OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol.9, Nº. 2 (Novembro 2018-Abril 2019), pp. 114-129
Recensão Crítica
EMPREENDEDORISMO EM ÁFRICA: UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA COM DADOS
DO GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM)
Renato Pereira
rpereira@autonoma.pt
Investigador Integrado do OBSERVARE/UAL. Professor Associado da Universidade Autónoma de
Lisboa (Portugal). Professor Convidado do ISCTE-IUL. Doutor em Ciências de Gestão pela
Université Paris Dauphine.
Redento Maia
Pós-Doutorando do OBSERVARE/UAL. Professor Titular da Faculdade de Economia da
Universidade Agostinho Neto (Angola). Doutor em Ciências Económicas pela Universidade de
Economia de Sófia, Bulgária.
O presente texto apresenta um estudo exploratório sobre o empreendedorismo em África
a partir de dados recolhidos no âmbito do Global Entrepreneurship Monitor. Partindo de
uma base teórica sobre a relação entre o empreendedorismo e o desenvolvimento
económico, são exploradas sete dimensões de estudo em empreendedorismo
internacional: (i) atitudes, (ii) oportunidades percecionadas, (iii) medo de falhar, (iv)
intenções empreendedoras, (v) crenças sobre empreendedorismo, (vi) atividade
empreendedora inicial, (vii) taxa de negócios estabelecidos. Conclusões sobre a
exploração dos dados e pistas para investigações futuras nesta temática são fornecidas.
Introdução
Numa investigação bastante recente, Adusei (2016) comprovou, na sequência de vários
outros estudos sobre a mesma problemática noutras geografias, que também em África
o empreendedorismo é um dos factores que exerce um impacto positivo sobre o
crescimento económico, um dos problemas mais desafiantes para o continente africano
no último século (Ndulu et al, 2007).
Baseado num estudo que cobriu 12 países e representou uma ampla dispersão geográfica
e cultural, embora nenhum país lusófono tenha sido incluído, ficou clara a associação
linear positiva entre o crescimento do PIB per capita e o número de novas empresas
registadas no país num dado ano fiscal.
Ao criar condições de auto-sustentação económica, através do auto-emprego por via da
constituição de uma empresa unipessoal, a forma mais simples de empreendedorismo,
fica estabelecido o nexo de causalidade entre o crescimento económico e o aumento da
atividade empreendedora.
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Se a racionalidade económica impõe a qualquer empresa o imperativo de satisfazer
necessidades económicas no mercado em que atua, em condições concorrenciais, então
o empreendedorismo, em economias em que os mercados são generalizadamente
ineficientes, ou mesmo inexistentes (como o são muitas das economias africanas),
cumpre ao mesmo tempo uma função económica gerando valor acrescentado e uma
função social garantindo que as pessoas acedem a bens fundamentais que não lhes
chegariam por outra via, contribuindo assim, também, para o desenvolvimento
económico.
Os objetivos deste trabalho passam assim por descrever, analisar e explicar, de forma
sintética, a temática do Empreendedorismo em África, quer quanto ao seu
enquadramento teórico, quer no contexto empírico do Global Entrepreneurship Monitor
(GEM).
O GEM é uma ONG britânica suportada por quatro instituições académicas de grande
prestígio. É a base de dados mais completa e mais abrangente que existe em matéria de
empreendedorismo. Representa cerca de duas décadas de dados recolhidos, mais de
200.000 entrevistas efectuadas por ano, mais de 100 países aderentes, mais de
500 investigadores em empreendedorismo, envolvidos em mais de 300 instituições
académicas e científicas, e mais de 200 instituições financiadoras mobilizadas.
O propósito do GEM, desde o início, tem sido o de fazer uma avaliação científica do nível
empreendedor dos países aderentes para que se possam propor políticas tendentes à
melhoria do desempenho dessa variável, no pressuposto de que o aumento da actividade
empreendedora favorece o desenvolvimento dos países, tal como demonstrado em
variados estudos, no tempo e no espaço.
Os países africanos que têm participado na recolha de dados anual do GEM o os
seguintes: África do Sul (com 15 participações), Uganda (com 4 participações), Angola
(com 4 participações), Egipto (com 3 participações), Burkina Faso (com 3 participações),
Tunísia (com 2 participações), Marrocos (com 2 participações), Argélia (com 1
participação), Botswana (com 1 participação), bia (com 1 participação) e Camarões
(com 1 participação).
Assim sendo, podemos constatar que relativamente à região da África Subsariana,
apenas um país tem participado regularmente (África do Sul), três países participaram
ocasionalmente (Angola, Burkina Faso e Uganda) e dois participaram pontualmente
(Botswana e Camarões).
1. Empreendedorismo em África
1.1. Enquadramento disciplinar
O empreendedorismo é um fenómeno multifacetado que tem sido objecto de abordagens
teóricas provenientes de diversas disciplinas, sendo as principais a Economia, a
Psicologia, a Gestão e as Finanças (e.g. Sarkar, 2014).
Independentemente da abordagem e da respectiva definição, o Empreendedorismo (ou
a atividade empreendedora) é normalmente medido pela criação ou nascimento de
empresas (privadas), frequentemente ponderado pela taxa de sobrevivência das mesmas
num determinado horizonte temporal.
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Sinteticamente, as Finanças encaram o Empreendedorismo como mais uma
oportunidade, ou alternativa, de investimento ou de aplicação de capital. Nesta
perspectiva, o empreendedorismo materializa-se num activo ou conjunto de activos
financeiros concretos, ou seja, os títulos representativos do capital de uma dada
sociedade comercial.
Para a Gestão, o Empreendedorismo corresponde às duas primeiras fases do ciclo de vida
de uma empresa lançamento e expansão normalmente aplicável apenas a empresas
com grande potencial de crescimento rápido, em princípio por estarem assentes numa
dada inovação tecnológica.
Do ponto de vista da Psicologia, provavelmente a disciplina que mais tem estudado o
Empreendedorismo, o que está em causa, entre outros problemas, é a compreensão da
personalidade empreendedora e da relação dos traços de personalidade com o
desenvolvimento do fenómeno empreendedor.
Finalmente, para a Economia, existem basicamente dois eixos de análise: (i) um micro,
relativo à influência do empreendedorismo sobre a eficiência dos mercados, (ii) e um
outro macro, sobre as relações de causa-efeito entre o Empreendedorismo e os
crescimento e desenvolvimento económicos, comportando as vertentes institucional e
regulamentar, o papel do Estado, as políticas económicas e as condições de acesso aos
mercados.
No entanto, nota-se uma prevalência da utilização, sobretudo em Economia do
Desenvolvimento, do conceito de “Economia Informal” quando se aborda a temática do
Empreendedorismo (e.g. Lopes, 2007), reduzindo assim este fenómeno, correcta ou
incorrectamente, ao empreendedorismo de necessidade e deixando (excessivamente) de
lado o empreendedorismo de oportunidade, também designado de empreendedorismo
produtivo.
Hilson et al (2018) confirma que a atividade empreendedora na África Subsariana está
fortemente concentrada no sector informal, sendo isso uma limitação para o
desenvolvimento de competências técnicas.
Certamente devido à prevalência da economia informal em África, e da consequente
preponderância do empreendedorismo de necessidade, Adusei (Op. Cit.: 202) relembra
que muitos autores postulam que “o empreendedorismo em economias em
desenvolvimento não tem a força necessária para promover o crescimento económico”.
De forma mais dramática ainda, Acs & Varga (2005) refere que o empreendedorismo de
necessidade não tem praticamente qualquer impacto no desenvolvimento económico,
uma vez que é desenvolvido por pessoas de baixas qualificações e, consequentemente,
tem pouca influência sobre a produtividade da economia.
A abordagem seguida na presente investigação privilegiará uma abordagem económica,
centrada nos objectivos do próprio GEM: contribuir para a “exploração do impacto das
instituições nacionais no empreendedorismo bem como a relação entre
empreendedorismo e desenvolvimento económico” (Bosma et al, 2012).
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1.2. Caracterização teórica
A relação entre o Empreendedorismo e o crescimento económico tem sido, de facto,
amplamente estudada, tal como referido anteriormente, apresentando um percurso de
resultados nem sempre convergentes.
Ndulu et al (op. cit., capítulo 2), entre outros estudos, relembra as bases para o
estabelecimento de um nexo causal entre o empreendedorismo e o crescimento
económico a partir da relação entre o investimento e o crescimento económico.
A relação entre o investimento e o crescimento económico é, em quaisquer
circunstâncias, uma relação básica e de há longo tempo conhecida e estudada, nas suas
duas componentes, pública e privada.
Igualmente estudada é a (significativa) relação entre o Empreendedorismo e o
desenvolvimento económico, que se estabelece (indiretamente) a partir do crescimento
económico gerado por esse empreendedorismo, pela criação de emprego, pela adopção
de inovação tecnológica bem como pela diminuição provocada na pobreza, conforme
relembra Brixiova (2010).
Neste contexto, sendo a criação de empresas privadas um processo de investimento,
interno e/ou externo, compreender a extensão do impacto do Empreendedorismo na
economia implica identificar as variáveis que impactam sobre o desenvolvimento do
próprio Empreendedorismo e a sua influência relativa sobre a economia.
Ndulu et al (op. cit.: 49) considera as seguintes variáveis: quadro institucional, político
e regulatório; legislação sobre a actividade económica e sua aplicação; adequação e
qualidade das infra-estruturas; estabilidade macroeconómica; protecção dos direitos de
propriedade; funcionamento do sistema financeiro.
Estas variáveis são, de facto, críticas para a compreensão da qualidade do
Empreendedorismo já que, combinadamente, as mesmas influenciam o nível de risco do
investimento, levando a que em muitas economias africanas se verifique uma prevalência
de empreendedorismo replicativo, de menor valor acrescentado, quando comparado com
um empreendedorismo inovador, de maior risco e valor acrescentado (Adusei, op. cit.:
209).
A principal conclusão é que a qualidade do ambiente de investimento é, de forma geral,
insuficiente em África, suportada, em primeira instância, pelo mais elevado custo de
doing business do mundo.
Os custos de energia, transporte, telecomunicações e segurança estão entre os que mais
negativamente afectam as empresas. Mas também os custos alfandegários e de
licenciamento comercial têm um peso desmesurado, assim como a necessidade de se
efectuar elevados pagamentos “informais” para que processos administrativos triviais
sejam resolvidos.
Ndulu et al (op. cit.: 68-71) conduz, ainda, um interessante estudo sobre a origem do
Empreendedorismo africano, comparando os empreendedores “indígenas” (ou locais)
com os empreendedores “não indígenas” (ou estrangeiros), nomeadamente asiáticos, do
Médio-Oriente ou caucasianos (essencialmente europeus).
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A primeira descoberta é que as empresas indígenas são, em média, mais pequenas que
as estrangeiras e, ao mesmo tempo, iniciam a actividade com uma dimensão que é
também mais reduzida do que a das empresas estrangeiras, diferença essa que tende a
acentuar-se ao longo do tempo.
O nível educacional (ou de habilitações académicas) dos fundadores ajuda a perceber a
diferença de dimensão entre empresas indígenas, à data da constituição, numa
associação linear positiva. Esta diferença de dimensão tende a manter-se ao longo do
tempo.
O crédito comercial está também mais acessível a empresas estrangeiras do que a
empresas locais, sugerindo uma maior dificuldade destas no estabelecimento de uma
relação de confiança com os seus fornecedores.
Estes resultados indicam ainda a inexistência de redes empresariais nas comunidades
locais africanas. Como os sistemas judiciais são no geral fracos, é extremamente difícil
para uma pequena empresa africana desenvolver-se ao mesmo ritmo que um
empreendedor estrangeiro, nomeadamente asiático, árabe ou europeu.
Como última conclusão, quiçá a mais surpreendente de todas, observa-se que a
dificuldade de acesso à informação tem um peso, para os empreendedores africanos,
ainda mais elevado que a dificuldade de acesso a capital, o que contraria os estudos
efectuados nos países desenvolvidos sobre a mesma matéria.
Brixiova (2010) salienta a importância de se estudar a forma como a falta de
competências das empresas indígenas africanas, que afecta tanto os empreendedores
quanto os seus trabalhadores, poderá ser ultrapassada que as outras variáveis com
impacto negativo sobre o Empreendedorismo são mais conhecidas: acesso ao crédito,
ambiente de negócios e constrangimentos infra-estruturais. O deficiente acesso à
informação também é identificado como dificultando o fenómeno empreendedor.
Neste contexto das competências, sendo a qualidade do trabalho humano o aspecto mais
crítico para o desenvolvimento de um empreendedorismo de oportunidade, Brixiová et
al (2015) refere ainda a importância de um factor com elevado impacto negativo: um
desemprego jovem cada vez mais acentuado em vários países africanos, paradoxal na
lógica de desenvolvimento que muitos desses países têm apresentado recentemente.
Apesar disso, Ekekwe (2016) identifica um aumento significativo (exponencial?) do
Empreendedorismo africano, pelo menos nalguns países do continente, como a Nigéria,
o Quénia, o Senegal, o Ruanda e o Gana.
Entre as principais razões apontadas emerge a recente crise provocada pela queda do
preço do petróleo e a consequente necessidade dos agentes económicos e do Estado
comprarem produtos em moeda local, dada a crise cambial em que a maioria dos países
africanos, directa ou indirectamente, caiu.
Finalmente, Klingebiel & Stadler (2017) identifica os 3 factores que deveriam guiar o
crescimento do empreendedorismo em África: (i) focalização no empreendedorismo de
“topo da pirâmide”, por oposição ao empreendedorismo de sobrevivência, ou de “base
da pirâmide”, característico da economia informal: (ii) controlo sobre os factores de
produção e (iii) inovação na distribuição (e não nos produtos).
Relativamente ao primeiro fator, os autores aconselham os empreendedores a
combinarem concepção de produto africana com veis de qualidade (de produção)
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internacionais como forma de conquistarem os consumidores de classe média-alta. A
ideia é “transcender as fronteiras nacionais” permitindo, ao mesmo tempo, criar
condições para futuras estratégias de internacionalização, o que é raríssimo no actual
contexto do empreendedorismo africano.
Sobre os factores de produção, os autores salientam a importância de se controlar terra
e outros factores de produção básicos, nomeadamente logísticos, dadas as limitações da
produção e da distribuição locais e as crescentes dificuldades de importação,
nomeadamente por razões cambiais.
Quanto ao terceiro factor, este trabalho salienta que os problemas de distribuição
continuam a ser dos mais graves em África por causa, nomeadamente, das disfunções
ou inexistência de infra-estruturas fundamentais. Sugere-se que os empreendedores
procurem formas inovadoras de utilizar tecnologias emergentes, como os drones, para
ultrapassar estas limitações.
2. O GEM - Global Entrepreneurship Monitor
2.1. Abordagem conceptual
O GEM Global Entrepreneurship Monitor é um Observatório sobre o Empreendedorismo
no mundo, feito a partir de dados recolhidos com o mesmo instrumento e de acordo com
a mesma metodologia em todos os países participantes, virtualmente todos os países do
mundo.
Os países participantes aderem ao GEM numa base voluntária e terão, eles próprios, que
financiar todos os custos relativos à sua participação, normalmente através de
patrocínios, o que faz com que muitos países participem de forma intermitente, e com
equipas diferentes ao longo do tempo, e outros nunca tenham participado.
Cada país é representado por uma Equipa Nacional, normalmente liderada por uma
instituição académica responsável pela recolha dos dados e pela elaboração do relatório
nacional com as conclusões aplicáveis ao seu país.
O projecto é supervisionado pela Global Entrepreneurship Research Association (GERA),
uma entidade privada sem fins lucrativos com sede no Reino Unido, responsável pelo
relatório consolidado.
O GEM tem sido definido por académicos de relevo das principais instituições científicas
envolvidas com o Empreendedorismo, com a dupla preocupação de incluir as abordagens
teóricas mais influentes e os indicadores de medida que permitam comparações
internacionais, sob a mesma metodologia.
Os dados do GEM são recolhidos através da aplicação de dois instrumentos
complementares (i) o Inquérito à População Adulta (APS) e (ii) o Inquérito aos
Especialistas Nacionais (NES).
O APS estuda as atitudes, a actividade e as aspirações dos empreendedores. Incide
sobre, pelo menos, 2.000 adultos em cada país;
O NES faz a monitorização de nove factores que se crê terem um impacto
significativo no empreendedorismo, conhecidos como as Condições Contextuais do
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Empreendedorismo (EFCs). Incide sobre, pelo menos, 36 especialistas
cuidadosamente escolhidos em cada país.
A colecta de dados é coordenada centralmente. Os instrumentos de recolha de dados de
cada país são sujeitos a várias verificações antes do processo de recolha começar. Os
dados resultantes são escrutinados repetidas vezes antes de serem publicados. Este
processo, desenvolvido e testado ao longo de muitos anos, garante que os dados do GEM
são da mais elevada qualidade.
Em conclusão, o GEM permite compreender:
Os factores que influenciam o empreendedorismo;
A relação entre o empreendedorismo e o desempenho económico de cada país
participantes (e das suas várias regiões);
A interacção entre as instituições, o empreendedorismo e o desenvolvimento;
Os diferentes tipos de empreendedorismo e as suas potencialidades.
Esses factores o considerados indispensáveis para o estabelecimento de políticas
públicas que permitam suportar estratégias de desenvolvimento económico, sobretudo
em países em vias de desenvolvimento, mas também em middle-income countries e, no
limite, em todos os pses que se pretendam manter competitivos e reconheçam a
importância do empreendedorismo para esse desiderato.
Figura 1 Modelo conceptual do GEM
Fonte: Bosma et al (2012: 12)
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Esta versão do modelo foi revista visando uma adaptação à tipologia de “factor-driven
economies”, “efficiency-driven economies” e “innovation-driven economies” proposta por
Porter et al (2002), permitindo ao GEM melhor descrever e medir as condições em que
o empreendedorismo e a inovação se podem desenvolver.
“Factor-driven economies” o países na fase inicial do processo de desenvolvimento,
normalmente dependentes da agricultura e da extracção de recursos naturais. Nas
“efficiency-driven economies” existe um sector industrial e os consequentes ganhos
de produtividade decorrentes de economias de escala obtidas assim como um sistema
financeiro minimamente sofisticado. Nas “innovation-driven economies” verifica-se uma
mudança gradual para o sector terciário e para as actividades de investigação e
desenvolvimento e de geração de conhecimento.
2.2. Abordagem metodológica
Do ponto de vista metodológico, o propósito do GEM é conseguir identificar e caracterizar
os empreendedores ao longo das diversas fases do processo empreendedor: opportunity
recognition / nascent entrepreneurship; start-up a new firm; owning-managing a new
firm. As duas primeiras etapas, conjuntamente, são designadas de early-stage
entrepreneurial activity.
Figura 2 Processo metodológico de identificação das várias etapas do processo empreendedor
através do questionário do GEM (dados de 2011)
Fonte: Fonte: Bosma et al (2012: 21)
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A figura 3 descreve o processo empreendedor tal como o mesmo é conceptualmente
definido pelo GEM. Mas mais do que separar as fases do processo empreendedor, o
grande contributo metodológico do GEM é possibilitar a identificação das atitudes que
subjazem à actividade empreendedora.
Outro aspecto importante que o questionário captura é não só a dimensão do fenómeno
de descontinuidade das empresas, mas ainda as razões associadas a essa paragem,
sejam elas pelo arranque de um novo negócio ou por se tronarem economicamente (e/ou
financeiramente) inviáveis.
Figura 3 Fases do processo empreendedor no modelo teórico do GEM
Fonte: Fonte: Bosma et al (2012: 21)
2.3. Resultados da África Subsariana
Tendo em conta a fraca adesão dos países africanos ao GEM, com a (expectável)
excepção da África do Sul, a coordenação do projecto apostou em fazer, ela própria, um
relatório sectorial para a África Subsariana (Herrington & Kelley, 2012).
Seguindo a mesma metodologia e os mesmos propósitos dos relatórios nacionais do GEM,
este trabalho foi levado a cabo no período de 3 anos até 2012 e incidiu sobre a seguinte
amostra de 10 países: África do Sul, Angola, Botswana, Etiópia, Gana, Malawi, Namíbia,
Nigéria, Uganda e Zâmbia.
De acordo com a tipologia de Porter et al (2002), a África do Sul e a Namíbia são
classificadas de “efficiency-driven economies” e os restantes países são “factor-driven
economies”. Nenhum país da África Subsariana pertence ao grupo das “innovation-driven
economies”.
Apesar da relativa falta de actualidade dos dados poder ser vista como uma limitação
para este trabalho, o período coberto no estudo corresponde a um triénio de forte
crescimento económico na generalidade dos países estudados, após os efeitos da crise
financeira internacional de 2007-2008 e antes do status quo criado pela quebra do preço
do petróleo ocorrida no segundo semestre de 2014.
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Assim sendo, será certamente interessante verificar a forma como o empreendedorismo
se desenrola e é percepcionado num período temporal em que os países vivem uma
generalizada expansão económica.
As conclusões mais marcantes podem ser sintetizadas em 7 grupos: (i) atitudes, (ii)
oportunidades percepcionadas, (iii) medo de falhar, (iv) intenções empreendedoras, (v)
crenças sobre empreendedorismo, (vi) actividade empreendedora inicial, (vii) taxa de
negócios estabelecidos.
Figura 4 Atitude empreendedora na África Subsariana
Fonte: Herrington & Donna (2012: 21)
De forma surpreendente (ou talvez não) a média (simples) das pessoas que consideram
o empreendedorismo como uma boa opção de carreira (76%) é superior a todas as outras
regiões do mundo, sendo apenas igualda pela região vizinha de Médio-Oriente e Norte
de África (MENA).
Nos outros dois parâmetros analisados relativamente às atitudes empreendedoras, a
posição relativa situa-se igualmente ao nível das mais elevadas caso do status ou
mesmo acima de todas caso da cobertura mediática conseguida em caso de sucesso
empreendedor.
Estes resultados poderão explicar-se, em parte, pela já anteriormente identificada falta
de oportunidades no mercado de trabalho, sobretudo entre os jovens, e por uma certa
mistificação do sucesso empreendedor alavancada por casos de sucesso internacionais,
sobretudo de afro-americanos, veiculados pela imprensa norte-americana.
Relativamente à percepção das oportunidades disponíveis no mercado para o
desenvolvimento de uma iniciativa empreendedora, e das correspondentes capacidades
para lhe dar seguimento, os resultados mostram um pessimismo do lado sul-africano e
um optimismo generalizado em todos os outros países, particularmente na Nigéria.
Quando se analisa o medo de falhar, o desvio padrão entre o país com mais elevado e o
país com mais baixo resultado é mais reduzido. O pessimismo sobre a probabilidade de
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falhar é mais acentuado em Angola, na Namíbia e na Etiópia e o optimismo sobre essa
mesma possibilidade é mais claro no Malawi, no Uganda e na Zâmbia.
Figura 5 Oportunidades e capacidades percepcionadas, e medo de falhar
Fonte: Herrington & Donna (2012: 22)
Tendo em conta a comparação com os resultados das outras regiões, parecem haver
vários factores de enviesamento na percepção dos empreendedores, nomeadamente
devido à falta de uma amostra suficiente de casos de referência, em cada país (com
excepção da África do Sul), para permitir a criação de uma percepção equilibrada. Isso
é particularmente visível na questão das competências, onde as distorções de avaliação
parecem especialmente evidentes.
Figura 6 - Intenções empreendedoras na África Subsariana
Fonte: Herrington & Donna (2012: 24)
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Na variável das intenções empreendedoras entre a população não empreendedora,
verificam-se disparidades significativas. Uma vez mais, e de forma não surpreendente, a
África do Sul apresenta valores semelhantes aos da Europa e Estados Unidos, e
relativamente próximos dos da Ásia. A explicação para estes valores estará certamente
ligada à quantidade e à maturidade do empreendedorismo nesse singular país
subsariano.
A Etiópia, talvez por razões culturais, dada a proximidade geográfica, apresenta valores
semelhantes aos da região MENA. Angola, Botswana e Uganda apresentam todos valores
de intenção empreendedora absolutamente esmagadores, embora em linha com os
indicadores anteriores, nomeadamente sobre as oportunidades e as perspectivas de
carreira.
Figura 7 Níveis de actividade e motivações empreendedoras
Fonte: Herrington & Donna (2012: 27)
No capítulo do vel de actividade empreendedora, a África do Sul volta a repetir o padrão
de apresentar um comportamento semelhante ao de regiões cujo desenvolvimento
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económico é superior ao da região em que a mesma se insere situando-se, nalguns casos,
ao nível do mais elevado no mundo.
Relativamente aos outros países, parece clara a existência de dois grupos no que respeita
aos veis de actividade empreendedora: Angola, Botswana, Etiópia, Malawi, Namíbia e
Zâmbia têm, como seria de esperar, uma taxa de empresas estabelecidas muito inferior
à taxa observada nas etapas anteriores. A Nigéria está neste padrão de comportamento
mas a quebra é muito menos acentuada.
Por outro lado, Gana e Uganda apresentam um comportamento oposto, sugerindo uma
muito maior maturidade no que respeita ao processo empreendedor, que poderá decorrer
do tipo de sectores de actividade escolhidos ou da qualidade dos apoios ao
empreendedorismo em vigor nesses países.
Os resultados mais surpreendentes vêm mesmo da repartição das iniciativas
empreendedoras entre orientadas pela necessidade e orientadas pela oportunidade (ou
produtividade).
Neste caso, tirando o Uganda e o Malawi em que há uma muito ligeira superioridade do
empreendedorismo de necessidade, e a Namíbia em que se verifica uma igualdade
perfeita, a percentagem de empreendedores orientados pela oportunidade face aos que
afirmam ter criado a sua empresa por necessidade é superior em todos os outros países.
Na Etiópia, essa diferença é superior a três vezes e no Gana é a mesma é de quase o
dobro.
Estes valores estão em linha com o que se passa no resto do mundo e contrariam a teoria
e diversos outros estudos existentes sobre o assunto.
Figura 8 Razões para a descontinuidade da actividade empreendedora
Fonte: Herrington & Donna (2012: 29)
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Finalmente, a análise das razões para terminar ou encerrar o negócio permite identificar
uma grande disparidade de situações.
No entanto, e apesar de não serem apresentados os benchmarks feitos relativamente às
demais regiões, as duas razões mais frequentemente apontadas falta de rendibilidade
e problemas na obtenção de financiamento são também as razões mais comuns para
a descontinuidade da actividade empreendedora nas regiões mais desenvolvidas do
mundo.
Em Angola, é curiosa a frequência de oportunidades de venda do negócio, muito acima
de qualquer outro país da região.
Igualmente curiosa é a constatação de que nenhum dos entrevistados, na Etiópia, refere
ter planeado uma saída para o seu negócio, em grande contraste com o que se passa
nas economias mais desenvolvidas.
Mesmo na África do Sul, a frequência não ultrapassa 1%, o que permite levantar a
hipótese de significativas diferenças, apesar das rias semelhanças, entre o perfil do
empreendedorismo neste país e o perfil do empreendedorismo nos países mais
desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos.
Conclusão
O presente trabalho tinha como objectivos descrever, analisar e explicar, de forma
sintética, a temática do Empreendedorismo em África, quer quanto ao seu
enquadramento teórico, quer no contexto empírico do Global Entrepreneurship Monitor
(GEM).
A análise teórica levada a cabo permitiu clarificar, antes de mais, a diferença entre
“economia informal” e “empreendedorismo” no contexto africano, identificando o
primeiro conceito, particularmente caro aos economistas do desenvolvimento, com a
noção de “empreendedorismo de sobrevivência” e o segundo conceito, mais caro aos
microeconomistas e aos estudiosos das empresas, com a noção de “empreendedorismo
de oportunidade” (ou de produtividade).
Por outras palavras, a “economia informal é o contexto prevalecente do
empreendedorismo de sobrevivência em África, embora muito empreendedorismo desta
natureza se desenrole em contexto de economia formal, no continente africano e fora
dele.
Outro elemento importante que decorreu da análise teórica conduzida foi a discussão dos
complexos laços de causalidade que ligam o empreendedorismo ao crescimento e ao
desenvolvimento económicos.
O impacto positivo do empreendedorismo sobre ambos o crescimento e o
desenvolvimento é um dado adquirido para economistas e investigadores de rios
quadrantes, sendo por vezes apresentado numa perspectiva quase axiomática (embora
não dogmática).
No entanto, esta relação está mais que estabelecida e a investigação prossegue a um
nível muito mais profundo, de compreensão das diversas nuances dessa mesma relação,
nomeadamente tendo o contexto económico (e institucional) como variáveis
moderadoras.
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 2 (Novembro 2018-Abril 2019), pp. 114-129
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Do ponto de vista da análise feita ao relatório do GEM de 2012 sobre a África Subsariana,
foi possível retirar algumas conclusões interessantes e quiçá inesperadas sobre o
processo empreendedor nesses países.
Uma primeira conclusão (esperada) é que a África do Sul apresenta diferenças
significativas relativamente aos demais países da amostra estudada.
O que talvez não se esperasse é que, apesar de estar classificada como “efficiency-driven
economy”, a África do Sul apresentasse claramente alguns indicadores de “innovation-
driven economy”.
Outra conclusão surpreendente é a clara prevalência de um empreendedorismo de
oportunidade em quase todos os países da amostra, com destaque para a Etiópia e para
o Gana.
Será a economia informal uma forma empreendedora de não-empreendedorismo
africano? Ou haverá apenas um enviesamento dos dados? Um aprofundamento desta
questão parece ser uma pista de investigação promissora.
Por fim, salienta-se que este trabalho tem importantes limitações de âmbito. Não se
pretendeu, de todo, cobrir o tema de forma exaustiva tendo seguramente ficado por
explorar algumas variáveis relevantes.
Neste contexto, convirá, em futuros trabalhos, considerar a sub-região África Subsariana
de forma independente do continente africano. Razões históricas e económicas não
discutidas neste estudo justificam uma separação desta geografia para efeitos de uma
análise mais objectiva deste assunto.
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Como citar esta Recensão Crítica
Pereira, Renato; Maia, Redento (2018). Empreendedorismo em África: uma análise
exploratória com dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM). Recensão Crítica,
JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 9, Nº. 2, Novembro 2018-Abril 2019.
Consultado [online] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.01