financiados, por vezes, para responder a necessidades imediatas, mas estão frequentemente isolados uns dos outros e desconectados de um objectivo final de uma Justiça mais eficiente.

Falta à partida um consenso ao nível dos doadores, que estão em desacordo sobre o modelo da reforma (francês, latino-americano, americano) a implantar, privilegiando o seu próprio modelo em detrimento de outros. Os haitianos estão também muito divididos e um consenso é difícil ou quase impossível de alcançar. O Grupo de Trabalho Presidencial sobre o seguimento da reforma, que funciona de forma independente do Ministério da Justiça e das várias outras comissões com as suas respectivas equipas diferentes, é um bom exemplo das divisões existentes no seio da sociedade haitiana. Neste clima de desordem sobre a direcção fundamental da reforma, pequenos progressos requerem um constante esforço de diálogo, consulta e mediação. Sem mencionar a actuação de grupos que se opõem totalmente à reforma que beneficiam do actual estado disfuncional da Justiça.

Alguns progressos foram alcançados na área do reforço do poder judicial com a votação da lei que estabelece o quadro jurídico para o estatuto e competências do Conselho Superior do Poder Judiciário. A abertura da Escola de Magistratura vai também colmatar as lacunas na formação dos juízes e magistrados11. O acesso à assistência legal tem sido substancialmente melhorada com um programa do Assistance Bureau

11Vários magistrados concluiram já cursos básicos e uma gama completa de cursos de especialização está a ser disponibilizada pela Director da Escola da Magistratura, com a ajuda da Organização Internacional da Francofonia, entrevista em Port-au-Prince, Abril de 2009.

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estabelecido em quase todas as províncias. A eficiência dos tribunais e o reforço do Ministério tem melhorado em algumas áreas com a ajuda de voluntários das Nações Unidas. Embora os avanços sejam significativos, ainda não fazem a diferença no alcance de uma Justiça eficiente, acessível e credível. Por outro lado, a sustentabilidade destas pequenas reformas também é questionável.

Como compreendem os construtores da paz e os actores locais a “apropriação”?

c.Da esfera política para o terreno

No caso do Haiti, pela análise de documentos-chave das políticas dos grandes doadores

éfácil identificar a inclusão do termo “apropriação local” como directriz fundamental no estabelecimento de relações entre internacionais e parceiros locais.

Ao nível político, onde as prioridades dos doadores são estabelecidas, documentos genéricos são usualmente formulados, alguns deles muito sintéticos, que definem um ponto de partida claro e simples que deve ser posteriormente adaptado a cada contexto específico, ao nível estratégico. É comum os doadores apresentarem um quadro-padrão para as intervenções internacionais no campo da construção da paz. Um bom exemplo disso são as cinco páginas de orientações da Comissão Europeia sobre as políticas para o reforço do Estado de Direito (CE, 2009). Este tipo de documento é geralmente preparado por especialistas internacionais generalistas nas respectivas sedes.

O relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre o Estado de Direito, de 2004, também corresponde a esta realidade, incluindo a “apropriação” como uma directiva fundamental. Ao mencionar este conceito, sublinha: “We must learn as well to eschew one-size-fits-all formulas and the importation of foreign models, and, instead, base our support on national assessments, national participation and national needs and aspirations (UN, 2004).”

No entanto, destas declarações de intenções à aplicação da “apropriação local” aos níveis estratégico e operacional há um longo caminho a percorrer. Provavelmente por ser essencialmente um agente de desenvolvimento, o PNUD é de facto um dos doadores que tem orientações mais claras para os construtores da paz no terreno, em termos de apropriação. Num relatório sobre as políticas de fortalecimento do Estado de Direito em situações de conflito e pós-conflito” refere:

“[As] a development agency, UNDP Rule of Law programming is not only guided by national ownership, as a principle, but this principle is also embedded in UNDP execution modalities. Nationally-owned needs assessments are central to UNDP programming design. Partnership and coordination with national partners is essential to this process (UNDP, 2008).”

Mas, em termos gerais, a literatura dos doadores em matéria de apropriação é mais ambígua quando descemos do nível político para o nível operacional. A USAID, por exemplo, criou um guia que estabelece os procedimentos para os seus funcionários elaborarem análises prévias a um país a fim de estabelecerem políticas específicas de fortalecimento do Estado de Direito. Este guia afirma: “the post-conflict rebuilding process is challenging and complex. It requires strategies that promote local ownership

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and financial sustainability, and that develop local capacity quickly” (USAID, 2008). Mais adiante, o mesmo guia apresenta recomendações sobre a melhor forma de obter informações sobre o contexto político e histórico do país, ou sobre os papéis dos principais intervenientes para que os seus funcionários possam realizar uma correcta avaliação do sector da Justiça. O dilema surge quando este mesmo relatório afirma também que “if the rule of law is a universal principle, then supporting the rule of law is not necessarily imposing foreign ideas on a society”.

De certa forma, este exemplo serve para demonstrar uma operacionalização frequentemente dúbia da “apropriação local”. Em vez de aprender com os actores nacionais quais devem ser as prioridades, os profissionais estrangeiros no terreno fazem um esforço para adquirir conhecimentos específicos de cada país, a fim de entender como melhor podem promover a “apropriação local” – geralmente significando aceitação e responsabilização – das políticas internacionais.

Com efeito, o nível estratégico corresponde a uma fase de transição difícil que exige a conciliação entre os princípios dos doadores e as demandas dos países em desenvolvimento. Nesse momento de transição, especialistas que beneficiam de um conhecimento mais profundo sobre o país devem realizar manobras elásticas para ajustar as políticas decididas na sede à realidade e vice-versa, naquilo a que Schlichte e Veit chamam “policy bending” (Schlichte e Veit, 2007). A solução encontrada pelos doadores para facilitar esta correspondência foi encorajar a formulação de um plano local de desenvolvimento num documento de estratégia por país, que serva para orientar as políticas da ajuda. No Haiti, esse documento corresponde ao DSNCRP.

Antes de mais, é certamente relevante assinalar que durante a realização das entrevistas, os autores foram constantemente solicitados a explicar o significado do conceito de “apropriação local”, destacando uma generalizada falta de familiaridade com o termo.

Mas nessas entrevistas com os doadores, o alinhamento com o DSNCRP emergiria como um dos quatro principais indicadores de apropriação. A par com esta regra primordial, as políticas seriam consideradas “locais” se preenchessem pelo menos um dos seguintes critérios:

a)a assinatura do governo num acordo específico,

b)o facto do governo contribuir com parte dos recursos (humanos ou financeiros) ou

c)o compromisso governamental de assegurar a continuidade do projecto.

Na verdade, os quatro critérios enumerados pressupõem que o governo possa “appreciate the benefits of the policies and to accept the responsibility for them” (Boughton e Mourmouras, 2002: 3). Sugerem afinal que a “apropriação local” é mais uma consequência, do que o ponto de partida do processo, e mais, que esta é exclusivamente centrada no Estado, desconsiderando as aspirações e participação dos cidadãos.

Com efeito, o instrumento fundamental da apropriação local – o DSNCRP –é agora visto por vários actores nacionais como produto de um poder executivo sem êxito: o governo de 2007 de Jacques-Édouard Alexis, que foi retirado do poder. Os haitianos não reconhecem o Documento como um plano verdadeiramente nacional, mas

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externamente concebido, ou, na melhor das hipóteses como um produto misto de haitianos e da comunidade internacional12. Além disso, poucos actores locais reconhecem a adequação do Documento e o actual governo dificilmente o aceita como o plano primário de onde traçar políticas públicas concretas. A procura de uma matriz orientadora é também perturbada com o surgimento de novos documentos, como o mais recente relatório de Paul Collier para o Secretário-Geral das Nações Unidas (Collier, 2009), com sugestões de alternativas económicas para o Haiti, que vem criar confusão nas prioridades nacionais estabelecidas anteriormente.

Considerar-se a “apropriação local” um sucesso quando se segue um plano órfão como o DSNCRP levanta também o dilema sobre que apropriação está a ser assegurada. Os governos estão em permanente mudança e não têm um plano de desenvolvimento coerente e consensual. Hoje ninguém assume a responsabilidade pela execução do DSNCRP, sendo sobretudo um bom ponto de partida para os doadores. A falta de continuidade do governo corrói a apropriação local, especialmente se os actores internacionais têm restrições ao nível dos procedimentos na busca de parceiros mais permanentes, como poderiam ser os profissionais da Justiça, ou mesmo plataformas mais amplas da sociedade civil.

d.Qual é então a visão do governo sobre a apropriação local?

Quando confrontado com essa questão, o governo ou os funcionários nacionais parecem estar ainda menos familiarizado com o conceito, provavelmente por terem menos acesso ao jargão do desenvolvimento quando comparado com os actores internacionais. Mas quando, em termos mais específicos, lhes foi perguntado se consideravam que as políticas de reforma da Justiça eram basicamente iniciadas pelos doadores ou nacionalmente formuladas, tinham menos dúvidas em afirmar que as decisões tem sido sempre, em última análise, haitianas.

Com um roteiro órfão nas mãos e uma estratégia global fraca para a reforma da Justiça, o governo mantém um diálogo permanente com os doadores para seleccionar as ofertas internacionais que melhor servem as necessidades mais imediatas para melhorar o sistema. Vários entrevistados externos diriam que estas negociações são mantidas até os actores internacionais persuadirem o governo a aceitar as suas propostas. A duplicidade de percepção é bastante contraditória: os haitianos vêem-se como os principais actores na tomada de decisão, enquanto os actores internacionais se vêem a convencer os haitianos de uma forma ou de outra.

No final, sem recursos financeiros suficientes, o governo acaba por aceitar as propostas dos doadores, num equilíbrio entre a soberania nacional e os constrangimentos financeiros13. No Haiti, isto gera uma disputa entre os actores internacionais, que têm recursos e são pressionados para ver resultados, e uma espécie de resistência nacional, que reflecte uma falta de estratégia e de vontade política, que tenta a táctica de fazer a independência nacional prevalecer sobre a imposição internacional.

12Entrevista a um funcionário da alta esfera governamental, Port-au-Prince, 3 de Abril 2009.

13O Haiti só gera cerca de 11% do PIB em receitas, o que o torna muito dependente de financiamento externo. Country Report, The Economist Intelligence Unit, novembro de 2008, p. 8.

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e.As opiniões da sociedade civil

Quanto à sociedade civil, a grande maioria dos entrevistados não foram consultados para a elaboração do DSNCRP e geralmente não revelam qualquer conhecimento sobre o conteúdo do Documento.

As entrevistas com as organizações da sociedade civil (OSC) também mostraram que as suas prioridades em termos de Estado de Direito são positivamente diferentes das estabelecidas pela DSNCRP ou das visões dos actores internacionais. Quando perguntadas sobre o que devem ser as prioridades em termos de Justiça, as OSC manifestaram preocupações mais ligadas aos direitos sociais e económicos – como a igualdade de género ou o direito à alimentação –, muitas delas claramente ausentes dos programas dos doadores internacionais para o reforço do Estado de Direito. Além disso, identificam como principais obstáculos a um sólido sistema de Justiça o círculo vicioso da impunidade e da corrupção que corroem a credibilidade das instituições, dois temas que também são, de forma geral, evitados pelos doadores.

As OSC sentem-se, em certo sentido, à margem da reforma da Justiça por não terem sido consultadas pelos actores nacionais ou internacionais durante a definição das prioridades para esse sector. Alguns doadores afirmaram terem financiado o governo para acções de consulta à sociedade civil, mas os espaços de diálogo entre o Estado e os cidadãos organizados são extremamente fracos ou inexistentes. Também é verdade que as OSC nem sempre aceitam colaborar com o governo, agindo mais como uma força de oposição do que um parceiro estratégico a trabalhar para um bem comum. Esta tendência pode encontrar as suas origens em vários factores: de uma tradição histórica de práticas pouco democráticas e divisões políticas enraizadas, a uma dificuldade cultural dos haitianos em estender vínculos de solidariedade para além do seu círculo familiar, ambos explicados por anos de ditadura e um comportamento consequente de sobrevivência também alimentado pela competição por fundos da cooperação internacional.

Este fenómeno de auto-exclusão é ainda mais agravado quando se trata de trabalhar com a MINUSTAH. As reacções dos haitianos à Missão da ONU são muito variáveis: enquanto a maior parte dos entrevistados partilha a opinião de que deve continuar no terreno por garantir a segurança no país, muitos questionam, no entanto, o perfil dessa presença no que concerne a temas de maior sensibilidade política. Todos reclamam também o imperativo último da soberania nacional. Neste quadro, alguns questionam se a presença deve continuar a ser ainda de cariz predominantemente militar, sendo que opiniões mais radicais recusam qualquer presença acusando a Missão de ser uma força de ocupação.

Em termos de Estado de Direito e da reforma da Justiça, a MINUSTAH partilha o protagonismo internacional com a USAID, ambos reconhecidos pela grande maioria dos entrevistados. Mas o facto de que a Missão no Haiti se esteja a desviar nas suas funções primeiras de manutenção da segurança para funções mais profundas de institucionalização e de capacitação do Estado, assumindo também uma actuação mais próxima à da ajuda ao desenvolvimento, tem criado algumas dificuldades no seu relacionamento com os haitianos.

Quanto às questões organizacionais, o facto da MINUSTAH estar a tentar mudar o seu papel, mantendo simultaneamente a componente militar significativa e uma cultura de trabalho do DPKO – o Departamento de Operações de Manutenção da Paz da ONU –,

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afecta também a sua imagem. Algumas dificuldades foram detectadas na tentativa de articular duas culturas e linguagens de trabalho diferentes, entre os instrumentos de construção da paz e os de desenvolvimento, naquilo a que se chama uma missão integrada.

Essa duplicidade de culturas também se reflecte na operacionalização da “apropriação”. Enquanto vários agentes judiciais de níveis muito diferentes e de todas as regiões aparentaram estar na sua maioria satisfeitos com a colaboração “harmoniosa” com os funcionários do PNUD, esta não foi, contudo, uma regra geral para o sistema da ONU no país. De facto, em termos gerais, entidades diferentes empregam também práticas muito distintas, do fazer o trabalho ao trabalhar com.

Esta questão foi levantada no que toca à distinção entre as práticas de construção da paz e do desenvolvimento. Se a sustentabilidade e a apropriação são princípios hoje privilegiados no sector da cooperação, na área da promoção da paz medidas de curta duração e correcções rápidas têm tido efeitos perversos e têm sido criticadas pela sua insustentabilidade e efeitos contra-producentes.

f.A experiência das agências de implementação

Ao nível operacional, no âmbito das agências de implementação que põem em prática projectos concretos financiados pelos doadores, a familiaridade com o conceito da apropriação foi um pouco diferente. Os representantes das três grandes instituições – o National Centre for State Courts (NCSC), o International Legal Assistance Consortium (ILAC) e a Organisation Internationale de la Francophonie (OIF) – afirmaram não apenas conhecer, mas estabelecerem o princípio como uma orientação fundamental para o seu trabalho.

A maioria deles foram escolhidos pelos doadores por terem experiência prévia no campo da reforma da Justiça em países em desenvolvimento. Todos eles admitiram que os seus financiadores lhes permitem uma flexibilidade considerável na formulação das estratégias de implementação de cada projecto e alguns até referiram terem sido contactados antes da formulação do projecto pelo seu conhecimento técnico específico. Todos foram adquirindo alguma familiaridade com o contexto haitiano, pois, embora realizando projectos sobretudo de curto prazo, têm estado em contacto com o país há vários anos.

Têm vindo a desenvolver projectos inovadores por todo o país numa estreita relação com a realidade no terreno, tais como a criação de um sistema de arquivo judicial ou o fornecimento de motocicletas para os juízes de paz, para que estes possam chegar a áreas remotas para resolver pequenos problemas judiciais.

Um profundo processo de consulta e a garantia do governo de, gradualmente, suportar os custos financeiros dos projectos são para estas organizações os principais indicadores de que o projecto é conduzido localmente, ou seja de que há “apropriação”. As três organizações admitiram, no entanto, que o seu critério básico de sucesso é responder aos resultados estabelecidos pelos doadores, mesmo quando o governo, como acontece frequentemente, não dá continuidade ao projecto.

Apesar de uma maior facilidade na operacionalização do conceito, alguns dos representantes referiram no entanto que, quando o Estado de Direito está em causa,

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especificamente em áreas técnicas, a apropriação é uma prioridade relativa e que actores internacionais devem assumir a iniciativa para que se verifiquem progressos na reforma da Justiça.

Os principais obstáculos à apropriação

Uma análise contextualizada das entrevistas, à luz daquele que é um cenário político e social muito particular não só do país, como do papel de cada um dos actores e das dinâmicas entre eles desenhadas, permite auferir alguns dos principais desafios à operacionalização do conceito de apropriação.

g.Limitações locais

Os haitianos acostumaram-se historicamente a uma presença internacional de monta. A elite política foi acumulando conhecimento sobre o funcionamento das operações de manutenção de paz, sobre o papel e os interesses dos doadores. A interacção com o pessoal internacional tem facilitado uma cultura de diálogo e partilha, tornando possível uma convivência e uma negociação mais fluida. No entanto, o fracasso de intervenções internacionais anteriores gerou um sentimento de frustração e desconfiança. Resta mencionar que a MINUSTAH é a sétima Missão das Nações Unidas no país. Para alguns, esta presença terá gerado entre as elites haitianas uma atitude passiva, de quase- resistência.

O primeiro factor apontado como obstáculo à apropriação é a limitada capacidade local. A primeira opção de jovens profissionais haitianos formados é sair do país, ou trabalhar para entidades internacionais, que ofereçam uma remuneração mais elevada. O deficit da capacidade dos recursos humanos locais encontra fundamentalmente origem num sistema de educação muito débil no Haiti, do nível básico ao universitário. Como resultado, as organizações locais, sejam da sociedade civil ou de órgãos governamentais padecem de graves carências de recursos humanos qualificados.

Outro factor sublinhado é a dificuldade na tomada de decisões e na implementação por parte dos quadros haitianos. Mas esta procrastinação pode ser também vista como uma forma de resistir à predominância internacional na definição das políticas no âmbito da reforma da Justiça. Na sua obra Pays en dehors, Bartholomy refere-se à abertura e empatia iniciais dos haitianos nas negociações com estrangeiros, mas os actores internacionais aprenderam que, tal como o actor refere, essa atitude não significa necessariamente que eles vão aprovar ou dar seguimento ao acordado.

A falta de continuidade dentro do governo tem provado ser um obstáculo no processo da reforma. Nos últimos quatro anos, houve cinco Ministros da Justiça e da Segurança Pública. Os novos ministros tendem a modificar, ignorar ou reinventar as políticas definidas pelo seu predecessor. A ausência de um consenso nacional que poderia ser mantido no tempo à passagem dos governos com a ajuda da sociedade civil deixa os esforços internacionais vulneráveis à mudança e ao exercício da democracia.

Uma dinâmica fluida entre a sociedade civil e a esfera parlamentar é ainda inexistente. Sem qualquer tipo de mecanismos de prestação de contas e de controle sobre o governo e sobre os membros do Parlamento mais além das eleições, a democracia vê-

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se limitada. A sociedade civil é caracterizada pela sua fraca capacidade de articulação com os poderes soberanos e de formulação de propostas e soluções.

Um outro entrave à apropriação e a um processo mais amplo de transformação social será a falta de vontade política do Presidente, do governo e da elite. “O Presidente não acredita no Estado”14 e usa tácticas como “dividir para reinar” com os doadores para complicar e dificultar a coordenação de trabalho, numa base multilateral. Um sistema de Justiça eficaz tornaria todos os haitianos iguais perante a lei e poria em risco uma certa elite e os esquemas vigentes de corrupção e clientelismo. O Presidente tem, por exemplo, sido pressionado pela comunidade internacional para escolher o presidente do Supremo Tribunal, o que daria um impulso à reforma e à criação do Conselho Superior da Magistratura desde Novembro de 2007. O sector aguarda ainda, no entanto, por essa decisão.

h.Limitações internacionais

Numa situação complexa de transição para um funcionamento democrático do Estado, envolvendo a criação de instituições, de competências e de uma cultura de Estado de Direito, os actores da consolidação da paz e do desenvolvimento devem trabalhar em conjunto (Hansen e Wiharta de 2007 : 5).

Tem sido demonstrado que os períodos pós-conflito são política e socialmente mais voláteis. O cenário político recente no Haiti é, nesse sentido, fascinante. Nos últimos três anos, o governo caiu duas vezes incluindo o Ministro da Justiça, que tinha trabalhado lado a lado com a MINUSTAH sobre as leis sobre a independência do sistema judicial. Com um novo governo, um novo ministro é nomeado, rejeitando por inércia ou indiferença os anteriores progressos. Simultaneamente, duas comissões presidenciais foram criadas, a par com duas outras no quadro do Ministério da Justiça. A comunidade internacional tem que lidar com a multiplicação de actores, dividida entre prestar apoio ao governo ou ao Presidente e desencorajada com demasiadas manobras políticas e uma insuficiente capacidade de implementação. Diante destes desafios, a comunidade internacional está obrigada a trabalhar com personalidades e não com instituições. A sustentabilidade dos seus programas neste ambiente instável é extremamente complexa.

Mas neste quadro enrevesado, os doadores defrontam-se com importantes limitações técnicas e financeiras. O primado dos resultados céleres tem sido apontado como altamente prejudicial dada a pressão exercida pelos doadores às agências de implementação. Consequentemente, os resultados são medidos quantitativamente e não tomam em consideração outras variáveis de sucesso, tal como apropriação. Frequentemente, esta é sacrificada em nome dos resultados.

Os programas podem funcionar alguns anos, mas uma vez que a prazo as prioridades dos doadores mudam consideravelmente (também eles voláteis às suas próprias opiniões púbicas e eleitorado e a um contexto internacional mais amplo), dependendo dos resultados que vão apresentando, estes programas são muitas vezes encerrados. Um exemplo concreto foi o projecto do julgado de paz itinerante nas províncias do sul do Haiti mencionado anteriormente. Os juízes foram fornecidos com motocicletas para

14Entrevista a um funcionário das Nações Unidas, 20 de Outubro 2009. 68

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chegar às populações remotas. A demanda efectiva dos juízes pelas populações ultrapassou de longe as expectativas, mas infelizmente o programa foi encerrado porque o financiamento não incluía o pagamento da gasolina. Conseguir acostumar a população a estes serviços, mas sem planear a sustentabilidade destes projectos, cria novas necessidades, sem garantir os meios para lhes continuar a dar resposta.

Os instrumentos de prestação de contas e de avaliação da transparência disponíveis são profundamente assimétricos entre locais e actores internacionais. Os actores internacionais exigem sobre os locais um controlo de fundos cerrado e são severos na exigência de transparência. Mas muitos haitianos entrevistados salientaram a falta destes mecanismos ao seu dispor, que ultrapasse uma avaliação de resultados feita pelos doadores em função das metas por eles mesmos estabelecidas. Demandam assim mecanismos de prestação de contas nacionais sobre a intervenção dos doadores. Como dizia um entrevistado: “quantos mais projectos dispendiosos e ineficazes temos que tolerar?15

Foi salientado que a apropriação figura na maioria dos documentos doutrinários sobre a construção da paz de todos os principais doadores. No entanto, permanece bloqueada nos discursos políticos como um conceito e uma boa prática sem uma tradução efectiva na implementação ou nas estratégias no terreno. Isto foi ilustrado sintomaticamente pela falta de familiaridade com o conceito dos construtores da paz internacionais e também porque, ao referirem-se ao Estado de Direito, alguns realmente tomaram-no como um valor democrático universal e, portanto, deliberadamente ignoraram a necessidade de apropriação.

Uma parte considerável do problema reside na falta de uma definição consensual e na controvérsia existente em torno do conceito, e na falta de orientações sobre como se deve materializar no terreno. O conceito não é absoluto, nem toda a apropriação é boa apropriação: seleccionar parceiros locais é crucial, filtrando aqueles que realmente representam a vontade da população em geral. Os actores internacionais têm-se centrado sobretudo na colaboração com o governo, por facilidade de procedimento. Mas, na verdade, as políticas de estrita “iniciativa governamental” saídas desta parceria não têm correspondido às expectativas reais da população, erodindo a legitimidade do governo, bem como a internacional. Ainda que seja fundamental o reforço do Estado, a vacuidade de abordagens complementares iniciadas na base (bottom-up) vai diminuir o apoio dos cidadãos. Em termos de sustentabilidade uma abordagem estritamente baseado no Estado tem os seus custos porque no final é a população que terá de manter ou rejeitar a paz e os processos de construção do Estado, já que não existe poder do Estado democrático sem o consentimento e a aceitação das populações.

Os métodos mais utilizados para promover a apropriação são processos de consulta, embora mesmo estes tenham sido limitados e meramente pontuais. Alguns doadores apoiaram a consulta às populações, afirmando que tinha fundos reservados para o caso do governo querer realizar auscultações sobre a reforma da Justiça. No entanto, acabaram por declarar depois que a consulta não tinha tido lugar, o que era positivo uma vez que os Haitianos estavam mal preparados para um tal exercício16. Em alguns casos, os actores locais sentiram que a consulta ou a participação na elaboração de um

15Entrevista a um representante da sociedade civil, Port-au-Prince, 13 de Abril 2009.

16Entrevista a um representante de um dos países doadores, Port-au-Prince, 30 de Março 2009.

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documento servia mais para legitimar as políticas de iniciativa internacional do que para realmente auscultar segmentos mais amplos da população haitiana.

A intervenção dos doadores através das agências de implementação que têm capacidade para executar programas de grande monta é também uma forma de contornar a apropriação e evitar que trabalhem directamente com a sociedade civil. Usurpa assim às OSC e à população o direito a participar na reforma da Justiça e a desempenhar o seu papel na influência das políticas públicas.

Os obstáculos à apropriação são inúmeros, da vontade política dissimulada, às limitações técnicas e à volatilidade política. O conceito deveria ser desenvolvido não só a nível político mas também a nível estratégico e operacional para reflectir a natureza complexa dos períodos de transição. Os esforços internacionais de consolidação da paz não podem estar limitados a uma profecia auto-realizável; deve ser um compromisso de longo prazo com ferramentas flexíveis a cada contexto.

Conclusões

Este estudo sobre como “Aprender a construir uma paz sustentável” teve como objectivo analisar a forma como conceitos-chave das políticas, das orientações, das boas práticas são definidos, traduzidos e aplicados em situações concretas no terreno.

Vários factores foram identificados como obstáculos à apropriação. Estes centraram-se principalmente na capacidade e vontade política dos haitianos, por um lado, e nas restrições de procedimentos dos actores internacionais.

Na base destes problemas técnicos e de terreno, uma questão essencial foi levantada: se a comunidade internacional estará realmente preparada para permitir que os actores locais determinem os resultados dos processos de reforma. Apropriação real significa aceitar não apenas as soluções mas também os processos que podem não estar de acordo com os modelos ocidentais (Hansen e Wiharta, 2007: 5). Implica abdicar das premissas erróneas de que o conhecimento universal é mais importante do que o conhecimento local e de que a legitimidade internacional é mais importante do que a legitimidade interna (Sending, 2009).

O facto é que a solução para os dilemas da apropriação que emergiram desta pesquisa não são facilmente corrigíveis. Um sentimento de frustração impera da verificação da incompatibilidade actual entre os procedimentos-padrão internacionais e a necessidade de deixar amadurecer os processos de desenvolvimento e de reconstrução pós-conflito nacionais. O primado dos resultados céleres surge como um dos principais factores de divergência: considerando que as intervenções de construção da paz são ainda concebidas para curtos períodos de tempo, num país como o Haiti – onde soluções rápidas são inconcebíveis e inviáveis dado o mau estado das instituições – um apoio e um compromisso a longo prazo são fundamentais. A apropriação exige a identificação de necessidades, a elaboração de prioridades e estratégias, a participação na formulação de políticas através de um contributo activo nos processos de consulta, e o desenvolvimento de mecanismos de prestação de contas. A evolução da narrativa da construção da paz é positiva, mas insuficiente se não for acompanhada por uma reforma institucional sólida das Nações Unidas e das agências de desenvolvimento que permita mudar o paradigma rígido e uniforme para várias abordagens sensíveis e adaptáveis a cada contexto.

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A comunidade internacional no âmbito da reforma da Justiça poderia reorientar a sua estratégia e as suas práticas para que aquela adquirisse a legitimidade imprescindível à futura sustentabilidade dos resultados. Melhorar o relacionamento dos cidadãos com o aparelho de Justiça e do Estado e conhecer melhor as necessidades dos cidadãos seriam certamente factores relevantes a considerar. Reforçar a apropriação local poderia ser um meio importante para alcançar estes objectivos e garantir alguns dos progressos feitos até agora no Haiti.

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