OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 118-121

Notas e Reflexões

HARD, SOFT OU SMART POWER:

DISCUSSÃO CONCEPTUAL OU DEFINIÇÃO ESTRATÉGICA?

Brígida Rocha Brito

Doutorada em Estudos Africanos pelo ISCTE –IUL. Professora no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL),

Subdirectora de JANUS.NET, e-journal of International Relations. Investigadora do OBSERVARE (UAL) e do Centro de Estudos Africanos (ISCTE-IUL)

A reflexão apresentada sintetiza as discussões em torno das diferenças conceptuais, das vantagens e dos riscos associados às estratégias inerentes ao Hard power e ao Soft power, mas também ao conceito emergente de Smart power, proporcionada pela participação na Conferência “Hard Vs. Soft Power: Foreign Policy Strategies in Contemporary International Relations” promovida pela Academy for Cultural Diplomacy na Universidade de Cambridge em Junho de 2010.

A discussão em torno dos conceitos Hard power e Soft Power (Parmar et Cox, 2010) não é recente e tem sido largamente aprofundada pela comunidade académica em Encontros temáticos da área científica das Relações Internacionais. São vários os autores, entre os quais o paradigmático Prof. Joseph Nye, Janice Bially Mattern e Judah Grunstein, que analisam detalhadamente estes conceitos tendo por base casos concretos, sendo os Estados Unidos da América uma referência comum.

Parece ser consensual que o Hard power consiste na capacidade, evidenciada por um país, de atingir objectivos delineados através do uso da força física ou da influência económica recorrendo, com frequência e de forma eventualmente eficaz mas não garantida, à força militar. Por oposição, o Soft power (Nye, 2007) prevê a acção mediante a persuasão, o que implica a adopção de princípios estratégicos que combinam elementos simbólicos ou culturais de referência com valores políticos ou ideológicos que reforçam lideranças.

De acordo com a literatura de referência, a principal diferença entre os dois conceitos parece fundamentar-se no apelo estratégico à intervenção responsável e

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responsabilizadora característica do Soft power, por contraposição da simples imposição pela força do Hard power.

O Soft power abre novas perspectivas na negociação em função de novos horizontes: as relações internacionais tendem a melhorar a partir da conjugação de um conjunto de factores enunciados de forma interligada, pelo Embaixador Pekka Huhtaniemi1, que os define como os “três Ds”, no “Hard Vs. Soft Power: Foreign Policy Strategies in Contemporary International Relations”, Encontro organizado pela Academy for Cultural Diplomacy: a Diplomacia; a Defesa; e o Desenvolvimento. O Soft power permite precisamente conjugar os três Ds, por facilitar: a disseminação de valores sociais e culturais determinantes para a evolução a nível internacional; a criação de redes sociais facilitadoras da multiplicação de contactos humanos e o fomento da comunicação a nível mundial; o empowerment das mulheres, pela capacidade que lhes é reconhecida de promover informalmente a paz, a prosperidade e a segurança; a actuação das organizações da sociedade civil na mediação de conflitos e no fomento da paz.

Segundo Philip Dodd2, o Soft power é definido como uma forma de estar tendencialmente livre, democrática e aberta que, naturalmente, tem implicações políticas e económicas, estando traduzida, de forma clara, no discurso de Barak Obama. Ao se falar em Soft power e Hard power, as ideias de construção e de manutenção da paz surgem de forma implícita, o que lhes atribui, mais do que uma simples conotação conceptual, um significado estratégico para a intervenção. Jack McConnell3 aborda o tema distinguindo os conceitos de peacebuilding e peacekeeping, reconhecendo o primeiro essencialmente como uma estratégia nacional, que pode ser influenciada por forças internacionais, enquanto que a segunda é identificada, do ponto de vista metodológico, com o envolvimento da sociedade civil na busca da estabilidade, sendo esta uma tarefa assumida por todos e não apenas imposta por uns. Neste contexto, o Hard power pode ser, em determinadas circunstâncias, um recurso incontornável na construção da paz4.

Segundo Hubertus Hoffmann5, a construção e a manutenção da paz seguem, códigos próprios que regulam as acções dos diferentes actores envolvidos nos processos. Estes códigos implicam:

1)a definição de uma relação de custo-eficiência, sobretudo em situações de tensão e de conflito;

1H.E. Ambassador Pekka Huhtaniemi, Embaixador da Finlândia em Inglaterra, conferencista com a comunicação “The finnish approach to hard and soft power” na Conferência “Hard Vs. Soft Power: Foreign Policy Strategies in Contemporary International Relations”, Academy for Cultural Diplomacy (org), Cambridge University, Junho de 2010.

2Prof. Philip Dodd, Professor convidado da the University of the Arts London, conferencista com a

comunicação “A soft power constellation: China, US and India in the 21st century” na Conferência “Hard

Vs. Soft Power: Foreign Policy Strategies in Contemporary International Relations”, Academy for Cultural Diplomacy (org), Cambridge University, Junho de 2010.

3Jack McConnell, ex-Primeiro-Ministo da Escócia, conferencista com a comunicação “Peacekeeping or Peacebuilding: shifting the balance?” na Conferência “Hard Vs. Soft Power: Foreign Policy Strategies in Contemporary International Relations”, Academy for Cultural Diplomacy (org), Cambridge University,

Junho de 2010.

4Bill Paker, Professor no Kings College London, conferencista com a comunicação “The role of military force in the modern world” na Conferência “Hard Vs. Soft Power: Foreign Policy Strategies in Contemporary

International Relations”, Academy for Cultural Diplomacy (org), Cambridge University, Junho de 2010.

5Dr. Hubertus Hoffmann, Presidente do The World Security Network, conferencista com a comunicação “Codes of tolerance as soft factors of peace-making” na Conferência “Hard Vs. Soft Power: Foreign Policy Strategies in Contemporary International Relations”, Academy for Cultural Diplomacy (org), Cambridge University, Junho de 2010.

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2)o enfoque da actuação na localidade, definindo parcerias com actores locais e reforçando a autonomia;

3)a perspectivação de estratégias duplas, incluindo acções de Hard power e de Soft power, diversificando possibilidades numa abordagem que Hoffmann define de inteligente, próxima da concepção do que será o Smart power;

4)a capacidade de evitar o radicalismo das análises, reconhecendo os erros anteriormente cometidos, sendo esta uma forma de os evitar no futuro;

5)a abertura do diálogo e do debate de forma a encontrar mais soluções no terreno, sobretudo de âmbito civil, caracteristicamente alternativas e criativas no modus operandi;

6)a promoção do respeito pela pessoa humana, valorizando os seus direitos através da tolerância e do respeito.

Éneste sentido que, na discussão conceptual, nomeadamente considerando as vantagens e os riscos dos conceitos anteriores (Hard power e Soft power) quando aplicados estrategicamente a casos concretos, emergiu um novo conceito, o Smart power que, não representando exactamente a soma dos dois anteriores, lhes reconhece potencialidades, conciliando as dimensões humana e do conhecimento. Este conceito é habitualmente identificado com a Administração Obama, por oposição às políticas seguidas pela anterior de Bush, claramente dominada pelos princípios do Hard power, procurando ainda aprofundar os valores do Soft power.

O Smart power, conceito criado em 2003 por Joseph Nye e adoptados mais tarde tanto por académicos como por políticos, requer a adopção de medidas estratégicas inteligentes que combinam de forma harmoniosa, e muita vezes subtil, alguns elementos do Hard power com formas de actuação características do Soft power, permitindo obter resultados mais eficazes e bem sucedidos (Nye, 2007). Este novo conceito valoriza a importância de agir com inteligência, doseando as formas de actuação em função das necessidades concretas: o contexto nacional e internacional; as características culturais, o sistema político vigente; as influências económicas. Mas, mais do que qualquer um dos modelos anteriores, este encerra uma dimensão estratégica por estar direccionado para acção, envolvendo todos, obrigando a definir parcerias em diferentes níveis da intervenção, na concepção do Global partner, e valorizando diferentes protagonismos. Seguindo alguns dos princípios do Soft power, com o Smart power, as grandes mobilizações militares que apelam ao uso da força são evitadas, procurando-se uma abordagem diplomática na resolução de conflitos, promovendo-se novas oportunidades e redefinindo-se estratégias integradas e sustentáveis porque geradoras de autonomia.

A nível internacional, o conceito Smart power parece ganhar simpatias, estando a captar a atenção de políticos, estrategas e académicos.

Referências Bibliográficas

Bially Mattern, Janice (2007). «Why soft power isn’t so soft». In Berenskoetter et al (ed), Power in World Politics. London: Routledge

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Hard, soft ou smart power: discussão conceptual ou definição estratégica?

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Nye, Joseph (2007). “Smart Power”. In The Huffington Post [Em linha], [Consultado em 20 Julho 2010]. Disponível em http://www.huffingtonpost.com/joseph-nye/smart- power_b_74725.html

Parmar, Inderjeet et Cox, Michael (ed) (2010). Soft power and US Foreign Policy. Theoretical, historical and contemporary perspectives. London: Routledge

Como citar esta Nota

Brito, Brígida (2010). "Hard, soft ou smart power: discussão conceptual ou definição estratégica?". Notas e Reflexões, JANUS.NET e-journal of International Relations, N.º 1,

Outono 2010. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_not3

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