OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 12-32

PARADIPLOMACIA, REGIÕES DO CONHECIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO

DO “SOFT POWER

Miguel Santos Neves

Doutorado pela London School of Economics and Political Science, Universidade de Londres, Professor nas áreas de Direito e Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa; Director do Programa Ásia e do Programa Migrações no Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais.

Resumo

O artigo analisa a natureza e características das regiões do conhecimento e a sua emergência internacional como actores estratégicos no processo de glocalização, fortemente alicerçada na constituição de redes de conhecimento densas e no desenvolvimento de uma paradiplomacia activa, que lhes permite projectar externamente os seus interesses específicos e reforçar a sua influência no processo de multi-level governance posicionando- se como brokers estratégicos entre o local e o global. Neste contexto, são discutidas as implicações da paradiplomacia para as politicas externas dos governos centrais concluindo que não só a paradiplomacia não representa um risco para unidade e coerência da política externa como constitui um factor fundamental para a consolidação do soft power dos Estados.

Palavras-chave

Regiões Conhecimento; Paradiplomacia; Glocalização; Redes Conhecimento; Soft Power

Como citar este artigo

Neves, Miguel Santos (2010) "Paradiplomacia, Regiões do Conhecimento e a consolidação do «Soft Power»". JANUS.NET e-journal of International Relations, N.º 1, Outono 2010.

Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art2

Artigo recebido em Agosto de 2010 e aceite para publicação em Agosto de 2010

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Paradiplomacia, Regiões do Conhecimento e a consolidação do “Soft Power

Miguel Santos Neves

PARADIPLOMACIA, REGIÕES DO CONHECIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO

DO “SOFT POWER

Miguel Santos Neves

Introdução

A crescente complexidade do sistema internacional é particularmente ilustrada pela heterogeneidade dos actores e pela influência crescente dos actores não- governamentais, assim como pela existência de um sistema de governança difuso e multi-nível, em que coexistem e interagem os níveis supranacional, regional, nacional e infranacional, e não o monopólio do nível global. Este facto explica a existência de uma ambiguidade considerável no sistema internacional, nomeadamente no que concerne a localização exacta da autoridade, fragmentação da mesma e gestão de regras e jurisdições sobrepostas.

As mudanças estruturais mais significativas que as sociedades e o sistema internacional estão a atravessar resultam não só da globalização, mas também de dois outros processos distintos que estão intimamente relacionados: a emergência da “sociedade do conhecimento” e da “sociedade em rede”. Os processos de globalização e de edificação da “sociedade do conhecimento” deram origem a dois fenómenos aparentemente contraditórios. A globalização está por trás do desenvolvimento do macro-regionalismo, na medida em que as macro-regiões permitem a exploração de economias de escala, a racionalização de sistemas de produção e custos de transacção, assim como o desenvolvimento de regras de competição transparentes. Paradoxalmente a "sociedade do conhecimento" tem operado num sentido diferente, introduzindo a dimensão da "localização" e estimulando o desenvolvimento do micro regionalismo. Os elementos disponíveis permitem apoiar o argumento de que a evolução da economia mundial não se caracteriza unicamente pela globalização, mas antes pela “glocalização”, um processo mais complexo que envolve simultaneamente globalização e localização.

As regiões do conhecimento, fortemente assentes em redes de conhecimento de múltiplos actores e numa acção paradiplomática proactiva, emergiram como actores de relevo no sistema internacional e como os verdadeiros concorrentes na economia global. Este artigo está estruturado em três partes. A primeira parte examina os factores de maior relevo que explicam a emergência das micro-regiões do conhecimento no âmbito dos processos de glocalização. A segunda analisa as características e dinâmicas das regiões do conhecimento, tanto as antigas, nos países

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desenvolvidos, como as recentes nas potências económicas emergentes, China, Brasil, e Índia. A terceira parte aborda o fenómeno da paradiplomacia e as suas ligações fortes com as regiões do conhecimento, e avalia as implicações do novo paradigma da sociedade do conhecimento em termos de alterações na filosofia e prática da política externa.

Globalização, Sociedade do Conhecimento e Emergência de Regiões do Conhecimento

O sistema internacional tem vindo a atravessar não só um processo de globalização, mas, mais precisamente, um duplo processo de “globalização cum localização”, que alguns autores têm designado por glocalização ou fragmentação1. O efeito conjunto deste processo de globalização-localização, com os seus pontos complementares e as suas contradições, está a provocar uma mudança importante de paradigma nas estruturas sociais, no funcionamento da economia e dos mercados, e na forma como os cidadãos se relacionam entre si e com o Estado.

A globalização tem sido alvo de amplo debate, mas permanece um conceito muito ambíguo, com, pelo menos, quatro significados distintos2. A primeira perspectiva encara a globalização como sinónimo de internacionalização, realçando a intensificação da interacção e a interdependência crescente entre países/estados. A segunda perspectiva estabelece um paralelo entre globalização e liberalização, através da eliminação de barreiras ao livre-trânsito de mercadorias, capitais e pessoas, desregulamentação e redução de restrições por parte dos Estados. A terceira vê a globalização como universalização, implicando a criação de valores e normas globais (por parte dos Estados) e a redução gradual das diferenças culturais.

Por último, a globalização também poder ser encarada como desterritorialização, reflectindo a perda de relevância do território enquanto forma fundamental de organização de Estados soberanos westphalianos, à medida que as redes transnacionais e novas formas de organização social, que transcendem fronteiras territoriais, emergem e actores não-governamentais se tornam cada vez mais influentes a nível internacional. Ao contrário das outras perspectivas, esta última implica uma mudança qualitativa e distancia-se da abordagem centrada no Estado, na medida em que realça o novo papel e influência de participantes não-governamentais.

A localização está associada ao aparecimento de economias baseadas na sociedade do conhecimento, que são aquelas em que o conhecimento se tornou um factor determinante de produção inovadora (novos produtos, processos de produção e métodos organizacionais), e em que a inovação é o ingrediente chave da competitividade.

O aspecto mais valioso na produção do conhecimento não é o investimento em capital físico mas, acima de tudo, o investimento em activos incorpóreos: capital humano, capital de conhecimento e capital social. Na sociedade do conhecimento, as actividades sociais são particularmente orientadas para a produção, distribuição e uso eficaz do

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Veja-se James Rosenau (2002). “Governance in a new Global Order”. In David Held e McGrew (eds). Governing Globalization: Power, Authority and Global Governance, Cambridge Polity Press: 70-86. Dominique Moisi, IFRI (2001). “The Knowledge-based society – beyond IT revolution”, ensaio apresentado na Annual EU-Japan Journalists Conference (Conferência Anual de Jornalistas EU- Japão): Reacting to the knowledge-based society: European and Japanese views, Dublin 7-9 de Março de 2001.

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conhecimento, o que permite criar e produzir novas ideias, conceitos, processos e produtos, e traduzi-los em valor económico e riqueza. Por outro lado, a sociedade do conhecimento é também uma sociedade de aprendizagem, onde existe uma forte prioridade associada à aprendizagem e ao “aprender a aprender”, o que condiciona a sustentabilidade do processo.

Ao realçar a centralidade do processo de criação e difusão de conhecimento, é importante esclarecer não só que há vários tipos de conhecimento, mas também que uns têm um valor estratégico mais elevado que outros. Há uma distinção importante a estabelecer entre dois tipos fundamentais de conhecimento: (i) o conhecimento codificado (“know what” e “know why”), associado à informação e que pode ser facilmente acedido através de bases de dados, livros, ou palestras; o conhecimento tácito (“know how” e “know who”), de acesso mais difícil, na medida em que pressupõe experiência e prática social, especialmente o “know who”, que é o conhecimento socialmente enraizado, dificilmente transferível através das vias formais. O “conhecimento tácito" é o tipo de conhecimento mais decisivo e estratégico, porque é crucial para interpretar, seleccionar e integrar conhecimento codificado, assim como para aprender novas competências e esquecer as antigas. Tanto mais que, com os avanços das tecnologias da informação, o acesso cada vez mais fácil e barato a toda uma vasta informação torna o conhecimento tácito ainda mais relevante, porque é mais escasso e a selecção e interpretação do conhecimento codificado assume-se como crucial.

A produção e a difusão do conhecimento tácito, ao contrário do conhecimento codificado, exigem um contexto social, confiança e interacção presencial, e é improvável que seja transmitida de forma anónima. É aqui que o factor “sociedade em rede” tem que ser levado em consideração, já que as redes sociais que envolvem uma diversidade de participantes e contribuem para o incremento do capital social3 - i.e. a capacidade que os membros de uma sociedade têm para desenvolver confiança mútua e cooperar para atingir objectivos comuns – são condição fundamental para a produção de conhecimento tácito. O conhecimento tácito só é transferível entre actores com normas e valores comuns e que possuem um capital social elevado.

A transição para a sociedade e economia do conhecimento assumiu-se como tópico chave no pensamento estratégico de muitas sociedades e Estados, tendo vindo a tornar-se uma prioridade na agenda política dos governos. Até à data, esta tendência envolve principalmente os “Estados fortes”, países desenvolvidos ou novos poderes emergentes, que já ocupam uma posição forte na economia global. A análise da Estratégia de Lisboa da UE e da actualizada “Europa 2020: uma estratégia para crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”; da estratégia “Inovação 25” do Japão, da “Iniciativa Americana de Competitividade” dos EUA; do programa “Três Tempos” do Brasil; da Estratégia Socialista Harmoniosa já operacional no 11º Plano Quinquenal e actualizada no 12º Plano Quinquenal (2011-2015), presentemente na sua fase final de aprovação; ou do 11º Plano Quinquenal da Índia, demonstram que, desde os fins da década de noventa, estes actores têm-se empenhado na formulação e implementação

3No sentido do conceito desenvolvido por Putnam, veja-se Making Democracy Work: Civic Traditions in Modern Italy, Princeton, Princeton University Press, 1993.

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de estratégias para facilitar a transição para uma sociedade e economia do conhecimento4.

A relação entre os dois processos de globalização e sociedade do conhecimento é bastante complexa. Por um lado, a globalização enfraquece a localização, na medida em que a transferência instantânea de informação, independentemente do local onde se encontra, retira relevância aos factores de competição tradicionais, tais como a proximidade de matérias-primas e outros inputs ou de mercados. Por outro lado, a globalização reforça a localização, uma vez que esta capacidade de fornecer a partir de qualquer ponto torna-se acessível a todos, deixando, assim, de representar uma vantagem.

Neste contexto, o “paradoxo da localização” surge no sentido que “... as vantagens competitivas mais duradouras na economia global parecem ser de natureza local”, como defende Porter5. Além disso, os custos ambientais da globalização estão cada vez mais em evidência. Os exigentes requisitos de responsabilidade ambiental das empresas e as preocupações com as alterações climáticas e a redução de emissões de CO2 põem em causa a sustentabilidade da fragmentação de processos de produção globalizada, levando à pressão para localização perto dos mercados de consumidores de forma a minimizar as emissões, e trazendo novas vantagens para a localização.

Michael Enright6 afirma que se trata apenas de um paradoxo aparente, porque este processo duplo tende a ser essencialmente complementar, na medida em que o processo de localização de vantagens competitivas de empresas é condição necessária para competir no mercado global. Por outras palavras, em primeiro lugar as empresas têm de consolidar as suas capacidades de criação e inovação de conhecimento nas suas redes e grupos locais/regionais, já que, actualmente, a inovação é a principal força motriz da competitividade, para poderem responder aos novos desafios da globalização.

Contudo, entendo não existe apenas complementaridade e convergência, mas também divergência, tensão e efeitos contraditórios entre as duas tendências a diversos níveis. Em primeiro lugar, enquanto a globalização reduz a relevância do território no sentido tradicional, a sociedade do conhecimento confere-lhe um novo significado estratégico. Dada a centralidade do conhecimento tácito e o facto da sua criação exigir interacção social directa numa base territorial, podemos então compreender como os processos da sociedade do conhecimento e sociedade em rede têm contribuído para a recuperação da importância do território, mas numa nova perspectiva: não por ser controlado pelo Estado ou por ser a base do exercício de soberania, mas sim devido à qualidade da actividade que aí se desenvolve e à densidade das redes de conhecimento. A criação de conhecimento tornou-se um fenómeno territorializado, na medida em que permite aos actores nacionais/regionais criar confiança, desenvolver redes, produzir normas e valores comuns, formar parcerias e promover a aprendizagem mútua.

Nesta perspectiva, a sociedade e economia do conhecimento contradiz a tendência contrária de territorialização posta em marcha pela globalização. Como consequência,

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Neves, Miguel (2007). “National Experiences in Managing the transitions towards a knowledge Society/Economy - Same Dreams, Different Beds”. In Estratégia, nº 22-23, IEEI.

Michael Porter (2000). “Location, Competition and Economic Development: Local Clusters in a Global

Economy”. In Economic Development Quarterly, 14: 15-34

Enright, OECD (2001). Enhancing SME competitiveness – the OECD Bologna Ministerial Conference. Paris, 2001 – artigo de fundo da workshop 2.

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os níveis locais e regionais assumem um novo valor estratégico, já que constituem a dimensão mais adequada para a criação e operação de redes de conhecimento que produzem e difundem conhecimento tácito.

Em segundo lugar, a globalização gera uma concentração de poder económico, dando azo a um processo complexo de fusões e aquisições em diversos sectores, enquanto a sociedade do conhecimento tende a gerar dispersão de poder e de bens, e a estimular a cooperação.

Esta concentração de poder económico e a formação de grandes conglomerados no sector financeiro é claramente uma das causas estruturais na base da presente crise económica e financeira, na medida em que produziu o síndroma do “too big to fail” e enfraqueceu a capacidade dos Estados de regulação eficaz e de moderarem os abusos do mercado e as atitudes anti-sociais dos conglomerados. Em paralelo, debilitou o processo de glocalização, já que os bancos globais compraram ou afastaram do mercado bancos locais e regionais mais pequenos, com ligações mais estreitas à economia e instituições locais e, em consequência, o crédito tornou-se menos acessível para os núcleos de PMEs e das redes de conhecimento7.

Em terceiro lugar, em termos de respostas políticas, na perspectiva da regulação, a globalização exige luta contra monopólios/posições dominantes e a aplicação firme de regras concorrenciais, enquanto a sociedade e economia do conhecimento implica uma lógica de maior cooperação entre empresas, universidades, centros de pesquisa, governos locais, ONGs e os outros parceiros que integram as redes de conhecimento, e maior tolerância relativamente a práticas que, numa perspectiva formal, podiam ser consideradas violadoras das regras da concorrência. Por outras palavras, o novo paradigma da sociedade do conhecimento tem implicações ao nível regulatório e institucional de grande alcance, na medida em que exige a flexibilização de regras em diversas frentes, em particular na área dos direitos de propriedade intelectual e da concorrência, de modo a remover os principais obstáculos à difusão do conhecimento.

Em quarto lugar, a globalização está por trás do desenvolvimento de macro regionalismo e da integração regional, enquanto a sociedade do conhecimento favorece a tendência oposta de micro regionalismo, facilitando assim o desenvolvimento de dois tipos de regionalismo com lógicas diferentes.

O desenvolvimento deste novo micro regionalismo baseia-se e é estimulado pela emergência das regiões do conhecimento, um novo actor tanto em termos de criação e inovação de conhecimento, como em termos de governança, cuja relevância estratégica resulta da própria natureza da criação e disseminação do conhecimento tácito, como será analisado mais à frente.

A nova relevância estratégica das regiões do conhecimento assenta em vários factores

Para começar, existe a necessidade de introduzir novas formas de governança dentro dos Estados que estimularam a descentralização e devolução de poderes a governos sub-nacionais. Os efeitos sistémicos da globalização enfraqueceram o Estado westphaliano, apesar da existência de diferenças consideráveis entre Estados fortes e

7Veja-se Stiglitz, Joseph (2006). Making Globalization Work. Penguin Books. 17

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fracos. Esse enfraquecimento resultou da incapacidade das burocracias centrais de lidarem eficazmente com um novo leque de assuntos complexos, do poder crescente dos actores não-governamentais e da emergência de novas fontes de identidade e lealdade que competem com a nacionalidade.

Em segundo lugar, as regiões do conhecimento emergiram como mediadores sistémicos entre o local e o global, gerindo as contradições e respondendo aos novos desafios da nova governança multi-nível. Em larga medida, as regiões são as verdadeiras concorrentes na economia global, tendo adquirido um profundo conhecimento da sua lógica e dinâmica. Pode mesmo afirmar-se que são as regiões, e não os países, que competem no mercado global. Por outro lado, a nível local, elas funcionam tanto como catalisadores da organização das estratégias e acções dos actores locais na prossecução dos seus interesses na economia global, como enquanto rede de segurança para amortecer os efeitos sociais negativos da globalização, contribuindo assim para a estabilidade social.

Em terceiro lugar, a relevância das regiões do conhecimento advém também do seu papel estratégico de reforço da governança global, na medida em que já funcionam na base de redes do conhecimento de múltiplos actores, cuja experiência e conhecimento são necessários para dar resposta à regulamentação complexa de assuntos de crescente complexidade técnica. Isto coloca as regiões do conhecimento numa posição privilegiada de fornecedores de informação importante para o processo de criação de regras globais. Da mesma forma, elas desempenham um papel determinante no que diz respeito à implementação das regras globais, adaptando-as às especificidades das condições locais, constituindo, assim, um actor estratégico para garantir o cumprimento voluntário e a efectividade das regras globais.

Regiões do Conhecimento: características e dinâmica

O conceito de Regiões do Conhecimento é relativamente recente e não existe ainda consenso quanto ao seu conteúdo preciso. No entanto, é evidente que o conceito se refere a micro regiões, unidades territoriais que fazem parte de um Estado, e que funcionam como sistemas de inovação regional de acordo com a nova lógica da sociedade e economia do conhecimento.

Apesar de a atenção ter estado mais centrada nas regiões do conhecimento nacional, deve entender-se que as regiões transfronteiriças que incluem partes de Estados diferentes e atravessam delineamentos políticos também podem constituir regiões do conhecimento transfronteiriças. Apesar da fluidez do conceito, uma análise comparativa sugere que as regiões do conhecimento apresentam alguns aspectos comuns fundamentais que se estendem muito além dos aspectos económicos, com dimensões de natureza social, política e de governança. As características mais importantes incluem os seguintes aspectos:

i.Elevado capital humano resultante de um investimento consistente, particularmente na educação e formação, com consequências importantes não só em termos de produtividade, como também de aquisição de novas competências, e capacidade de aprendizagem e inovação.

ii.Grande investimento em I&D, público e privado, e eficácia do sistema, que se traduz em bom desempenho a nível de resultados, particularmente patentes.

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iii.Posse de um núcleo de indústrias e/ou serviços conhecimento intensivos que desempenham um papel estratégico em assegurar a inovação e competitividade: Tecnologias da Informação e fabrico de computadores (computadores e equipamento de escritório, componentes electrónicas, equipamento de comunicações); biotecnologia e sectores químicos (produtos químicos e farmacêuticos, medicamentos); sector automóvel e engenharia mecânica de ponta (equipamentos para veículos motorizados e transportes, equipamentos e ferramentas para maquinaria); instrumentação e máquinas eléctricas (instrumentos de precisão e óptica, equipamentos de transmissão electrónica, equipamentos eléctricos e de iluminação); serviços de alta tecnologia (software e serviços informáticos, telecomunicações, investigação, consultoria, serviços de desenvolvimento).

iv.Capital social elevado, implicando elevados níveis de confiança e cooperação entre os membros da comunidade, o que favorece o desenvolvimento de redes regionais densas entre os actores do conhecimento regionais, aumentando a capacidade de produção e difusão de conhecimento tácito.

v.Comunidades caracterizadas por uma forte multiculturalidade, associada à presença de uma comunidade estrangeira significativa proveniente de vários países e culturas, também, porque, como pólos de inovação dinâmica, estas regiões atraem talentos de outros países, que facilitam um melhor conhecimento de outras culturas e perspectivas do mundo.

vi.Novas formas de governança, menos hierarquizadas e mais participativas, que enfatizam a importância das parcerias activas entre os sectores público e privado, a devolução de poderes aos governos locais, e as novas formas de articulação entre os distintos níveis de governo e políticas que promovam o empreendedorismo, tanto no sector público como no privado.

vii.Perfil internacional elevado, frequentemente associado a um nível razoável de participação internacional baseada numa paradiplomacia proactiva nas áreas de low politics conduzida por governos sub-nacionais em estreita cooperação com o sector privado e organizações da sociedade civil.

O acima exposto ilustra as alterações estruturais complexas, multidimensionais e de grande alcance que estão na base do aparecimento das regiões do conhecimento. Estas características são tendenciais, logo, encontram-se combinadas em proporções muito diferentes em regiões distintas, podendo algumas até estar ausentes ou não inteiramente consolidadas em certas regiões. Além disso, apesar dos factores comuns já mencionados, não existe um modelo homogéneo de região do conhecimento, havendo, obviamente, muitos pontos de divergência e distintos graus de maturidade entre as diferentes experiências.

Robert Huggins8 tem vindo a fazer uma análise comparativa de Regiões do Conhecimento no âmbito do World Knowledge Competitiveness Index (Índice Mundial de Competitividade de Conhecimento) que concebeu. Este índice é um ponto de referência da capacidade de conhecimento, competências e sustentabilidade das regiões com melhor desempenho e dinamismo na economia global.

8Robert Huggins, Hiro Izushi, Will Davies e Luo Shougui, World Knowledge Competitiveness Index 2008, Centre for International Competitiveness, Cardiff School of Management, University of Wales Institute, Reino Unido.

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O World Knowledge Competitiveness Index de 2008 oferece a análise mais recente sobre o desempenho das principais regiões do conhecimento do mundo. O índice compara 145 regiões – 63 na América do Norte (Estados Unidos e Canadá), 54 na Europa, e 28 na Ásia e Oceânia lideradas pela região de San José, nos Estados Unidos, a qual é seguida por várias outras regiões também nos Estados Unidos. Entre as primeiras 10, encontram-se duas regiões fora dos Estados Unidos: Estocolmo (6º lugar), a zona na Europa com melhor desempenho, e Tóquio (9º lugar), a zona com melhor desempenho na Ásia. As primeiras 50 são dominadas por zonas nos Estados Unidos, mas incluem 13 regiões europeias e 9 regiões asiáticas. No fim da lista encontram-se regiões da China e Índia, assim como as regiões da Europa de Leste. É interessante observar que todas as regiões costeiras chinesas mais avançadas fazem parte do grupo.

Ao comparar os resultados do índice de 2008 com os do índice de 2005, é possível concluir que, enquanto os principais centros do conhecimento ainda se encontram nos Estados Unidos, a predominância da América é menos marcante uma vez que há uma clara melhoria na performance dos centros fora dos Estados Unidos, nomeadamente na Europa e Japão que têm, respectivamente, 13 regiões (7 em 2005) e 7 (1 em 2005) entre as 50 de topo. Além disso, poucas regiões dos Estados Unidos têm avançado desde 2005 o que sugere que o gap considerável entre as regiões dos Estados Unidos e as da Europa e Ásia está a diminuir.

Nos países desenvolvidos, as regiões do conhecimento mais competitivas consolidaram as suas vantagens competitivas e lideram o processo de inovação. São elas, claramente, os motores das respectivas economias e os concorrentes chave no mercado global. Nos Estados Unidos, a região de San José-Sunnyvale-Santa Clara, na qual está incluída o Silicon Valley, é, já há algum tempo, a região mais competitiva alicerçada num significativo investimento em educação e em I&D (como a NASA, por exemplo), e com uma forte base de sectores conhecimento-intensivos, em particular serviços de IT e de alta tecnologia, e sectores de instrumentação e maquinaria eléctrica. As regiões de topo dos Estados Unidos incluem igualmente a zona de Boston- Cambridge, que goza de um sector terciário de elevada qualidade na área da educação, contando com 8 universidades com uma componente de investigação muito forte, especialmente Harvard e o MIT; a região de São Francisco-Oakland-Freemont; e a de Hartford e Seattle-Tacoma-Bellevue.

Na Europa, a região do conhecimento mais robusta é Estocolmo (Suécia), que se encontra em 6º lugar na classificação do índice mundial de competitividade. Tem uma população com um nível educativo elevado – 39% têm habilitações superiores e 45% completaram o ensino secundário – e uma estrutura económica diversificada, se bem que muito especializada, em serviços conhecimento-intensivos e em actividade industrial de alta tecnologia, designadamente tecnologias informáticas/electrónicas, software/Internet, saúde e biotecnologia, transportes e logística.

Outras regiões do conhecimento localizadas na Europa incluem as zonas no Oeste, Sul e Ostra Mellansverige, na Suécia; as regiões Norte, Sul, Leste e Oeste da Holanda; Pohjois-Suomi, Etela-Suomi e Lansi-Suomi, na Finlândia; a Ile de France (região de Paris) e a região do Centro-Leste em França; Luxemburgo; Dinamarca; Noruega; Badden-Wurttemberg, Bayern, Hamburgo e Bremen, na Alemanha; Leste, Sudeste, e Sudoeste, no Reino Unido; Região Noroeste e Lombardia, na Itália; Noroeste/Catalunha e Madrid, na Espanha.

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No Japão as regiões do conhecimento também têm melhorado o seu desempenho nos últimos anos. Tóquio é a principal região de conhecimento do Japão (9º lugar no WKCI 2008) e possuí um forte sector de serviços de alta tecnologia e uma elevada percentagem de patentes, seguida de Shiga, forte em sectores específicos do conhecimento, instrumentação e engenharia eléctrica, IT, e fabrico de computadores, e pelas regiões de Kanagawa, Toyama, Osaka e Tochigi.

Enquanto o papel destas regiões do conhecimento em assegurar a liderança das economias avançadas no processo de inovação é amplamente conhecido, já o papel que as novas regiões do conhecimento têm vindo a desempenhar nas economias em desenvolvimento emergentes, nas novas potências económicas, é menos conhecido e visível. O argumento principal é o de que um dos principais factores para o sucesso das economias emergentes, em particular da China, Brasil e Índia, foi a consolidação gradual de regiões do conhecimento nestes países, as quais têm funcionado como motores de crescimento económico, centros de inovação e pontes fundamentais com a economia global. A outra face da moeda tem sido a natureza assimétrica dos processos de desenvolvimento dos países em questão.

Na China existem três regiões críticas com perfis distintos: a região do “Bohai Rim” (Pequim, Tianjin, partes de Shandong e Liaoning); o “Delta do Rio Yantze”, cujo centro principal se situa em Xangai mas que também inclui mais 7 cidades na província de Zhejiang e 8 cidades na província de Jiangsu; o “Delta do Rio das Pérolas”, que inclui a Província de Guangdong e ligações com Macau e Hong Kong. As 9 províncias costeiras incluídas nestes três pólos principais da economia chinesa são responsáveis por 2/3 do PIB (62%) da China, o PIB per capita é 1.7 vezes superior à média nacional, e representam mais de 75% das exportações da China. É importante referir que cada região tem o seu próprio modelo de desenvolvimento e pontos fortes específicos9.

A região do “Bohai Rim” tem sido caracterizada como um modelo government driven com as melhores instalações de I&D (42 dos 91 institutos da Academia de Ciências da China situam-se aqui) assim como as melhores universidades (Universidade de Tsinghua e Universidade de Pequim). Cerca de 25% dos estudantes universitários e 30% dos investigadores de I&D estão concentrados nesta região, o que representa 34% das despesas nacionais em I&D. Isto explica-se, sobretudo, pelo investimento intenso do governo chinês nas últimas duas décadas.

Em contraste, a zona do Delta do Yantze é considerada um modelo de “cidade-rede”, mediante o qual o novo conhecimento e tecnologia absorvidos por Xangai, através do seu próprio dinamismo industrial e da presença de multinacionais estrangeiras, são posteriormente difundidos para cidades mais pequenas à sua volta, especialmente Nanjing, Suzhou e Hangzhou, onde se estão a desenvolver núcleos específicos. Possui sectores conhecimento-intensivos robustos, sobretudo na indústria automóvel, no sector de IT, produtos químicos e maquinaria, assim como redes de conhecimento mais intensas, especialmente através de ligações entre empresas e universidades, e uma elevada comercialização de tecnologia.

9Veja-se Robert Huggins, Hiro Izushi, Will Davies e Luo Shougui, World Knowledge Competitiveness Index 2008, Centre for International Competitiveness, Cardiff School of Management, University of Wales Institute, UK pp. 34-46. Sobre a análise comparativa entre o PRD (Pearl River Delta /Delta do Rio das Pérolas e o YRD (Yantze River Delta, /Delta do Rio Yantze, veja-se Chen Xiangming (2006). Regionalizing the Global – local Economic Nexus: a tale of two regions in China, Great Cities Institute Working Paper, University of Illinois Chicago, Março de 2006.

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Finalmente, a região do Delta do Rio das Pérolas é considerada como um modelo “impulsionado pelo IDE” (Investimento Directo Estrangeiro), pois tem sido um importante receptor de investimento estrangeiro, representando 20% dos stocks de IDE na China, provenientes, especialmente de, e através de Hong Kong. Constitui a base principal de exportações da China, gerando 1/3 das exportações, apesar de essa quota ter vindo a diminuir nos últimos anos. Apesar de a base de ciência e tecnologia, dos indicadores educativos e da densidade de “trabalhadores de conhecimento” não constituírem pontos fortes, a região beneficia da presença intensa de investidores estrangeiros associados à transmissão do conhecimento através de gestores e trabalhadores, da criação de núcleos de PMEs, e da proximidade de um centro internacional como Hong Kong, que é forte em serviços conhecimento-intensivos.

Na Índia existem três regiões que têm um papel central na emergência deste país como potência económica global: (i) Bombaim, capital do Estado de Maharashtra, é a capital financeira da Índia e uma região com fortes sectores conhecimento-intensivos – IT, sectores da saúde e audiovisual, nomeadamente a indústria de cinema de Bollywood – responsável por 40% das exportações da Índia; (ii) Hyderabad, capital do Estado de Andhra Pradesh, que tem vários sectores de IT de relevo, indústria farmacêutica, biotecnologia e sectores de serviços de tecnologia de ponta sendo a maior exportadora de produtos de software; (iii) Bangalore, capital do Estado de Karnataka, conhecida como a Silicon Valley da Índia, pois é a principal produtora e exportadora da Índia de produtos de tecnologias de informação, representando 34% do volume total de exportação de produtos de IT10, sendo igualmente um importante centro de biotecnologia.

No Brasil, a principal região do conhecimento é o Estado de São Paulo, que estabeleceu várias redes de conhecimento associadas ao programa “Arranjos Produtivos Locais”, uma iniciativa que envolve PMEs, universidades, centros de investigação e governos locais, e visa estabelecer ligações estreitas entre os diferentes actores e promover a inovação11. São Paulo ég o grande motor da economia brasileira, responsável por 34% do PIB em 200712 (baixou dos 37% alcançados em 2005) e por 43% da produção industrial do Brasil. O Estado possui um grupo significativo de sectores conhecimento- intensivos, nomeadamente na indústria química, maquinaria, instrumentos médicos, indústria automóvel, biotecnologia, indústria farmacêutica, tecnologias da informação e nanotecnologia.

Uma das características importantes das regiões do conhecimento é a sua crescente participação directa no sistema internacional, a sua capacidade para actuar de forma autónoma no palco internacional e de desenvolver actividades de paradiplomacia, que podem ser paralelas ou complementares às actividades desenvolvidas pelos governos centrais.

10Veja-se Invest in India “17 billion software exports for India’s IT state, http://investmoneyinÍndia.com (2.08.10).

11Secretaria do Desenvolvimento, Governo de São Paulo, http://www.desenvolvimento.sp.gov.br/drt/apls (2.08.2010).

12Fundação Sistema Estadual Análise de Dados e IBGE, http://www.seade.gov.br (2.08.2010).

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Paradiplomacia e Política Externa na era do conhecimento

Uma questão de grande importância em termos de análise prospectiva é o das implicações do paradigma da nova sociedade do conhecimento para as mudanças estruturais da política externa, tendo em conta a emergência das regiões do conhecimento. Verificam-se desenvolvimentos interessantes que sugerem possíveis alterações fundamentais nos objectivos, natureza e instrumentos de política externa numa sociedade de conhecimento global. O primeiro desenvolvimento é a crescente importância da paradiplomacia conduzida por governos sub-nacionais, em particular pelos governos das regiões do conhecimento, cada vez mais activos na arena internacional, sobretudo em áreas de low politics (comércio, investimento, ciência e tecnologia, cultura e educação), numa tentativa de projectar os seus interesses específicos de acordo com uma dupla lógica: por um lado, usando um processo “from the inside out”, através do qual os governos locais procuram promover interesses locais e reduzir os riscos de ameaças internacionais; por outro lado, um processo “from the outside in”, em que governos não-centrais se tornam o centro da atenção e estão sujeitos às pressões exercidas por governos estrangeiros e actores não- governamentais, à medida que constatam que a sua influência junto do centro já não é suficiente para alcançarem os seus objectivos. Esta poderá tornar-se uma área de conflito potencial com a diplomacia tradicional desenvolvida pelos governos centrais.13

A paradiplomacia tende a crescer no sistema internacional, fenómeno claramente ilustrado pelo caso das mais antigas e consolidadas regiões de conhecimento, assim como nas novas regiões em países emergentes. A paradiplomacia iniciou-se no plano internacional nos anos 20 através dos Dominions britânicos (Canadá, África do Sul, Austrália) no âmbito do Império Britânico. Pela primeira vez a actividade de governos não-soberanos, apesar de ser vista como uma atitude desviante, foi tolerada pela comunidade internacional. Deste modo os Dominions ganharam autonomia na negociação de acordos de comércio externo e outras matérias de carácter económico, tendo-se estabelecido um precedente. Mais tarde, Hong Kong foi um dos pioneiros da paradiplomacia moderna, na sequência de um conflito estrutural de interesses entre o poder colonial, a Grã-Bretanha, e a colónia em matérias de comércio. Londres acabaria por aceitar, no final da década de 1950, a autonomia e capacidade de Hong Kong para negociar directamente com Estados estrangeiros. A Região Administrativa Especial (RAE) de Hong Kong ainda mantêm uma paradiplomacia activa baseada na actividade da sua rede de Câmaras de Comércio (Genebra, Bruxelas, Washington, São Francisco, Nova Iorque, Toronto, Tóquio, Sidney, Singapura e Londres) que mantém a nível bilateral e na participação de Hong Kong na OMC (Organização Mundial do Comércio). A província canadiana do Quebec constitui outro exemplo, desde que, nos anos 60, estabeleceu laços íntimos e acordos bilaterais com a França em matérias culturais, e que deram origem a conflitos com o governo federal.

Desde o fim da década de 1980, facilitada em parte pela descompressão estratégica que se verificou com o fim da Guerra Fria, a expansão da paradiplomacia dos governos sub-nacionais tem constituído uma alteração silenciosa, mas fundamental, no sistema

13Brian Hocking (1993). Localizing foreign policy – non-central governments and multilayered diplomacy, Londres, St. Martin’s Press. Michelmann (1990) in Hans Michelmann, and Soldatos (ed) Federalism and international relations – the role of subnational units, Clarendon Press. Duchacek, uses the word paradiplomacy in “Perforated sovereignties: towards a typology of new actors in international relations” in Michelmann (ed.) Federalism and International Relations: 1-33.

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internacional e na forma como os Estados actuam a nível internacional. As regiões mais desenvolvidas tornaram-se proactivas no palco internacional, motivadas sobretudo por razões económicas, como o comprovam vários exemplos. Os Lander alemães, como Badden-Wurttemberg e Baviera, desenvolveram uma certa autonomia externa, estabelecendo escritórios de representação em vários países e em todos os continentes. A Baviera, por exemplo, tem vindo a desenvolver desde meados da década de 1990 uma rede de representação externa em 22 países na Ásia (China, Índia, Japão, Vietname), África (África do Sul), América (Brasil, México, Canadá, EUA Nova Iorque e EUA São Francisco), assim como em vários países europeus. É interessante constatar que alguns destes escritórios estão situados noutras regiões de conhecimento, como Guangdong, o delta do Rio das Pérolas e Shandong, na China, Bangalore na Índia, São Paulo no Brasil, e Tóquio no Japão14. No caso dos Estados Unidos, a Califórnia tem sido uma das regiões mais proactivas, graças à actividade da California Technology, Trade and Commerce Agency (Agência de Comércio, Negócios e Tecnologia da Califórnia) rede de escritórios comerciais no estrangeiro (Tóquio, Londres, Frankfurt, Hong Kong, Cidade do México, Xangai, Taipei, Joanesburgo, Seul, Singapura) até 2003, ano em que a agência foi dissolvida. Contudo, muitos outros Estados como a Florida, Nova Iorque, Nebraska, North Dakota, Kentucky ou Colorado seguiram o mesmo caminho e são activos externamente, sob a liderança dos respectivos Governadores que desempenham o papel de embaixadores económicos visando promover a competitividade dos seus Estados na economia global mas também reforçar o seu próprio perfil politico.

Um outro exemplo interessante é o da Catalunha, que goza de grande autonomia em matéria de assuntos internos. Desde o final dos anos 80, tem vindo a desenvolver uma paradiplomacia que promove os seus interesses económicos e culturais específicos no palco internacional, através das actividades realizadas pela rede de escritórios externos gerida pela COPCA (Consorci de Promoció Comercial de Catalunya), que conta com a participação do Governo da Catalunha, câmaras de comércio, associações sectoriais da indústria e associações exportadoras. O resultado foi a criação e gestão de uma rede externa de 35 escritórios localizados em 31 países e que abrangem um total de 70 países em todo o mundo15, incluindo China (Pequim, Xangai), Índia (Nova Deli), Hong Kong, Singapura, Brasil (São Paulo) e os EUA (Washington, Nova Iorque, Los Angeles). Em simultâneo, o consórcio apoia directamente empresas na Catalunha, através de formação e assistência ao desenvolvimento dos seus departamentos internacionais ou de exportação. Além disso, as relações bilaterais com Estados e outros governos não- centrais constituem uma das prioridades que têm conduzido à celebração de vários acordos internacionais numa série de áreas, tais como comércio, investimentos, educação, cultura, ciência, tecnologia e saúde.

No caso da China, o desenvolvimento da paradiplomacia das Províncias dominantes desde meados dos anos 90, apesar de discreto e com pouca visibilidade, tem sido um factor de grande importância para compreender a integração da China na economia global e a sua impressionante emergência como poder económico global. De facto, um dos ingredientes institucionais mais importantes para o sucesso económico da China tem sido o nível de descentralização da tomada de decisões económicas a partir do governo central para os governos provinciais e até locais, inclusive na área de comércio

14Veja-se Invest in Bavaria, State Agency (www.invest-in-bavaria.de/en/bavaria-foreign-representation)

15Veja-se Generalitat Catalunya, COPCA (www.acc10.cat/ACC10/cat), acesso em 3.08.2010

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externo e na captação de IED, desde o início das reformas. A paradiplomacia das Províncias costeiras chinesas mais desenvolvidas, um prolongamento desta autonomia local, desenvolveu-se ainda mais como consequência da introdução da estratégia “Go Global” implementada desde 2000, e tem sido gradualmente acarinhada pelo governo central, encorajado pela experiência positiva em relação à autonomia externa de Hong Kong desde 1997.

Pequim considerou esta paradiplomacia útil e complementar na medida em que pode funcionar como um mecanismo para explorar vias mais informais com parceiros económicos e promover relações especiais, mobilizar as comunidades empresariais chinesas no estrangeiro, e até como solução para gerir relações económicas com países que não mantém relações diplomáticas com a RPC. A província de Guangdong foi provavelmente a pioneira na prossecução desta actividade e, desde meados dos anos 90, tem vindo a desenvolver relações especiais, sob a coordenação do Departamento de Negócios Estrangeiros do Governo Provincial de Guangdong, com algumas “Províncias Irmãs” em vários continentes. Em relação à Europa, Guangdong desenvolveu relações paradiplomáticas com 7 regiões/províncias: Utrecht (2002), com iniciativas nas áreas de protecção ambiental, agricultura, e comércio; Skane (Suécia) 1997, sobretudo a nível de cooperação académica e nas áreas do ambiente e assistência médica; Alpes, Costa Azul (2000); Catalunha (2003); região de Fyn (Dinamarca, 2004); Estado da Baviera (2004). Esta relação especial incluiu a organização de missões comerciais, a criação de escritórios permanentes para comércio e investimentos, como os escritórios abertos pela Catalunha e Utrecht (abertos em conjunto com a Câmara de Comércio Holandesa Casa Holandesa de Guangzhou), e a organização de seminários sobre promoção de investimento, participação em feiras comerciais, etc..

Existem igualmente outros exemplos interessantes mais recentes de Províncias pertencentes a outro pólo de crescimento da economia chinesa, o delta do Rio Yangtze, que tem investido no desenvolvimento de ligações preferenciais com certas regiões da Europa. No caso de Jiangsu, o Governo Provincial abriu 5 Centros de Comércio e Economia na Europa com sede em Düsseldorf em 1996, seguidos por centros em Paris, Chelmsford Condado de Essex e leste de Inglaterra (UK), Tilburg Província de Noord-Brabant (Holanda) e Estocolmo (Suécia)16. Certas regiões da Europa também têm vindo a abrir os seus próprios escritórios de representação comercial em Nanjing, capital de Jiangsu. Incluídas neste grupo encontram-se o Condado de Essex, os Landers alemães de Nordrhein Westfallen e Badden-Wurttemberg, através da Badden- Wurttemberg International17, e o Departamento de Paris do Alto-Sena. Por razões óbvias, Xangai é um local importante de comércio e de investimentos para a diplomacia das regiões da UE, e tem desenvolvido relações especiais com Barcelona, Milão, Roterdão, Hamburgo, Liverpool, Marselha e Antuérpia.

16 A intensidade de iniciativas de paradiplomacia está a aumentar rapidamente. Por exemplo, o Departamento de Comércio e Cooperação Económica da Província de Giangsu organizou vários seminários sobre investimentos em França, Itália, Alemanha, Bélgica e Grã-Bretanha entre 21 e 23 de Maio de 2007, onde participaram mais de 100 empresários de Jiangsu. Esta iniciativa, só por si, conduziu à assinatura de contratos de investimento no valor de 1.3 US dólares e a contratos de importação e exportação de mais de 100 milhões de US dólares. (V. www.china-jiangsu.org/news.htm).

17De forma a ilustrar a relação cada vez mais próxima entre as duas regiões, Baden-Wurtenberg e Xangai criaram um portal conjunto na Internet (www.bw.Xangai.de/portal.jsp).

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A relação especial entre o Lander alemão da Baviera e a província de Shandong constitui outro exemplo, e caracteriza-se pelos laços especiais desenvolvidos, que visam promover o investimento mútuo, o intercâmbio cultural e até o intercâmbio e formação de funcionários públicos. Em 1997, a Baviera criou o Escritório do Estado da Bavária em Shandong, e, em Setembro de 2006, o governo provincial de Shandong abriu em Munique o escritório de Representação de Negócios, com o apoio do Governo Central da China. No entanto, é de salientar que esta paradiplomacia não é exercida apenas a um nível provincial, e que há uma série de iniciativas a nível municipal e local, o que gera uma situação muito complexa, especialmente porque o nível mínimo de coordenação existente entre governos centrais e provinciais é muito mais difícil de assegurar com níveis inferiores de governação.

No caso do Brasil, a paradiplomacia dos Estados Brasileiros, designada “diplomacia federada”, é um fenómeno recente introduzido pelos Estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul no final dos anos 80, e adoptado por São Paulo, Paraná, Baía, e até outros estados envolvidos sobretudo em paradiplomacia transfronteiriça com estados vizinhos – Roraima, Acre, Amazonas e Amapá18. O governo federal tem vindo a reconhecer, e de certo modo a favorecer, o aumento da proactividade internacional dos governos sub-nacionais e, em 1997, tentou criar um mecanismo de coordenação, a Assessoria de Relações Federativas” entre o Itamaraty e os governos estaduais e municipais, para garantir a inexistência de grandes contradições entre a política externa nacional e iniciativas de paradiplomacia19. Para além disso, o Ministério dos Negócios Estrangeiros criou 8 escritórios de representação em vários Estados e regiões para operacionalizar este processo, o que constitui uma solução inovadora. Esta medida pode ser encarada como um acto de legitimação da paradiplomacia por parte do governo central. A tendência mais recente tem sido a intensificação de relações de paradiplomacia através de acordos bilaterais entre Estados Brasileiros e as Províncias Chinesas: São Paulo-Xangai, Baía-Shandong, Pará-Sichuan, Paraná-Hainan, Mato Grosso-Jiangxi.

Àluz destas experiências distintas, é possível avançar algumas conclusões relativamente à natureza, dinâmica e impacto da paradiplomacia actual. Em primeiro lugar, é necessário sublinhar o facto de a paradiplomacia não ser um fenómeno homogéneo. Pelo contrário, tem uma natureza heterogénea. Por um lado, este facto resulta da coexistência de diferentes tipos de paradiplomacia, como defende Duchacek, ao identificar três tipos de paradiplomacia de acordo com o seu conteúdo e abrangência geográfica: (i) paradiplomacia regional transfronteiriça (ou micro regional), que envolve relações transfronteiriças entre GNC´s contíguos, dominante na fase inicial; (ii) paradiplomacia transregional (ou macro regional) entre GNCs não contíguos e (iii) paradiplomacia global, que envolve actores distantes, incluindo Estados soberanos, e abrange todos os assuntos no sistema internacional, incluindo segurança, comércio internacional, etc.20 Considero fundamental reconhecer a existência de um outro tipo de

18Veja-se Francisco Gomes Filho e Alcides Costa Vaz (2008). “Paradiplomacia no contexto da Amazónia brasileira – estratégias de desenvolvimento regional do Estado de Roraima”. In Ci & Desenvolvimento, Belém, vol. 4 nº 7, jul-dez: 155-165.

19Veja-se Decreto 2.246/1997 da República Federativa do Brasil; Para Paradiplomacia do Brasil, veja-se Gilberto Rodrigues (2006), "Política Externa Federativa. Análise de Acções Internacionais de Estados e Municípios Brasileiros". CEBRI Tese, Rio de Janeiro, CEBRI

20Veja-se Michelmann (1990) in Hans Michelmann, e Soldatos (ed) Federalism and international relations – the role of subnational units, Clarendon Press: 299-312 e Duchacek, “Perforated sovereignties: towards a

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paradiplomacia, designado “paradiplomacia multilateral”, que se prende com o envolvimento de vários governos sub-nacionais em organizações multilaterais e na criação de regras multilaterais, dos quais Hong Kong é o melhor exemplo. Estes tipos distintos de paradiplomacia têm impactos diferentes tanto no sistema internacional como na política externa nacional. Enquanto a paradiplomacia regional transfronteiriça não suscita grande controvérsia, é aceite, e até encorajada, pelos governos centrais, a paradiplomacia regional e, sobretudo, a paradiplomacia global são mais susceptíveis de gerar tensões e tendem a ser encaradas com reserva pelos governos centrais. Para além disso, quanto mais nos aproximamos da modalidade da paradiplomacia global ou da paradiplomacia multilateral, de maior complexidade e exigência, mais necessário se torna a existência de uma capacidade institucional e financeira robusta.

Por outro lado, creio ser necessário estabelecer uma diferença essencial entre uma variedade estruturada e permanente de paradiplomacia, desenvolvida sobretudo por regiões do conhecimento ricas e de acordo com uma estratégia de longo prazo, e actividades de paradiplomacia esporádica, não estruturada, que usam instrumentos específicos para objectivos de curto prazo. Existe uma diferença qualitativa importante entre estas duas modalidades, com implicações claras para a densidade do estatuto internacional dos governos sub-nacionais.

Em segundo lugar, no que diz respeito às condições de sucesso, apesar da difusão e explosão de paradiplomacia, a prática de uma paradiplomacia robusta, eficaz e consistente ainda está fortemente associada, e, de certa forma, limitada a regiões ricas que operam dentro de Estados, federais ou unitários, que possuem um nível considerável de descentralização.

Trata-se de governos sub-nacionais que têm meios financeiros, recursos humanos, capacidades institucionais e um nível de autonomia interna que lhes permite participarem em relações internacionais complexas. Neste contexto, note-se que a autonomia interna é uma condição necessária, mas não suficiente, e que o nível e dinâmica de autonomia externa efectiva são fundamentalmente determinados pela articulação complexa de três factores distintos: a própria capacidade institucional e estratégia dos governos sub-nacionais para agir a nível internacional; o tipo de relações com o governo central e os mecanismos e nível de controlo exercido por este; a atitude e reconhecimento por parte dos actores externos e a vontade de interagir no palco internacional. Em suma, existem condições de sucesso distintas que incluem não só as condições institucionais relacionadas com o nível de descentralização e a capacidade económica das regiões, mas também de cariz político relacionadas com a atitude dos governos centrais e condições de liderança regional21.

Em terceiro lugar, os receios quanto à natureza disfuncional da paradiplomacia e aos riscos de conflito entre os governos centrais e sub-nacionais que autores como Soldatos expressaram nos anos 90, já não se justificam. Este “cenário do caos”, muito influenciado por uma visão centrada no Estado, considerava a paradiplomacia como uma derrogação perigosa do poder do Estado e uma ameaça clara à coerência e unidade da política externa: os actores infranacionais eram considerados

typology of new actors in international relations” in Michelmann (ed.) Federalism and International Relations: 1-33.

21Estes factores foram salientados por Keating M. (2000). Paradiplomacy and Regional Networking, numa Comunicação apresentada no Forum of Federations: an International Federalism (http://www.forumfed.org/libdocs).

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transgressores com comportamentos desviantes. Esta visão mudou de forma significativa. De facto, graças à experiência acumulada, e salvo algumas excepções onde os governos sub-nacionais tinham agendas separatistas, a paradiplomacia é, hoje em dia, vista como um contributo vantajoso e positivo para o fortalecimento da posição internacional dos Estados. Como os exemplos da China, Brasil e Espanha demonstram, a paradiplomacia é cada vez menos considerada um comportamento desviante. Por outras palavras, pode dizer-se que a paradiplomacia deixou de ser encarada como uma anomalia para, pelo contrário, tornar-se uma prática cada vez mais difundida que os governos centrais apoiam e devem incluir no planeamento das suas políticas externas22.

Em quarto lugar, a análise tradicional tende a considerar a paradiplomacia como consequência da globalização e da necessidade, por parte das comunidades locais/regionais, de enfrentar novos desafios e uma incerteza crescente de modo a assegurar os seus interesses económicos específicos no mercado global, projectar as suas identidades culturais, e ultrapassar a rigidez e os limites tradicionais das burocracias centrais que tardam a adaptar-se às novas condições. No entanto, parece mais adequado considerar que a paradiplomacia é simultaneamente uma consequência da glocalização e uma causa, um catalisador da glocalização. São as redes de conhecimento que estão por detrás do desenvolvimento da paradiplomacia através dos governos regionais. Apoiando-se no facto de serem pólos de inovação de ponta, as redes visam elevar a sua posição competitiva no mercado global, assim como conectar- se e colaborar com outras redes de conhecimento no estrangeiro. Isto significa que a paradiplomacia não constitui uma resposta passiva e defensiva à globalização, visto contribuir para uma maior integração no mercado global e ser a expressão do paradigma da multilevel governance.

Em quinto lugar, a paradiplomacia é uma fonte fundamental de inovação em matéria de política externa, na medida em que integra e antecipa algumas alterações no conceito e lógica da política externa dos Estados, resultantes do novo paradigma da sociedade/economia do conhecimento. Começando pela abolição de fronteiras entre os níveis domésticos e externos, verifica-se uma clara sequência ininterrupta, na qual a actividade externa é apenas um prolongamento da actividade da rede interna que envolve os mesmos actores. Esta situação requer, igualmente, uma abordagem mais abrangente e uma maior coerência e coordenação entre políticas internas e externa, assim como um grau maior de transparência e participação dos cidadãos. Para além disso, demonstra que a acção externa será cada vez mais um processo multidimensional com vários actores, onde os sectores público e privado, assim como o terceiro sector, têm de participar e articular as suas diferentes competências no contexto de parcerias duradouras. A existência de redes de conhecimento envolvendo a coordenação e colaboração entre governos, empresas, ONGs, universidades e sindicatos é, pois, um factor imprescindível para garantir uma acção externa eficaz, não só para efeitos de implementação como de planeamento. Além disso, a paradiplomacia acentua a importância crescente das vias e procedimentos informais e do papel da Soft Law na regulamentação de um sistema internacional que assegure flexibilidade e capacidade de adaptação aos níveis elevados de incerteza e à mudança rápida que o

22 Nessa mesma linha, veja-se Michael Keating (2000). Paradiplomacy and Regional Networking, comunicação apresentada no Forum of Federations: an International Federalism (http://www.forumfed.org/libdocs).

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mundo atravessa. Por fim, as novas questões globais envolvem assuntos cada vez mais aspectos técnicos e complexos que requerem competências que os governos não possuem. Como tal, exigem a participação activa e cooperação de empresas privadas, universidades e instituições de investigação. Neste aspecto, é importante destacar o novo papel das redes transnacionais globais no desenvolvimento de regras internacionais, e a renovada preocupação com a implementação de regras a nível global, o que pressupõe a participação activa de actores sub-nacionais e regiões do conhecimento, na medida em que podem adaptar regras globais às especificidades locais.

Em sexto lugar, a paradiplomacia é uma via estratégica para a criação e consolidação do soft power23 dos Estados, não só por causa das vias e instrumentos informais que utiliza, mas também por causa da relevância fundamental das áreas-temas que a paradiplomacia aborda, nomeadamente o comércio, investimento e cooperação económica; educação e capital humano; migrações, ciência e tecnologia; cultura e identidade. São todas dimensões fundamentais do soft power, e esta é a razão principal da abertura e atitude tolerante do governo central da China em relação à paradiplomacia desenvolvida por algumas Províncias, sobretudo porque é uma estratégia articulada com a da Diáspora chinesa, que é outro instrumento crucial do soft power da China. No contexto da glocalização, as regiões de conhecimento densas, robustas e proactivas a nível internacional são as maiores forças produtoras de soft power.

Contudo, apesar de as regiões de conhecimento proactivas no plano internacional serem um factor fundamental para garantir a competitividade sistémica na economia global e para consolidação do soft power, este é um fenómeno que envolve ainda um número limitado de Estados. A maioria dos Estados estão excluídos deste processo em virtude de terem sido lentos a adaptar-se ao novo paradigma, quer em termos de novos modelos de governança quer de politicas, e não conseguiram criar as condições facilitadoras da emergência de regiões do conhecimento. Pelo contrário mantiveram-se presos a sistemas fortemente centralizados acreditando que só um centro forte pode responder com sucesso aos novos desafios e ameaças da glocalização.

Um bom exemplo é o caso de Portugal em que uma tradição histórica centralista foi de certo modo reforçada pela dinâmica do processo de integração europeia. Em consequência Portugal é hoje um dos Estados mais centralizados da União Europeia um factor que tem impedido a emergência de regiões dinâmicas.

Portugal viveu um debate animado sobre o tema da regionalização e da descentralização no final da década de noventa, consequência do referendo sobre a regionalização realizado em 1998, e que culminaria na rejeição da proposta de criação de 8 regiões administrativas segundo critérios definidos na lei24. A criação de regiões administrativas constituía um princípio já previsto na Constituição de 1976, mas nunca implementado. Apesar de ter, desde 1976, duas zonas autónomas, a Madeira e os Açores, a parte continental do território português tem sido gerida de acordo com um sistema bastante centralizado, que faz com que Portugal seja um dos Estados mais

23No sentido adaptado por by Joseph Nye (2004). Soft Power: the means to success in world politics. Public Affairs.

24Lei 19/98 que define 8 regiões: Entre Douro e Minho; Trás-os-Montes e Alto Douro; Beira Litoral; Beira Interior; Estremadura e Ribatejo; Lisboa e Setúbal; Alentejo; Algarve.

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centralizados da Europa25. Os termos do debate de 1998, analisados mais pormenorizadamente num outro texto26, e os argumentos apresentados, centraram-se nas implicações da regionalização para a reforma da administração pública, a coesão nacional, o seu impacto na criação de assimetrias entre regiões, na organização e coordenação entre governos municipais, nos riscos de corrupção, nepotismo, e aumento de clientelismo político. Em resumo, a regionalização foi então tratada como uma matéria de natureza estritamente interna, e analisada à luz da mesma lógica que preponderava nos anos 70, quando o assunto foi abordado pela primeira vez, como se o mundo não se tivesse alterado, e sem considerar as experiências e resultados obtidos noutros países da UE. Surpreendentemente, não houve qualquer reflexão sobre a dinâmica e os desafios da sociedade/economia do conhecimento e das suas implicações para o modelo de governança.

Na última década, o debate sobre a regionalização não existiu não se tendo registado igualmente qualquer avanço concreto no sentido de promover a descentralização. Os custos da não-regionalização têm sido consideráveis se considerarmos a frágil capacidade de Portugal para dar resposta aos desafios da globalização e da transição para a sociedade do conhecimento. A regionalização não deveria ser abordada exclusivamente segundo uma perspectiva restritiva doméstica e desactualizada, mas sim numa perspectiva mais abrangente incluída na estratégia de Portugal para lidar com a globalização e aumentar a sua competitividade na economia global. É importante salientar que a competitividade é um processo sistémico e, como tal, a competitividade da economia portuguesa não deve confundir-se com a competitividade de algumas grandes empresas portuguesas. Enquanto o núcleo central do sistema de produção português, as PMEs, não estiver envolvido nesse processo, a competitividade sustentada da economia portuguesa está em risco.

A inexistência de regiões do conhecimento em Portugal é o custo mais elevado da não- regionalização, e o maior obstáculo à capacidade de Portugal para estimular o processo de inovação e competir no mercado global. Como foi salientado anteriormente, o nível regional é o óptimo para criar redes de conhecimento que produzem e divulgam conhecimento tácito. Apesar de a regionalização não ser condição suficiente, é certamente uma condição institucional e política necessária para a criação de regiões do conhecimento. Para além disso, a regionalização oferece oportunidades interessantes de desenvolvimento da paradiplomacia em Portugal, um instrumento importante para complementar a política externa tradicional e explorar novas vias e oportunidades num sistema internacional cada vez mais complexo. Os potenciais contributos da paradiplomacia exercida por futuras regiões são de natureza variada, mas salientam-se os seguintes: facilitar a redefinição de relações com regiões autónomas de Espanha e apoiar uma estratégia de aproximação mais proactiva; explorar novas ligações com outras regiões europeias; responder positivamente às iniciativas de paradiplomacia exercidas pelas províncias da China ou Estados do Brasil e

25Veja-se Hahan J.P. e Loo, M.V. (1999). A Seminar Game to Analyze Regional Governance in Portugal, Lisboa, FLAD e Rand Corporation. O grau de centralização pode ser medido pela percentagem de receitas de impostos controlada pelo Governo Central, e que alcançou 93% em Portugal (Governo central +segurança social), o que significa que a percentagem dos governos locais no total de receitas era de 6.2% em 2005, o mesmo que em 1998. Ver OECD Revenue Statistics 1965-2006, 2007, Paris; OECD Tax and the Economy – comparative assessment of OECD countries 2001.

26Veja-se André Freire e Michael Baum (2001). O referendo Português sobre a Regionalização numa perspectiva comparada in Penélope, nº 24, 2001: 147-178.

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JANUS.NET, e-journal of International Relations

ISSN: 1647-7251

Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 12-32

Paradiplomacia, Regiões do Conhecimento e a consolidação do “Soft Power

Miguel Santos Neves

da Índia; ligar-se à diáspora portuguesa e incluí-la como actor estratégico e de grande valor no mundo globalizado.

Conclusões

As regiões do conhecimento são os principais actores estratégicos no processo de transição para a sociedade/economia do conhecimento, e os principais concorrentes na economia global. Se é verdade que elas permitiram que as economias avançadas retivessem o seu domínio no processo de inovação e, portanto, preservassem a sua liderança económica, é igualmente verdade que as regiões do conhecimento constituem um factor chave por trás da emergência de novos poderes económicos, nomeadamente a China, o Brasil, e a Índia, que desafiam o domínio dos EUA, UE e Japão. As regiões do conhecimento tornaram-se também nos novos actores do sistema internacional, ainda num estado fluído e informal, à medida que os respectivos governos estão cada vez mais activos no plano internacional, através da organização de estruturas e acções permanentes de paradiplomacia. Esta dimensão externa das regiões do conhecimento, que geralmente passa despercebida, é um ingrediente fundamental para o seu sucesso e capacidade de prosseguir os seus interesses económicos, políticos, científicos, ou culturais específicos e projectar a sua identidade.

A paradiplomacia, praticada numa base estruturada e permanente por governos sub- nacionais das regiões de conhecimento mais avançadas, ou de forma não estruturada e esporádica por outras regiões, está particularmente centrada nas áreas da low politics, desde o comércio e investimento até à ciência e tecnologia, educação e assuntos culturais, recorrendo a instrumentos formais, tais como acordos internacionais ou câmaras de comércio, mas também a instrumentos informais. Estas áreas estão longe de ser marginais. Pelo contrário, são assuntos fundamentais para o desenvolvimento da sociedade do conhecimento e para o fortalecimento do soft power dos Estados. Um dos principais argumentos avançados é o facto de a paradiplomacia ser uma via estratégica para a criação e consolidação do soft power, da capacidade de influenciar os outros e moldar o seu comportamento recorrendo à persuasão e atracção, em vez da coerção.

A sociedade do conhecimento e a lógica das redes de conhecimento têm importantes consequências em termos de mudanças na política externa e na forma como os Estados se relacionam uns com os outros e com actores não-governamentais. A este respeito, a paradiplomacia é uma importante fonte de inovação, e de certa forma, antecipa algumas das alterações inevitáveis que virão a manifestar-se nas actividades externas dos governos centrais, nomeadamente a abolição de fronteiras entre actividades internas e externas, o que requer uma abordagem integrada e maior coerência e coordenação entre as políticas internas e política externa; a implementação de um processo envolvendo uma multiplicidade de actores (multi-actor) e altamente participado em termos de formulação e implementação, que é a forma eficaz de responder à complexidade crescente dos temas e da comunidade internacional; a importância crescente das vias informais e do papel da Soft Law e das redes transnacionais na regulamentação internacional. Contrariamente aos receios manifestados sobre os riscos de conflitos entre governos centrais e sub-nacionais, e sobre a ameaça à unidade da política externa do Estado, a experiência demonstra que a paradiplomacia é um factor positivo que contribui para o reforço, não para o enfraquecimento, da posição internacional dos Estados, ajudando a ultrapassar

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algumas das suas vulnerabilidades. Especificamente, a paradiplomacia ajuda a reforçar o soft power dos Estados. Como consequência, a paradiplomacia deixou de ser encarada como algo não ortodoxo e marginal, sendo gradualmente vista como uma actividade normal e de grande importância estratégica, na medida em que as regiões do conhecimento são, claramente, os intermediários melhor posicionados para estabelecer a articulação entre o global e o local, desempenhando um papel central na melhoria da governança global, quer em termos de criação quer de implementação de regras, e no funcionamento do sistema de governança multi-nível.

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