OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 113-117

Notas e Reflexões

O PAPEL DE PORTUGAL NAS RELAÇÕES EURO – LATINOAMERICANAS

Nancy Elena Ferreira Gomes

Doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa.

Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian.

Professora Auxiliar na Universidade Autónoma de Lisboa

A necessária “nova ordem internacional” que todos reclamam leva-nos a pensar no lugar que pode vir a ocupar a Europa no mundo da pós crise e qual a estratégia a seguir na construção dessa mesma ordem.

Entre os desafios que se colocam à “Nova Europa”1, encontramos efectivamente a necessidade imperiosa de definir uma Politica Externa Global. Esta Política poderá contemplar, entre os seus objectivos, uma parceria estratégica com a América Latina, fundamentada em valores comuns e a partilha de interesses mútuos, e que sirva de eixo alternativo porque não exclusivo. Nessa direcção foram dados mais alguns passos na VI Cimeira União Europeia – América Latina e Caraíbas, que decorreu em Maio deste ano em Madrid.2

Portugal aparece junto com a Espanha, como sendo um intermediário legítimo porque parte de um e do outro espaço. Surge pois a necessidade de conciliar os interesses nacionais com os interesses da União.

Portugal e América Latina

A relação entre Portugal e as Américas limitou-se durante muito tempo e quase exclusivamente, ao norte com os Estados Unidos e ao sul com o Brasil.

A revolução de Abril de 1975 e mais tarde a adesão de Portugal ao espaço de cooperação / integração europeu levaram o governo democrático a rever as suas posições em relação à América Latina. Em efeito, a participação europeia no processo de paz na América Central nos anos oitenta, a institucionalização das cimeiras União

1

2

A Europa que sugere o Tratado de Lisboa.

Em Madrid, retomaram-se as negociações UE – MERCOSUL tendo em vista a criação de uma área de livre comércio, anunciou-se a criação da Fundação Eurolat e aprovou-se a criação de um Mecanismo de Investimento em América latina, dotado com € 125 milhões até 2013.

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 113-117

O papel de Portugal nas relações Euro-Latinoamericanas

Nancy Elena Ferreira Gomes

Europeia – Grupo do Rio e Ibero-americanas, as reuniões conjuntas no quadro da Assembleia Geral da ONU e o desenvolvimento de relações privilegiadas, económicas e políticas, da União com o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) criaram, em pouco mais de uma década, uma intensa rede de intercâmbios e de interesses comuns. Portugal, tendo em consideração a sua condição de país ibérico, a sua ligação histórica com a maior potência regional da América do Sul, o Brasil, e o peso da segunda comunidade portuguesa na América Latina na Venezuela, não devia obviamente ficar fora deste processo.

A sua vez, na América Latina, também o retorno à democracia nos países sobretudo ao sul da região, possibilitou importantes avanços na área da concertação política e cooperação regional e impulsionou a região no sentido de diversificar as suas relações com a Europa, a Ásia e a África.

Num primeiro momento, como referimos antes, foram os laços históricos e culturais com o Brasil e a Venezuela, os determinantes das claras preferências portuguesas, sobretudo nos planos económico e político, na região. Mais tarde os interesses na região diversificam-se.

Actualmente, o relacionamento de Portugal com a América Latina atravessa um período de grande dinamismo. Assim temos que, na área económica e comercial, Portugal exportou em 2008, cerca de € 426 milhões para a América Latina e as importações no mesmo ano, ascenderam a € 1.460 milhões. Os principais destinos das exportações nacionais são o Brasil, México, Argentina, Chile, Venezuela e Cuba. Os principais produtos de exportação são máquinas e aparelhos mecânicos, têxteis, metais comuns, plásticos, cortiça, produtos químicos, medicamentos, pasta de papel, veículos e outro material de transporte, vinhos e azeites. Quanto às importações portuguesas, o grosso provém do Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile, Uruguai, Peru, Venezuela e Cuba. Destes países são importados essencialmente, produtos agro-alimentares e combustíveis.3

Ainda em 2008 e segundo dados disponibilizados pela Secretaria-geral Ibero-americana (SEGIB), Portugal canalizou para a América Latina cerca de € 2,5 milhões em projectos de cooperação, diversificando sem precedentes o destino dessa ajuda, que chegou a dez novos países. Observamos que os fundos deixaram de concentrar-se no Brasil e diversificaram-se geograficamente para dez novos receptores (entre os quais se destacaram a Argentina, a Venezuela e o Uruguai).

Na área política, os distintos governos de Portugal têm acompanhado e manifestado interesse nas reformas políticas implementadas nos últimos anos, nos vários países da região. É claro o aproveitamento que tem vindo a ser feito por ocasião das Cimeiras Ibero-americanas para estreitar as relações bilaterais com os países da região, a esse e outros níveis. Cabe lembrar, entre vários exemplos, a assinatura de um acordo de cooperação na área do turismo e transporte aéreo, incluindo um memorando de concertação política entre Portugal e o México, em Novembro de 1996, por ocasião da VI Cimeira (realizada no Chile).

3Segundo dados disponibilizados pelo IPDAL, devidamente arquivados. 114

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 113-117

O papel de Portugal nas relações Euro-Latinoamericanas

Nancy Elena Ferreira Gomes

A União Europeia e a América Latina

No âmbito comunitário, foi assumido positivamente e desde o princípio que a adesão de Espanha e Portugal implicava e implica necessariamente uma maior sensibilidade europeia em relação à América Latina.

O ponto de partida foi a Declaração Comum de Intenções (Declaração Anexa ao Tratado de Adesão de 12 de Junho de 1985), manifestação de vontade política na qual se confirma a importância atribuída aos laços mantidos com os países da América Latina. Aí se reafirma a vontade de reforçar relações económicas, comerciais e de cooperação, bem como se assinalam alguns dos mecanismos de cooperação, e os sectores económicos e comerciais onde existem possibilidades de intensificar e reformular as relações. De seguida, foi publicado pelo Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros da Comunidade Europeia, em 22 de Junho de 1987, um documento intitulado "Novas Orientações da União Europeia para as relações com a América Latina". As "novas orientações" estabeleceram um novo quadro conceptual e jurídico nas relações entre as duas regiões, assim como os mecanismos necessários ao reforço dessas relações.

Em 18 de Dezembro de 1990, o Conselho de Ministros da Comunidade Europeia aprovou o documento intitulado "Novas orientações para a cooperação com a América Latina e a Ásia na década dos 90", que trata de responder aos desafios nas relações entre estas duas regiões no cenário internacional que entretanto emergira. Além de aí consagrar o meio ambiente como um dos objectivos das acções de cooperação, também nesse documento se estabeleceu com carácter geral a chamada "cláusula democrática", dispositivo que consagra a possibilidade de que a Comunidade Europeia limite a sua cooperação ao campo humanitário no caso de um determinado país não respeitar as regras aceites da democracia ou o primado dos Direitos do Homem (Gomes, 1999: 175).

Hoje, a União Europeia (UE) possui acordos de cooperação, a nível bi ou multilateral, com todos os países e agrupamentos da América Latina, incluindo Cuba.4 Recentemente, a União tem vindo a celebrar acordos mais ambiciosos que prevêem, a prazo, o estabelecimento de zonas de livre comércio (por ex. com o MERCOSUL, com o México e com o Chile e muito recentemente com o Peru e a Colômbia e com a América Central em bloco). Prossegue-se desde 1990 um contacto permanente com o Grupo do Rio.

Em 1999, no Rio de Janeiro, realizou-se a I Cimeira UE – América Latina e Caraíbas, que estabeleceu uma parceria estratégica biregional que se foi consolidando nas Cimeiras seguintes, a última em Maio deste ano, em Madrid.

Apesar dos desentendimentos entre europeus e latino-americanos quanto a uma maior abertura por parte dos segundos aos produtos industriais europeus, e as barreiras não tarifárias impostas pelos primeiros aos seus produtos agrícolas, a UE constitui hoje, o segundo mais importante sócio comercial de América Latina e o primeiro sócio comercial do MERCOSUL e do Chile. Segundo dados publicados pela Comissão Europeia, o volume do comércio com a América Latina mais do que duplicou desde o

4Em 2008 foi aprovado o ingresso de Cuba no Grupo de Rio. 115

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 113-117

O papel de Portugal nas relações Euro-Latinoamericanas

Nancy Elena Ferreira Gomes

início da década. Assim em 2009, o comércio de mercadorias com a América Latina ascendeu a € 71 mil milhões no que respeita às importações e a € 63,4 mil milhões para as exportações (6% do comércio externo total da UE). Quanto ao comércio de serviços, as importações atingiram € 19 mil milhões e as exportações € 28 mil milhões, representando respectivamente 4,35% e 5,44% das trocas comerciais mundiais. O investimento directo da UE na América Latina foi de € 275,4 mil milhões. A balança comercial da UE é negativa no caso das mercadorias e excedentária no caso dos serviços.

O Papel de Portugal nas Relações Euro – Latinoamericanas.

No que diz respeito à América Latina, e desde o envolvimento na Conferência de São José I, em 1984, Portugal foi membro de facto da cooperação política europeia nas questões relacionadas com a América Latina. Assim temos que, em 1992 durante a presidência portuguesa da Comunidade Europeia, foi assinado um acordo de terceira geração (acordo quadro de cooperação) entre a Comunidade Europeia e o Brasil. Na mesma altura decorreu, em Santiago do Chile, a reunião institucionalizada entre a Comunidade e o Grupo do Rio. No final da conferência de São José VIII, que decorreu entre 24 e 25 de Fevereiro de 1992 em Lisboa, as duas regiões emitiram uma declaração política que expressava a relação directa entre democratização, desenvolvimento económico e justiça social.

Com o Brasil, sob a presidência portuguesa da UE em 2007, as instituições comunitárias estabeleceram um Acordo de Associação Estratégica que reconhece a crescente importância regional e mundial deste pais. O interesse da União pela “potência emergente” parece conciliar efectivamente os interesses nacionais de Portugal e os interesses da UE.

Num mundo pós crise e a medida que a América Latina de maneira geral dá sinais positivos no sentido do desenvolvimento económico e consolidação democrática, o desafio do crescimento para a Europa poderá encontrar efectivamente uma resposta através da diversificação dos seus interesses e descentralização das suas atenções para o conjunto dos Estados que compõem a região. Desta forma, o investimento português nos países da América Latina ou em projectos como a criação de uma Comunidade Ibero-americana de Nações se justifica não só pelos interesses nacionais de Portugal na região, mas pelo necessário reforço da sua capacidade negociadora numa Europa que poderá incluir na sua estratégia, a criação de uma verdadeira parceria com a América Latina. O papel de Portugal nas relações euro-latinoamericanas, parece ser mais o de facilitador dessa mesma estratégia.

Referências Bibliográficas

Comissão Europeia (26 Maio 2010). “Principais dados sobre o comércio entre a UE e a América Latina”. In Comércio Newsletter [Em linha]. [Consultado em 26-05-2010]. Disponível em: http://trade.ec.europa.eu/eutn/psendmessage.htm?tranid=3821

GOMES, Nancy (1999). “Europa e América Latina: a cooperação interblocos”. Revista

Portuguesa de Instituições Internacionais e Comunitária:161-198

116

JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 113-117

O papel de Portugal nas relações Euro-Latinoamericanas

Nancy Elena Ferreira Gomes

SEGIB (2009). Relatório da Cooperação Sul-Sul na Ibero-América. [Em linha].

[Consultado em 26-05-2010]. Disponível em: http://segib.org/programas/informe-

2/?lang=pt-pt

Como citar esta Nota

Gomes, Nancy (2010). "O papel de Portugal nas relações Euro–Latinoamericanas". Notas e Reflexões, JANUS.NET e-journal of International Relations, N.º 1, Outono 2010. Consultado

[online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_not2

117