tutela inglesa, na medida em que tal fosse possível? Foi este aspecto que continuou a
revolução, em 1914, pois, contrariando os desejos da Grã-Bretanha, a ala mais radical
de todos os republicanos — os companheiros políticos de Afonso Costa — tudo fizeram
para levar Portugal à guerra a pedido da Inglaterra, provando, assim, ao mundo, que a
soberania nacional portuguesa valia tanto quanto a soberania nacional britânica (Fraga,
2012). Todavia, as intenções de uma certa facção republicana, defensora das rupturas
comportamentais conservadoras, no último ano de guerra e nos que se lhe seguiram até
28 de Maio de 1926 — data do golpe militar instaurador da longa ditadura vigente até
25 de Abril de 1974 — foi sendo contestada através de golpes sucessivos, políticos ou
militares, fazendo crescer, na massa apoiante da República e junto daqueles para quem
ela foi implantada — a pequena e a modesta média burguesias — ,o desejo de paz social,
tranquilidade no viver, ainda que sacrificando o caminho para a modernidade. Deste
modo, o conservadorismo venceu a inovação. A tradição impôs-se à revolução,
esmagando-a, porque, por um lado, as rupturas foram fundo em excesso no tecido social
português ao gerar conflitos sobre conflitos em sectores antagónicos, mas minoritários,
desejosos de atingirem a governação e, por outro, a população apoiante da República
cansou-se das desgastantes quezílias políticas. Sobre estas duas razões sobrepuseram-
se mais elementos: a desorganização económica da Europa, o atraso industrial
português, a fraca rentabilidade da agricultura praticada e, mais do que tudo, a
baixíssima taxa de investimento em novos sectores produtivos. Em suma, tudo, em
Portugal, tendia para a tradição super conservadora. Mas, por trás desta tendência ou a
justificá-la havia, já há muito, um conceito que ganhava espaço entre algumas elites
fossem católicas, monárquicas e, até, republicanas. Esse conceito entrou no léxico
político português no pós-Grande Guerra, logo nos primeiros anos da década de vinte,
quando se fundou, em 1923, o Partido Republicano Nacionalista (Leal, [s.d.]: 35). A
tradição ganhava uma forma de se designar: nacionalismo (Leal, 1999).
A ascensão política de António de Oliveira Salazar e do fascismo português, a partir de
1928, resultou de um jogo que ele soube jogar entre interesses em oposição, praticando
equilíbrios muito instáveis, mas sempre cautelosamente geridos no sentido da tradição
campesina, aldeã e rural (Curto, 2016). A República deixou de ser revolucionária, deixou,
quase, de ser República para ser um regime político de um homem que até podia ser rei
sem se sentar num trono e sem mudança nominal do regime.
A República de 1910 não morreu com a entrada em vigor da Constituição Política de
1933, mas com a tomada de posse de Salazar como Presidente do Ministério, em 1932.
Foi a tradição, o conservadorismo, apelidado de nacionalismo, quem assumiu as rédeas
da governação. Portugal recuou uma trintena de anos, regressando aos comportamentos
mentais do começo do século XX. A mão férrea da censura prévia, da polícia política e a
exaltação de um catolicismo próximo da crendice colocaram a população da cidade e do
campo fora de todo e qualquer movimento de modernidade que pudesse chegar da
Europa, já então a viver, também ela, os contornos das ditaduras fascistas e nazis.
O regime político que vigorou, em Portugal, até 1974 somente no nome teve alguma
ligação à anterior República, no resto, repudiou caminhos, fins e políticas. Naturalmente,
a República renascida em 25 de Abril de 1974 foi herdeira da que havia sido proclamada
em 1910 num tempo e num contexto completamente diferentes e também quis ser
revolucionária, contudo, buscando outros trilhos e visando outros objectivos, foi somente
na liberdade e na prática democrática que encontrou ligeiros pontos de contacto.