OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp.
PARADIPLOMACIA, REGIÕES DO CONHECIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO
DO “SOFT POWER”
Miguel Santos Neves
Doutorado pela London School of Economics and Political Science, Universidade de Londres, Professor nas áreas de Direito e Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa; Director do Programa Ásia e do Programa Migrações no Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Resumo
O artigo analisa a natureza e características das regiões do conhecimento e a sua emergência internacional como actores estratégicos no processo de glocalização, fortemente alicerçada na constituição de redes de conhecimento densas e no desenvolvimento de uma paradiplomacia activa, que lhes permite projectar externamente os seus interesses específicos e reforçar a sua influência no processo de
Regiões Conhecimento; Paradiplomacia; Glocalização; Redes Conhecimento; Soft Power
Como citar este artigo
Neves, Miguel Santos (2010) "Paradiplomacia, Regiões do Conhecimento e a consolidação do «Soft Power»". JANUS.NET
Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art2
Artigo recebido em Agosto de 2010 e aceite para publicação em Agosto de 2010
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Paradiplomacia, Regiões do Conhecimento e a consolidação do “Soft Power”
Miguel Santos Neves
PARADIPLOMACIA, REGIÕES DO CONHECIMENTO E A CONSOLIDAÇÃO
DO “SOFT POWER”
Miguel Santos Neves
Introdução
A crescente complexidade do sistema internacional é particularmente ilustrada pela heterogeneidade dos actores e pela influência crescente dos actores não- governamentais, assim como pela existência de um sistema de governança difuso e
As mudanças estruturais mais significativas que as sociedades e o sistema internacional estão a atravessar resultam não só da globalização, mas também de dois outros processos distintos que estão intimamente relacionados: a emergência da “sociedade do conhecimento” e da “sociedade em rede”. Os processos de globalização e de edificação da “sociedade do conhecimento” deram origem a dois fenómenos aparentemente contraditórios. A globalização está por trás do desenvolvimento do
As regiões do conhecimento, fortemente assentes em redes de conhecimento de múltiplos actores e numa acção paradiplomática proactiva, emergiram como actores de relevo no sistema internacional e como os verdadeiros concorrentes na economia global. Este artigo está estruturado em três partes. A primeira parte examina os factores de maior relevo que explicam a emergência das
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desenvolvidos, como as recentes nas potências económicas emergentes, China, Brasil, e Índia. A terceira parte aborda o fenómeno da paradiplomacia e as suas ligações fortes com as regiões do conhecimento, e avalia as implicações do novo paradigma da sociedade do conhecimento em termos de alterações na filosofia e prática da política externa.
Globalização, Sociedade do Conhecimento e Emergência de Regiões do Conhecimento
O sistema internacional tem vindo a atravessar não só um processo de globalização, mas, mais precisamente, um duplo processo de “globalização cum localização”, que alguns autores têm designado por glocalização ou fragmentação1. O efeito conjunto deste processo de
A globalização tem sido alvo de amplo debate, mas permanece um conceito muito ambíguo, com, pelo menos, quatro significados distintos2. A primeira perspectiva encara a globalização como sinónimo de internacionalização, realçando a intensificação da interacção e a interdependência crescente entre países/estados. A segunda perspectiva estabelece um paralelo entre globalização e liberalização, através da eliminação de barreiras ao
Por último, a globalização também poder ser encarada como desterritorialização, reflectindo a perda de relevância do território enquanto forma fundamental de organização de Estados soberanos westphalianos, à medida que as redes transnacionais e novas formas de organização social, que transcendem fronteiras territoriais, emergem e actores
A localização está associada ao aparecimento de economias baseadas na sociedade do conhecimento, que são aquelas em que o conhecimento se tornou um factor determinante de produção inovadora (novos produtos, processos de produção e métodos organizacionais), e em que a inovação é o ingrediente chave da competitividade.
O aspecto mais valioso na produção do conhecimento não é o investimento em capital físico mas, acima de tudo, o investimento em activos incorpóreos: capital humano, capital de conhecimento e capital social. Na sociedade do conhecimento, as actividades sociais são particularmente orientadas para a produção, distribuição e uso eficaz do
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conhecimento, o que permite criar e produzir novas ideias, conceitos, processos e produtos, e
Ao realçar a centralidade do processo de criação e difusão de conhecimento, é importante esclarecer não só que há vários tipos de conhecimento, mas também que uns têm um valor estratégico mais elevado que outros. Há uma distinção importante a estabelecer entre dois tipos fundamentais de conhecimento: (i) o conhecimento codificado (“know what” e “know why”), associado à informação e que pode ser facilmente acedido através de bases de dados, livros, ou palestras; o conhecimento tácito (“know how” e “know who”), de acesso mais difícil, na medida em que pressupõe experiência e prática social, especialmente o “know who”, que é o conhecimento socialmente enraizado, dificilmente transferível através das vias formais. O “conhecimento tácito" é o tipo de conhecimento mais decisivo e estratégico, porque é crucial para interpretar, seleccionar e integrar conhecimento codificado, assim como para aprender novas competências e esquecer as antigas. Tanto mais que, com os avanços das tecnologias da informação, o acesso cada vez mais fácil e barato a toda uma vasta informação torna o conhecimento tácito ainda mais relevante, porque é mais escasso e a selecção e interpretação do conhecimento codificado
A produção e a difusão do conhecimento tácito, ao contrário do conhecimento codificado, exigem um contexto social, confiança e interacção presencial, e é improvável que seja transmitida de forma anónima. É aqui que o factor “sociedade em rede” tem que ser levado em consideração, já que as redes sociais que envolvem uma diversidade de participantes e contribuem para o incremento do capital social3 - i.e. a capacidade que os membros de uma sociedade têm para desenvolver confiança mútua e cooperar para atingir objectivos comuns – são condição fundamental para a produção de conhecimento tácito. O conhecimento tácito só é transferível entre actores com normas e valores comuns e que possuem um capital social elevado.
A transição para a sociedade e economia do conhecimento
3No sentido do conceito desenvolvido por Putnam,
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de estratégias para facilitar a transição para uma sociedade e economia do conhecimento4.
A relação entre os dois processos de globalização e sociedade do conhecimento é bastante complexa. Por um lado, a globalização enfraquece a localização, na medida em que a transferência instantânea de informação, independentemente do local onde se encontra, retira relevância aos factores de competição tradicionais, tais como a proximidade de
Neste contexto, o “paradoxo da localização” surge no sentido que “... as vantagens competitivas mais duradouras na economia global parecem ser de natureza local”, como defende Porter5. Além disso, os custos ambientais da globalização estão cada vez mais em evidência. Os exigentes requisitos de responsabilidade ambiental das empresas e as preocupações com as alterações climáticas e a redução de emissões de CO2 põem em causa a sustentabilidade da fragmentação de processos de produção globalizada, levando à pressão para localização perto dos mercados de consumidores de forma a minimizar as emissões, e trazendo novas vantagens para a localização.
Michael Enright6 afirma que se trata apenas de um paradoxo aparente, porque este processo duplo tende a ser essencialmente complementar, na medida em que o processo de localização de vantagens competitivas de empresas é condição necessária para competir no mercado global. Por outras palavras, em primeiro lugar as empresas têm de consolidar as suas capacidades de criação e inovação de conhecimento nas suas redes e grupos locais/regionais, já que, actualmente, a inovação é a principal força motriz da competitividade, para poderem responder aos novos desafios da globalização.
Contudo, entendo não existe apenas complementaridade e convergência, mas também divergência, tensão e efeitos contraditórios entre as duas tendências a diversos níveis. Em primeiro lugar, enquanto a globalização reduz a relevância do território no sentido tradicional, a sociedade do conhecimento
Nesta perspectiva, a sociedade e economia do conhecimento contradiz a tendência contrária de territorialização posta em marcha pela globalização. Como consequência,
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Neves, Miguel (2007). “National Experiences in Managing the transitions towards a knowledge Society/Economy - Same Dreams, Different Beds”. In Estratégia, nº
Michael Porter (2000). “Location, Competition and Economic Development: Local Clusters in a Global
Economy”. In Economic Development Quarterly, 14:
Enright, OECD (2001). Enhancing SME competitiveness – the OECD Bologna Ministerial Conference. Paris, 2001 – artigo de fundo da workshop 2.
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os níveis locais e regionais assumem um novo valor estratégico, já que constituem a dimensão mais adequada para a criação e operação de redes de conhecimento que produzem e difundem conhecimento tácito.
Em segundo lugar, a globalização gera uma concentração de poder económico, dando azo a um processo complexo de fusões e aquisições em diversos sectores, enquanto a sociedade do conhecimento tende a gerar dispersão de poder e de bens, e a estimular a cooperação.
Esta concentração de poder económico e a formação de grandes conglomerados no sector financeiro é claramente uma das causas estruturais na base da presente crise económica e financeira, na medida em que produziu o síndroma do “too big to fail” e enfraqueceu a capacidade dos Estados de regulação eficaz e de moderarem os abusos do mercado e as atitudes
Em terceiro lugar, em termos de respostas políticas, na perspectiva da regulação, a globalização exige luta contra monopólios/posições dominantes e a aplicação firme de regras concorrenciais, enquanto a sociedade e economia do conhecimento implica uma lógica de maior cooperação entre empresas, universidades, centros de pesquisa, governos locais, ONGs e os outros parceiros que integram as redes de conhecimento, e maior tolerância relativamente a práticas que, numa perspectiva formal, podiam ser consideradas violadoras das regras da concorrência. Por outras palavras, o novo paradigma da sociedade do conhecimento tem implicações ao nível regulatório e institucional de grande alcance, na medida em que exige a flexibilização de regras em diversas frentes, em particular na área dos direitos de propriedade intelectual e da concorrência, de modo a remover os principais obstáculos à difusão do conhecimento.
Em quarto lugar, a globalização está por trás do desenvolvimento de macro regionalismo e da integração regional, enquanto a sociedade do conhecimento favorece a tendência oposta de micro regionalismo, facilitando assim o desenvolvimento de dois tipos de regionalismo com lógicas diferentes.
O desenvolvimento deste novo micro regionalismo
A nova relevância estratégica das regiões do conhecimento assenta em vários factores
Para começar, existe a necessidade de introduzir novas formas de governança dentro dos Estados que estimularam a descentralização e devolução de poderes a governos
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fracos. Esse enfraquecimento resultou da incapacidade das burocracias centrais de lidarem eficazmente com um novo leque de assuntos complexos, do poder crescente dos actores
Em segundo lugar, as regiões do conhecimento emergiram como mediadores sistémicos entre o local e o global, gerindo as contradições e respondendo aos novos desafios da nova governança
Em terceiro lugar, a relevância das regiões do conhecimento advém também do seu papel estratégico de reforço da governança global, na medida em que já funcionam na base de redes do conhecimento de múltiplos actores, cuja experiência e conhecimento são necessários para dar resposta à regulamentação complexa de assuntos de crescente complexidade técnica. Isto coloca as regiões do conhecimento numa posição privilegiada de fornecedores de informação importante para o processo de criação de regras globais. Da mesma forma, elas desempenham um papel determinante no que diz respeito à implementação das regras globais,
Regiões do Conhecimento: características e dinâmica
O conceito de Regiões do Conhecimento é relativamente recente e não existe ainda consenso quanto ao seu conteúdo preciso. No entanto, é evidente que o conceito se refere a micro regiões, unidades territoriais que fazem parte de um Estado, e que funcionam como sistemas de inovação regional de acordo com a nova lógica da sociedade e economia do conhecimento.
Apesar de a atenção ter estado mais centrada nas regiões do conhecimento nacional, deve
i.Elevado capital humano resultante de um investimento consistente, particularmente na educação e formação, com consequências importantes não só em termos de produtividade, como também de aquisição de novas competências, e capacidade de aprendizagem e inovação.
ii.Grande investimento em I&D, público e privado, e eficácia do sistema, que se traduz em bom desempenho a nível de resultados, particularmente patentes.
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iii.Posse de um núcleo de indústrias e/ou serviços conhecimento intensivos que desempenham um papel estratégico em assegurar a inovação e competitividade: Tecnologias da Informação e fabrico de computadores (computadores e equipamento de escritório, componentes electrónicas, equipamento de comunicações); biotecnologia e sectores químicos (produtos químicos e farmacêuticos, medicamentos); sector automóvel e engenharia mecânica de ponta (equipamentos para veículos motorizados e transportes, equipamentos e ferramentas para maquinaria); instrumentação e máquinas eléctricas (instrumentos de precisão e óptica, equipamentos de transmissão electrónica, equipamentos eléctricos e de iluminação); serviços de alta tecnologia (software e serviços informáticos, telecomunicações, investigação, consultoria, serviços de desenvolvimento).
iv.Capital social elevado, implicando elevados níveis de confiança e cooperação entre os membros da comunidade, o que favorece o desenvolvimento de redes regionais densas entre os actores do conhecimento regionais, aumentando a capacidade de produção e difusão de conhecimento tácito.
v.Comunidades caracterizadas por uma forte multiculturalidade, associada à presença de uma comunidade estrangeira significativa proveniente de vários países e culturas, também, porque, como pólos de inovação dinâmica, estas regiões atraem talentos de outros países, que facilitam um melhor conhecimento de outras culturas e perspectivas do mundo.
vi.Novas formas de governança, menos hierarquizadas e mais participativas, que enfatizam a importância das parcerias activas entre os sectores público e privado, a devolução de poderes aos governos locais, e as novas formas de articulação entre os distintos níveis de governo e políticas que promovam o empreendedorismo, tanto no sector público como no privado.
vii.Perfil internacional elevado, frequentemente associado a um nível razoável de participação internacional baseada numa paradiplomacia proactiva nas áreas de low politics conduzida por governos
O acima exposto ilustra as alterações estruturais complexas, multidimensionais e de grande alcance que estão na base do aparecimento das regiões do conhecimento. Estas características são tendenciais, logo,
Robert Huggins8 tem vindo a fazer uma análise comparativa de Regiões do Conhecimento no âmbito do World Knowledge Competitiveness Index (Índice Mundial de Competitividade de Conhecimento) que concebeu. Este índice é um ponto de referência da capacidade de conhecimento, competências e sustentabilidade das regiões com melhor desempenho e dinamismo na economia global.
8Robert Huggins, Hiro Izushi, Will Davies e Luo Shougui, World Knowledge Competitiveness Index 2008, Centre for International Competitiveness, Cardiff School of Management, University of Wales Institute, Reino Unido.
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O World Knowledge Competitiveness Index de 2008 oferece a análise mais recente sobre o desempenho das principais regiões do conhecimento do mundo. O índice compara 145 regiões – 63 na América do Norte (Estados Unidos e Canadá), 54 na Europa, e 28 na Ásia e Oceânia lideradas pela região de San José, nos Estados Unidos, a qual é seguida por várias outras regiões também nos Estados Unidos. Entre as primeiras 10,
Ao comparar os resultados do índice de 2008 com os do índice de 2005, é possível concluir que, enquanto os principais centros do conhecimento ainda se encontram nos Estados Unidos, a predominância da América é menos marcante uma vez que há uma clara melhoria na performance dos centros fora dos Estados Unidos, nomeadamente na Europa e Japão que têm, respectivamente, 13 regiões (7 em 2005) e 7 (1 em 2005) entre as 50 de topo. Além disso, poucas regiões dos Estados Unidos têm avançado desde 2005 o que sugere que o gap considerável entre as regiões dos Estados Unidos e as da Europa e Ásia está a diminuir.
Nos países desenvolvidos, as regiões do conhecimento mais competitivas consolidaram as suas vantagens competitivas e lideram o processo de inovação. São elas, claramente, os motores das respectivas economias e os concorrentes chave no mercado global. Nos Estados Unidos, a região de San
Na Europa, a região do conhecimento mais robusta é Estocolmo (Suécia), que se encontra em 6º lugar na classificação do índice mundial de competitividade. Tem uma população com um nível educativo elevado – 39% têm habilitações superiores e 45% completaram o ensino secundário – e uma estrutura económica diversificada, se bem que muito especializada, em serviços
Outras regiões do conhecimento localizadas na Europa incluem as zonas no Oeste, Sul e Ostra Mellansverige, na Suécia; as regiões Norte, Sul, Leste e Oeste da Holanda;
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No Japão as regiões do conhecimento também têm melhorado o seu desempenho nos últimos anos. Tóquio é a principal região de conhecimento do Japão (9º lugar no WKCI 2008) e possuí um forte sector de serviços de alta tecnologia e uma elevada percentagem de patentes, seguida de Shiga, forte em sectores específicos do conhecimento, instrumentação e engenharia eléctrica, IT, e fabrico de computadores, e pelas regiões de Kanagawa, Toyama, Osaka e Tochigi.
Enquanto o papel destas regiões do conhecimento em assegurar a liderança das economias avançadas no processo de inovação é amplamente conhecido, já o papel que as novas regiões do conhecimento têm vindo a desempenhar nas economias em desenvolvimento emergentes, nas novas potências económicas, é menos conhecido e visível. O argumento principal é o de que um dos principais factores para o sucesso das economias emergentes, em particular da China, Brasil e Índia, foi a consolidação gradual de regiões do conhecimento nestes países, as quais têm funcionado como motores de crescimento económico, centros de inovação e pontes fundamentais com a economia global. A outra face da moeda tem sido a natureza assimétrica dos processos de desenvolvimento dos países em questão.
Na China existem três regiões críticas com perfis distintos: a região do “Bohai Rim” (Pequim, Tianjin, partes de Shandong e Liaoning); o “Delta do Rio Yantze”, cujo centro principal se situa em Xangai mas que também inclui mais 7 cidades na província de Zhejiang e 8 cidades na província de Jiangsu; o “Delta do Rio das Pérolas”, que inclui a Província de Guangdong e ligações com Macau e Hong Kong. As 9 províncias costeiras incluídas nestes três pólos principais da economia chinesa são responsáveis por 2/3 do PIB (62%) da China, o PIB per capita é 1.7 vezes superior à média nacional, e representam mais de 75% das exportações da China. É importante referir que cada região tem o seu próprio modelo de desenvolvimento e pontos fortes específicos9.
A região do “Bohai Rim” tem sido caracterizada como um modelo government driven com as melhores instalações de I&D (42 dos 91 institutos da Academia de Ciências da China
Em contraste, a zona do Delta do Yantze é considerada um modelo de
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Finalmente, a região do Delta do Rio das Pérolas é considerada como um modelo “impulsionado pelo IDE” (Investimento Directo Estrangeiro), pois tem sido um importante receptor de investimento estrangeiro, representando 20% dos stocks de IDE na China, provenientes, especialmente de, e através de Hong Kong. Constitui a base principal de exportações da China, gerando 1/3 das exportações, apesar de essa quota ter vindo a diminuir nos últimos anos. Apesar de a base de ciência e tecnologia, dos indicadores educativos e da densidade de “trabalhadores de conhecimento” não constituírem pontos fortes, a região beneficia da presença intensa de investidores estrangeiros associados à transmissão do conhecimento através de gestores e trabalhadores, da criação de núcleos de PMEs, e da proximidade de um centro internacional como Hong Kong, que é forte em serviços
Na Índia existem três regiões que têm um papel central na emergência deste país como potência económica global: (i) Bombaim, capital do Estado de Maharashtra, é a capital financeira da Índia e uma região com fortes sectores
No Brasil, a principal região do conhecimento é o Estado de São Paulo, que estabeleceu várias redes de conhecimento associadas ao programa “Arranjos Produtivos Locais”, uma iniciativa que envolve PMEs, universidades, centros de investigação e governos locais, e visa estabelecer ligações estreitas entre os diferentes actores e promover a inovação11. São Paulo ég o grande motor da economia brasileira, responsável por 34% do PIB em 200712 (baixou dos 37% alcançados em 2005) e por 43% da produção industrial do Brasil. O Estado possui um grupo significativo de sectores conhecimento- intensivos, nomeadamente na indústria química, maquinaria, instrumentos médicos, indústria automóvel, biotecnologia, indústria farmacêutica, tecnologias da informação e nanotecnologia.
Uma das características importantes das regiões do conhecimento é a sua crescente participação directa no sistema internacional, a sua capacidade para actuar de forma autónoma no palco internacional e de desenvolver actividades de paradiplomacia, que podem ser paralelas ou complementares às actividades desenvolvidas pelos governos centrais.
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11Secretaria do Desenvolvimento, Governo de São Paulo, http://www.desenvolvimento.sp.gov.br/drt/apls (2.08.2010).
12Fundação Sistema Estadual Análise de Dados e IBGE, http://www.seade.gov.br (2.08.2010).
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Paradiplomacia e Política Externa na era do conhecimento
Uma questão de grande importância em termos de análise prospectiva é o das implicações do paradigma da nova sociedade do conhecimento para as mudanças estruturais da política externa, tendo em conta a emergência das regiões do conhecimento.
A paradiplomacia tende a crescer no sistema internacional, fenómeno claramente ilustrado pelo caso das mais antigas e consolidadas regiões de conhecimento, assim como nas novas regiões em países emergentes. A paradiplomacia
Desde o fim da década de 1980, facilitada em parte pela descompressão estratégica que se verificou com o fim da Guerra Fria, a expansão da paradiplomacia dos governos
13Brian Hocking (1993). Localizing foreign policy –
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internacional e na forma como os Estados actuam a nível internacional. As regiões mais desenvolvidas
Um outro exemplo interessante é o da Catalunha, que goza de grande autonomia em matéria de assuntos internos. Desde o final dos anos 80, tem vindo a desenvolver uma paradiplomacia que promove os seus interesses económicos e culturais específicos no palco internacional, através das actividades realizadas pela rede de escritórios externos gerida pela COPCA (Consorci de Promoció Comercial de Catalunya), que conta com a participação do Governo da Catalunha, câmaras de comércio, associações sectoriais da indústria e associações exportadoras. O resultado foi a criação e gestão de uma rede externa de 35 escritórios localizados em 31 países e que abrangem um total de 70 países em todo o mundo15, incluindo China (Pequim, Xangai), Índia (Nova Deli), Hong Kong, Singapura, Brasil (São Paulo) e os EUA (Washington, Nova Iorque, Los Angeles). Em simultâneo, o consórcio apoia directamente empresas na Catalunha, através de formação e assistência ao desenvolvimento dos seus departamentos internacionais ou de exportação. Além disso, as relações bilaterais com Estados e outros governos não- centrais constituem uma das prioridades que têm conduzido à celebração de vários acordos internacionais numa série de áreas, tais como comércio, investimentos, educação, cultura, ciência, tecnologia e saúde.
No caso da China, o desenvolvimento da paradiplomacia das Províncias dominantes desde meados dos anos 90, apesar de discreto e com pouca visibilidade, tem sido um factor de grande importância para compreender a integração da China na economia global e a sua impressionante emergência como poder económico global. De facto, um dos ingredientes institucionais mais importantes para o sucesso económico da China tem sido o nível de descentralização da tomada de decisões económicas a partir do governo central para os governos provinciais e até locais, inclusive na área de comércio
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externo e na captação de IED, desde o início das reformas. A paradiplomacia das Províncias costeiras chinesas mais desenvolvidas, um prolongamento desta autonomia local,
Pequim considerou esta paradiplomacia útil e complementar na medida em que pode funcionar como um mecanismo para explorar vias mais informais com parceiros económicos e promover relações especiais, mobilizar as comunidades empresariais chinesas no estrangeiro, e até como solução para gerir relações económicas com países que não mantém relações diplomáticas com a RPC. A província de Guangdong foi provavelmente a pioneira na prossecução desta actividade e, desde meados dos anos 90, tem vindo a desenvolver relações especiais, sob a coordenação do Departamento de Negócios Estrangeiros do Governo Provincial de Guangdong, com algumas “Províncias Irmãs” em vários continentes. Em relação à Europa, Guangdong desenvolveu relações paradiplomáticas com 7 regiões/províncias: Utrecht (2002), com iniciativas nas áreas de protecção ambiental, agricultura, e comércio; Skane (Suécia) 1997, sobretudo a nível de cooperação académica e nas áreas do ambiente e assistência médica; Alpes, Costa Azul (2000); Catalunha (2003); região de Fyn (Dinamarca, 2004); Estado da Baviera (2004). Esta relação especial incluiu a organização de missões comerciais, a criação de escritórios permanentes para comércio e investimentos, como os escritórios abertos pela Catalunha e Utrecht (abertos em conjunto com a Câmara de Comércio Holandesa Casa Holandesa de Guangzhou), e a organização de seminários sobre promoção de investimento, participação em feiras comerciais, etc..
Existem igualmente outros exemplos interessantes mais recentes de Províncias pertencentes a outro pólo de crescimento da economia chinesa, o delta do Rio Yangtze, que tem investido no desenvolvimento de ligações preferenciais com certas regiões da Europa. No caso de Jiangsu, o Governo Provincial abriu 5 Centros de Comércio e Economia na Europa com sede em Düsseldorf em 1996, seguidos por centros em Paris, Chelmsford – Condado de Essex e leste de Inglaterra (UK), Tilburg – Província de
16 A intensidade de iniciativas de paradiplomacia está a aumentar rapidamente. Por exemplo, o Departamento de Comércio e Cooperação Económica da Província de Giangsu organizou vários seminários sobre investimentos em França, Itália, Alemanha, Bélgica e
17De forma a ilustrar a relação cada vez mais próxima entre as duas regiões,
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A relação especial entre o Lander alemão da Baviera e a província de Shandong constitui outro exemplo, e
No caso do Brasil, a paradiplomacia dos Estados Brasileiros, designada “diplomacia federada”, é um fenómeno recente introduzido pelos Estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul no final dos anos 80, e adoptado por São Paulo, Paraná, Baía, e até outros estados envolvidos sobretudo em paradiplomacia transfronteiriça com estados vizinhos – Roraima, Acre, Amazonas e Amapá18. O governo federal tem vindo a reconhecer, e de certo modo a favorecer, o aumento da proactividade internacional dos governos
Àluz destas experiências distintas, é possível avançar algumas conclusões relativamente à natureza, dinâmica e impacto da paradiplomacia actual. Em primeiro lugar, é necessário sublinhar o facto de a paradiplomacia não ser um fenómeno homogéneo. Pelo contrário, tem uma natureza heterogénea. Por um lado, este facto resulta da coexistência de diferentes tipos de paradiplomacia, como defende Duchacek, ao identificar três tipos de paradiplomacia de acordo com o seu conteúdo e abrangência geográfica: (i) paradiplomacia regional transfronteiriça (ou micro regional), que envolve relações transfronteiriças entre GNC´s contíguos, dominante na fase inicial; (ii) paradiplomacia transregional (ou macro regional) entre GNCs não contíguos e (iii) paradiplomacia global, que envolve actores distantes, incluindo Estados soberanos, e abrange todos os assuntos no sistema internacional, incluindo segurança, comércio internacional, etc.20 Considero fundamental reconhecer a existência de um outro tipo de
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paradiplomacia, designado “paradiplomacia multilateral”, que se prende com o envolvimento de vários governos
Por outro lado, creio ser necessário estabelecer uma diferença essencial entre uma variedade estruturada e permanente de paradiplomacia, desenvolvida sobretudo por regiões do conhecimento ricas e de acordo com uma estratégia de longo prazo, e actividades de paradiplomacia esporádica, não estruturada, que usam instrumentos específicos para objectivos de curto prazo. Existe uma diferença qualitativa importante entre estas duas modalidades, com implicações claras para a densidade do estatuto internacional dos governos
Em segundo lugar, no que diz respeito às condições de sucesso, apesar da difusão e explosão de paradiplomacia, a prática de uma paradiplomacia robusta, eficaz e consistente ainda está fortemente associada, e, de certa forma, limitada a regiões ricas que operam dentro de Estados, federais ou unitários, que possuem um nível considerável de descentralização.
Em terceiro lugar, os receios quanto à natureza disfuncional da paradiplomacia e aos riscos de conflito entre os governos centrais e
typology of new actors in international relations” in Michelmann (ed.) Federalism and International Relations:
21Estes factores foram salientados por Keating M. (2000). Paradiplomacy and Regional Networking, numa Comunicação apresentada no Forum of Federations: an International Federalism (http://www.forumfed.org/libdocs).
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transgressores com comportamentos desviantes. Esta visão mudou de forma significativa. De facto, graças à experiência acumulada, e salvo algumas excepções onde os governos
Em quarto lugar, a análise tradicional tende a considerar a paradiplomacia como consequência da globalização e da necessidade, por parte das comunidades locais/regionais, de enfrentar novos desafios e uma incerteza crescente de modo a assegurar os seus interesses económicos específicos no mercado global, projectar as suas identidades culturais, e ultrapassar a rigidez e os limites tradicionais das burocracias centrais que tardam a
Em quinto lugar, a paradiplomacia é uma fonte fundamental de inovação em matéria de política externa, na medida em que integra e antecipa algumas alterações no conceito e lógica da política externa dos Estados, resultantes do novo paradigma da sociedade/economia do conhecimento. Começando pela abolição de fronteiras entre os níveis domésticos e externos,
22 Nessa mesma linha,
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Paradiplomacia, Regiões do Conhecimento e a consolidação do “Soft Power”
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mundo atravessa. Por fim, as novas questões globais envolvem assuntos cada vez mais aspectos técnicos e complexos que requerem competências que os governos não possuem. Como tal, exigem a participação activa e cooperação de empresas privadas, universidades e instituições de investigação. Neste aspecto, é importante destacar o novo papel das redes transnacionais globais no desenvolvimento de regras internacionais, e a renovada preocupação com a implementação de regras a nível global, o que pressupõe a participação activa de actores
Em sexto lugar, a paradiplomacia é uma via estratégica para a criação e consolidação do soft power23 dos Estados, não só por causa das vias e instrumentos informais que utiliza, mas também por causa da relevância fundamental das
Contudo, apesar de as regiões de conhecimento proactivas no plano internacional serem um factor fundamental para garantir a competitividade sistémica na economia global e para consolidação do soft power, este é um fenómeno que envolve ainda um número limitado de Estados. A maioria dos Estados estão excluídos deste processo em virtude de terem sido lentos a
Um bom exemplo é o caso de Portugal em que uma tradição histórica centralista foi de certo modo reforçada pela dinâmica do processo de integração europeia. Em consequência Portugal é hoje um dos Estados mais centralizados da União Europeia um factor que tem impedido a emergência de regiões dinâmicas.
Portugal viveu um debate animado sobre o tema da regionalização e da descentralização no final da década de noventa, consequência do referendo sobre a regionalização realizado em 1998, e que culminaria na rejeição da proposta de criação de 8 regiões administrativas segundo critérios definidos na lei24. A criação de regiões administrativas constituía um princípio já previsto na Constituição de 1976, mas nunca implementado. Apesar de ter, desde 1976, duas zonas autónomas, a Madeira e os Açores, a parte continental do território português tem sido gerida de acordo com um sistema bastante centralizado, que faz com que Portugal seja um dos Estados mais
23No sentido adaptado por by Joseph Nye (2004). Soft Power: the means to success in world politics. Public Affairs.
24Lei 19/98 que define 8 regiões: Entre Douro e Minho;
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centralizados da Europa25. Os termos do debate de 1998, analisados mais pormenorizadamente num outro texto26, e os argumentos apresentados,
Na última década, o debate sobre a regionalização não existiu não se tendo registado igualmente qualquer avanço concreto no sentido de promover a descentralização. Os custos da
A inexistência de regiões do conhecimento em Portugal é o custo mais elevado da não- regionalização, e o maior obstáculo à capacidade de Portugal para estimular o processo de inovação e competir no mercado global. Como foi salientado anteriormente, o nível regional é o óptimo para criar redes de conhecimento que produzem e divulgam conhecimento tácito. Apesar de a regionalização não ser condição suficiente, é certamente uma condição institucional e política necessária para a criação de regiões do conhecimento. Para além disso, a regionalização oferece oportunidades interessantes de desenvolvimento da paradiplomacia em Portugal, um instrumento importante para complementar a política externa tradicional e explorar novas vias e oportunidades num sistema internacional cada vez mais complexo. Os potenciais contributos da paradiplomacia exercida por futuras regiões são de natureza variada, mas
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da Índia;
Conclusões
As regiões do conhecimento são os principais actores estratégicos no processo de transição para a sociedade/economia do conhecimento, e os principais concorrentes na economia global. Se é verdade que elas permitiram que as economias avançadas retivessem o seu domínio no processo de inovação e, portanto, preservassem a sua liderança económica, é igualmente verdade que as regiões do conhecimento constituem um factor chave por trás da emergência de novos poderes económicos, nomeadamente a China, o Brasil, e a Índia, que desafiam o domínio dos EUA, UE e Japão. As regiões do conhecimento
A paradiplomacia, praticada numa base estruturada e permanente por governos sub- nacionais das regiões de conhecimento mais avançadas, ou de forma não estruturada e esporádica por outras regiões, está particularmente centrada nas áreas da low politics, desde o comércio e investimento até à ciência e tecnologia, educação e assuntos culturais, recorrendo a instrumentos formais, tais como acordos internacionais ou câmaras de comércio, mas também a instrumentos informais. Estas áreas estão longe de ser marginais. Pelo contrário, são assuntos fundamentais para o desenvolvimento da sociedade do conhecimento e para o fortalecimento do soft power dos Estados. Um dos principais argumentos avançados é o facto de a paradiplomacia ser uma via estratégica para a criação e consolidação do soft power, da capacidade de influenciar os outros e moldar o seu comportamento recorrendo à persuasão e atracção, em vez da coerção.
A sociedade do conhecimento e a lógica das redes de conhecimento têm importantes consequências em termos de mudanças na política externa e na forma como os Estados se relacionam uns com os outros e com actores
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algumas das suas vulnerabilidades. Especificamente, a paradiplomacia ajuda a reforçar o soft power dos Estados. Como consequência, a paradiplomacia deixou de ser encarada como algo não ortodoxo e marginal, sendo gradualmente vista como uma actividade normal e de grande importância estratégica, na medida em que as regiões do conhecimento são, claramente, os intermediários melhor posicionados para estabelecer a articulação entre o global e o local, desempenhando um papel central na melhoria da governança global, quer em termos de criação quer de implementação de regras, e no funcionamento do sistema de governança
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