OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 1 (Primavera 2011), pp. 29-45

A DISPUTA DO ESPAÇO PELA EUROPA – UM NOVO DESAFIO

Ana Baltazar

Major da Força Aérea Portuguesa e Professora no Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM). Pós-Graduações: conducente a Mestrado em Estudos da Paz e da Guerra na Novas Relações Internacionais (UAL); e em Gestão de Projecto (Universidade Católica Portuguesa). Concluiu o Curso Geral de Guerra Aérea (IESM) e o Curso de Estado-Maior Conjunto (IESM). Tem desempenhado funções de Adjunta para a Logística no Estado-Maior da Força Aérea, Gestora do Programa de Aquisição de Aeronaves de Instrução. Foi representante da Força Aérea Portuguesa na OGMA, SA e Planeadora da modificação das aeronaves F-16.

Resumo

Neste artigo estuda-se o desafio da exploração do Espaço pela Europa. Em concreto, apresentam-se, inicialmente, alguns conceitos técnicos associados à exploração do Espaço e os conceitos fundamentais à compreensão das Relações Internacionais – em particular a Astropolítica - num meio que alguns pretendem pacífico, mas onde a competição e a cooperação caminham lado a lado e onde as capacidades militares e civis, por vezes, se confundem.

De facto, o Espaço, se por um lado, tem características específicas – recursos naturais, recursos artificiais (por exemplo, satélites), dimensão, abrangência relativamente à Terra - que o tornam alvo de disputa comercial e militar, podendo tornar inevitável uma escalada ao armamento espacial; por outro, existe a necessidade de acordos e cooperação para que seja possível desenvolver um tipo de tecnologia extremamente complexa e que requer recursos humanos, materiais e financeiros avultados.

Quer se associe a capacidades espaciais militares, quer a capacidades espaciais civis, constata-se que a dependência hoje existente desses meios origina a necessidade de garantir a sua segurança. O controlo deste meio - tal como dos meios marítimos, terrestres e aéreos - pode ser essencial para garantir, primeiro, a Segurança Nacional e, consequentemente, a Segurança Internacional. A forma como a União Europeia o faz, ou poderá fazer, faz parte do estudo neste ensaio. Para tal é necessário conhecer as capacidades espaciais europeias, as suas políticas e as suas estratégias.

No final deste ensaio responde-se à pergunta: De que forma a exploração espacial

europeia interfere na Segurança Internacional?.

Palavras-chave

Competição; Cooperação; Espaço; Segurança; União Europeia

Como citar este artigo

Baltazar, Ana (2011). "A disputa do espaço pela Europa – um novo desafio”. JANUS.NET e- journal of International Relations, Vol. 2, N.º 1, Primavera 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n1_art3.

Artigo recebido em Abril de 2010 e aceite para publicação em Maio de 2011

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A disputa do espaço pela Europa – um novo desafio

Ana Baltazar

A DISPUTA DO ESPAÇO PELA EUROPA – UM NOVO DESAFIO

Ana Baltazar

Introdução

Este artigo faz parte de uma tese de mestrado, realizada em 2009, com o mesmo título e do mesmo autor. Nessa tese, para além do estudo da União Europeia (UE), estudaram-se as políticas espaciais e as capacidades espaciais dos países com maior relevo no desenvolvimento de tecnologia espacial, são eles: a China, a Rússia e os Estados Unidos da América (EUA). Ainda nessa tese, desenvolveram-se, em detalhe, os conceitos técnicos associados ao tema, nomeadamente, o conceito de astropolítica, força e poder espacial, duplo-uso e ameaça.

“A Disputa do Espaço pela Europa – Um Novo Desafio“ induz à reflexão porque é um facto que as sociedades modernas estão hoje dependentes dos meios espaciais e das suas aplicações. Cada vez mais, há mais países a colocarem satélites em órbita e cada vez mais, há mais países a terem satélites fabricados e lançados por terceiros. Esses satélites, genericamente, servem multifunções civis e militares que podem ir desde a facilitação nas comunicações e previsão meteorológica, até à obtenção de informações precisas para navegação. Derivado desta tomada de consciência - da dependência de meios - tornou-se necessário, principalmente, para as maiores potências, pensar na segurança do Espaço. Nos últimos conflitos os meios espaciais têm tido uma enorme influência nas operações militares. Esta influência sente-se essencialmente ao nível do tempo de decisão e de resposta militar, tornando tudo – decisões/acções - mais rápido.

Tipicamente, em conflito, os meios espaciais disponíveis são inúmeros e bastante variados, destacam-se: sistemas de previsão meteorológica; sistemas de comunicações militares; satélites de vigilância; satélites de posicionamento de armas e lançamento de mísseis; sistemas de posicionamento; entre outros. Para as Forças Armadas, os satélites são multiplicadores de força e são ferramentas essenciais ao serviço do “Comando, Controlo, Comunicações, Computadores, Informações, Vigilância e Reconhecimento” (C4ISR).

Como se verá ao longo deste artigo, ter capacidades traz poder e ter poder traz capacidade de influenciar as decisões na cena internacional. Mas ter meios e não ter a capacidade de os defender pode-se traduzir numa vulnerabilidade extrema. Desta forma, os meios espaciais ganham importância estratégica ao poderem, por um lado, facultar informação essencial e única, por outro, colocar em risco a Segurança Nacional.

Assim, o assunto Espaço tem uma dimensão civil (ligada aos diversos vectores da segurança mundial, ao bem estar das populações, à evolução científica da humanidade)

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e uma dimensão militar (que dá apoio à Defesa e suporta um elevado número de acções militares) que, por vezes, se fundem na questão do duplo uso.

Éessencialmente em torno destes pontos que se aborda o tema “A disputa do Espaço pela Europa – Um novo desafio”. Este desafio, para a Europa, é analisado em termos de oportunidades/vantagens aos vários níveis: Económico, Militar e Político. Salienta-se que este artigo incide sobretudo na UE como um todo, sendo as suas políticas a prevalecer, enquadradas pela Política Externa e de Segurança Comum (PESC), e não as políticas individuais de cada país europeu. No estudo das capacidades da UE, desenvolve-se uma matriz SWOT - ferramenta de gestão – cujas letras significam Strength (força), Weakness (fraqueza), Opportunities (oportunidades) e Threats (ameaças).

Para elaboração deste artigo adoptou-se o método de investigação em Ciências Sociais proposto por Luc Van Champenhoudt e Raymond Quivy (Quivy, 2005). Toda a reflexão vertida neste artigo vai no sentido de procurar responder à Pergunta de Partida: De

que forma a exploração espacial europeia interfere na Segurança Internacional?

1. O Espaço

a.Definição de Espaço

Definir ou delimitar os meios mar e terra – ou mesmo o meio aéreo em relação aos outros dois - terá sido simples na medida em que a separação, entre uns e outros, é fisicamente visível. No caso do meio Espaço, a situação tem outros contornos, de tal forma que, na comunidade internacional, ainda não se reuniu consenso para a definição de espaço exterior (ou espaço sideral). Este facto prende-se, principalmente, com o não se conseguir definir a fronteira física entre espaço aéreo e espaço exterior. Contudo, é importante ter um conceito internacionalmente reconhecido na medida em que se colocam questões relacionadas, não só com a segurança, mas principalmente com a soberania dos países.

Neste artigo adopta-se, para a definição de Espaço, aquela que embora não esteja formalmente aceite1 é a que reúne maior consenso na comunidade científica, tendo sido desenvolvida, em 1957, por Von Karman (Chun, 2006: 14): o Espaço começa a uma altitude de 100km (já na Termosfera) acima da superfície da Terra. Assim, é acima da linha de Von Karman que se começam a definir os diversos tipos de órbitas, que se designam por (Dolman, 2006: 65): LEO (Low Earth Orbit), MEO (Medium Earth Orbit), HAO (High Altitude Orbit) e HEO (Highly elliptical Orbit).

O conhecimento das órbitas e da mecânica orbital são vitais, uma vez que os objectos, depois de colocados em órbitas estáveis, não necessitam, praticamente, de combustível ou energia para se manterem (apenas precisam de alguma energia para corrigir a órbita em relação a algumas perturbações).

1A dúvida favorece uma certa flexibilidade política e legal no que concerne ao sobrevoo de objectos espaciais no espaço aéreo (ou não) de uma outra Nação.

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b.Objectos no Espaço

Como atrás se mencionou, embora se esteja numa fase embrionária do conhecimento das potencialidades espaciais, já existem inúmeras formas de exploração do mesmo e já se faz uso de informação preciosa que é conseguida através de meios colocados no Espaço. Essa informação é obtida através de diversos tipos de equipamentos que podem ir desde os satélites, às sondas ou às estações espaciais tripuladas.

Relativamente aos satélites, poder-se-á dizer que são um qualquer objecto que esteja na órbita da Terra ou de qualquer outro planeta. Os satélites podem ser de dois tipos: os naturais e os artificiais. Os primeiros são corpos celestes, onde a Lua é o mais conhecido; os segundos são corpos fabricados e colocados em órbita pelo Homem. De uma forma genérica, um satélite artificial é um veículo de transferência de informação.

Em 31 de Dezembro de 2007, estavam identificados, como estando em órbita, 3.2082 satélites, de variadíssimos países (Portugal tem apenas um totalmente seu, lançado em 1993, actualmente inoperativo), sendo a Rússia aquela que maior número possui (42%) logo seguida dos EUA (31%). A Europa apenas detém 7% dos satélites (MEHURON, 2009: 60).

As sondas (num total de 119) são naves espaciais não tripuladas, com a finalidade de explorar, por exemplo, outros planetas. Neste caso são os EUA que têm em maior número (51%), seguidos da Rússia (com 29%) e da Europa com 7% (MEHURON, 2009: 60).

As estações espaciais são estruturas que foram transportadas para o Espaço, por outros meios, sendo concebidas para terem seres humanos a bordo. Foi a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, nos anos 70, o primeiro país a desenvolver este tipo de programas, nomeadamente, através do Salyut. Actualmente, e desde Outubro de 2000, existe no Espaço a Estação Espacial Internacional que, em 15 Junho de 2010, cumpriu a sua vigésima quarta expedição (a bordo com um russo e dois norte- americanos).

Para além dos objectos atrás abordados, existe também, em grande número (identificados cerca de 30.342 objectos3), o lixo espacial. Estes objectos são de capital importância, na medida em que podem provocar sérios danos nos satélites em órbita, nas estações orbitais e nos próprios astronautas. Uma das formas possíveis dos satélites se protegerem, em parte, do lixo espacial é através de blindagens protectoras, contudo estas medidas tornam os satélites mais pesados e com maior custo.

c.Tratados

Do ponto de vista jurídico, o Espaço, em contraste com o espaço aéreo, é aberto a todos (Couteau-Begarie, 2003: 865).

A Organização das Nações Unidas (ONU) tem vindo a desenvolver um trabalho intenso, em termos de legislação enquadrante, para as questões relacionadas com a utilização do Espaço, com particular ênfase na tentativa da não militarização do meio. O Comité para a Utilização Pacifica do Espaço Exterior, com sede em Viena, é o único fórum para

2Não estando, necessariamente, todos operacionais.

3SATCAT Boxscorehttp://www.celestrak.com/satcat/boxscore.asp (consultado em 8 deJunho de 2010). 32

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o desenvolvimento dessa legislação. Desde a sua criação, já concluiu cinco instrumentos legais e cinco conjuntos de princípios que regulam uma série de regras relativas, por exemplo, à apropriação do espaço exterior e às actividades de controlo de armas (UNOOSA, 2007). De uma forma geral, em todos eles, promove-se o conceito de que a investigação e as actividades no Espaço, ou do Espaço, devem ser realizadas em colaboração com outras nações e com a perspectiva de bem-estar geral.

O Tratado para o Espaço Exterior (TEE) é o primeiro tratado a servir de referência para a análise jurídica das actividades espaciais. Este estabelece os princípios jurídicos fundamentais e as proibições relevantes para o Espaço. Nos seus dois primeiros artigos

édefinida a estrutura básica, declarando que as nações possuem a liberdade de investigação científica no espaço exterior e que o Espaço e os objectos exteriores celestes (como a Lua) não são propriedade. Os artigos 3º e 4º praticamente restringem as actividades militares espaciais. No mesmo tratado legisla-se que a Lua e os outros corpos celestes só podem ser utilizados para fins pacíficos, não podendo ser equipados com bases militares ou usados para testar armas. Contudo, poderão ser usados para pesquisa científica ou na exploração pacífica (UNOOSA, 2002).

d.Astropolítica

A Astropolítica é conceito relativamente recente que relaciona o espaço exterior e a tecnologia que lhe está associada, com o desenvolvimento de orientações políticas, militares e estratégicas (Dolman, 2006: 15).

Neste artigo, considera-se o modelo astropolítico do estratega militar, norte-americano, Everette C. Dolman. Para ele, a Astropolítica é a grande estratégia que não se resume apenas à aplicação da força militar, inclui também a diplomacia, a propaganda, as operações secretas, a informação e as transacções económicas (Dolman, 2006: 146). A Terra reduz-se a um único componente de uma abordagem total, que, embora importante, em alguns casos é apenas um componente periférico (Dolman, 2006: 1) com características astropolíticas importantes (Dolman, 2006: 61): a sua massa, órbita e interacções com outros fenómenos. Para Dolman, a humanidade está a entrar na era em que a tecnologia, as comunicações, a inovação e a exploração do espaço exterior são as estradas para a prosperidade e para a abundância. A sua tese é uma aproximação realista que maximiza a prospecção e a exploração espacial em prol de todos, invertendo a corrente internacional de desconfiança na exploração espacial (Dolman, 2006: 183).

Este autor defende também que a militarização do Espaço através de uma força militar capaz de manter o controlo efectivo do mesmo, reconhecida, não arbitrária e eficiente, poderá, por um lado, pelo efeito de desencorajamento, evitar a corrida ao armamento espacial; por outro, como os programas espaciais militares são a coluna vertebral de muitas operações espaciais civis (por exemplo, capacidade de lançamento), resultar em vantagens económicas em áreas como as telecomunicações, a navegação e os satélites meteorológicos (Dolman, 2006: 162). No seu modelo considera que a Astropolítica se divide em quatro regiões astropolíticas que se inter-relacionam (Dolman, 2006: 69): a Terra, o espaço terrestre, o espaço lunar e o espaço solar.

No modelo proposto por Dolman pode-se, no futuro, configurar uma relação de forças na busca da preponderância mundial. Os que forem capazes de controlar as regiões

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astropolíticas, poderão utilizar formas de coacção do tipo económica, relevantes em áreas referentes, por exemplo, às rotas comerciais ou ao controlo de recursos; ou do tipo militar, relativamente a operações na Terra. Nos conflitos mais recentes, ter o controlo de satélites de comunicações, observação e localização permitiu aos norte- americanos e seus aliados terem vantagem nas operações levadas a cabo.

2. A Europa

a.Estratégia da Europa para o Espaço

A Europa reconhece que o Espaço tem uma dimensão estratégica importante (ESDA, 2008). Em particular, os meios espaciais são centros de gravidade militares e, como tal, deverão ser protegidos, na medida em que se tornam potenciais alvos. Um ataque ao sistema espacial de um país poderá tornar as suas Forças Armadas cegas, surdas e mudas. Mas, na verdade, a UE não está em condições – nem provavelmente tem interesse - de ser militarmente predominante no Espaço. Desta forma, a armamentização não será uma opção viável, quer pelos custos associados, quer pela controvérsia que geraria internamente. Assim, e podendo-se tornar vítima da armamentização de outros países, o “Council of the European Union” tornou público, a 3 de Dezembro de 2008, um rascunho sobre o código de conduta para o Espaço (General Secretariat, 2008) que pretende levar a outras nações do mundo. No essencial, a UE pretende deixar o Espaço livre de armas, tornando-se pioneira nesta forma de abordar a questão. Também, neste documento, se menciona a importância do desenvolvimento de tecnologia espacial na evolução da economia, das sociedades e da cultura das nações. Contudo, reconhece-se que as capacidades espaciais são vitais para a Segurança Nacional e para a manutenção da paz e da Segurança Internacional. Assim, apela-se aos acordos internacionais para, entre outros: influenciar o uso pacífico e seguro do Espaço onde se definam as regras - desde que para fins pacíficos - para a liberdade de acesso ao Espaço; e preservar a segurança e a integridade dos objectos espaciais em órbita.

Este passo europeu é uma forma de demonstrar que a Europa é um actor estratégico, significativo, nas questões do Espaço. Espera-se que seja uma opção viável, mas só o será se as grandes potências espaciais o aceitarem o que, certamente, não será fácil de acontecer. Este código pretende, entre outras coisas, regular os testes anti-satélites e a produção de lixo espacial.

b.Capacidade espacial europeia

Actualmente, dos 376 satélites comerciais operacionais em órbita, a França foi responsável pelo lançamento de 122 (Figura A), ou seja, 32% (33% foram lançados através dos russos e 24% dos norte-americanos). De acordo com a Figura A, pode-se observar que também se efectuaram alguns lançamentos relacionados com satélites militares (11%) e governamentais (10%). Estes lançamentos - na sua maioria (89%) para a GEO - foram efectuados no Guiana Space Centre, através de vários tipos de lançadores Ariane.

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Figura A – Satélites lançados pela França

Fonte: (UCS, 2009)

No que diz respeito aos satélites que pertencem a países da UE - não necessariamente lançados ou produzidos por estes - existem actualmente operacionais 114 satélites de um total de 888. Esses satélites estão, a maior parte, em órbitas LEO (43,9%) e GEO (45,6%) uma pequena minoria nas MEO (2,6%) e na HEO (7,9%) (Figura B).

Figura B – Satélites europeus lançados, por classe de órbita

Fonte: (UCS, 2009)

Da Figura C constata-se que, de uma maneira genérica, é a partir de 1999 que se dá o salto para outro tipo de satélites que não os quase exclusivamente comerciais. Os satélites operacionais inteiramente comerciais continuam a ser em maior número

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(42%), contudo verifica-se, a partir daquela data, uma maior diversidade de aplicações, destacando-se os 21% inteiramente militares pertencentes, essencialmente, ao Reino Unido, à França e à Alemanha (para comunicações, vigilância, reconhecimento e ELINT).

Figura C – Satélites europeus lançados, por tipo de utilizadores

Fonte: (UCS, 2009)

Desses 114 satélites operacionais europeus, apenas 15 (entre 1990 e 2009) são da European Space Agency (ESA) ou em parceria (um de pesquisa lançado na HEO com a China, um científico lançado na LEO com os EUA e um de física espacial lançado na HEO com os EUA e a Rússia). Como se observa na Figura D são satélites essencialmente governamentais e nenhum militar.

Figura D – Satélites pertencentes à ESA

Fonte: (UCS, 2009)

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Da análise realizada às capacidades espaciais europeias, observa-se que existe duplicação de esforços entre os países europeus, havendo mesmo os que têm políticas de desenvolvimento de meios autónomos, levando à duplicação, em algumas áreas, particularmente nos satélites de observação e de comunicações.

c.Análise SWOT

Neste parágrafo, elabora-se uma análise SWOT relativamente à tecnologia espacial da UE. Esta análise deriva, não só do exposto nos parágrafos anteriores, mas também da tese que deu origem a este artigo.

1)Forças

￿Ambição política:

Em ganhar e manter acesso independente ao Espaço

Ter influência na cena internacional espacial

￿Parcerias EDA/ESA

￿Vasta gama de programas, com o associado domínio de altas tecnologias:

Científicos

Meteorológicos

Navegação (Galileo)

Ambientais (Global Monitoring and Environmental Security - GMES)

￿Estação de lançamento própria na Guiana Francesa

￿Competitiva no sector comercial

￿Capacidade de monitorização meteorológica e de controlo ambiental

￿Indústria espacial

2)Fraquezas

￿Assimetria de capacidades entre os diferentes países (França e Alemanha destacam-se)

￿Não possuem capacidade de efectuarem missões espaciais tripuladas

￿Pouco competitivos no sector de lançamentos

￿Falta de identidade europeia

￿Ausência de doutrina de Segurança Europeia para o Espaço

￿Países europeus com programas espaciais autónomos

￿Diversidade e divergência de interesses a interferirem na decisão de projectos comuns (por exemplo, nos mecanismos de early-warning)

￿Capacidade económica/investimento

￿Aceitabilidade pública em investimentos associados a programas espaciais de duplo uso

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3)Oportunidades

￿Afirmação internacional:

Prestígio

Credibilidade

Intervenção nas decisões políticas mundiais

￿Controlo das capacidades dos outros países através da cooperação com esses

￿Desenvolvimento tecnológico e económico

￿Tecnologias de duplo uso

￿Complementaridade de capacidades e informação

￿Projecto Galileo

￿Parcerias através de:

Partilha de custos

Partilha de conhecimento

Partilha de informação

￿Estimular a economia global

￿Emprego no sector espacial

4)Ameaças

￿Duplo uso pela dificuldade de controlo

￿Dependência tecnológica de terceiros

￿Dependência no acesso à informação

￿Desconhecimento das intenções de alguns actores

￿Armamento com capacidade de destruição de meios espaciais

￿Lixo espacial

￿Transferência de conhecimento para potenciais adversários comerciais ou políticos

￿Dificuldade de entendimento mundial sobre os mecanismos de early-warning

￿China, Rússia e EUA a nível comercial (competição) e de segurança (possibilidade de controlo e destruição de capacidades espaciais)

Da análise SWOT conclui-se que ter Poder Espacial, ou seja, ter meios espaciais que multipliquem as forças existentes, permitirá à UE ter a capacidade de influenciar outros actores da cena internacional, nomeadamente em questões tão importantes como a regulamentação das actividades espaciais. Para além disso, ter Poder Espacial poderá tornar a Europa um centro de gravidade capaz de atrair grandes parceiros para cooperação, aumentando as capacidades e a viabilidade de novos projectos.

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A Europa para enfrentar desafios que envolvam o Espaço poderá combinar vários elementos que lhe garantam vantagens diplomáticas, económicas, militares e culturais. Designadamente: ter acesso ao Espaço, ser competitivo, ter sistemas globais de navegação, ter capacidade de exploração do Espaço, ter capacidade científica espacial e ter capacidade de gestão de tráfego espacial. Relativamente à segurança há, de facto, dois tipos de ameaças possíveis: por um lado, a não intencional (incidentes e acidentes através, por exemplo, de lixo espacial); por outro, o armamento espacial. A UE, ao desenvolver as suas capacidades e potencialidades espaciais pode e deve ter influência na discussão das políticas espaciais internacionais de forma a garantir um meio pacífico no Espaço.

3. A Disputa do Espaço

a.O desafio Europeu

O estudo do desafio espacial para a UE pode ser abordado sobre diversas perspectivas: a militar, a económica e a política.

Perspectiva militar

Garantir que os sistemas espaciais militares existentes estão seguros e que servem as necessidades não é um objectivo, cem por cento, tangível, mas é definitivamente um desafio face à sua importância e relevância. Ainda para mais, quando a ameaça é imprevisível dada a variedade de situações que podem conduzir à danificação ou perda desses sistemas. O que pode ajudar a evitar ou a controlar estas situações, passará por ter sistemas de early-warning capazes de detectar qualquer ameaça. É necessário também ter a capacidade de garantir que se têm alternativas caso aconteça, por exemplo, um “apagão” nos sistemas que são utilizados pelas forças militares.

Numa perspectiva militar a UE deverá promover a cooperação, na medida do possível, no desenvolvimento de tecnologia espacial militar. A cooperação interna permite reduzir os custos e a externa permite, para além dessa redução, a partilha de tecnologia e o conhecimento daquilo que os outros – por vezes, adversários ou competidores - estão a desenvolver. Assim, numa organização onde não há interesse em promover conflitos, é com a cooperação militar que, de certa forma, se podem controlar os outros actores. Esta postura, bem coordenada, poderá servir os interesses da UE na sua política de segurança e defesa materializada na PESD, nas missões que esta desenvolve, em particular nos conflitos fora de área em que o suporte dos meios espaciais é determinante para o cumprimento da missão, destacando-se o suporte ao C4ISR.

Perspectiva económica

A abordagem da UE é mais orientada para o mercado. A tecnologia espacial tem um papel chave no desenvolvimento da economia nacional e, por isso, deverá fazer parte da ambição da União. Como já abordado, os programas espaciais levam ao desenvolvimento tecnológico, por sua vez a tecnologia leva à industrialização e a industrialização leva ao desenvolvimento económico. Tornar o sector espacial

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competitivo é um objectivo da UE e de alguns países que a constituem. Isso consegue- se recorrendo, como observado anteriormente, a cooperações com outros países, mas, dever-se-ão procurar, na medida do possível, nichos de mercado onde se seja capaz de fazer a diferença.

Étambém importante garantir orçamentos que suportem projectos complexos e ter o acordo dos vários países da UE. Assim, esta organização deve procurar projectos que sejam necessários à organização e que sejam exequíveis no prazo e com os custos estabelecidos de início. Este é um desafio que se prende, também, com a credibilidade da organização no sistema internacional.

Perspectiva política

O primeiro desafio político que se coloca à UE é o de integrar as políticas individuais de cada Nação, produzindo um projecto político espacial comum - aceite e seguido por todos - sem projectos individuais paralelos. De facto, as tendências actuais seguem duas vias: por um lado, a política espacial é nacional, ou seja, está associada à política de cada país, sendo a política de defesa ainda mais nacionalista; por outro, as tecnologias espaciais civis têm vindo a ser desenvolvidas segundo uma aproximação europeia comum, onde a ESA tem tido um papel preponderante ao chamar a si grande parte dos projectos desde a sua coordenação à sua produção. Obter uma política espacial comum europeia – civil e militar - permitirá aumentar as capacidades globais europeias; partilhar custos e eliminar ou evitar sistemas espaciais em duplicado (o mesmo tipo de função mas pertencentes a países europeus diferentes). Para além disso, o contributo dos diversos países europeus – com diferentes conhecimentos e áreas de interesse – aumenta o contributo global levando a que se possa desenvolver mais e melhor. Em resultado disso, a UE pode diminuir a sua dependência relativamente a outros actores. O caso do sistema Galileo é disso um exemplo, ou seja, desenvolve-se uma nova capacidade europeia que libertará os europeus da dependência do sistema norte-americano Global Positioning System (GPS).

Depois é necessário identificar o que é essencial e quais são as capacidades mínimas que a UE considera dever ter no Espaço para questões de segurança e defesa. Sem dúvida que a UE tem de ter capacidade independente, pelo menos para comunicar, observar, localizar, obter informações e early-warning. As tecnologias espaciais são para ser consideradas um meio de suporte político decisivo da cena internacional, onde o investimento em tecnologia pode significar capacidade independente de decisão e controlo.

b.A Segurança Internacional

Neste artigo tem vindo a demonstrar-se que as necessidades de segurança espacial estão ligadas ao processo tecnológico espacial. Se por um lado, os meios espaciais devem ser utilizados para proteger as populações, os seus diversos recursos e os diferentes territórios, por outro, servem também para manter as próprias estruturas tecnológicas (as baseadas na Terra e no Espaço). Estes sistemas oferecem soluções extremamente versáteis numa dimensão internacional. As sociedades dependem hoje, aos vários níveis, dessas soluções o que torna a sua protecção uma questão de Segurança Nacional ou, no caso europeu, de Segurança Europeia. De facto, o sector

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espacial ajuda a definir o conceito de segurança da UE, não só no que contribui para a segurança dos cidadãos, mas também para o rumo que se quer dar no desenvolvimento de tecnologia.

A UE nos seus documentos sobre tecnologia espacial toma uma abordagem mais orientada para o meio civil e menos para o meio militar. A própria ESA tem, no seu preâmbulo, que a sua missão tem fins pacíficos. E a política europeia de segurança assenta no princípio de “ajudar na segurança e defender a estabilidade” que está, por seu lado, em sintonia com a orientação política de não agressividade no uso de tecnologia. Contudo, são programas como o GMES, relacionados primeiramente com a segurança em geral dos cidadãos, que aproximam a política espacial europeia – na sua vertente civil – à defesa europeia. Este tipo de desenvolvimento mostra como as novas tecnologias espaciais representam um novo passo no processo político onde, para além de se aumentarem as capacidades, fomenta-se um projecto político comum.

Écerto que os governos europeus necessitam de novas capacidades militares para cumprir todos os objectivos da PESD, nomeadamente para responder às missões de Petersberg. A tecnologia espacial poderá ser uma forma de o conseguir sem ter que desenvolver grandes capacidades, ou seja, sem ter que investir.

Relativamente à tecnologia espacial surgem, à UE, três cenários possíveis de actuação: primeiro, pode tornar-se uma participante activa na corrida ao armamento; segundo, pode comportar-se como um actor passivo, ou seja, uma figurante sem qualquer interferência no desenrolar dos acontecimentos; ou pode, como terceiro cenário, tornar-se uma protagonista no desenvolvimento tecnológico espacial e no desenvolvimento de normativos que advoguem a prevenção. Aparentemente, parece ser este último o cenário escolhido, na medida em que se tem feito um esforço em desenvolver acordos internacionais que regulem as actividades no Espaço. O código de conduta, por exemplo, é importante na medida em que pode incentivar à cooperação internacional, ao crescimento económico, à exploração e, ao mesmo tempo, pode diminuir o risco de incidente tornando esse meio mais seguro. Não existindo este tipo de regulamentação, aumenta a possibilidade de existir armamento espacial, os satélites ficam em maior risco e o lixo espacial aumenta. Este tipo de acordo pode ainda facilitar o controlo de material de duplo uso. São climas de desconhecimento de capacidades e de desconfiança relativamente às intenções dos Estados que pode tornar inevitável a escalada ao armamento.

Contudo, o que será de todo aconselhável é que os europeus mostrem internacionalmente que têm uma posição e uma identidade no que diz respeito à segurança espacial, em sintonia com os seus valores, objectivos e políticas. Mas é também essencial que o papel que tiverem seja guiado pelas intenções expressas na Estratégia de Segurança Europeia, ou seja, baseado no multiculturalismo, na cooperação, na diplomacia, na combinação entre meios militares e civis e na promoção de Estados de Direito.

De facto, a UE ao longo dos últimos anos tem tido um pensamento sério e independente sobre a segurança espacial. Esta preocupação advém de uma consciência de que, para já, não tem capacidade para se tornar predominante, em termos militares, no Espaço e, provavelmente, não terá, sequer, essa intenção. Contudo, isso não significa que não tenha meios militares no Espaço, pois alguns países europeus desenvolveram satélites militares (de observação, de telecomunicações, entre outros),

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na certeza porém de que as armas espaciais não fazem parte da estratégia da União. Uma estratégia que levasse à armamentização seria demasiado radical para se desenvolver a nível nacional e demasiado delicada para se desenvolver em cooperação.

De uma forma geral parece prudente proteger os meios, bem como travar a propagação de qualquer tecnologia que possa ser potencialmente uma ameaça para os meios espaciais. Qualquer tipo de tecnologia que seja desenvolvida para atacar meios espaciais é extremamente prejudicial para a UE ao poder destruir satélites civis e militares. Mas o desenvolvimento de capacidades espaciais alternativas às já existentes, principalmente norte-americanas, é outro contributo para a segurança que deverá ser explorado pela UE.

Em suma, e respondendo à questão de partida “De que forma a exploração espacial europeia interfere na Segurança Internacional?sugere-se a leitura do esquema da Figura E que procura sistematizar um conjunto de reflexões trazidas através deste artigo. Considera-se que o objectivo (alvo) a atingir é manter o Espaço seguro, sendo que segurança (no centro do alvo) pressupõe que não haja a possibilidade de haver armamento espacial e a ameaça do lixo espacial seja reduzida. Assim, e da análise realizada anteriormente, sugere-se que a estratégia (seta) da UE, para a segurança espacial europeia e internacional, tenha um trajecto influenciado pelas seguintes linhas de orientação:

Desenvolvimento de propostas europeias de acordos internacionais, em formato de Tratado, Convenções e/ou Códigos de Conduta que, essencialmente, favoreçam a clareza das actividades espaciais, promovam o controlo do lixo espacial e favoreçam as parcerias;

Identificação de uma política espacial comum aceite pelos diferentes países da UE que levará a uma identificação clara de quais são as capacidades que se pretendem desenvolver e em que moldes;

Estabelecimento do maior número de parcerias possíveis, com outros países e até organizações (NATO), que possam contribuir para o aumento de conhecimento tecnológico e, mesmo contribuir para o conhecimento das capacidades de parceiros (pode diminuir o risco de agendas escondidas);

Desenvolvimento de esforços no sentido das nações financiarem os projectos que se considerarem essenciais para a Segurança da União e, consequentemente, da Segurança Internacional.

As quatro linhas de orientação devem, em conjunto, dar a robustez técnica que a UE necessita para, primeiro, poder ser independente, em termos tecnológicos, do grande poder norte-americano; segundo, ter Poder Espacial. Esse Poder Espacial pode ser usado como ferramenta política para influenciar a condução do futuro do Espaço, ou seja a tecnologia espacial suportando as políticas de segurança e defesa da UE.

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Figura E – Representação gráfica para a Segurança no Espaço

Acordos Internacionais

Política Espacial Comum

Parcerias

Investimento

Robustez Técnica

ESPAÇO SEGURO

Poder Espacial

Robustez Política

Com este artigo conclui-se que a corrida ao armamento no Espaço, e a inerente possibilidade de este se tornar um campo de batalha, pode ser evitada. Todos têm bastante a perder, mas os que têm maior capacidade são também os que têm maior fragilidade.

Pode-se estar no momento ideal para travar uma escalada ao armamento espacial cujo efeito, não sendo necessariamente tão letal como outros, pode afectar o dia-a-dia das populações civis e militares e, certamente, abalar a Segurança Internacional.

Conclusões

O artigo em apreço incidiu sobre o tema “A disputa do Espaço pela Europa – Um novo desafio”. Das leituras realizadas, considera-se que o avanço no Espaço pode colocar novos desafios nas Relações Internacionais ao pretender-se controlar o acesso

adeterminados recursos, ao colocarem-se novas oportunidades comerciais espaciais que poderão influenciar a utilização militar do Espaço, ao valorizar-se o Poder Espacial. De facto, a história diz-nos que as fronteiras exploradas e ocupadas pelos seres humanos estiveram (estão), em alguma ocasião, debaixo de conflito. A questão será se o Espaço escapará a essa tendência.

Iniciou-se a investigação, como o próprio título induz, partindo do pressuposto que o Espaço era um meio desafiante para uma Europa que pretende crescer política e economicamente. Mas, e como disse, em Novembro de 2001, o Director Geral da ESA António Rodotá Encontramo-nos apenas no amanhecer da era espacial”. A exploração do Espaço – fazendo parte do imaginário da antiguidade – efectivamente, tem pouco mais de 50 anos, sendo ainda um meio, a vários níveis, desconhecido.

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Actualmente, ter tecnologia espacial, saber tratar a informação recebida e aplicá-la, representa uma nova fonte de Poder. O Poder Espacial, através das suas capacidades, traduz-se, em termos militares, num multiplicador de força. Em torno da utilização de tecnologia espacial, está a protecção dos sistemas, a gestão da informação e o tratamento da mesma para que se torne válida e decisiva. O antecipar dos acontecimentos poderá evitar o conflito, limitar os ataques ou evitar os erros.

A UE, actor central deste estudo, tem capacidades espaciais relevantes no contexto internacional. Contudo, algumas dessas capacidades são pertença dos países que a constituem e não são capacidades, efectivas, daquela União.

Esta diferente abordagem dos países europeus, em particular dos membros da UE, leva a que haja duplicações de capacidades e limitações no desenvolvimento de determinados programas por falta de verbas ou de consenso quanto à necessidade. Parte da razão porque isto acontece está relacionada com o facto destes países lidarem com a sua segurança de uma forma autónoma e não numa visão europeia global.

Os actuais projectos da EU - sistema de navegação Galileo, sistema de vigilância ambiental GMES e desenvolvimento dos lançamentos - tornam a UE tecnologicamente independente de outros países. A independência é, claramente, vantajosa em termos de segurança – ainda que sejam programas civis – mas, também, em termos económicos ao permitir o desenvolvimento e o crescimento interno da organização. Estas novas capacidades que advêm da tecnologia espacial tornam a organização economicamente mais forte e podem dar à UE o Poder que necessita para ser influente nas decisões espaciais.

A disputa a que se assiste, não é, pelo menos para já, uma disputa armada, mas é uma disputa económica e política. A UE (ou os países que a constituem) tem, de uma forma geral, objectivos primários que a motivam a investir nestas áreas tecnológicas, tais como: adquirir independência tecnológica, desenvolver-se economicamente, aumentar as capacidades e a credibilidade dos programas espaciais e cooperar.

O desafio da UE está, primeiro, em ter uma política espacial comum europeia civil e militar. Depois disso, esta organização deve identificar o que é essencial e qual a estratégia a adoptar para o conseguir.

Em suma, e respondendo à pergunta colocada no início do artigo, é através de acordos internacionais, de uma política espacial europeia comum, de parcerias e de financiamentos que a UE poderá contribuir para um Espaço livre e pacífico. Assim, tal como com o armamento nuclear, os efeitos causados pela utilização de armamento espacial podem ser excessivos numa altura em que a exploração científica ainda se sobrepõe à exploração militar.

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