OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 2 (Novembro 2018-Abril 2019)
Vol. 9, nº 2 (Novembro 2018-Abril 2019)
ARTIGOS
As comunidades epistémicas e a sua influência na política internacional: atualização do
conceito - Miloslav Machoň, Jana Kohoutová, Jana Burešová, Jaroslava Bobková 1-16
Pensando y repensando teóricamente el orden internacional: las nuevas instituciones
internacionales emergentes a través de los lentes neoinstitucionalistas - Mario Guillermo
Guerrero 17-33
O fator de impacto como legitimador do conhecimento científico produzido. Uma revisão
da literatura Tiago Lima Quintanilha, Gustavo Cardoso 34-47
O confronto entre tradição e modernidade: a proclamação da República em Portugal
- Luís Alves de Fraga 48-63
La Interdependencia Compleja y su aporte a un nuevo enfoque sobre los esfuerzos de
la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica en pro del debate regional sobre
la sostenibilidad de las selvas tropicales - Gisela da Silva Guevara 64-81
Colombia en mutación: del concepto de posconflicto al pragmatismo del conflicto - César
Augusto Niño González, Daniel Palma Álvarez 82-97
A religião tradicional na cultura política da Guiné-Bissau - Claudia Favarato 98-113
RECENSÃO CRÍTICA
Empreendedorismo em África: uma análise exploratória com dados do Global
Entrepreneurship Monitor (GEM) - Renato Pereira, Redento Maia 114-129
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AS COMUNIDADES EPISTÉMICAS E A SUA INFLUÊNCIA NA POLÍTICA
INTERNACIONAL: ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO
Miloslav Machoň
miloslav.machon@vse.cz
Trabalha no Centro de Estudos Internacionais Jan Masaryk da Universidade de Economia
(República Checa). O seu trabalho centra-se nos atores de negociações políticas na área da
gestão internacional. A sua especialização abrange a problemática da diplomacia científica.
Jana Kohouto
jana.kohoutova@vse.cz
Investigadora na Faculdade de Relações Internacionais da Universidade de Economia (Centro de
Estudos Internacionais Jan Masaryk, República Checa). O seu trabalho centra-se no estudo de
novas formas de diplomacia e estratégias de negociação política.
Jana Burešo
jana.buresova@vse.cz
Investigadora na Faculdade de Relações Internacionais da Universidade de Economia (Centro de
Estudos Internacionais Jan Masaryk, República Checa). É especialista na investigação de normas
e regras internacionais, direitos humanos e estudos sobre segurança.
Jaroslava Bobková
jaroslava.bobkova@vse.cz
Trabalha na Faculdade de Relações Internacionais da Universidade de Economia de Praga (Centro
de Estudos Internacionais Jan Masaryk, República Checa). A sua investigação atual incide sobre
os atores não estatais nas relações internacionais.
Resumo
A importância decrescente do Estado como ator proeminente na política internacional
conduziu ao debate sobre a crescente importância das relações transnacionais. A presente
investigação concentrou-se noutros atores, incluindo as comunidades epistémicas. Este artigo
analisa trabalhos anteriores recorrendo ao conceito de comunidades epistémicas, examina a
sua influência na política internacional e as suas limitações. Utiliza a abordagem construtivista
social para a elaboração de critérios do processo de profissionalização necessários para o
reconhecimento das comunidades epistémicas. Este trabalho examina igualmente o conceito
da influência das mesmas na regulação internacional, incluindo a definição das condições para
a procura das atividades das comunidades epistémicas. As condições incluem a introdução de
problemas complexos com um elemento de incerteza, o acesso direto ou indireto ao processo
de tomada de decisões políticas nas arenas da política internacional e a capacidade dessas
arenas de executar a regulação internacional. O artigo também explica e examina o processo
de difusão de convicções partilhadas criadas pelas comunidades epistémicas. A capacidade de
difundir convicções partilhadas apoia os modos de persuasão, incluindo indicadores
estatísticos, eventos focados e narrativas. As convicções partilhadas são transferidas através
de um processo de aprendizagem institucional. Uma transferência bem-sucedida significa que
as convicções partilhadas se tornam parte de uma agenda política. A utilização das convicções
partilhadas para a criação, execução e aplicação de decisões políticas revela a influência das
comunidades epistémicas na política internacional.
Palavras chave
Comunidade epistémica; Complexidade; Incerteza; Eventos focados; Indicador estatístico;
Narrativa; Regulação internacional; Construtivismo social
Como citar este artigo
Machoň M; Kohoutová, J; Burešová, J; Bobková, J (2018). "As comunidades epistémicas e a
sua influência na política internacional: atualização do conceito". JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 9, N.º 2, Novembro 2018-Abril 2019. Consultado [online] em
data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.1
Artigo recebido em 23 de Janeiro de 2018 e aceite para publicação em 3 de Setembro de
2018
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As comunidades epistémicas e a sua influência na política internacional: atualização do conceito
Miloslav Machoň, Jana Kohoutová, Jana Burešová, Jaroslava Bobková
2
AS COMUNIDADES EPISTÉMICAS E A SUA INFLUÊNCIA NA POLÍTICA
INTERNACIONAL: ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO
1
Miloslav Machoň
Jana Kohouto
Jana Burešo
Jaroslava Bobková
1. Introdução
A importância decrescente do Estado como ator proeminente na política internacional
conduziu ao debate na teoria das relações internacionais sobre a transformação gradual
da política internacional (Burton, 1967). O debate prendeu a atenção de estudiosos das
relações internacionais nas relações transnacionais, ou seja, contatos e interações além
das fronteiras estatais que escapam ao controlo das instituições de política externa dos
governos (Keohane-Nye, 1971: 330-331). As organizações transnacionais tornaram-se
os novos atores na política internacional, porque influenciam a formação das relações
Norte-Sul.
Na década de 1980, o construtivismo social fortaleceu a sua posição nas relações
internacionais, centrando-se cada vez mais na investigação de estruturas sociais e
ideológicas, em vez de fatores puramente materiais (Kratochwil, 1989). Ao mesmo
tempo, a intensidade do conflito bipolar diminuiu, o que desencadeou o debate sobre a
importância crescente e a extensão da interdependência (Rosenau, 1990: 11). Além dos
estados e das organizações transnacionais, redes transnacionais de advocacia pública
(Finnemore-Sikkink, 1998), sociedade civil transnacional (Kaldor, 2003), movimentos
sociais transnacionais (Tarrow, 2005) e as redes criminosas (Kahler, 2009) tornaram-se
atores de pleno direito da política internacional.
As redes de profissionais designadas “comunidades epistêmicas” (Haas, 1990: 2)
também se tornaram atores da política internacional. Os estudos anteriores das
comunidades epistémicas basearam-se principalmente numa abordagem positivista das
ciências sociais (Greene, 2014).
Apenas alguns estudos sobre as comunidades epistémicas levaram em consideração a
abordagem social construtivista. No entanto, esses estudos carecem de uma abordagem
teórica e metodológica complexa. Em vez disso, concentram-se apenas em aspetos
parciais, como a comunicação formal entre membros de comunidades epistémicas em
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2013, e tem como
objetivo a publicação no JANUS.NET. Texto traduzido por Carolina Peralta.
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publicações (Toke, 1999) ou o processo de seleção de membros da comunidade
epistémica (Gjefsen, 2017), ou não reconhecem a existência de uma cultura comum
numa organização associada a uma comunidade epistémica (Bueger, 2015).
Este trabalho responde às limitações da investigação anterior, esclarecendo o conceito
de comunidades epistémicas e a influência dessas comunidades na política internacional.
O artigo desenvolve-se em cinco etapas. Primeiro, apresenta o conceito de comunidades
epistémicas introduzido por Peter M. Haas e as críticas principais que lhe foram feitas.
Em segundo lugar, examina o conceito de comunidades epistémicas recorrendo ao
modelo construtivista social introduzido por Cross, que enfatiza a presença da
profissionalização nas organizações governamentais e não-governamentais. A
abordagem do construtivismo social também é usada estudar influência das comunidades
epistémicas na regulação internacional. Em terceiro lugar, o artigo aborda aspetos
relacionados com complexidade e incerteza. Em quarto, analisam-se as condições de
acesso das comunidades epistémicas aos processos de tomada de decisão nas arenas da
política internacional e a capacidade dessas arenas de executar a regulação internacional.
E em quinto lugar, especificam-se as estratégias de apresentação das comunidades
epistémicas e esclarece-se a operacionalização qualitativa da sua influência na regulação
internacional. Entre as estratégias de apresentação, o trabalho incluiu eventos focados,
indicadores estatísticos e o enquadramento de convicções através de narrativas. Para a
operacionalização qualitativa da influência, usou-se o conceito de aprendizagem
institucional.
2. O conceito de comunidades epistémicas
A investigação das redes de profissionais inspirou-se em estudos publicados por Foucault
(1970; 1980). De acordo com os mesmos, o conhecimento baseia-se na relação entre as
regras sociais de epistemeassentes na história e na cultura (Foucault, 1970: 285-287).
A função epistémica é determinar recursos e métodos adequados para organizar o
conhecimento.
Ruggie (1975: 567-570) desenvolveu ainda mais o conceito epistémico de Foucault ao
generalizar a atividade das comunidades epistémicas. Segundo ele (1975: 569-570), as
comunidades epistémicas participam na institucionalização das políticas adotadas nas
arenas políticas internacionais, pois formam a realidade social explicando a relação entre
causas e consequências.
Recorrendo a autores anteriores, Haas (1992: 3-5) definiu a comunidade epistémica
como uma rede ou como um conjunto de relações entre profissionais com um grau
reconhecido de especialização e competência numa área temática específica (Carayannis
et al., 2011: 132). Dentro dessa rede, (1) um conjunto de convicções normativas, de
valores e (2) causais, (3) o conceito de validade e (4) de crença política são partilhados.
O reconhecido grau de especialização e competência permite que essa rede de
profissionais possa reclamar com autoridade a avaliação do estado do conhecimento em
uma dada área (Haas, 1992: 7-14). De acordo com Haas (2001: 11579-11580), os
critérios partilhados da comunidade epistémica para avaliar o vel de especialização são
uma característica essencial que diferencia significativamente comunidades epistémicas
de outros atores que influenciam decisões políticas (por exemplo, movimentos sociais e
grupos de interesse (Haas, 1992: 17-19).
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Apesar do seu alto grau de elaboração, o conceito de comunidades epistémicas e sua
influência na política internacional tem sido criticado várias vezes. A crítica desafiou
explicitamente os critérios com que Haas definiu o conceito de comunidades epistémicas
(Dunlop, 2000: 140-141). Haas enfatizou muito as convicções normativas e causais
partilhadas, juntamente com os procedimentos partilhados para determinar a precisão.
Contudo, os critérios não delineiam a relação entre a coesão interna da comunidade
epistémica e a sua capacidade de difundir convicções normativas e causais partilhadas
entre os outros atores da política internacional (Waarden-Drahos, 2002: 930). Além
disso, os critérios não especificam as condições precisas para a admissão de novos
membros numa organização que associe comunidades epistémicas (Lorenz-Meyer, 2010:
não paginado). Além disso, Haas não permitiu a possibilidade de mudança destes
critérios (Dunlop, 2000: 41). No entanto, essa mudança ocorre no processo de
negociação que se realiza dentro da comunidade epistémica e na sua interação com
outros atores (Sebenius, 1992: 324-325).
O enquadramento teórico deve levar em conta o fato de a comunidade epistémica ser
um ator internacional de política ativa que interage com outros atores da política
internacional (Dunlop, 2012: 234). Portanto, as condições para a entrada de
comunidades epistémicas na arena da política devem ser especificadas detalhadamente
durante a revisão (Håkanson, 2010: 12-17).
A forma de articulação e difusão das convicções políticas da comunidade epistémica
também precisa de ser mais específica, e deve basear-se na análise dos símbolos de
comunicação usados, incluindo outputs estatísticos, tais como representações gráficas e
de imagem. Assim, o conceito de comunidades epistémicas deve ser ampliado para
abranger as descobertas do construtivismo social. Como tal, a sua capacidade analítica
seria ampliada e um espectro mais vasto de redes internacionais poderia ser incluído no
programa de investigação de comunidades epistémicas (Zito, 2001: 600-601).
3. Profissionalização nas organizações governamentais e não
governamentais
Os pontos fracos do conceito de comunidades epistémicas de Haas foram abordados por
Cross (2013: 147-159). A sua revisão do modelo original enfatiza a profissionalização,
que oferece critérios mais concretos para a identificação de uma organização que reúne
comunidades epistémicas e para apreciar a sua influência sobre os outros atores das
relações internacionais (ver Tabela 1). O seu conceito baseia-se na suposição que uma
comunidade epistémica é um mecanismo social que coordena a atividade dos seus
membros (Cross, 2013: 149-150; Tarko, 2015: 65-66). A capacidade de uma
comunidade epistémica de criar convicções normativas e causais partilhadas e persuadir
outros atores da política internacional através de um processo de aprendizagem
institucional depende principalmente do grau de coesão interna da organização que reúne
a comunidade epistémica, e não apenas do grau de perícia reconhecida e do seu caráter
governamental (ou não governamental) (Carayannis et al., 2011: 138-139).
Cross é também a primeira a estudar as condições prévias de uma comunidade
epistémica para a sua adaptação e integridade (Schein, 2010: 17-18; Cross, 2013: 150-
151). A adaptação e a integridade influenciam o nível de eficiência da atividade da
comunidade epistémica e da sua relevância para outros atores das relações
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internacionais. Uma comunidade epistémica é relevante e as suas atividades eficientes
quando as formas de perceção, pensamento e tomada de posição sobre problemas que
perturbam a adaptação e integridade da comunidade epistémica são transferidas entre
os membros dessa comunidade de forma correta.
Cross (2013: 149) chama “profissionalização” à interação social entre membros de
comunidades epistémicas, ou uma forma especial da mesma que estabelece, depura e
restabelece o papel e o estatuto de uma determinada profissão. A profissionalização
reforça a coesão interna de uma comunidade epistémica, pois contribui para a
formulação, difusão e adoção de ideias dentro da mesma (Cross, 2015: 91-93). Este
processo existe dentro da organização que reúne as comunidades epistémicas, e na sua
estrutura, opiniões comuns, normas partilhadas e a própria identidade profissional são
formuladas e modificadas.
A nível nacional, as comunidades epistémicas são profissionais que trabalham em
diferentes instituições, incluindo no governo, universidades, entidades do setor privado
ou organizações não-governamentais (Carayannis et al., 2011: 131-132). A vel
internacional, esses profissionais encontram-se dentro de organizações governamentais
e não governamentais internacionais. Ao fazê-lo, criam redes transnacionais com um
grau de conhecimento e perícia reconhecidos numa área específica (Carayannis et al.,
2011: 134; Cross, 2013: 150).
A identificação de uma comunidade epistémica exige, portanto, uma avaliação que
demonstre se (nas organizações internacionais) o processo de profissionalização existe,
e que é delimitado por três critérios: (1) cultura comum, (2) seleções de membros e
oportunidades para o seu desenvolvimento profissional, e (3) frequência e qualidade das
reuniões.
Tabela 1: Critérios para o reconhecimento de comunidades epistémicas por Haas e Cross
AUTOR
CRITÉRIOS
Peter M. Haas
convicções normativas e de valores
convicções causais
noções de validade
politica da empresa
Mai'a K. Davis Cross
cultura comum (objetivo, simbolismo, património, identidade e
consenso)
seleções de novos membros e o seu desenvolvimento profissional
reuniões pessoais
Fonte: dos autores com base nas fontes utilizadas acima identificadas
A cultura comum compreende cinco elementos (Schein, 2010: 14-16; Cross, 2013: 150-
151). O primeiro é o objetivo comum, que são os valores comuns declarados
publicamente, para a realização dos quais a comunidade epistémica luta através das suas
atividades. É através do cumprimento desses valores declarados publicamente que a
comunidade epistémica alcança o progresso científico. Consiste na acumulação de
verdades científicas, que fazem parte de modelos lógicos representativos de teorias
científicas e nos ajudam a compreender e explicar fenómenos do mundo que nos rodeia
(Fano - Macchia, 2015: 65, 72).
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O segundo elemento da cultura comum é o simbolismo partilhado, que é um conjunto de
características da comunidade epistémica. Está assinalada nos materiais oficiais,
incluindo edifícios, equipamento de escritório ou apresentação na internet. O terceiro
elemento é o património comum que a comunidade epistémica passa para as gerações
seguintes. É criado em conformidade com os valores democráticos e torna-se uma
contribuição socioeconómica para as próximas gerações (Lacey, 2016: 14).
O quarto elemento da cultura comum assenta na identidade partilhada. São os princípios
ideológicos e modelos mentais que determinam o modo de perceção, pensamento e
atuação dos membros da comunidade epistémica. Os princípios ideológicos comuns e
modelos mentais baseiam-se na neutralidade, imparcialidade e resistência (Lacey, 2016:
2-3).
Por fim, o quinto elemento da cultura comum é o interesse partilhado em alcançar
consenso (Tarko, 2015: 70). Um processo orientado por consenso representa uma
alternativa ao voto e à fase final da deliberação, na qual os membros da comunidade
epistémica formulam e modificam visões comuns, normas partilhadas e a própria
identidade profissional.
Segundo Cross (2013: 150-151), a profissionalização é reforçada também pela seleção
de novos membros e pelo desenvolvimento profissional dos atuais. Ambos dependem do
grau da contribuição para o progresso científico e do consequente nível de prestígio
(Tarko, 2015: 71-72). O contributo para o progresso científico é avaliado num processo
de autoavaliação. É um tipo de comunicação que é usada, apesar de ser
consideravelmente criticada (cf. Binswanger, 2014), para avaliação da qualidade
profissional e admissibilidade metodológica de uma ampla gama das atividades das
comunidades epistémicas (Lee et al., 2013: 2-3, 10-12). A avaliação respeita os
princípios da neutralidade, imparcialidade, autonomia, metodologia, critérios cognitivos,
e resistência às influências externas. Isso reforça a sua credibilidade a partir da qual
deriva o nível de prestígio e contribuição para o progresso científico, que assume a forma
de um índice de cotação (Lee et al., 2013: 4). Uma preparação profissional intensiva
contribui igualmente para o reforço da profissionalização (Cross, 2015: 150-151).
O terceiro elemento da comunidade epistémica profissionalizada são as reuniões
presenciais frequentes dos seus membros (Cross, 2013: 151). Nessas reuniões, os
membros da comunidade epistémica fortalecem as normas profissionais partilhadas, tais
como procedimentos internos, protocolos e padrões de construção de consenso, o que é
feito de maneira menos formal do que uma conversa em artigos de revistas científicas
(Tarko, 2015: 74). Durante as reuniões das comunidades epistémicas, também ocorrem
reuniões informais (nos bastidores) em grupos menores e permitem uma socialização
mais intensa e o fortalecimento das relações pessoais.
O reforço das normas profissionais partilhadas pode ser considerado eficaz quando os
focos dos problemas são resolvidos nas reuniões formais e informais e quando as
reuniões pessoais são frequentes (Cross, 2013: 150-151; Cross, 2015: 92). As reuniões
dos membros das comunidades epistémicas também são uma espécie de ritual onde os
eventos importantes são lembrados, prémios são concedidos e os resultados das
atividades profissionais dos membros são anunciados. É também o lugar onde as relações
de amizade e o compromisso para com objetivos comuns, ou esprit de corps”, são
reforçados (Cross, 2011: 28; Cross, 2015: 91-93).
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O desenvolvimento do esprit de corps é mais intensivo quando os membros de uma
comunidade epistémica costumavam cooperar de maneira profissional antes ou quando
mantinham as mesmas posições no trabalho em diferentes períodos de tempo. Por isso,
os membros consideram-se “uma equipa” (Cross, 2011: 29; Cross, 2015: 92).
4. Complexidade e incerteza dos problemas
Na política internacional, a procura pelas atividades das comunidades epistémicas tende
a aumentar quando surgem problemas complexos com um elemento de incerteza (Adler-
Haas, 1992: 373, 375; Cross, 2015: 92). Um problema complexo é um problema em que
é difícil identificar uma relação de causa-efeito (Renn, 2015: 55-56). A complexidade dos
problemas na política internacional é reforçada pela globalização (Turner - Holton, 2015:
14-15). A globalização é um processo social planetário multidimensional, no âmbito do
qual o número e a qualidade das relações interdependentes entre culturas, mercadorias,
informação e pessoas aumentam.
Durante as negociações políticas sobre problemas complexos da política internacional, as
causas e os efeitos desses problemas são analisados (ver Tabela 2). O impacto das
relações mútuas e da dependência são considerados na discussão. As relações mútuas
dizem respeito à relação entre causas, efeitos e problemas da política internacional. A
discussão das relações mútuas avalia se duas ou mais causas mutuamente
independentes conduzem a um problema de política internacional e se esse problema
não produz dois ou mais efeitos independentes.
Por outro lado, a discussão da dependência tua centra-se apenas na relação entre
causas e efeitos de problemas na política internacional, embora não apenas nos
problemas. A avaliação consiste em examinar a influência mútua entre causas e efeitos
de problemas da política internacional. Quando se combina a discussão das relações
mútuas e da mútua dependência, surgem dilemas e a sua solução não passa sem a
coordenação de atores de diferentes identidades e interesses (Renn Klinke, 2012: 61;
Renn, 2015: 55-56).
Tabela 2: Complexidade e incerteza dos problemas
ASPETO
COMPONENTE DO ASPETO
COMPLEXIDADE
Dificuldade na identificação e quantificação da causa e efeito
Amplificação e aprofundamento da influência da globalização
Relações mútuas e dependência
INCERTEZA
Efeitos interferenciais
Variabilidade dos problemas
Falta de conhecimento
Indeterminação de problemas
Fonte: dos autores com base nas fontes utilizadas acima identificadas
Os atores políticos têm conhecimento limitado ou mesmo inexistente do elemento da
incerteza. Isto torna mais difícil avaliar as consequências positivas e negativas previstas
de uma decisão política (Adler-Haas, 1992: 373, 375, Cross, 2013: 151-153). A falta
subjetiva ou objetiva de conhecimento é uma parte permanente da política internacional
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que vai além das situações chamadas de "crise". Existe em quase todas as suas áreas,
incluindo nas negociações políticas sobre pandemias globais, migração em massa, como
combater piratas ou retardar a mudança climática, mesmo além das situações que são
chamadas de "crise" (Hay, 1999: 317-335). A falta de conhecimento ocorre se o
problema tiver pelo menos uma das características da incerteza - efeitos interferenciais,
variabilidade de problemas, falta de conhecimento e indeterminação de problemas (Renn
- Klinke, 2012: 61-62, Türkşen - Özkan, 2014: 160).
As duas primeiras características da incerteza - variabilidade e efeitos interferenciais -
são componentes subjetivas da incerteza. Isto surge como resultado de medições erradas
que podem ser reduzidas ou quase eliminadas, melhorando o nível de conhecimento
existente e os métodos de avaliação (Renn-Klinke, 2012: 61-62). A variabilidade surge
numa situação em que o problema cria um relacionamento diferente com cada ator
político, conduzindo a divergências mútuas. Os efeitos interferenciais relacionam-se com
a sobreposição do problema com outros problemas e com a ocorrência de erros
sistemáticos e aleatórios que surgem durante a avaliação do problema por modelagem,
métodos estatísticos ou experiências.
As restantes características da incerteza - falta de conhecimento e indeterminação do
problema - são características objetivas da incerteza (Renn-Klinke, 2012: 61-62). A falta
de conhecimento está associada à falta de informação sobre a natureza do problema ou
à falta de informação sobre a ocorrência de um evento prejudicial e das suas possíveis
consequências. A indeterminação do problema dá-se na presença de um evento aleatório
e na inclusão de um número sub-ótimo de variáveis na avaliação do problema. Um
componente objetivo da incerteza pode ser, em contraste com o seu subjetivo, apenas
parcialmente eliminado, mas não inteiramente removido, pela melhoria dos
conhecimentos e métodos de avaliação existentes (Türkşen - Özkan, 2014: 160).
5. Acesso das Comunidades Epistémicas à Regulação Internacional
Para difundir as convicções entre outros atores na política internacional, as comunidades
epistémicas devem primeiro adquirir acesso direto ou indireto ao processo de tomada de
decisão política na arena da política internacional (Adler-Haas, 1992: 375-378;
Carayannis et al., 2011: 135). Por acesso direto entende-se o envolvimento dos membros
de uma comunidade epistémica na tomada de decisões políticas e na transferência da
responsabilidade pela criação e implementação de políticas para os membros de
comunidades epistémicas ou da comunidade epistémica.
As organizações que reúnem comunidades epistémicas podem obter acesso direto
adquirindo um estatuto consultivo, enquanto os membros das comunidades epistémicas
podem obter acesso direto ao processo de tomada de decisão nas arenas políticas
obtendo empregos de longo prazo ou conseguindo contratos consultivos únicos (Adler -
Haas, 1992: 376, Carayannis et al., 2011: 135). A organização de simpósios profissionais
durante as negociações políticas e a formulação de declarações sobre questões políticas
em estudos profissionais é um exemplo do acesso indireto das comunidades epistémicas
ao processo de tomada de decisão em arenas políticas.
No âmbito da política internacional, as decisões políticas internacionais são negociadas e
implementadas (Webber-Smith, 2014: 30). A sua função é exercer a regulação
internacional que representa uma intervenção deliberada e direta em atividades de
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atores numa área particular da política internacional através da criação de um conjunto
de regras, normas, princípios e procedimentos de tomada de decisão (ver Tabela
3/Krasner, 1982:186, Koop-Lodge, 2017: 105). As regras o entendidas como objetos
abstratos que existem independentemente das atividades humanas fora do espaço e do
tempo e guiam o comportamento (Hage, 2015: 14). A atividade humana, na forma de
uma expressão de consentimento por parte de um indivíduo ou comunidade, decide se
essas regras são válidas (Sainsbury-Tye, 2013: 42).
Tabela 3: Elementos da regulação internacional
Regras
Normas
Princípios
Procedimentos de tomada de decisão
Fonte: dos autores com base nas fontes utilizadas acima identificadas
As regras que definem modos aceitáveis ou proibidos de comportamento que usam uma
razão baseada em valores são designadas por normas (Hage, 2015: 14; Wang-Wang,
2015: 200). A razão baseada nos valores assume a forma de uma relação causal ou
orientadora (Hage, 2011: 156-157). A relação causal explica a ligação entre a causa e a
consequência da relação entre dois ou mais eventos ou entre eventos e o estado mental.
Pelo contrário, a relação de orientação define a ligação entre eventos e comportamento
aceitável ou proibido ou entre o estado mental e os modos aceitáveis ou proibidos de
comportamento (Hage, 2011: 157-158). Os princípios são regras que, tal como as
normas, criam comportamentos aceitáveis ou proibidos usando a razão moral (Bix, 2015:
135-142). A razão moral é distinta da razão da avaliação da norma, uma vez que sua
validade deve ser aceite - se possível - por todos os membros de um grupo ou sociedade
(Grabowski, 2015: 344).
Os procedimentos de tomada de decisão também são elementos da regulação
internacional. Representam um processo de negociação durante o qual os atores políticos
argumentam sobre formulação, execução e implementação de decisões políticas
(Krasner, 1982: 186; Wu et al., 2012: 50-51; Ciot, 2014: 64-65). A sua forma depende
do caráter dos atores ativos que participam na arena política em particular das suas
perceções, preferências, atitudes em relação ao problema e capacidade de poder. Um
ator pode ser um indivíduo ou grupo de indivíduos que representam as referidas elites
políticas e burocráticas e tem total responsabilidade pelo cumprimento das suas metas
políticas. No processo de negociação, assumem uma posição particular que afeta a sua
abordagem de negociação ou, mais precisamente, a sua influência na solução de um
problema político internacional (Ciot, 2014: 107-111).
As perceções, preferências e posições dos atores em relação ao problema estão
relacionadas com interesses nacionais mais vastos, incluindo questões de segurança, que
abrangem valores que são cruciais para a sobrevivência do ator e da sua prosperidade
económica (Webber-Smith, 2014: 39-42). A forma de um procedimento de tomada de
decisão que lida com um problema particular é determinada pelos veis de complexidade
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e incerteza, que estão diretamente ligados à capacidade do ator de prever as
consequências e os resultados das decisões políticas adotadas (Wu et al., 2012: 53-54).
Se for capaz de antecipá-los e se houver consenso sobre o desenvolvimento de uma
decisão potica entre todos os atores relevantes, a sua tomada de decisão é considerada
racional, uma vez que eles contemplam a maximização de interesses e valores (Wu et
al., 2012: 53).
Pelo contrário, se um dado processo de tomada de decisão estiver sob pressão temporal
e a capacidade do ator de prever as consequências de uma determinada decisão política
for limitada, as decisões dos atores ativos na arena política dependem do conflito em
causa e da sua própria capacidade de negociar e chegar a um compromisso. Nesse caso,
o resultado desejado seria comparações sucessivas entre as emendas propostas e as
decisões anteriormente tomadas e implementadas. Geralmente, indica uma alteração
marginal do estado atual. A maximização dos objetivos individuais é intolerável.
Em relação a essa mudança marginal, as decisões políticas correspondem com uma
renúncia dos interesses e valores dos atores individuais, e não recorrem ao método de
resolução de problemas tecnologicamente mais eficiente (Wu et al., 2012: 53-54). Desde
que aparentemente haja uma grande incerteza por parte dos atores em relação às
consequências da decisão e haja um número elevado de atores envolvidos no processo,
a decisão política final estará em conformidade com os objetivos e valores temporários
do ator ou grupo de atores com maior potencial de poder à sua disposição (Wu et al.,
2012: 54).
6. Difusão das convicções das comunidades epistémicas
As comunidades epistémicas usam modos de persuasão quando introduzem um
problema, e a sua capacidade de difundir convicções normativas e causais partilhadas
entre os outros atores da política internacional aumenta (ver Tabela 4). Os modos de
persuasão incluem indicadores estatísticos, eventos focados e convicções enquadradas
em narrativas. Sendo os indicadores estatísticos um método exato, demonstram precisão
e objetividade através de medição rigorosa (Stone, 2011: 184, 197). Antes disso, os
dados são classificados por analogia em dois grupos. O que contém características
substanciais do problema torna-se objeto de medição, enquanto o outro com
características não essenciais será omitido (Stone, 2016: 161). Ao iniciar este processo,
a comunidade epistémica indica o seu interesse em desenvolver o assunto, o que está
relacionado com a importância crescente do problema (Kingdon, 2014: 90-94; Stone
2016: 166). O decorrer da categorização depende da decisão do ator que avalia o
problema e de uma forma de categorias criadas que está condicionada à cultura social
num determinado lugar e tempo (Stone, 2016: 162).
Tabela 4: Formas de persuasão das comunidades epistémicas
indicadores estatísticos
eventos focados
narrativas
Fonte: dos autores com base nas fontes utilizadas acima identificadas
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As comunidades epistémicas podem difundir as suas convicções mais facilmente
expressando a natureza do problema através de meros, que assim revelam os
atributos comuns de um problema específico e os unifica em grupos (Stone, 2011: 194).
Além disso, a difusão é facilitada também pela identificação da magnitude do problema
através de vários índices estatísticos de diferentes fontes (Birkland, 2011: 192-193). A
capacidade das comunidades epistémicas de fazê-lo está associada à interpretação
particular dos índices que lidam com o problema (Kingdon, 2014: 93-94). Se os índices
estatísticos estiverem relacionados com um argumento crucial que apoie a adoção de
uma decisão política, essa capacidade aumenta (Pearson, 2010: 344-346).
Os eventos focados também aumentam significativamente a capacidade de uma
comunidade epistémica de difundir as suas convicções (Birkland, 2011: 180), pois agem
como detonadores que transformam problemas insignificantes em problemas que exigem
decisões fundamentais. Aumentam o apenas a probabilidade de um problema
duradouro permanecer na agenda política, mas também a possibilidade de se encontrar
uma solução para o problema em questão.
As suas características comuns são a forma repentina como ocorrem e a sua relativa
raridade (Birkland - Warnement, 2013: 4). Têm consequências que se centram num lugar
e tempo exatos e são muito abrangentes, trazendo externalidades negativas para a
atenção imediata dos atores políticos.
As narrativas são outra opção para as comunidades epistémicas difundirem as suas
convicções entre os outros atores da política internacional. Esses meios de comunicação
incluem quatro elementos: o quadro da narrativa, personagens, enredo e lições a serem
aprendidas (Jones et al., 2014: 5). Devido à sua criação, a narrativa é enquadrada num
contexto particular (princípios jurídicos e institucionais incontestáveis, fatos comumente
conhecidos e amplamente respeitados relativos à área geográfica específica - Jones et
al. 2014: 6).
As personagens de uma dada narrativa, enquanto abstrações antropomórficas de
contexto específico, não precisam de ser apenas pessoas. No entanto, sempre têm
características ou aparência humanas (Stone, 2011: 166-169). As personagens
desempenham três papéis diferentes: heróis, se resolverem um problema político; vilões,
se provocam um problema; e vítimas, se forem prejudicadas pelo problema. O enredo
define a relação entre as personagens e a história, e encontra-se em toda a história.
O desenlace de um determinado enredo pode ser detetado pela alteração da resolução
de problemas e pelo uso do poder. A segunda opção pode conduzir tanto ao ganho como
à perda de controlo de um problema político (Stone, 2011: 159-168). A história termina
com uma moral que constitui um esboço de uma decisão política e fortalece a situação
atual, ou informações sobre a incerteza, o que exige a especificação completa de um
problema (McBeth et al., 2012: 163-164).
As comunidades epistémicas difundem as suas convicções entre os outros atores da
política internacional por meio de um processo de aprendizagem institucional (Carayannis
et al., 2011: 138-140). Desde que a transferência de convicções seja bem-sucedida, são
levadas em consideração e gradualmente tornam-se parte de uma agenda política
(Birkland, 2011: 169-170). Uma agenda inclui uma lista de problemas e respetivas
soluções que são debatidas pelos atores da política internacional na arena política
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internacional. Na prática, significa que um dado problema chamou a atenção dos atores.
Depois de resolvido, é retirado da agenda política. Partindo do princípio que os atores
utilizam convicções partilhadas para a formulação, execução e implementação de
decisões políticas durante esse processo, a influência das comunidades epistémicas
manifesta-se numa agenda política internacional específica, mais precisamente na
política internacional (Dunlop, 2012: 238-240).
7. Conclusão
Este artigo recorreu a trabalhos de investigação anteriores usando o conceito de
comunidades epistémicas e a sua influência na política internacional e examinou as suas
limitações, utilizando uma abordagem construtivista social nos critérios de elaboração do
processo de profissionalização necessário para o reconhecimento das comunidades
epistémicas. Concretizou e elaborou nominalmente os elementos da cultura comum, o
processo de seleção de novos membros, as possibilidades de desenvolvimento
profissional e a importância de reuniões frequentes dos membros.
Também analisou a sua influência na regulação internacional, especificando as condições
de procura das atividades das comunidades epistémicas. Entre essas condições inclui-se
a introdução de problemas complexos com um elemento de incerteza, o acesso direto ou
indireto ao processo de tomada de decisão política nas arenas da política internacional e
a capacidade dessas arenas de implementar a regulação internacional.
Finalmente, o artigo explicou e analisou o processo de difusão de convicções partilhadas
criadas pelas comunidades epistémicas. É difundido por outros atores da política
internacional através de modos de persuasão que têm três atributos principais:
indicadores estatísticos, eventos focados e narrativas. As convicções partilhadas são
transferidas entre as comunidades epistémicas e outros atores através de um processo
de aprendizagem institucional. O processo é considerado bem-sucedido quando se torna
parte da agenda política. A utilização das convicções partilhadas para formulação,
execução e implementação de decisões políticas manifesta-se na influência das
comunidades epistémicas na política internacional. A estrutura teórica que aqui se
apresenta abre o caminho para a realização de estudos de caso em diferentes áreas
específicas, tais como diplomacia ambiental e climática, acordos comerciais, reformas de
uniões monetárias e muitas outras.
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PENSANDO Y REPENSANDO TEÓRICAMENTE EL ORDEN INTERNACIONAL:
LAS NUEVAS INSTITUCIONES INTERNACIONALES EMERGENTES A TRAVÉS DE
LOS LENTES NEOINSTITUCIONALISTAS
Mario Guillermo Guerrero
mgg0921@gmail.com
Doctorando en Ciencia Política por la Universidad Nacional de San Martín (UNSAM, Argentina).
Profesor Adscripto e Invitado de la Universidad Nacional de Cuyo (UNCuyo).
Resumen
Desde comienzo del Siglo XXI se ha observado el surgimiento de diversos procesos de
institucionalización de nuevos espacios institucionales informales (como BRICS, IBSA, BASIC
o P5+1) en el plano internacional, pero poco se ha profundizado en el estudio de los mismos.
Frente a esto, el presente trabajo busca repensar, por medio de un acercamiento teórico entre
la Ciencia Política y las Relaciones Internacionales, los conceptos teóricos del
neoinstitucionalismo a los fines de contar con un nuevo aporte teórico-analítico crítico que de
cuenta de las características particulares de dichos fenómenos. Creemos que resulta de
interés para el estudio de las instituciones internacionales ampliar el actual campo de análisis
a los fines de explicar cómo es que se dio el proceso de surgimiento de estas nuevas
instituciones y cómo es que interactúan las mismas con las instituciones formales ya
establecidas. El presente trabajo buscará discutir en su primer eje dos neoinstitucionalismos
tradicionales (neoinstitucionalismo de elección racional y neoinstitucionalismo histórico),
dejando explicitadas cuáles son los puntos de partida de cada uno de ellos y qué elementos
pueden llegar a aportar cada uno al estudio. Al final del trabajo, se realizará un diálogo entre
las perspectivas que permita establecer un criterio teórico analítico superador en el estudio
de estos nuevos fenómenos.
Palabras-clave
Instituciones Internacionales; Neoinstitucionalismo; Nuevas Instituciones Emergentes;
Cooperación Internacional; Organizaciones Internacionales
Cómo citar este artículo
Guerrero, Mario Guillermo (2018). "Pensando y repensando teóricamente el orden
internacional: las nuevas instituciones internacionales emergentes a través de los lentes
neoinstitucionalistas". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 9, N.º 2,
Noviembre 2018-Abril 2019. Consultado [en línea] en fecha de última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.2
Artículo recibido el 20 de Deciembre de 2017 y aceptado para su publicación el 1 de
Septiembre de 2018
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Pensando y repensando téoricamente el orden internacional:
las nuevas instituciones internacionales emergentes a través de los lentes neoinstitucionalistas
Mario Guillermo Guerrero
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PENSANDO Y REPENSANDO TEÓRICAMENTE EL ORDEN INTERNACIONAL:
LAS NUEVAS INSTITUCIONES INTERNACIONALES EMERGENTES A TRAVÉS DE
LOS LENTES NEOINSTITUCIONALISTAS
Mario Guillermo Guerrero
1
La literatura disciplinar dedicada al estudio de las instituciones internacionales es muy
prolifera ((Cox & Jacobson, 1973; Hass, 1964; Keohane & Nye, 1989; Martin & Simmons,
1998). Sin embargo, la mayor crítica que se le ha realizado remite al hecho de que las
instituciones internacionales son entendidas como sinónimo de organizaciones
internacionales y que no toman en consideración el estudio de las instituciones
internacionales informales que existen en constante interacción con las instituciones
formales (Albaret, 2013; Reinalda, 2013; Simmons & Martin, 2002). Mucho se ha
discutido sobre los casos de Organización de Naciones Unidas (ONU), Fondo Monetario
Internacional (FMI) o la Organización del Tratado del Atlántico Norte (OTAN), pero poco
se ha estudiado el surgimiento de las nuevas instituciones internacionales en el Siglo XXI
como BRICS
2
, G20
3
o P5+1
4
, las cuales presentan horizontes temporales difusos, altos
niveles de informalidad y flexibilidad (Albaret, 2013). En términos históricos, la
particularidad de tales instituciones es que surgen durante un período de tiempo en
donde no ocurren grandes enfrentamientos armados que sacudieran el plano
internacional como lo hicieron las guerras mundiales, pero si ocurrieron coyunturas
críticas que pusieron en tela de juicio el poder de los Estados victoriosos de Ikenberry
(2001). Algunos ejemplos de ello son el atentado a las torres gemelas en el año 2001, el
establecimiento de grandes organizaciones terroristas como actores internacionales de
importancia como el Estado Islámico (ISIS) o Al Qaeda las cuales llegaron a disputar el
dominio estato-céntrico de la arena internacional, o la crisis económico financiera de los
años 2008-2009 que terminó de exponer las principales debilidades presentadas por la
1
El autor quisiera agradecer a Carlos Acuña, Jorge Battaglino, Julio Leonidas Aguirre, Jacqueline Behrend,
Yesica Kolliker, Lucio Marinsalda Pastor como así también a los revisores anónimos por sus comentarios a
borradores anteriores de este trabajo.
2
Espacio institucional compuesto por Brasil, Rusia, India, China y Sudáfrica, el cual surge en el año 2001 en
el marco de los programas de investigación de la Goldman Sachs pero que con el paso del tiempo fue
apropiado por los países miembros como un espacio propio llegando a firmar sus propias summits desde el
año 2009.
3
Es un foro construido por países en desarrollo y emergentes los cuales buscan discutir temáticas
relacionadas a la cooperación económico-financiera internacional. Los países miembros son: Canadá,
Francia, Alemania, Italia, Japón, Rusia, el Reino Unido y los Estados Unidos (conocidos estos últimos como
el G8); junto a Argentina, Australia, Brasil, China, India, Indonesia, México, Arabia Saudita, Sudáfrica,
Corea del Sur, Turquía y la Unión Europea.
4
Se trata de una mesa de diálogo ad hoc establecida en el año 2006 a los fines de negociar con Irán respecto
de la cuestión nuclear. Estaba compuesta por los cinco miembros permanentes (China, Francia, Rusia, Reino
Unido y Estados Unidos) junto a Alemania, de ahí el acrónimo.
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gobernanza económico-financiera vigente hasta ese entonces (Guerrero, 2017ª; 2017b;
Patiño Villa, 2012). De esta manera, las instituciones informales aquí en discusión no
sólo han surgido por fuera de la estructura institucional formal ya existente, sino que
también han tenido como sus principales ingenieros a países emergentes o en desarrollo.
Este trabajo busca ser un punto de acercamiento teórico entre la Ciencia Política y las
Relaciones Internacionales. Creemos que resulta de interés para el estudio de las
instituciones internacionales ampliar el actual campo de análisis por medio de la
recuperación de la tradición neoinstitucionalista a los fines de explicar cómo es que se
dio el proceso de surgimiento de estas nuevas instituciones y cómo es que interactúan
las mismas con las instituciones formales ya establecidas. Interrogarnos respecto de este
punto, es interrogarnos al mismo tiempo sobre por qué los Estados emergentes buscan
construir estas instituciones informales y cómo es que llevan adelante el diseño-
establecimiento de las mismas. Para ello, es necesario reflexionar entorno a las
potencialidades y debilidades que presenta el neoinstitucionalismo como herramienta
teórica a los efectos de abordar la temática aq sugerida. El presente trabajo buscará
discutir en su primer eje dos neoinstitucionalismos tradicionales, el neoinstitucionalismo
de elección racional (de ahora en más, NER) y el neoinstitucionalismo histórico (de ahora
en más, NIH), dejando explicitadas cuáles son los puntos de partida de cada uno de ellos
y qué elementos pueden llegar a aportar cada uno al estudio. Al final del trabajo, se
realizará un diálogo entre las perspectivas que permita establecer un criterio teórico
analítico superador en el estudio de estos nuevos fenómenos.
I. Revolviendo en la caja de herramientas conceptuales de los
neoinstitucionalismos: fortalezas y debilidades
Es difícil identificar con precisión la fecha en que nace la tradición institucional.
Determinar cuál fue la primera obra que trabajo sobre esta línea teórica encierra serias
complicaciones, ya que es posible identificar diversos estudios capaces de ser
considerados “clásicos” en el estudio de las instituciones. El caso de libros como “Las
Leyes” de Platón o el famoso estudio de las “Constituciones ateniensesde Aristóteles,
son simples ejemplos de hasta dónde se puede llegar en un intento de identificar las
raíces de esta tradición teórica. Según Rhodes, “el [viejo] institucionalismo es uno de los
pilares principales de la ciencia política que se centra en las reglas, procedimientos y
organizaciones formales de un sistema de gobierno. Su metodología tiene un carácter
institucional-descriptivo, formal-legal e histórico-comparativo, utiliza técnicas del
historiador y del jurista, y pretende explicar, por una parte, la relación entre la estructura
y la democracia y, por otra, de qué modo las reglas, procedimientos y organizaciones
formales determinan o no el comportamiento político.” (1997: 65).
Sin embargo, con el paso del tiempo la consolidación de la Ciencia Política como disciplina
científica despertó entre sus miembros un interés cada vez mayor por delimitar con
mayor precisión los alcances teóricos de las perspectivas teóricas que la componían,
obligando con ello a que las sucesivas investigaciones disciplinares fueran (o por lo menos
buscaran ser) más precisas sobre aquello que se quería estudiar y cómo es que se llevaría
adelante dicho estudio. En este punto jugó un rol muy importante la intervención
disciplinar del conductismo, marcando con ello un antes y un después en la forma en que
eran concebidos los estándares de cientificidad en la Ciencia Política (Sanders, 1997).
Para esta perspectiva, estos criterios iban de la mano con el énfasis en el comportamiento
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observable. Se definía por conducta política a una orientación o punto de vista que busca
plantear todos los fenómenos del gobierno en términos del comportamiento observado y
observable de los hombres” (Immergut, 2006: 389). Es decir, el interés estaba puesto
en la búsqueda de responder la pregunta de por qué los individuos, los actores
institucionales y los Estados-Nación se comportan como lo hacen.
Todas estas críticas llevaron a que se realizaran intentos de adaptación y/o reformulación
del viejo institucionalismo. De estos intentos, nacerá el nuevo institucionalismo. Esta
perspectiva buscará dar respuesta a las críticas conductistas, al mismo tiempo que
intenta recuperar la centralidad de las instituciones para la disciplina. El primer paso que
se da en este sentido es la reconceptualización del concepto de institución, entendiéndolo
en un aspecto s amplio. Sin embargo, el sentido amplio en que se aborda a las
instituciones por parte de esta perspectiva es s flexible respecto del viejo
institucionalismo ya que las mismas no son entendidas con el sentido normativo con el
que eran comprendidas anteriormente. Ya no se trata de estudiar las instituciones
ideales, sino de comprender la pluralidad de instituciones existentes y de cómo estas
inciden en las conductas políticas. Según el neoinstitucionalismo la conducta política no
puede ser entendida por fuera del entramado institucional. Este último, no sólo incide
(en mayor o menor medida) sobre las preferencias que guían a los actores a actuar, sino
que al mismo tiempo inciden en los procesos de toma de decisiones que los mismos
llevan adelante. La amplitud con la que se trabaja el concepto de institución en el nuevo
institucionalismo derivó en el surgimiento de una pluralidad de programas de
investigación que difieren tanto teórica como metodológicamente en cuanto al estudio
de las instituciones, ya sea entendiéndolas como variables dependientes (explicando
cómo es el surgimiento y cambio de dichas instituciones) o independientes (explicando
cuáles son los efectos tanto en los resultados políticos como en la formación de
preferencias de los actores que dichas instituciones provocan) según sea el interés del
investigador.
I.a. Neoinstitucionalismo de Elección Racional (NER)
Dentro de la tradición institucionalista, el neoinstitucionalismo de elección racional (NER)
es uno de los institucionalismos más discutidos y utilizados en la Ciencia Política (Cook &
Levi, 1990). La particularidad de este institucionalismo es el debate teórico que tiene con
la teoría neoclásica de la economía política, principalmente con su teoría de la conducta
y de los mercados eficientes (North, 1990; North & Weingast, 1989). La idea de este
diálogo es superar los elementos más débiles de la perspectiva mediante la incorporación
de una teoría institucional, la cual permitiría mantener lo que North (1990a: 112)
considera los dos bloques conceptuales s significativos de la teoría neoclásica (que
son los de escasez/competencia e incentivos como fuerzas motoras); al mismo tiempo
que se modifica la teoría al reconocer la existencia de información incompleta, modelos
subjetivos de la realidad e instituciones. Para ello, North (1990) propone una teoría
institucional sustentada sobre dos pilares: a) una nueva teoría de la conducta humana;
y b) una teoría de los costos de transacción.
En primer lugar, North (1990, 1991, 1998) comienza discutiendo el concepto de
racionalidad instrumental heredado desde la teoría neoclásica. Por tal se entiende que
“los actores poseen modelos correctos para interpretar el mundo que los rodea; o bien,
que ellos reciben una retroalimentación de información que les permite revisar y corregir
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sus teorías inicialmente incorrectas.(North, 1998: 98). Entender la racionalidad de los
actores de esta manera implica que: a) todos los jugadores pueden identificar sin ningún
problema cuáles son las fuentes de pérdida en la búsqueda por la maximización de sus
beneficios; y, al mismo tiempo, que b) todos y cada uno de ellos tiene igual acceso al
proceso de toma de decisiones (North, 1998). De esta manera, dado el caso de existir
actores y organizaciones que no fueran capaces de desarrollar una interpretación
adecuada (es decir, racional) del mercado, estarían destinados a perecer en los mercados
competitivos debido a su comportamiento ineficiente (North, 1998).
Sin embargo, según North entender la racionalidad de los actores en estos términos sería
negar el efecto que producen tanto las motivaciones como el ambiente sobre el accionar
desplegado por los actores. Si no se tiene en cuenta estos dos elementos, se estaría
negando el hecho de que los actores presentan estructuras subjetivas particulares que
determinan el orden de las preferencias de cada uno de ellos al mismo tiempo que se
niega la existencia de problemas a la hora de recolectar y procesar la información
necesaria para tomar una decisión en términos eficientes de la teoría neoclásica.
Equivaldría a negar que las ideas y las ideologías juegan un papel de importancia en la
estructuración mental que los individuos tienen respecto del mundo y cómo es que los
actores actúan conforme a ello (North, 1990).
Por ende, Douglass North propone una nueva teoría de la conducta la cual hable de una
racionalidad procedimental en lugar de una instrumental. La principal diferencia entre
ellas es que en la primera los actores “aprenden al hacer” (1998). Mediante el learning
by doing, los actores llevan adelante procesos de toma de decisiones en contextos de
información imperfecta (ya sea por los modelos subjetivos con los que cargan, por la
imposibilidad de procesar plenamente la información o de adquirir la totalidad de la
información) que les impide maximizar plenamente sus beneficios en un sólo movimiento.
Pero a medida que los actores van participando en diversos juegos sucesivos, estos son
capaces de obtener mayor información respecto de cuáles son las reglas imperantes,
cuáles son los comportamientos que más se premian (y cuáles no), cuáles son los
diversos actores que también intervienen en el proceso de toma de decisiones de una
determinada situación; en ntesis, qué es lo que se debe hacer para poder continuar
maximizando los beneficios (North, 1998).
En segundo lugar y de forma complementaría a la nueva teoría de la conducta
desarrollada más arriba, North (1998) parte de la consideración de una teoría política
basada en la noción de costos de transacción la cual se construye sobre tres supuestos:
a) la información es costosa; b) los actores usan modelos subjetivos para explicar su
entorno; y c) los acuerdos se cumplen sólo imperfectamente. Las decisiones que se
toman utilizando tales modelos subjetivos, producen altos costos de transacción y hacen
que los mercados políticos sean imperfectos. La teoría neoclásica parte de la
consideración de que no existen interferencias entre lo que un actor necesita, sus deseos
y su acción. Como lo plantea Elster (1990), identificar a una determinada acción como
racional implica reconocer en ella tres operaciones: 1) encontrar la mejor opción, para
un determinado conjunto de creencias y deseos; 2) crear el conjunto de creencia mejor
fundada según la evidencia disponible; 3) recolectar la cantidad de evidencia justa-
necesaria para un determinado conjunto de creencias y deseos. Sin embargo, la teoría
de los costos de transacción permite comprender que la relación entre deseos, creencias,
evidencia, y acción no es tan armónica como se creía. Tal esquema encuentra sus
debilidades en hechos de la realidad como: la no existencia de una acción, evidencia o
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creencia inequívocamente óptima para un determinado caso en particular; la posibilidad
de que las personas pueden fallar ya sea a la hora de implementar una determinada
acción, formar sus creencias, recolectar evidencia y/o procesar tal evidencia (Elster,
1990; North, 1998).
Otro elemento que está íntimamente relacionado con la teoría de los costos de
transacción North es el “problema de la cooperación” (Olson, 1998). En un contexto en
donde los actores tienen importantes incentivos para desconfiar respecto de lo que otros
actores pueden llegar a hacer debido a la falta de información, imposibilidad de procesar
la información disponible, existencia de altos riesgos respecto de pagos futuros, la
dificultad de identificar los free-rider hacia el interior de un cuerpo colectivo grande y la
no identificación clara respecto de quién y cómo se podría llegar a castigar el
comportamiento no cooperativo, ¿qué incentivos podrían llegar a tener los actores a los
fines de desplegar un comportamiento cooperativo? (North, 1990, 1991, 1998; North &
Weingast, 1989). Es por ello que, teniendo por base su teoría de la racionalidad
procedimental como así su teoría de los costos de transacción, North entiende que una
teoría institucional permitiría resolver las debilidades mencionadas en párrafos
anteriores.
Para ello, el autor entiende por institución al conjunto de “constreñimientos
humanamente diseñados que estructuran la interacción política, económica y social.
Consisten tanto en constreñimientos informales (sanciones, tabués, costumbres,
tradiciones y códigos de conducta) como de reglas formales (constituciones, leyes,
derechos de propiedad)
5
(North, 1991: 1). Las instituciones permiten reducir las
incertezas en el intercambio. Ellas definen el conjunto de opciones disponibles y por ello
determinan los costos de transacción y producción para un tiempo y espacio
determinado. Esto último no significa que los deseos o creencias de los actores sean
estructuradas por las instituciones, sino que las preferencias siguen siendo pensadas
como exógenas dentro del esquema analítico institucional del autor (North, 1990a: 111).
Sin embargo, si los actores pretenden maximizar sus beneficios deben tener en cuenta
los incentivos (tanto positivos como negativos) que la estructura institucional
(particularmente económica) presenta. Particularmente, lo que interesa a North es ver
cómo es que se da la relación entre los marcos subjetivos de los actores y las instituciones
ya que al comprender dicha relación se estaría comprendiendo al mismo tiempo cómo es
que la misma se ha traducido en diversos entramados institucionales económico-políticos
a lo largo de la historia. De esta manera, si tomamos la esquematización realizada por
Fioretos, Falleti & Sheingate (2016) los cuales construyen un gráfico que releva dos
dimensiones centrales (por un lado el continuum estructura- actor; y por el otro el
continuum interés-idea) a los fines de poder comparar los neoinstitucionalismos entre sí,
podemos afirmar que el NER es una perspectiva teórica centrada en actores que adopta
una base centrada en intereses (ver Gráfico 1).
5
Traducción propia del autor
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En la teoría institucionalista de North, las instituciones son una herramienta que permiten
resolver los problemas de cooperación entre los actores. Esto último se debe a que las
instituciones permiten reducir las incertezas que envuelve a todo accionar humano. Tanto
las normas, las reglas como los procedimientos (sean formales o informales) permiten
simplificar el proceso mediante el cual los actores toman decisiones en un contexto
cambiante, en donde obtener información es costosa incluso en el procesamiento de
aquella que se logra obtener. Particularmente, las instituciones permiten resolver el
problema de la cooperación ya que establece incentivos (tanto positivos como negativos)
que premian y castigan el comportamiento de los actores. Esto último obliga a aquellos
actores que buscan sobrevivir y continuar maximizando sus beneficios cumplan con el
conjunto de normas, reglas y procedimientos establecidos; caso contrario serán
sancionados y la propia competitividad se vería seriamente desmejorada.
Para North, el eje central de la Economía Política es poder dar cuenta de la evolución de
las instituciones económicas y políticas que crean un ambiente económico capaz de
inducir a una productividad creciente (North, 1990, 1991). Dentro de este esquema
analítico, ¿qué sucede con la historia?. Si bien North pretende explicar cómo es que se
da la evolución de las instituciones políticas y económicas, en sus análisis la historia es
un instrumento más de ilustración de sus hipótesis y no tanto el elemento principal del
análisis institucional. Resulta de interés recuperar en este punto lo comentado por Pierson
(2004) respecto de las diversas formas en que la historia puede ser utilizada en un
análisis. Una de las más utilizadas, y particularmente en lo que se refiere a las teorías de
elección racional, es el concepto de “history as the hunt for illustrative material”. De esta
manera, la historia es utilizada como un reservorio de casos ilustrativos en el que el
investigador busca encontrar ejemplos que le permitan dar cuenta del alcance teórico-
empírico de sus modelos explicativos. Sin embargo, en estos casos los análisis dicen muy
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poco (o nada) respecto de las dimensiones temporales de los procesos político-sociales
(Pierson, 2004: 5). Esto último es muy común de observar en los trabajos de Douglass
North. Téngase por ejemplo el trabajo llevado adelante entre North & Weingast (1989)
en donde ponen en discusión los constreñimientos puestos por el Parlamento inglés a la
Corona durante el siglo XVII; o la utilización de los caso de las caravanas mercantes o
los Suq desarrolladas en la península arábica como ejemplos de mercados “primitivos” y
poco productivos (North, 1990, 1991). Por ende, no interesa tanto al análisis de North
dar cuenta de cuál es el papel explicativo de la dimensión temporal en el desarrollo de
las instituciones, sino más bien identificar cuáles han sido las diversas instituciones que
se han desarrollado en la historia y cómo es que estas han contribuido (o no) a un
aumento de la productividad en una determinada sociedad.
Incluso, la no consideración de la dimensión temporal en los procesos políticos-sociales
como variable explicativa de la que habla Pierson se puede observar si tomamos en
consideración la explicación northeana de por q cambian (o no) las instituciones. Las
instituciones persisten porque son útiles para los actores. Cuando estas dejan de serlo,
los actores deciden cambiarlas por otro conjunto. Pero tal cambio es gradual y se da
como producto del incesante accionar de los actores. Esto último es posible porque North
asume el concepto de actor emprendedor schumpeteriano el cual a medida que va
obteniendo mayor conocimiento y va desarrollando mayores capacidades, en conjunto
que se desarrollan grandes avances en la estructura tecnológica y de precios, los actores
van cambiando sus preferencias y buscan realizar cambios institucionales que permitan
maximizarlas (North, 1990). Sin embargo, en el corto plazo la maximización de los
intereses de los actores se encuentra garantizada por la estabilidad institucional. La
fuente de dicha estabilidad es el path dependence institucional. Aquí el concepto de path
dependence no es entendido en los términos del neoinstitucionalismo histórico, sino más
bien como la capacidad con la que cuentan las instituciones para generar retornos
crecientes y dar estabilidad en el tiempo a las normas, reglas y procedimientos que
constriñen la performance de los actores (North, 1990: 83). De esta manera, el actor
puede adquirir mediante juegos sucesivos información que le permita comprender no
sólo cuál es el comportamiento que un determinado entramado institucional premia sino
también de qué formas pueden ser alterados tales entramados institucionales a los fines
de poder maximizar otro tipo de intereses.
En síntesis, la principal riqueza del NER como perspectiva teórica radica en que adopta
un punto de análisis basado en actores e intereses, en donde los actores conforme a sus
preferencias exógenamente establecidas deciden seleccionar y construir instituciones
(formales e informales) que les permitan reducir los costos de transacción y los costos
de información con los que se ven enfrentados en el día a a a la hora de maximizar sus
beneficios. De esta manera, las instituciones son presentadas como sinónimos de
estabilidad; una estabilidad que limita el rango de acciones del que disponen los actores
a la hora de desplegar sus comportamientos pero bajo ninguna condición tales
instituciones son formadoras de preferencias, ideas y/o intereses (Hall & Taylor, 1996;
Immergut, 2006). Tal vez, la principal diferencia entre el NER y el NIH es justamente
cómo es que entienden la formación de preferencias (Orfeo Fioretos et al., 2016).
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I.b. Neoinstitucionalismo Histórico (NIH)
El neoinstitucionalismo histórico (NIH) se caracteriza por entender a las instituciones
como procedimientos, rutinas, normas y convenciones formales e informales de la política
y la economía política (Hall & Taylor, 1996). Sin embargo, la mayor diferencia respecto
del NER radica en que aquí las instituciones “son siempre constelaciones que combinan
reglas con normas culturales, geográficas e históricamente específicas, creencias de
valor, organizaciones formales y prácticas sociales. Las instituciones son complejas
estructuras de enlace con la acción. Una institución no es un monolito, sino un sistema
de factores sociales que conjuntamente genera una regularidad de acción” (Katznelson,
2009: 109). Abordadas desde esta perspectiva, las instituciones son presentadas como
estructuradoras de preferencias y de las elecciones (path, caminos” en inglés)
disponibles de realizar (Hall & Taylor, 1996; Immergut, 2006; Katznelson, 2009; Pierson
& Skocpol, 2008; Thelen, 1999).
Para esta perspectiva, los diversos esquemas institucionales que caracterizan a las
estructuras político-económicas en determinado contexto histórico son el producto de la
lucha de diversos actores por la distribución de recursos escasos. Por ende, las
instituciones son reflejo de la cristalización de los resultados arrojados por dichas luchas.
Por ello, el institucionalismo histórico considera de interés realizar un análisis del nivel
meso-macro que permita identificar las múltiples instituciones en interacción que operan
en contextos s amplios. Las instituciones no son consideradas de forma aislada y
separadas, sino en constante interrelación y superpuestas unas con otras configurando
un entramado o red institucional (Orfeo Fioretos et al., 2016; Hall & Taylor, 1996). Los
institucionalistas históricos
“analizan cómo los grupos de organizaciones e instituciones se
relacionan unos con otros y dan forma a los procesos o resultados
de interés. (...) Los resultados son generados no por algún principio
universal aparente característico de un tipo dado de actor o área de
actividad, sino por intersecciones de prácticas organizadas. Estas
prácticas a menudo se habrían originado en diferentes momentos y
por tanto, se habrían desarrollado configuraciones que dan ventaja
a ciertos actores claves. Dichos actores trabajan para mantener la
configuración mientras las circunstancias económicas, culturales y
geopolíticas cambian” (Pierson & Skocpol, 2008: 20)
.
La pregunta clave que se realiza el institucionalismo histórico es: ¿por qué ciertas
estructuras o patrones toman forma en ciertos momentos y lugares, siendo que en otros
no?. Los institucionalistas históricos se interesan por desarrollar argumentos temporales
que permitan comprender la temporalidad y secuencia de los diversos fenómenos
políticos que se pretende estudiar, ya que estos son entendidos como procesos políticos.
El que sean entendidos como tal, implica que dichos fenómenos no son estudiados como
una simple “fotografía” de una situación dada, sino que se tiene la intencionalidad de
rastrear transformaciones y procesos de escala y temporalidad variables. “Los
institucionalistas históricos proceden a través de un movimiento constante hacia atrás y
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adelante entre los casos, preguntas e hipótesis” (Pierson & Skocpol, 2008: 10). De esta
manera, los problemas que interesan provienen de identificar variaciones del mundo real
previamente no explicadas o de notar que los patrones empíricos van en contra de lo
popular y, también, académicamente establecido. Como anteriormente se mencionó, los
institucionalistas históricos no tienen ambiciones totalizadoras, ni pretenden comprender
la dinámica histórico-universal de los fenómenos políticos que se estudian, sino que
buscan identificar las dimensiones históricas de la causalidad. Esto quiere decir que “las
afirmaciones sobre la existencia de relaciones causales deberían ser apoyadas no sólo
por una correlación entre dos variables, sino por una teoría que mostrara por qué esta
conexión debería existir, así como por evidencia que permitiera apoyar esa conexión
teórica” (Pierson & Skocpol, 2008: 12). Para ello, los análisis parten de la consideración
de un N-pequeño, el cual permite un examen detallado de los procesos que pueden
facilitar la evaluación de aseveraciones sobre mecanismos causales; y por el otro lado,
de argumentos causales, con fundamento teórico sobre relaciones causales que
generalmente implican relaciones temporales particulares entre variables, donde una
precede a la otra, o las dos tienen lugar esencialmente al mismo tiempo.
Una serie de conceptos centrales son los que permiten establecer este conjunto de
argumentos causales: secuencia, path dependence, y coyuntura crítica.
Por un lado, un concepto clave en la presente perspectiva es el de “secuencia”. El orden
en que se producen los eventos importa, ya que de ello puede nacer una diferencia
fundamental. En la secuencia puede radicar la respuesta a la pregunta de por qué un
fenómeno ocurrió en determinado momento y no en otro (Falleti & Mahoney, 2016;
Pierson & Skocpol, 2008). Pensado de esta manera, las secuencias tienen mucha relación
con el proceso de retroalimentación positivo. Esto se debe al hecho de que dependiendo
de cómo es que se el orden de los eventos, ello influenciará en los diferentes
mecanismos de reproducción que se adopten para una determinada trayectoria.
Cuando el NIH utiliza el concepto de path dependence (o dependencia de la trayectoria)
se refiere a la dinámica de los procesos de retroalimentación positiva en un sistema
político” (Pierson & Skocpol, 2008: 12). Esto significa que las instituciones se consolidan
como tales a medida que las mismas son puestas en movimiento. La puesta en
funcionamiento de una determinada institución produce que esta adopte una inercia
institucional que la lleva a fortalecer la trayectoria institucional elegida. De esta manera,
las instituciones se tornan menos propensas a cambiar con el paso del tiempo, siendo
esto sólo posible mediante coyunturas críticas. La riqueza de este concepto nos permite
estudiar cómo es que los actores escogen diversos caminos y cómo es que con la puesta
en práctica de diversas decisiones institucionales las instituciones resultantes se alejan o
se acercan respecto de lo que los actores pensaron en primera instancia.
Como ya se mencionó, para el NIH las instituciones no deben ser entendidas como
estructuras “monolíticas” las cuales se muestran completamente rígidas frente a
cualquier tipo de cambio (Katznelson, 2009). El concepto de coyuntura crítica viene a
introducir un argumento dinamizador al análisis histórico institucional, ya que sugiere
que una serie de pequeños o grandes eventos pueden hacer que se reconfigure el camino
o trayectoria que se había elegido en un principio y se de lugar a una nueva disputa por
los recursos entre los diversos actores, resultando con ello una nueva configuración
institucional. Son muchos los trabajos que recurren a este concepto para referirse a
fenómenos o eventos de grandes escalas para explicar el surgimiento de nuevas
dinámicas de path dependence, pero dicho dramatismo no es condición necesaria ni
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suficiente para que sea considerada una coyuntura crítica: lo que la vuelve crítica a una
coyuntura particular es el hecho de que activa un proceso de retroalimentación positiva,
indistintamente de su “envergadura” (Pierson & Skocpol, 2008).
En conjunto, todos estos conceptos permiten estudiar cuál es el peso de la dimensión
temporal dentro de una determinada explicación que quiera dar cuenta de un fenómeno
político-social de interés estudiar. Tales conceptos obligan a pensar en la secuencia
causal que conecta nuestro fenómeno-resultado de interés (variable dependiente) con
aquellos eventos, acontecimientos y procesos que intervinieron en tal resultado (Falleti
& Mahoney, 2016). Pensar los mecanismos causales de esta manera permite comprender
por qué un determinado entramado institucional surge en un determinado tiempo y lugar,
mientras que en otros no. El path dependence permite comprender cómo es que las
instituciones perduran a lo largo del tiempo y del espacio a pesar de que las condiciones
iniciales que facilitaron su surgimiento hayan desaparecido. La coyuntura crítica permite
estudiar cómo es que se producen los cambios institucionales en aquellas instituciones
que se creían difíciles de modificar o cambiar. Además, permite comprender cómo es que
los actores buscan crear nuevos entramados institucionales que les permitan conservar
el nuevo poder obtenido luego de una coyuntura crítica y cómo es que tales entramados
suelen establecerse de una forma completamente diferente a las que fueron pensados
originalmente (Thelen, 1999). Todos estos no son más que ejemplos de cómo es que al
introducir la temporalidad como dimensión explicativa podemos obtener un análisis
completamente diferente a lo propuesto por el NER.
Un elemento a tener en cuenta a la hora de realizar un análisis institucional desde la
perspectiva del NIH es evitar caer en la trampa de la rigidez explicativa de que “las
instituciones lo explican todo” (Acuña & Chudnovsky, 2013). Al realizar un estudio de las
instituciones desde el NIH resulta muchas veces tentador pensar los cambios y
reproducciones institucionales como desprovistas de actores ya que estos se encuentran
subsumidos a las dinámicas de instituciones que los supera, lo que lleva muchas veces a
pensar relaciones de causalidad tautológicas. Esto último es una dificultad que puede ser
superada si se establece con precisión cuáles son cada uno de los elementos que
componen al mecanismo causal que vincula la(s) variable(s) independiente(s) con la
variable dependiente (Falleti & Mahoney, 2016).
II. ¿Qué aportes puede realizar el neoinstitucionalismo para el estudio
de las nuevas instituciones internacionales emergentes?
La literatura especializada sugiere que la institucionalización de las dinámicas asociativas
entre los agentes aumenta su cooperación y acción colectiva (Hall & Taylor, 1996;
Immergut, 2006; North, 1990; North & Weingast, 1989), incluso cuando hablamos de
cooperación internacional entre naciones (Axelrod & Keohane, 1985). Sin embargo, poco
se ha profundizado en el estudio de los procesos de institucionalización de las
instituciones informales iniciadas a comienzos de siglo. Frente a esto, se torna relevante
(re)pensar los aportes teóricos del neoinstitucionalismo a los fines de contar con un
criterio teórico-analítico crítico que de cuenta de estos nuevos fenómenos.
Para comenzar, el concepto aquí en discusión es el de institución internacional. Si bien
existe una amplia diversidad de literatura que desarrolla y trabaja el concepto, la
discusión conceptual aquí sugerida recupera tres enfoques: el idealismo, el
institucionalismo liberal y el neoinstitucionalismo histórico.
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Por un lado, la tradicional escuela de pensamiento idealista de las Relaciones
Internacionales hace hincapié en las instituciones internacionales de carácter formal
(Judge, 1977; Schechter, 2010; Simmons & Martin, 2002). Se entiende por institución
internacional a toda aquella institución en la que se pueda identificar simultáneamente
los siguientes tres elementos (Judge, 1977: 1) estar basada en un acuerdo el cual se
encuentra instrumentado formalmente entre los gobiernos de diversos estado-nación; 2)
incluir tres o más estados-nación como miembros del acuerdo; 3) poseer una secretaría
permanente la cual cuente con tareas y actividades propias-autónomas. Como se puede
observar en la definición anterior, la literatura asocia instituciones internacionales con
organizaciones internacionales (Simmons & Martin, 2002). Esto último no es un elemento
que debe sorprender ya que la mayor proliferación de la literatura formalista surge en el
período entre guerras mundiales, y tiene como principales elementos de observación
empírica la Liga de las Naciones (o Sociedad de las Naciones, SDN) y la Organización de
Naciones Unidas (ONU). Además, se puede observar que el concepto está pensado en
términos de poder evaluar la autonomía de una organización en particular respecto de
los Estados que las crean. Esto es descrito por Schechter (2010) como una mayor o
menor capacidad por parte de la organización para establecer y desarrollar una
burocracia que se presente separada y funcionalmente autónoma respecto de los países
que la crearon. Esto es así porque tales organizaciones eran pensada como terceras
partes en la resolución de conflictos de paz y guerra. La mayor debilidad de este concepto
es la confusión entre institución y organización. Esto último no sólo no nos permite
observar los efectos que las reglas, procedimientos y normas pueden llegar a producir
sobre los actores internacionales, sino que también no nos permite observar cuál es el
rol tanto de las reglas, normas, procedimientos informales que entran en juego de forma
conjunta con las formales en el escenario internacional.
Una segunda tradición está relacionada con los análisis institucionalistas conocidos en
Relaciones Internacionales como institucionalismo liberal (Axelrod & Keohane, 1985;
Keohane & Martin, 1995). Desde comienzos del siglo XXI, el escenario internacional ha
observado un aumento exponencial respecto a la creación de instituciones
internacionales que no cumplen con las tres características anteriormente mencionadas
(Albaret, 2013; Reinalda, 2013). Observar este fenómeno es sólo posible si se amplía el
concepto de instituciones internacionales anteriormente presentado. Según Keohane &
Nye (1989: 3), podemos entender por instituciones internacionales al conjunto
persistente e interconectado de reglas (formales e informales) que prescriben roles de
conducta, constriñen la actividad de los actores y delimitan sus expectativas. La mayor
debilidad presentada por este concepto es que se entienden a las instituciones
internacionales como elementos estáticos. La mayoría de la literatura en esta tradición
se ha dedicado al estudio del efecto que tienen las instituciones internacionales en los
niveles de intercambio comercial entre países (McLaughlim Mitchell & Hensel, 2007); o
cuáles son los efectos de las instituciones en materia de conflictos armados (Keohane &
Martin, 1995; Keohane & Nye, 1989). En todos estos trabajos, la ausencia de la
temporalidad como dimensión explicativa de los fenómenos a explicar es una constante.
Es por ello, que los estudios desde una perspectiva neoinstitucionalista histórica han
ganado importante terreno en los últimos os en lo que se refiere al estudio de las
instituciones internacionales. En esta tradición, podemos encontrar lo desarrollado por
autores como John Ikenberry (2001) y Orfeo Fioretos (2011). Por ejemplo, gran parte de
los trabajos de John Ikenberry (2001, 2014) se han referido al estudio de cómo
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ocurrieron los procesos de establecimiento de ordenes políticos internacionales a lo largo
de la historia. Particularmente, en su libro After Victory (Ikenberry, 2001) el autor
comienza preguntándose respecto de qhacen aquellos Estados que acaban de ganar
grandes guerras con el nuevo poder adquirido. Tomando por base dichos interrogantes,
After Victory es un trabajo estructurado entorno a la consideración de tres coyunturas
críticas mundiales (1815, 1919 y 1945) las cuales permiten explicar el consecuente
surgimiento de entramados institucionales como un producto deliberado de los Estados
victoriosos. La hipótesis de Ikenberry es que cada una de estas coyunturas críticas al ser
un punto de finalización de grandes conflictos armados a nivel mundial presentaban como
tales oportunidades únicas para el establecimiento de acuerdos institucionales
internacionales que fueran capaces de atar-ligar entre ellos a los Estados. La
característica principal de tales entramados institucionales radicaba en que generaban un
efecto “lock-in respecto de la posición dominante y favorable obtenida por los Estados
victoriosos. Al mismo tiempo, dejaban ciertos espacios institucionales en los que los
Estados perdedores y/o más débiles podían desplegar un comportamiento estratégico.
De esta manera, las instituciones internacionales les permitían a los estados victoriosos,
por un lado, mantener el control sobre la agenda internacional y la orientación de las
principales políticas exteriores con el consecuente accionar primario en tales temáticas
y, por el otro, otorgarles a los demás Estados ciertas herramientas de control creíbles e
institucionalizadas que limitaran el poder obtenido por los estados victoriosos (Ikenberry,
2001). Producto de éstas dinámicas nacen organizaciones internacionales como la
Organización de Naciones Unidas (ONU), el Fondo Monetario Internacional (FMI) o el
Banco Mundial (BM), las cuales pretendían constituirse en el principal canal de resolución
de todo tipo de conflicto internacional pero que al mismo tiempo reproducían hacia su
interior la condición de victoriosos obtenida por algunos países luego de cada coyuntura
(ej. el establecimiento de Estados Unidos, Reino Unido, Francia, Rusia y China como
miembros permanentes del Consejo de Seguridad de Naciones Unidas).
En lo que respecta a las nuevas instituciones emergentes, desde comienzos del siglo XXI
el escenario internacional ha observado un aumento exponencial respecto a la creación
de instituciones internacionales informales que no cumplen con las tres características
de Judge (Albaret, 2013; Reinalda, 2013). Desde un punto de vista conceptual, estas
nuevas instituciones informales presentan los siguientes elementos:
la no existencia de un proceso de selección abierto a todos los estados: la
participación en tales institución es voluntaria, pero no universal ya que para ser
partes de ellas debes ser invitado.
Son multilaterales pero con N-pequeño: esto significa que estas instituciones no
son pensadas en los mismos rminos universalistas en que fueron diseñadas las
principales instituciones internacionales del período entre guerra o pos-guerra fría,
sino que más bien involucran a un número de estados menor que ONU o BM lo cual
suele estar íntimamente vinculado con la temática o función para la cual dicha
institución fue creada.
Son altamente flexibles: no presentan los altos niveles de burocratización que si
presentan ONU o BM, pero si constituyen espacios de deliberación en los que los
estados miembros pueden establecer políticas de acercamiento sobre temáticas
particulares y de forma ad hoc.
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Todas estos elementos no hacen otra cosa que despertar preguntas como: ¿por qué los
estados desarrollan este tipo de instituciones internacionales? ¿Qué cambios se
observaron en el escenario internacional los cuales facilitaron el surgimiento de las
mismas? ¿Cuál es el rol de estas nuevas instituciones informales? ¿Qué cambios se
produjeron en las dinámicas funcionales de las tradicionales instituciones internacionales
como ONU, FMI o BM que facilitaron el surgimiento de estas nuevas instituciones
internacionales? ¿Cuáles fueron las principales trabas y dificultades que los estados
debieron enfrentar a la hora de crear estos nuevos espacios institucionales?. Observar
este fenómeno es sólo posible si se amplía el concepto de instituciones internacionales
que anteriormente fue presentado como así también el abordaje mediante el cual se
realiza el estudio de las mismas.
Como se pudo ver, el estudio de las instituciones internacionales ha sido realizado desde
diversos enfoques. En primer lugar ha habido una confusión entre los conceptos de
organización internacional e institución internacional, lo que implien primera instancia
la ejecución de programas de investigación que sólo estudiaban las características de
organizaciones internacionales vigentes en esos tiempos. Por otro lado, con el abordaje
de Keohane & Nye (1989) la capacidad de agencia de los Estados comienza a jugar un
rol central en la explicación de las diversas instituciones internacionales imperantes. Sin
embargo, la mayor debilidad de este análisis radica en que presenta dificultades para
explicar el surgimiento y evolución en el tiempo de las instituciones debido a la
consideración estática que tiene de las mismas. Esto último es un punto que el
neoinstitucionalismo histórico busca fortalecer y para ello sugiere el estudio del
entramado institucional internacional por medio de sus dinámicas instituyentes como el
path dependence y sus instancias de cambio a través de las coyunturas críticas. Pero en
muchas de sus explicaciones, la capacidad de agencia de los actores pierde peso
explicativo, llegándose a caer en muchas casos en el extremo de afirmar que las
instituciones pueden explicarlo todo (Acuña & Chudnovsky, 2013). Llegado a este punto,
el diálogo entre perspectivas parece sugerir que existe una riqueza analítica en la
conciliación de ambas perspectivas. Dadas las particularidades de los procesos de
institucionalización encabezados por países emergentes, el recurrir a la capacidad de
agencia de los estados sin renunciar con ello a la temporalidad del fenómeno permitiría
identificar en qué sentido tales procesos se asemejan o distancian respecto a los iniciados
por países centrales.
El presente trabajo sugiere abordar la problemática por medio de la recuperación de la
centralidad del Estado en la construcción de las instituciones propuesta por el
institucionalismo liberal, al tiempo que se racionaliza la historicidad del fenómeno por
medio de la incorporación de la temporalidad al estudio del accionar de los Estados
emergentes involucrados en lo que refiere a la constitución de estos nuevos espacios
institucionales. De esta manera, se podría estudiar el efecto de variables de importancia
que entraron en juego durante el período de negociación respecto de un determinado
proyecto institucional como: 1) la existencia de una homogeneidad de intereses entre los
Estados miembros; y 2) el establecimiento de un sentimiento de confianza entre los
Estados miembros. Además, en lo que refiere a la temporalidad, se sugiere como tercera
variable el aumento sostenido de las interacciones entre los Estaos miembros. Una
cuarta, y última, variable podría ser el cumplimiento de los objetivos institucionales
anteriormente establecidos. Esta sería una dimensión clave en lo que se refiere a explicar
si existió un avance positivo, negativo o incluso estancamiento en el proceso de
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institucionalización de tales iniciativas. Por ejemplo, teniendo en mente estas variables
podría abordar con mayor precisión los procesos de institucionalización de las diversas
instituciones regionales como Mercado Común del Sur (MERCOSUR), Unión de Naciones
Suramericanas (UNASUR), y la Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América
(ALBA) en América del Sur sin tener que caer en el “problema del N = 1” que genera la
Unión Europea como modelo normativo a considerar en la explicación de cualquier tipo
de integración regional (Malamud, 2011).
En conjunto, estas variables permitirían dar cuenta de las condiciones político-
institucionales con la que los países emergentes han constituido estos nuevos espacios
institucionales ya que abordan al fenómeno teniendo en cuenta su institucionalización
informal en contextos de alta volatilidad en el escenario internacional al tiempo que se
los aborda en su racionalidad historizada.
III. Breves Comentarios Finales
En un campo de estudio en donde las perspectivas idealistas y realistas han
hegemonizado la discusión teórico-empírica, todo abordaje de las problemáticas del
escenario internacional desde una visión institucionalista implica un trabajo novedoso.
Esto último, como se vio, aumenta su carácter de novedoso si se tiene en cuenta los
escasos estudios realizados respecto de las instituciones internacionales informales
surgidas a comienzos del siglo XXI. Entender cómo es que los actores internacionales,
principalmente los estados, resuelven sus dilemas de acción colectiva en la arena
internacional desde una visión que racionaliza la historicidad de tales proceso implica
realizar estudios que vayan más allá del tradicional estudio de las organizaciones
internacionales. El presente trabajo buscó discutir nuevas herramientas conceptuales que
permitan estudiar cómo es que se dan las secuencias de cambios en el entramado
institucional a nivel internacional e identificar particularmente el rol que jugaron los
actores internacionales, las instituciones, y la temporalidad en tal secuencia.
IV. Referencias
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Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 2 (Novembro 2018-Abril 2019), pp. 34-47
O FATOR DE IMPACTO COMO LEGITIMADOR DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
PRODUZIDO. UMA REVISÃO DA LITERATURA
Tiago Lima Quintanilha
Tiago.lima@obercom.pt
Doutorando em Ciências da Comunicação no ISCTE-IUL (Portugal) e bolseiro de doutoramento
FCT. Actua nas áreas das Ciências Sociais, com ênfase em ciências da comunicação, ciência
aberta e estudos de Jornalismo. Foi gestor de uma revista científica internacional, de 2009 a
2016. Frequenta o terceiro ano do curso de doutoramento em Ciências da Comunicação, no
ISCTE-IUL. Recebeu dois prémios de mérito académico. É autor e coautor de três livros, 12
capítulos de livros, dez artigos em revistas académicas internacionais e nacionais, e mais de 60
relatórios de pesquisa nas áreas dos media e comunicação. Colaborou com o Observatório da
Comunicação, com o SOCIUS, Centro de Investigação em Sociologia Económica e das
Organizações no ISEG-UL, com a Entidade Reguladora para a Comunicação Social e com o
Reuters Institute for the Study of Journalism no projecto Digital News Report Portugal (2015 &
2016).
Gustavo Cardoso
Gustavo.cardoso@iscte-iul.pt
Professor catedrático no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (Portugal). Investigador
integrado no CIES-IUL, investigador associado no Le collège d´etudes mondiales.
Editor da revista OBS*Observatorio.
Resumo
O fator de impacto (IF) é hoje valorizado pelos investigadores e cientistas nos seus processos
e estratégias de publicação, para fazer face às lógicas de recompensa académica definidoras
das progressões de carreiras e alocação de fundos para investigação. Através da revisão de
literatura, pretendemos neste texto explorar os diferentes limites ou alcances definidos pela
comunidade académica para o fator de impacto, percebendo de igual forma em que sentido
se processa a discussão e as características definidoras de um estado da arte que aponta
critérios ambíguos inerentes ao fator de impacto instituído como o atual legitimador do
conhecimento científico produzido.
Palavras chave
Fator de impacto; legitimação; produção de conhecimento científico; métricas de citação
Como citar este artigo
Quintanilha, Tiago Lima, Cardoso, Gustavo (2018). "O fator de impacto como legitimador do
conhecimento científico produzido. Uma revisão da literatura". JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 9, N.º 2, Novembro 2018-Abril 2019. Consultado [online] em
data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.3
Artigo recebido em 2 de Fevereiro de 2018 e aceite para publicação em 13 de Outubro
de 2018
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 2 (Novembro 2018-Abril 2019), pp. 34-47
O fator de impacto como legitimador do conhecimento científico produzido.
Uma revisão da literatura
Tiago Lima Quintanilha, Gustavo Cardoso
35
O FATOR DE IMPACTO COMO LEGITIMADOR DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
PRODUZIDO. UMA REVISÃO DA LITERATURA
Tiago Lima Quintanilha
Gustavo Cardoso
The quest to quantify everything undermines higher education
(Muller, 2018)
Introdução
Numa altura em que se discutem os principais desafios colocados ao modelo de Ciência
Aberta (Priem, 2012; Bare, 2014; Quintanilha, 2015; Berghmans, 2015), ou a derivação
de um fenómeno de Res Pública Científica (Cardoso et al, 2009) para lógicas de
enviesamento do movimento de acesso aberto (Open Access) a partir da sua apropriação
pela indústria paralela e parasitária (Quintanilha, 2015), interessa refletir sobre um dos
pontos cruciais que são parte integrante desta derivação.
Num quadro de “certificação independente ao meio de registo” (Borges, 2006: 72), onde
a pertença aos principais indexadores (Thomson Reuters, Scopus) encerra os critérios
mais importantes de acreditação dos periódicos científicos, o fator de impacto IF
(Garfield, 1955; Borges, 2006; Johnstone, 2007; Saarela, 2016; Seglen, 1997;
Greenwood, 2007), pertinentemente designado por fator de influência por Sygocki e
Korzeniewska (2018), assume-se como o grande critério definidor da paisagem da
publicação científica mundial. Outros autores, como Muller (2018), chamam-lhe a tirania
das métricas, ao passo que Garfield (2006), cinco décadas depois de ter criado o
conceito, utiliza os neologismos Cienciometria e Jornalologia para definir o momento.
Este fator de impacto, funcionando como uma espécie de filtro que separa quase
discricionariamente o conhecimento produzido relevante do restante conhecimento
produzido, constitui-se assim como o grande e atual legitimador do conhecimento
científico produzido, ao mesmo tempo que, directa ou indirectamente, contribui para o
aprisionamento do modelo de ciência aberta. A Thomson Reuters/Web of
Science/Clarivate Analytics, através do seu Journal Citation Reports e a Scopus Elsevier,
através do seu SJR (SCImago Journal Rank) e SNIP (Source Normalized per Paper),
controlam as grandes métricas associadas à publicação de conhecimento científico. Estas
métricas, que, pela forma como foram instituídas, acabam por contribuir para fatores de
impacto e influência superiores em periódicos científicos maioritariamente de origem
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O fator de impacto como legitimador do conhecimento científico produzido.
Uma revisão da literatura
Tiago Lima Quintanilha, Gustavo Cardoso
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anglófona, controlados pelas grandes editoras (Sage, Wiley, Taylor & Francis, Routledge,
etc), que por sua vez impõem dinâmicas de pagamento por consulta, ajudam a perverter
e a comprometer fortemente a ideia de democratização de um modelo de ciência aberta
mais inclusivo, impondo uma aceitação quase tácita de estruturas de legitimação de um
grande número de periódicos extremamente requisitados que, pelo seu modelo de
funcionamento e acesso fechado, antagonizam o modelo de Ciência Aberta. Num artigo
da revista Science
1
é referido que estas quantias exorbitantes aplicadas pelas grandes
editoras que detêm os periódicos científicos com maior fator de impacto, surgem como
uma espécie de corpo disruptivo à continuidade do modelo de acesso aberto, no sentido
em que criam uma pressão tremenda ao futuro da publicação académica.
O fator de impacto, dependendo em larga medida, no seu cálculo, do número de citações
que um artigo ou publicação geram, é determinado a montante pela posição hegemónica
da anglofonia e pelos detentores de maior capital simbólico na academia, adaptando o
conceito de Bourdieu (1994). Por outras palavras, um artigo publicado em inglês terá por
exemplo maior possibilidade de ser citado, num contexto de construção científica
cumulativa (Quintanilha, 2015), em ligação de textos com outros textos, blocos de
significação e unidades de leitura ou Lexia (Barthes, 1972).
No mesmo sentido, Saarela (2016: 699) refere que os top journals ou core journals
daquilo a que designa por “large disciplines” têm tipicamente veis de citação superiores,
consubstanciados em fatores de impacto maiores, por comparação com os top journals
das designadas “smaller disciplines” (Saarela, 2016). Howard (2009) chama-lhes a A-list
da publicação académica, ao passo que Adler, Ewing e Taylor (2009) nos recordam que,
em alguns campos científicos, como as ciências biomédicas, a maioria dos artigos o
mais frequentemente citados pouco tempo depois da sua publicação, ao passo que
noutras disciplinas, como a matemática, a maioria das citações começam a surgir dois
anos após a publicação dos artigos. Isto leva a que a algumas instituições, como a
Universidade da Austrália Ocidental
2
, alertem para o facto de que as métricas poderão
ser benéficas para validação de conhecimento produzido por periódicos nas áreas das
ciências naturais, medicina e ciências sociais, e totalmente irrelevantes nas áreas das
artes e humanidades.
Por outro lado, e como referido, a entrada neste sistema de leitura dos fatores de impacto
só é possível, em última análise, pela agregação das revistas aos principais indexadores
mundiais, alguns dos quais controlados pelas maiores editoras mundiais (como é o caso
da Scopus pela Elsevier). Dito de outra forma, o processo definidor do fator de impacto
de uma publicação depende, em primeira instância, da entrada e associação dessa
publicação aos dois principais indexadores mundiais (Thomson Reuters Web of Science e
Scopus Elsevier). O sinal mais evidente deste enviesamento associado às organizações
que detêm os principais fatores de impacto (i.e. Reuters/Web of Science/Clarivate
Analytics Journal Citation Reports) é dado aquando da candidatura dos próprios
periódicos aos principais indexadores. Com a Web of Science, por exemplo, um dos
grandes critérios usados para a aceitação dos periódicos é a publicação de artigos
exclusivamente em inglês, em detrimento da qualidade que possa estar associada aos
artigos publicados pelo periódico proponente. A razão parece óbvia: artigos
1
http://www.sciencemag.org/news/2017/08/bold-open-access-push-germany-could-change-future-
academic-publishing
2
https://guides.library.uwa.edu.au/c.php?g=325233&p=2177836
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O fator de impacto como legitimador do conhecimento científico produzido.
Uma revisão da literatura
Tiago Lima Quintanilha, Gustavo Cardoso
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exclusivamente publicados em inglês têm um alcance e um potencial de citação superior
a um artigo publicado por exemplo em português e restrito aos falantes desta língua.
Este processo, controverso e regulador da paisagem de publicação científica mundial,
inaugura uma certa forma institucionalizada de olhar para um periódico científico a partir
da sua legitimação ou deslegitimação em função do fator de impacto que lhe esteja
atribuído. Importa por isso refletir sobre a própria construção do conceito, percebendo
critérios de evolução e redefinição das dimensões que têm estado na base da construção
deste conceito tão atual nos sistemas de recompensa académica, e que contribuem,
numa parcela relevante, para o acesso aos concursos de entrada e progressão nas
carreiras docentes e de investigação, assim como se constituem num critério eletivo
decisivo para a concessão de bolsas pós-doc e, em certa medida, das próprias bolsas de
doutoramento, bem como no financiamento de projetos de investigação baseados no
mérito dos candidatos/as e dos respetivos centros de investigação aos quais estão
associados. Atualmente, os fatores de impacto têm um papel crucial na alocação de
recursos para fins de investigação científica (Saarela, 2016) em cada vez mais países e
constituem o critério primordial de prestígio e sobrevivência dos profissionais da
academia (Pirmez, Brandão & Momen, 2016: 543).
Enquadramento do conceito
Maria Manuela Borges (2006) realiza uma introdução às raízes históricas do termo “fator
de impacto”, utilizado pela primeira vez por Eugene Garfield (1955). Este conceito, de
cariz quantitativo, “procura exprimir a influência intelectual ou o contributo de um
determinado trabalho numa dada área de conhecimento”, sendo que, “a estas funções,
outras se podem adicionar, como seja a de aumentar o grau de comunicação entre os
autores, ou a de, para os próprios autores, trazer à colação todas as menções relativas
ao seu trabalho (Borges, 2006: 55).
Outros autores, como Seglen (1997), utilizam o termo taxa de citação (citation rate)
como complementar ao termo fator de impacto, para definir a média de citações contidas
num determinado periódico, num certo período de tempo. O fator de impacto é
usualmente definido pelo cálculo do número de citações num determinado ano em
relação ao número de itens publicados nesse ano (Seglen, 1997). Na mesma linha de
raciocínio, Greenwood (2007) refere que “o fator de impacto de um periódico é calculado
pelo número de citações que esse periódico recebeu no último ano completo para os
artigos publicados nos dois anos anteriores, dividindo pelo número total de artigos
publicados pelo mesmo periódico nesses dois anos. Segundo o autor, este cálculo
expressa o número médio de citações de artigos publicados, sem discriminar
positivamente ou negativamente os periódicos maiores ou mais frequentemente
publicados (Greenwood, 2007: 1).
Tradicionalmente, o fator de impacto era usado para determinar as fontes mais
importantes de conhecimento a ser adquirido pelas universidades (Saarela, 2016). Hoje,
os fatores de impacto são cuidadosamente consultados por investigadores de todo o
mundo, que definem desta forma os periódicos científicos aos quais submetem os seus
artigos (Greenwood, 2007). Johnstone (2007) defende que o fator de impacto passou a
ser utilizado como uma medida absoluta definidora da qualidade dos periódicos
científicos. A autora remata, referindo que o fator de impacto também é crescentemente
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utilizado como ferramenta para medir o desempenho académico de investigadores e para
adjuvar a análise da viabilidade dos departamentos e universidades (Johnstone, 2007).
Para Garfield (1955), o cálculo do fator de impacto era feito através das contagens de
citações recebidas pelas revistas científicas num período de dois anos. “Se se pretender,
por exemplo, calcular o fator de impacto de uma revista para 2005, usar-se-ão os dados
relativos a 2003 e 2004, isto é, o mero total de citações em 2005 para os artigos
publicados em 2003 e 2004 a dividir pelo número total de itens citáveis em 2003 e 2004
(Borges, 2006: 56).
Figura 1: cálculo IF fator de impacto, exemplo 1
Fonte: Maria Manuela Borges (2016). A Esfera. Tese de doutoramento: 56.
Figura 2: cálculo IF fator de impacto, exemplo 2
Fonte: The University of Illinois at Chicago University Library Website.
https://researchguides.uic.edu/if/impact
De salientar que, paralelamente ao critério dos dois anos, existe também o fator de
impacto a cinco anos, em tudo idêntico ao fator de impacto a dois anos, mas com um
intervalo de tempo naturalmente maior e que permite apresentar variações muito mais
suaves das contagens de citações.
A construção cumulativa do termo
A enorme plasticidade de significados atribuídos ao universo dos conceitos envolvidos no
fenómeno da Ciência Aberta, faz com que algumas definições paralelas acabem por
determinar igualmente variações dentro da própria interpretação de fator de impacto,
conferindo-lhe sub-dimensões que, juntas, nos permitem olhar para o conceito de uma
forma mais maximalista e estruturada, como se de camadas se tratasse.
A título de exemplo, os autores Bauer e Bakkalbasi (2005) introduzem os conceitos de
análises de cocitação e acopolamento bibliográfico, sendo o primeiro o número de vezes
em que dois documentos são citados simultaneamente em publicações posteriores e o
segundo uma previsão de que dois artigos que citam um trabalho anterior possam ter
algo em comum (Borges, 2005: 55).
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Outros indicadores secundários, como o h-index, por exemplo, já quantificam a
produtividade científica e o impacto científico aparente de um cientista ou investigador,
através do número de citações que os seus artigos citados atingem. “O h-index mede o
total de artigos publicados por um cientista e o número de citações que esses artigos
receberam. Por exemplo, se durante o tempo de uma carreira de investigação, um
investigador assina 50 artigos que foram citados 50 vezes, então o h-index é igual a 50”
(Kupiec-Weglinski, 2015: 482). Desta forma, o h-index consegue aferir mais
criteriosamente o lado micro associado à produção científica individual.
O fator-g quantifica, por outro lado, a produtividade científica de um investigador e é
calculado com base na distribuição das citações recebidas nas publicações desse
investigador. Este fator-g foi desenvolvido em primeira instância para dar resposta à
subrepresentatividade dos periódicos científicos europeus nas bases bibliográficas da
Thomson-ISI. o fator-y resulta de uma combinação simples entre o fator de impacto
disponível nas bases ISI e o peso em PageRank, por forma a ponderar e ajustar o fator
de impacto em função da maior ou menor popularidade dos periódicos científicos
(Satyanarayama, 2008).
A Thomson publica ainda o índice de influência do artigo e o índice de imediatismo
(immediacy índex), que surge como uma medição do tempo (velocidade) que decorre
entre o momento em que um determinado conteúdo produzido é adquirido e o momento
da sua referência/citação.
O próprio Eugene Garfield (2006) reconhece que a criação do fator de impacto em 1955
tinha por base a necessidade que se sentia em selecionar revistas e fontes de pesquisa
adicionais. Garfield, com a legitimidade que lhe é conferida enquanto criador do termo
fator de impacto, argumenta que “o termo evoluiu gradualmente de forma a descrever
não o impacto do periódico científico como também o impacto de cada autor” (Garfield,
2006: 1) e que o fator de impacto dos periódicos científicos envolve geralmente grandes
quantidades de artigos e citações e os autores individuais produzem habitualmente
quantidades inferiores de artigos, embora alguns tenham publicado um número
admirável de artigos. Garfield o exemplo de um cirurgião de transplantes, de seu
nome Tom Starzl, autor de mais de 2000 artigos científicos, e de Carl Djerassi, inventor
dos contracetivos orais, que publicou mais de 1300 artigos.
A ineficácia do indicador e sua repercussão no enviesamento da
avaliação do conhecimento científico produzido
Um dos problemas associados ao fator de impacto tem que ver com uma espécie de
apropriação do indicador pelas grandes indexadoras como a Scopus
3
ou a ISI Web of
Science, o que resulta num evidenciar das revistas mais proeminentes nelas indexadas,
em detrimento de outras, ou mesmo de documentos de outro tipo, como as monografias
e dissertações (Borges, 2006). Esta evidência leva-nos a um efeito bola de neve com
repercussão nas motivações e estratégias dos investigadores e cientistas, cuja avaliação
anual e progressão de carreiras depende em larga medida do volume de publicação e do
respetivo fator de impacto.
3
A Scopus utiliza duas métricas: o SJR (SCImago Journal Rank) e o SNIP (Source Normalized per Paper).
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Os novos investigadores precisam de publicar nos periódicos científicos com maior
prestígio, ao passo que investigadores sénior e associados precisam de o fazer também
para manter as suas bolsas e/ou financiamento de projetos de investigação ou para poder
progredir nas carreiras docentes. “Os investigadores submetem os manuscritos a revistas
de prestígio” (Borges, 2006: 275), que entram nas bases de dados das grandes
indexadoras mundiais que institucionalizam o cálculo do fator de impacto. “No caso do
artigo científico, o reconhecimento da sua qualidade está ligado à revista onde é
publicado” (Borges, 2006: 36), que antes dependia do quadro de editores e hoje depende
dos fatores de impacto dos core journals.
Contudo, “desde a sua descoberta, nos anos 60, o fator de impacto continua a ser notícia,
frequentemente pelas piores razões” (Satyanarayama e Sharma, 2008: 4). Alguns
autores referem que existem perigos e limitações significativos associados ao cálculo dos
fatores de impacto, como a falta de qualidade das citações e a existência dos journals
self-citations (Archambault e Larivière, 2009; Falagas et al, 2008; Vanclay, 2012),
periódicos científicos que tendem a valorizar propostas de publicação de artigos que
fazem referência a artigos publicados, assim como as combinações informais dos
investigadores que assumem o modus operandi de citar-se uns aos outros, empolando o
fator de impacto dos seus artigos.
Para Seglen (1997), avaliar a qualidade científica é tarefa extremamente complicada sem
uma solução universal. O autor argumenta que, idealmente, todos os processos de
validação do conhecimento científico produzido deveriam ser definidos por certificação
académica que tenha por base o escrutínio e verificação de verdadeiros especialistas
numa determinada área. Na prática, em todo o caso, aquilo que acontece é que o
designado processo do peer-review normalmente desempenhado por comités com
competências demasiado generalistas, condiciona tudo o resto, desde a verificação
simplista do conhecimento produzido, aos processos que conduzem à legitimação das
revistas (Selgen, 1997). Este autor, crítico do modelo de legitimação do conhecimento
científico produzido com base nos fatores de impacto, defende que este fator de impacto,
ou taxa de citação, não é representativo da produção científica individual, no sentido em
que não define a sua qualidade.
O autor avança com uma lista de problemas que estão na base do fator de impacto, a
saber:
1) os fatores de impacto dos periódicos científicos são determinados por procedimentos
técnicos que não estão relacionados com a produção do conhecimento científico per
se;
2) o fator de impacto dos periódicos científicos depende da área de investigação.
Maiores fatores de impacto estão normalmente associados a periódicos científicos
que cobrem vastas áreas de pesquisa exploratória, de literatura em rápido
crescimento e curto período de vida que normalmente envolve várias referências por
artigo;
3) o facto de as taxas de citação dos periódicos científicos determinarem o fator de
impacto da publicação, e não o seu contrário;
4) citações de itens não citáveis são geralmente incluídas nas mesmas bases;
5) artigos de revisão ou recensões são fortemente citados e inflacionam os fatores de
impacto de alguns periódicos científicos;
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Uma revisão da literatura
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6) os artigos maiores redundam em veis de citação superiores, inflacionando
igualmente os fatores de impacto das revistas;
7) as obras em formato impresso (i.e. livros) não são incluídas nas bases como fontes
de citação;
8) as bases bibliográficas são orientadas para a língua inglesa e dominadas por
publicações dos EUA;
9) os fatores de impacto dependem das dinâmicas (expansão ou contração) das
diferentes áreas académicas;
10) pequenas áreas de pesquisa académica tendem a dispor de menos revistas com
maiores fatores de impacto;
11) a relação entre campos de investigação também determina os fatores de impacto
dos periódicos científicos (i.e. campos diferenciados em interligação na área da
saúde, em comparação com campos de investigação mais reduzidos);
12) as limitações das bases de dados ou o exemplo dado pelo Science Citation Index que
cobre um reduzido número de periódicos científicos em todo o mundo (Seglen,
1997).
Em última análise, Seglen (1992) refere que é a grande variabilidade nos processos de
citação que torna pouco exato o critério do fator de impacto, o que significa que este não
deve ser utilizado para fins de avaliação da produção científica.
Num artigo publicado na revista Science, intitulado “Hate journal impact factors? New
study gives you one more reason”
4
, da autoria de John Bohannon (2016), é referido que
os cientistas têm uma relação de amor-ódio com o fator de impacto dos periódicos
científicos. A medida, usada para classificar periódicos científicos pelo seu prestígio, é
vista por muitos como destruidora da comunidade científica.
Sobre a necessidade de repensar todo o critério das métricas e dos fatores de impacto
como legitimadores do conhecimento produzido, autores como Adler, Ewing & Taylor
(2009) não têm dúvidas em sugerir novos critérios múltiplos de validação dessas
métricas, que precisam de ser validadas separadamente para cada disciplina, ao mesmo
tempo que são calibradas e ajustadas de acordo com a especificidade de cada disciplina,
mas também de acordo com as propriedades de cada classificação. Por outras palavras,
as métricas e fatores de impacto deverão ser tão mais diversos e ricos quanto possível.
Adler, Ewing & Taylor (2009), com uma visão fundamentalmente otimista do modelo de
Ciência Aberta, nomeadamente na capacidade que este tem em proporcionar uma maior
variabilidade de métricas que é contrária a estruturas de manipulação e uso indevido
dessas mesmas métricas, eventualmente porque, à data do respetivo artigo, ainda não
contemplavam alguns focos de enviesamento do próprio modelo
5
, elencam algumas
razões, próximas do modelo de Selgen (1997), que os levam a opor-se à paisagem das
métricas como critério de validação científica, a saber:
4
http://www.sciencemag.org/news/2016/07/hate-journal-impact-factors-new-study-gives-you-one-more-
reason.
5
Modelo capturado por interesses comerciais, com uma crise evidente de reprodutibilidade e com focos de
práticas de investigação questionáveis. https://opensciencemooc.eu/.
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O fator de impacto como legitimador do conhecimento científico produzido.
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1) o significado de uma citação poder ser ainda mais subjetivo do que a própria
avaliação por pares;
2) a confiança única nas métricas de citação fornece, na melhor das hipóteses, uma
compreensão incompleta e superficial da pesquisa;
3) o facto de a validade de estatísticas como o fator de impacto e h-index não ser ainda
bem conhecida ou ter sido ainda bem estudada;
4) o facto de as métricas de citação fornecerem apenas uma visão limitada e incompleta
da qualidade da pesquisa, e as estatísticas resultantes dessas métricas poderem ser
mal compreendidas e mal utilizadas;
5) a possibilidade de a confiança exclusiva em métricas baseadas em citações poder
substituir o critério da revisão subjetiva por pares como o elemento preponderante
na validação da pesquisa;
6) a ideia de que o factor de impacto não pode ser usado para comparar periódicos
científicos entre disciplinas;
7) a certeza de que o fator de impacto não reflete de forma precisa o alcance de citações
em algumas disciplinas, na medida em que nem todos os periódicos científicos estão
indexados; e
8) a possibilidade de o fator de impacto poder ser facilmente influenciado pela
frequência (elevada) com que alguns autores são erradamente identificados.
Borges (2006), citando Moed, aponta outras limitações, como a questão de o IF, “ao
medir o impacto de citação no segundo ou terceiro anos após a publicação, poder ser
tendencioso relativamente às revistas que têm um IF mais rápido de maturação ou
declínio”.
Uma das razões apontadas para a inutilidade dos fatores de impacto passa assim por
perceber que estes não têm qualquer validade enquanto medida preditiva, o que resulta
da forma opaca de calcular o fator de impacto.
Paulus, Cruz e Krach (2018), tentaram ilustrar as falácias inerentes à utilização das
métricas para avaliação dos periódicos e dos trabalhos dos cientistas. Para os autores, o
simples facto de julgarmos a qualidade científica a partir dos fatores de impacto dos
periódicos diz-nos que estamos a ser conduzidos por argumentos fracos/inválidos em
que a incerteza na qualidade de um trabalho é ultrapassada pelo seu fator de impacto,
ao invés da qualidade do próprio trabalho.
Kupiec-Weglinski (2015) defende, por seu turno, que os fatores de impacto não refletem
a qualidade ou reliabilidade da ciência, bem como a habilidade, valências e criatividade
do cientista. O autor continua, referindo que o mais importante é publicar conhecimento
com qualidade e inovador, mantendo um registo contínuo de publicações e de boa
produtividade. “Em última análise, os investigadores precisam de publicar conhecimento
impactante e capaz de garantir um incremento substancial às respetivas áreas de
investigação” (Kupiec-Weglinski, 2015: 482).
Para Satyanarayama (2008), os fatores de impacto podem mesmo enviesar a direção da
investigação científica, no sentido em que os próprios cientistas tendem a direcionar a
sua investigação para áreas mainstream mais facilmente financiáveis. Pelo contrário,
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aqueles investigadores que se debruçam nas áreas menos mainstream, ainda que
relevantes, têm maior dificuldade em dispor de fundos para investigação e
reconhecimento. “É bem sabido que o financiamento segue o que é considerado
significativo na ciência, que geralmente é definido pelo hype das citações e pelas
publicações em periódicos de alto impacto” (Satyanarayama, 2008: 4).
Towpik (2015: 465), por outro lado, fala de uma mania associada ao fator de impacto
que persiste e inflige um efeito pernicioso na ciência e em algumas condutas e práticas
científicas.
Weglinski (2015) vai mais longe, referindo que, muitas vezes, elevados fatores de
impacto são meras comodidades que o dinheiro pode pagar. E depois, quanto maior o
fator de impacto de um periódico científico, maiores os custos de publicação endereçados
aos autores que decidem publicar nesse mesmo periódico científico e/ou às
instituições/investigadores que pretendem adquirir essas publicações. Como
consequência, e ao limite, perverte-se também toda a raiz democratizante do movimento
de ciência aberta, com o próprio fator de impacto a contribuir para este cenário.
Moustafa (2015) considera ainda que o fator de impacto se tornou no pior inimigo da
qualidade científica, incutindo uma grande pressão aos autores, editores, stakeholders e
financiadores. E o pior, num número significativo de países, a alocação de verbas e
fundos governamentais é inteiramente canalizada para os únicos periódicos com o
designado alto fator de impacto, ficando todos os restantes de fora desse bolo.
Johnstone (2007), reportando-se ao caso da investigação na área da saúde, mais
concretamente na área da enfermagem, defende que esta obsessão pelos fatores de
impacto põe em perigo a sustentabilidade e viabilidade dos periódicos científicos na área
da enfermagem e dos seus textos académicos. Em enfermagem, expõe a autora, os
investigadores abandonam a sua agenda de publicação para publicar apenas nos
periódicos científicos de elite, alguns deles fora da área da enfermagem. A autora
completa, referindo que outras formas de avaliar a qualidade e impacto dos periódicos
científicos em enfermagem devem ser planeados, além de que os livros e capítulos de
livros deverão igualmente começar a ser incluídos nas métricas.
Ironside (2007) é peremptória em afirmar que os fatores de impacto não têm utilidade
e deviam ser abolidos, sendo certo que estes IF podem sim fornecer informações úteis
para o processo de revisão, se utilizados de forma criteriosa e com a consciência do seu
alcance, ou aquilo que podem ou não avaliar.
Por último, importa referir que os argumentos que traçam uma defesa mais declarada
do fator de impacto se centram sobretudo 1) numa espécie de aceitação tácita das
métricas pelos investigadores e académicos, e 2) na defesa do pensamento reducionista
inicial de Eugene Garfield que concebeu o fator de impacto como forma de avaliar ciência
e periódicos científicos per se. Alguns autores, como Oppenheim (2008), assumindo uma
posição profundamente celebratória relativamente à importância das métricas,
consideram que o fator de impacto está profundamente correlacionado com outros
critérios de qualidade científica, como a revisão por pares. Oppenheim (2008) não
consegue prever, por exemplo, que o fator de impacto poderá facilmente substituir o
critério da revisão por pares nas estruturas de validação do conhecimento produzido,
essencialmente porque o segundo é acima de tudo um critério fechado e silencioso,
restrito à relação autor-mediador-revisor e não disponível para consulta, o que o torna
vulnerável à fácil acessibilidade e enorme alcance do fator de impacto como critério de
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O fator de impacto como legitimador do conhecimento científico produzido.
Uma revisão da literatura
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validação do conhecimento produzido considerado por grande parte da estrutura
académica. Para os autores que celebram a existência das métricas e fatores de impacto
como legitimadores do conhecimento produzido há assim a intuição de que os artigos de
comprovada qualidade são necessariamente os mais citados, uma vez que as citações e
outras métricas se correlacionam fortemente com o lado mais subjetivo da avaliação por
pares.
Kampourakis (2018) assinala, por outro lado, que o lado mais benéfico do fator de
impacto, embora de forma indireta, está relacionado com a própria ideia de disseminação
e divulgação do conhecimento produzido, na medida em que não só os investigadores e
cientistas perceberam que quanto maior for a divulgação dos seus trabalhos (i.e.
ResearchGate), por exemplo entre as suas redes de contactos, maior a probabilidade de
poderem vir a ser citados (além de gerarem um escrutínio e verificação maiores
relativamente ao conhecimento produzido), mas também porque os próprios periódicos
que o atingindo fatores de impacto superiores acabam por dispor de um
reconhecimento que, no curto-médio prazos, os permite beneficiar de um maior número
de artigos para publicação, gerindo as suas necessidades a partir desse fluxo maior de
chegada de artigos.
As próprias publicações tendem hoje frequentemente a celebrar (com notificações aos
seus subscritores) e a congratular-se
67
com a entrada nos maiores indexadores e
consequente acesso aos fatores de impacto (i.e. Scopus Scimago Journal & Country
Rankings), porque percebem que fazer parte deste sistema é, em primeira instância, um
critério crucial na sua validação e acreditação na comunidade académica, de uma forma
bastante mais determinante do que o grau de qualidade que possa estar associado ao
material publicado. Isto porque, em última análise, o fator de impacto é hoje entendido
como o primeiro critério definidor do valor de um periódico científico e dos artigos
publicados.
Considerações finais
Em traços gerais, a discussão na comunidade científica sobre se os fatores de impacto
são ou não medidas confiáveis de mensuração do conhecimento produzido redundam
num tema que tem sido associado à própria mutabilidade e evolução do movimento de
Ciência Aberta.
Apesar de o debate académico se centrar menos no aspeto tácito da análise e leitura dos
valores dos fatores de impacto, e mais nas contrariedades e problemas associados ao
fenómeno, com repercussão no designado enviesamento dos processos de legitimação
do conhecimento produzido, continua a haver espaço para o aproveitamento e discussão
das principais ideias elencadas neste artigo.
Um exemplo da importância de uma reflexão alargada aos limites do conceito IF pode
ser definido pela tentativa de o tornar cada vez mais eficiente pela introdução de novas
sub-dimensões que lhe conferem um alcance maior.
São exemplos os fatores g e y, assim como o próprio h-index, que visam tornar os
critérios de definição menos dependentes das características descritas pela academia
6
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/admt.201800285.
7
https://www.advancedsciencenews.com/celebrating-first-impact-factor-advanced-science/.
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como sendo prejudiciais, e pouco reconhecedoras, do trabalho dos investigadores e da
atividade dos periódicos científicos que não fazem parte da designada A-list da publicação
científica (Howard, 2009). Johnstone designa estas sub-dimensões por IF (Impact Factor)
related trends.
O próprio Eugene Garfield (2006) sugere que a precisão dos fatores de impacto é
questionável e que os próprios estudos sobre citações deviam ser ajustados de forma a
contemplar variáveis como peculiaridade do conhecimento produzido, densidade de
citação (número médio de referências citadas por artigo de origem), bem como o critério
da meia-vida (half-life, também da Thomson Reuters) ou o número de anos necessários
para encontrar 50% das referências citadas.
Assim, no futuro, interessará perceber se o cálculo dos fatores de impacto evolui para
um modelo mais inclusivo, paritário, que valoriza questões como a produtividade
científica do investigador e dos periódicos científicos, a partir de critérios de definição da
qualidade científica produzida, ou se a legitimação do conhecimento produzido continuará
a ser uma extensão da tirania das métricas e dos pressupostos que lhe são intrínsecos.
O que importa discutir, e que constitui a razão deste artigo, é se a abertura científica
pode, ou não, prosperar num mundo de relações de publicação onde os fatores de
impacto tendem a perpetuar monopólios de divulgação científica, produto da replicação
infinita do status herdado pela publicação prévia de outros e perpetuado pela repetição
das práticas que legitimaram uma dada posição no ranking de fatores de impacto. Ou
seja, a ciência deve produzir cientistas e conhecimento de cariz aristocrático, assente na
herança dos que criaram status antes, publicando num dado periódico, ou deve ser
republicana e assente no mérito e virtude, independentemente de onde se publica, e na
validação por pares do conhecimento científico produzido? A ciência desenvolve-se tanto
em sociedades democráticas como autocráticas, mas tem também um contributo a dar
para o fortalecer da democracia. Cabe-nos a nós, cientistas e investigadores, decidir que
contributo estamos prontos a dar, para além do conhecimento produzido, à sociedade
que nos dá contexto e condições para investigar e publicar.
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O CONFRONTO ENTRE TRADIÇÃO E MODERNIDADE: A PROCLAMAÇÃO DA
REPÚBLICA EM PORTUGAL
Luís Alves de Fraga
alvesdefraga@gmail.com
É doutor em História, mestre em Estratégia, licenciado em Ciências Político-Sociais e coronel
reformado da Força Aérea Portuguesa. É, também, professor na Universidade Autónoma de
Lisboa (Portugal).
Resumo
Temos usufruído do prazer de ver discutida a proclamação da República em Portugal das mais
variadas maneiras e, salvo qualquer lapso involuntário, aquele trabalho mais profundo, que
nos impressionou pela multiplicidade de perspectivas foi o da investigadora Alice Samara,
levado a cabo na sua dissertação de doutoramento (Samara, 2010). Ali, ela levanta várias
hipóteses explicativas para os diferentes entendimentos da República, segundo as
perspectivas e os momentos pelos quais se olha o regime e a ideia republicana.
Também, recentemente, foi publicado um excelente artigo de Jorge Pais de Sousa, sobre
Afonso Costa, que nos a possibilidade de compreender a República segundo um ponto de
vista até agora quase não identificado (Sousa, [s.d.]).
A nossa perspectiva não procura fazer um juízo crítico, parcelar, da legislação e dos
comportamentos políticos e partidários durante os dezasseis anos de regime, entre 1910 e
1926, para concluir sobre a vitória ou derrota do pensamento republicano neste ou naquele
domínio particular; interessa-nos, focando a atenção em todo o período, perceber e explicar
a República antes e depois da proclamação em função do confronto entre o grupo social
defensor do salto para a modernidade, para o novo, para o diferente, e o grupo defensor da
manutenção da realidade existente, da tradição, do conservadorismo.
Palavras chave
1ª. República, Modernidade, Conservadorismo, Portugal, Revolução.
Como citar este artigo
Fraga, Luís Alves de (2018). "O confronto entre a tradição e a modernidade: a proclamação
da República em Portugal". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 9, N.º 2,
Novembro 2018-Abril 2019. Consultado [online] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.4
Artigo recebido em 5 de Março de 2017 e aceite para publicação em 13 de Julho de 2018
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O confronto entre tradição e modernidade: a proclamação da República em Portugal
Luís Alves de Fraga
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O CONFRONTO ENTRE TRADIÇÃO E MODERNIDADE: A PROCLAMAÇÃO DA
REPÚBLICA EM PORTUGAL
Luís Alves de Fraga
1
Introdução
no passado houve estudos que procuraram compreender a 1.ª República (Wheeler,
1978) ou explicar alguns dos insucessos republicanos (Lúcio; Marques, 2010) ou, indo
um pouco mais a fundo em determinadas especificidades, tais como a educação,
quiseram demonstrar a pouca eficácia política dos republicanos, naquela época
(Candeias, 2003); outros quiseram relacionar a questão religiosa com a questão social,
demonstrando o anticlericalismo republicano (Catroga, 1988).
aqui que explicar, para o tornar operacional, o conceito de moderno/modernidade,
por um lado, e, por outro, o de tradição.
Segundo Hans Ulrich Gumbrecht, citado por João Feres Júnior (Feres Júnior, 2010: 31),
moderno/modernidade pode ter o significado
«(…) de “novo” e oposição a “velho”: nesse caso se tem o embrião
de uma consciência epocal onde moderno define um espaço de
experiência presente que se quer distinto do passado. Esse uso
geralmente está ligado a um esquema temporal mais ou menos
explícito de hierarquização das eras, ou seja, é fortemente
valorativo.»
É nessa perspectiva que nós utilizamos o termo modernidade o qual está, como o
sociólogo afirma, em oposição a velho ou tradição. Esta noção de modernidade e de
tradição também está patente na Antropologia Cultural (Titiev, 1969: 176-183).
Usaremos mais um conceito, que nos servirá de apoio e que tem a sua origem na
Estratégia: o de conflito (Fiéviet, 1993: 51; 57; 81-82) como motor de mudança, ou
seja, a oposição dialéctica, afirmada ou latente, entre os grupos sociais em confronto.
Pode parecer quase despiciendo o nosso objectivo, no entanto, porque temos certezas
quanto à lentidão das mudanças comportamentais colectivas e mais profundas das
sociedades humanas, defendemos que os fios condutores culturais e sociológicos se
transmitem quase sem alteração de geração para geração, definindo comportamentos
1
O autor escreve segundo o Antigo Acordo Ortográfico Português.
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colectivos condicionantes das escolhas políticas e das mudanças que elas, em si mesmas,
transportam. Não se trata de um determinismo, mas do desequilíbrio ou, se se preferir,
do confronto permanente entre Apolo e Dionísio (Benedict, [s. d.]), entre a ordem e a
desordem, entre o convencional e o não convencional. E esse ficar e partir é de sempre,
variando somente em função da força de cada um dos elementos opostos e em confronto.
A escolha da mudança de regime monárquico para republicano possibilita-nos o
observatório ideal que nos leva à compreensão da dinâmica das forças em constante
diálogo dialéctico pré-conflitual ou mesmo em conflito declarado.
Desmontaremos a ideia republicana para perceber até que ponto ela se cumpriu em
Portugal tanto no período imediatamente anterior como posterior à mudança de regime
ocorrida em 1910. Vão ficar muitos lapsos, muitos aspectos por abordar, mas faremos
uma afirmação-tese, que, esperamos, não seja entendida como um lugar-comum.
O nosso trabalho divide-se em duas partes. Na primeira, pretendemos perspectivar o que
de revolucionário conteve a ideia e a realidade republicanas em Portugal; na segunda,
mais curta em pormenores, vamos tentar perceber como é que a República defraudou
os republicanos ou, se se preferir, como é que os republicanos não foram capazes de
cumprir a República e o que ela transportava em si mesma, se é que alguma coisa
transportava de diferente, para além de aparências, que não existisse na Monarquia.
1. A República: uma perspectiva revolucionária
Na Europa, a concepção de República foi, desde a Idade Moderna, revolucionária.
Compreende-se a razão de assim ser: à Monarquia está associado o poder divino como
processo legitimador do monarca. O teocentrismo medieval tinha de se reflectir no trono
para o justificar e dar-lhe superioridade ao lado de todos os poderes senhoriais de então.
Mas, no Iluminismo do Século XVIII, percebeu-se a necessidade do salto em frente,
fazendo transitar da aristocracia para a burguesia estudiosa e trabalhadora a sustentação
do poder de governar. A Revolução Francesa, tendo bebido nos teóricos, que sobre a
vontade popular discerniam princípios governativos, aprendeu, na prática, com a
Revolução Americana, que os povos não careciam de monarcas para a soberania ser um
valor pertença de todos. Aprendeu-se que a nova aristocracia provinha não do berço,
mas somente do aproveitamento das oportunidades. Essa foi a lição chegada do Novo ao
Velho Mundo.
No século XIX, os sucessos e insucessos da República na Europa resultaram da
articulação entre a Revolução Industrial e a Revolução Liberal, pois a primeira gerou o
caldo de cultura necessário à consciencialização do poder residir no Povo, ainda que nem
sempre os detentores do capital aceitassem estender a todos a capacidade de decisão
política (Obsbawm, 2001). Foi em França que se deu a primeira viragem definitiva para
a República. Uma França cheia de tradições revolucionárias, de contrastes sociais e
abismos entre grupos da população. Todavia, a par desta viragem, a França tinha
aprendido com Napoleão Bonaparte que a exportação da revolução não se devia impor
para fora das fronteiras, porque isso geraria guerras e a perda poderia ser maior do que
o ganho (Kissinger, 2015: 62). Por seu turno, as Monarquias na Europa, aceitando a
República em França, perceberam que se preservavam através de uma convivência
pacífica e tolerante. Contudo, depois da França, foi no Estado mais improvável que a
República se instalou, em segundo lugar, para ficar para sempre. Improvável, porque,
sendo essencialmente agrícola, sem indústrias significativas, parecia não possuir as
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condições políticas e sociológicas para despejar a Monarquia e, em seu lugar, pôr a
República. Esse Estado foi Portugal.
É nesta perspectiva que se tem de tentar perceber a razão da República num velho
Estado, monárquico por tradição de cerca de oitocentos anos. Nesse aspecto, julgamos,
têm de se escolher diversos pontos de observação para chegar a um resultado inteligível.
1.1. Um país de analfabetos
No censo levado a cabo em 1911 vê-se que 75% da população portuguesa era analfabeta
(Marques, 1980: 83), mas do relatório dos acontecimentos em 5 de Outubro de 1910
data da vitória republicana percebe-se que os mais empenhados na luta contra a
Monarquia foram os homens da rua e os soldados de algumas unidades militares de
Lisboa e, nem uns nem outros, eram, de certeza, gente letrada e erudita. Os analfabetos
deviam prevalecer em grande número. Mas fizeram a revolução!
Como se explica este aparente contra-senso? Valerá a pena tentar perceber que o
analfabetismo era transversal a toda a sociedade e tinha maior prevalência na população
rural agrícola. Por outro lado, é neste segmento social que mais fundo estava enraizada
a influência clerical católica, a qual se afirmava, então, verdadeiramente obscurantista e
politicamente conservadora. Assim, temos no mesmo grupo o dos analfabetos duas
posturas políticas diametralmente opostas: uma, a rural e agrícola, conservadora e
alienada e, outra, urbana, radical e, no limite, anticlerical.
A população analfabeta rural suportava, quase sem queixumes, toda a carga de
exigências feitas por uma Monarquia exangue e desnorteada. Era dela, e do seu trabalho,
que os médios e grandes proprietários agrícolas viviam na cidade, gastando em
suficiência para gozarem os prazeres de nada fazerem ou da associação das rendas
recebidas com os parcos rendimentos de um emprego dependente do orçamento, sempre
deficitário, do Estado. Esses pobres analfabetos guardavam em si a infinita capacidade
de tudo suportarem a troco da promessa de uma salvação eterna após a morte. E disso
se encarregava o pároco da aldeia, visita da casa dos maiorais onde era recebido com
honras que lhe inchavam o ego tanto mais magro quanto a sua origem social era,
também, rural, agrícola e provinciana.
Mas, nas cidades, em especial as maiores Lisboa, Porto e Coimbra os analfabetos
conviviam com aqueles que sabiam ler, escrever e contar. Ouviam o que se dizia nas
ruas, nas tabernas local de encontro para beber o copo de vinho com efeitos calóricos
suficientes para suprir uma alimentação quase sempre deficitária e nos bairros de ruas
estreitas, insalubres e miseráveis. E estes analfabetos, ainda que crentes na religião de
seus pais, tinham da acção clerical uma visão bastante mais crítica do que a dos rurais.
A vivência na cidade possibilitava-lhes a percepção das diferenças e, mais do que tudo,
das injustiças. Assim, eram empurrados para os terrenos da revolta, sendo presa fácil da
esperança sebastianista, messiânica, taumatúrgica.
1.2. Um país messianista
O cruzamento de culturas quando ainda não havia Portugal Portugal nasceu no final
da primeira metade do século XII , nomeadamente a islâmica com a judaica e a cristã,
deu características específicas ao comportamento dos Portugueses quanto ao divino e,
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em particular, quanto à esperança nas soluções divinas. O messianismo cuja origem
é comum às três religiões cruzadas no espaço português assumiu, no final do século
XVI, uma tonalidade específica depois da batalha de Alcácer-Quibir, quando o rei D.
Sebastião desapareceu engolido pelo furor dos combates individuais. O messias divino
transfigurou-se, aos olhos populares, no messias político que tomaria a figura de D.
Sebastião para reivindicar o trono que era seu e estava ocupado pelo tio, Filipe II de
Espanha. De um facto verdadeiro o desaparecimento do jovem rei surgiu a lenda
maravilhosa do salvador capaz de resgatar o seu povo de todos os infortúnios que a má
gestão faz cair sobre os Portugueses. O sebastianismo tornou-se na religião nacional
portuguesa, a esperança nos momentos de falta de esperança. E foi-se repetindo ao
longo dos tempos, empurrando para o domínio do miraculoso aquilo que o trabalho,
a vontade e a determinação são capazes de solucionar (Quadros, 1982).
Nos últimos vinte anos de Monarquia de 1890 a 1910 foi notória a acentuação do
desgoverno em Portugal. Vivia-se de empréstimos, porque as receitas públicas não
chegavam para as despesas. Os proventos das alfândegas eram dados como garantia de
pagamento e cada vez mais crescia o número de funcionários do Estado a quem se
pagava pouco num país onde toda a gente ganhava mal, mas fazia todos os possíveis
por esconder essa miséria endémica, refugiando-se atrás de tulos nobiliárquicos ou
não, quase sempre nada valendo nem quanto ao mérito de quem os possuía nem ao de
quem os concedia ou de prebendas honoríficas sem importância ou estatuto. Na
sociedade urbana, dessa época, as classes médias viviam a fazer de conta, tal como nos
mostra Gervásio Lobato, num romance que fez furor por causa da cáustica ironia das
situações descritas (Lobato, 1898).
O Partido Republicano Português (PRP), que começou a ganhar força e créditos por volta
de 1880, aquando das comemorações do terceiro centenário da morte de Luís de
Camões, era ainda, por essa altura, uma oposição incipiente à Monarquia e um
agrupamento político sem fundamentos populares, girando à volta de alguns jovens
intelectuais burgueses estudantes em Coimbra ou empregados em Lisboa. Todavia,
nele militavam alguns dos nomes que, em 1910, virão a ser figuras gradas da República.
É uma cada mais tarde, em 1890, que o PRP alcança destaque e começa a mobilizar
adeptos para o novo regime na sequência do traumático ultimato britânico a Portugal. E
é conveniente que aqui nos detenhamos para perceber as transmutações sociológicas,
consequência das práticas políticas da Monarquia, operadas na altura.
Ainda que não fosse totalmente verdade, os Portugueses com alguma ilustração e aqui
excluímos a população rural trabalhadora agrícola, analfabeta e ignara das aldeias e vilas
perdidas no interior do país acreditavam que os territórios africanos onde colonos,
poucos, haviam hasteado a bandeira nacional eram uma herança do passado glorioso
e glorificado algures do tempo dos Descobrimentos. Acreditavam, de maneira dorida,
nessa quase lenda, tal como ainda sofriam, em silêncio, a recente perda da imensa
colónia do Brasil. E, para compensar a independência da grande colónia americana,
desenhou-se, primeiro entre uns quantos idealistas e, depois, em significativa massa de
gente carecida de sentir um Portugal grande e respeitado, o desejo de alcançar em África
um outro Brasil limitado, a ocidente, pela costa atlântica de Angola e, a oriente, pela
costa de Moçambique banhada pelo Índico. Este sonho encontrava explicação prática nas
decisões da Conferência de Berlim de 1884-1885, que estipulavam levar a cabo a
ocupação efectiva dos territórios às potências ambiciosas de serem coloniais. Mas o
sonho português contundia com a realidade britânica de ligar a cidade do Cabo, na África
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austral, ao Cairo. Embora Lisboa tivesse adoptado como política diplomática o silêncio
perante as repetidas chamadas de atenção de Londres, foi despertado pela brusca
ameaça feita pela Inglaterra, que o temeu intimidar, com o uso da força, um Estado
cuja capacidade militar era nula ou quase. A gente em Portugal não esperava tão alarve
manifestação de poder, ainda por cima, vinda da velha aliada, porque, mais do que um
problema político e diplomático, o que se sentiu em Portugal foi o peso da bofetada
sofrida sem capacidade de resposta. Foi o trauma do deficiente brutalizado pelo indivíduo
sem escrúpulos, sem moral e sem princípios de cordialidade. Os Portugueses sentiram-
se abalados nos pergaminhos poeirentos de um passado de grandeza. Foi como se todos
fossem anciãos quase inválidos e obrigados a estugar o passo até atingirem a exaustão.
O Portugal de sonho acordou bruscamente para uma realidade desconhecida: o interesse
esmagador do poderoso incapaz de poupar os andrajos viris arrastados por um
desgastado e velho impotente. Neste despertar Portugal culpou, finalmente, a Monarquia
e os seus Governos, sem se aperceber que a governação resultava das suas escolhas e
era a si mesmo que devia culpar. Assim, ainda que contrariada pelo estudo positivista
republicano (Andrade, 2014: 120-128), veio à tona a submersa ideia messiânica e
faltava encontrar o messias capaz de enfrentar, com grandeza, honra e poder, a mão
que tinha empunhado o açoite e humilhado a velha Pátria parideira de mundos dados ao
Mundo. O messias ergueu-se, na nossa opinião, numa perspectiva popular e não
consciencializada pelos políticos republicanos, na figura do PRP. A República era a
salvação e o salvador (Marques, 1978: 544-545). havia que alimentar o fogo capaz
dessa epopeia taumatúrgica. E repudiou-se a pérfida Albion, os seus produtos, a sua
língua, que deixou de se ensinar nas escolas do país, a sua amizade, a sua frieza, a sua
hipócrita pontualidade. Compôs-se um hino que se cantou como marcha patriótica. E os
Portugueses deixaram-se embalar pelos teóricos do republicanismo.
quem olhe e explique o messianismo de maneira diversa da que deixamos exposta
(Anes, s.d.: 14-16), associando-o à prática da religião católica e ao renascer do esplendor
nacional ou, até mesmo, nacionalista, embora o ligue, também, a uma certa prática
política. Julgamos não ser condenável fazer uma leitura diversa, colocando o
sebastianismo como motor de salvação de Portugal através da redenção de situações
calamitosas. Para tal, quando o associamos à proclamação da República e ao
republicanismo, temos presente Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Augusto Casimiro,
todos eles republicanos e sebastianistas, mentores da sociedade Renascença Portuguesa
e da revista Águia.
1.3. Um país de republicanos
Se é verdade que o PRP resultou da vontade de gente erudita, sabedora dos ideais e fins
de uma República, não é menos verdade, também, que a mais forte adesão ao novo
ideário político se fez entre a população urbana tanto da média burguesia como dos
fracos grupos operários existentes então. No PRP, depois de 1890, soube fazer-se um
discurso ambivalente que tanto agradava à média burguesia desejosa de sair do impasse
económico e social para o qual a Monarquia não tinha saída, como agradava ao
operariado, pois eram usados ingredientes socialistas e socializantes. E foi aqui que
tiveram importância as ideias defendidas por Afonso Costa, expressas na sua tese de
doutoramento (Costa, 1895), pois nelas se revelavam já a revolução que veio a ter corpo
na legislação de 1911 (Sousa, [s. d.]: 7-19). A onda de captação de adeptos cresceu e
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o PRP conseguiu eleger três deputados para as Cortes, em 1890, depois de se arrastar
com um único desde há várias décadas. Mas convém dizer, para não se ficar com a falsa
ideia de que, afinal, eram poucos os republicanos, os partidos monárquicos, receosos da
antipatia sempre crescente dos militantes do PRP, tudo fizeram para que, alterando a
geografia dos círculos eleitorais, os resultados parecessem ridículos.
Se, nas aldeias e vilas das províncias, dominavam as eleições os caciques monárquicos,
gerando uma ilusão de plena simpatia pela coroa, nas cidades mesmo algumas
distantes de Lisboa e encravadas em redutos da Monarquia um grande mero de
eleitores era republicano.
Só se percebe esta disparidade urbana se tivermos em conta o afogamento vivido pelas
classes médias de parcos recursos financeiros, dependentes do orçamento do Estado ou
de um pequeno comércio a viver da falta de dinheiro dos compradores. A República
constituía a possibilidade de alteração, julgava-se, de elementos que vieram a
demonstrar, mais tarde, serem estruturais. Sendo agrícola, Portugal vivia de uma
agricultura pobre e de pouca rentabilidade. A maior indústria era, nas cidades, a da
construção civil. Depois, não tinha grandes fábricas, mas proliferavam oficinas familiares
onde se fazia um pouco de tudo. O comércio era, internamente, a forma de angariar
sustento. As exportações de vinho, azeite e pouco mais faziam-se, em primeiro lugar,
para o Brasil, depois para as colónias e de seguida para a Grã-Bretanha. Era deste país
que vinha quase tudo o que se consumia em Portugal e que aqui não era produzido. A
dependência do comércio britânico era total. Mas a grande fonte de receitas, a que ainda
conseguia viabilizar a economia e as finanças nacionais, era a remessa de dinheiro dos
emigrantes, que, nesses tempos, procuravam, em primeiro lugar, o Brasil e, depois, a
Argentina e os Estados Unidos da América.
No contexto descrito é natural que a República fosse sentida, pelo grupo que nela
acreditava, como a fórmula mágica que tudo resolveria. Ela era mais uma miragem do
que um projecto efectivo de mudança. E a verdade é que a propaganda republicana
assentava essencialmente na crítica à governação monárquica do que na definição de
um projecto concreto de mudança (Catroga, 1991, I vol.), facto que fazia do PRP uma
frente política e não exactamente um partido como normalmente é uso considerá-lo. E,
contudo, entre os mais destacados membros do PRP, havia quem soubesse como iniciar
um processo de modernização em Portugal. Mas era conveniente não lhe dar grande
publicidade, porque só medidas radicais poderiam resultar no futuro. Não lhe dar
publicidade, porque, tal como refere Jorge Pais de Sousa, Afonso Costa o defensor do
socialismo integral, a corrente que, mais tarde, foi apelidada de radical entendia que
as diferentes sensibilidades deviam manter-se unidas até à possibilidade de haver uma
mudança política que as separasse, autonomizando-as.
1.4. Um país à espera da revolução
Na sequência do ultimato inglês e como rescaldo, um ano depois, no Porto, em 31 de
Janeiro de 1891, eclodiu uma revolução militar chefiada essencialmente por sargentos
do Exército e incentivada por republicanos civis. Da varanda da Câmara Municipal foi
proclamada a República aplaudida pela populaça que esperava o acontecimento. Mas foi
uma tentativa falhada em poucas horas, visto ter sido reprimida a tiro de canhão pela
Guarda Municipal. Seguiram-se prisões feitas sem critério, julgamentos sumários e
deportações. O trono dos Bragança tremeu, mas não caiu. D. Carlos, monarca ainda
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jovem, poderia viver mais dezassete anos a imaginar soluções políticas duras e pouco
liberais, que veio a concretizar no fim da vida.
Do episódio ficou uma lição para o directório do PRP: a mudança de regime tinha de
envolver mais do que alguns regimentos revoltados; tinha de ser apoiada e executada
pelo Povo em conjugação com a tropa. Este era o entendimento da ala revolucionária do
PRP, porque, a par dela, outra ganhou forma: a da mudança pela via eleitoral. Assim, os
anos foram passando e dando oportunidade à sucessiva degradação dos Governos
monárquicos que, ao invés de resolverem a crise portuguesa, iam-na agravando mais.
O perigo espreitou, em 1898, quando em Lisboa correram suspeitas, quase tendo a
certeza, de que a Grã-Bretanha e a Alemanha se haviam entendido para, cedendo um
largo empréstimo a Portugal, partilhar entre si as colónias por falta de pagamento do
devedor. Salvou-se do esbulho a velha pátria lusitana graças à intervenção da França
republicana, que em excelentes condições concedeu o empréstimo, evitando o
enriquecimento colonial dos Estados rivais.
A viragem do século deu força aos republicanos. Mas a propaganda continuou a fazer-se
contra a Monarquia sem perspectivar claramente um programa para além do derrube do
rei e da casa reinante. Não era por acaso que tal acontecia; importava, acima de tudo,
garantir a adesão ao PRP ainda que ela se fizesse por mera oposição ao trono, depois,
sabia-se que dois pilares fundamentais para a existência de Portugal não se conseguiam
alterar: a dependência quase total da Grã-Bretanha e a incapacidade produtiva (Marques,
2010). Assim, no plano internacional, os republicanos tinham de esconjurar dois perigos:
por um lado, a antipatia inglesa com a causa republicana e, por outro, garantir que
Londres não dava carta branca, após a proclamação da República, a Madrid para proceder
ao velho sonho de união ibérica. Convenhamos que manter o espírito revolucionário
numa conjuntura destas era ter de saber equilibrar, com grande habilidade,
antagonismos perigosos. Essa constituía, talvez, a razão para o programa do PRP ser
difuso quanto ao futuro; essa era a razão para haver, no seio do PRP, uma corrente que
esperava chegar à República pela via eleitoral.
Ora, à medida que a política monárquica se degradava, mais se levantavam as vozes
republicanas contra a Monarquia. Para satisfazer a frente interna havia que preparar a
revolução e foi isso que se fez, em 1908: com uma pequena manobra menos clara, no
congresso do PRP, em Setúbal: elegeu-se um directório com forte pendor revolucionário,
ao mesmo tempo que se criaram comités revolucionários civis e militares.
Mas, para ir mais longe na compreensão desta mudança de atitude, que perceber
como já antes se estava a estruturar a força revolucionária.
1.5. Uma cidade de carbonários
De muito Lisboa era o centro de toda a acção política e, também, sede do PRP. A
mudança de regime, quando se operasse, muito excepcionalmente não deveria ocorrer
nesta cidade. Tudo se estava a preparar, desde antes de 1908, para que Lisboa fosse o
palco da queda do trono.
Na Maçonaria, nas lojas onde os membros eram afectos ao republicanismo, discutia-se a
desejada revolução, mas não era ali que se movimentavam forças para tal. Cabia à
Carbonária esse papel, essa acção de armas em punho (Ventura, 2004). O recrutamento
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foi sendo feito junto das camadas populares menos abastadas, vivendo em alguns dos
bairros mais pobres de Lisboa. A organização era celular, evitando-se a prisão e denúncia
dos cabecilhas. A iniciação fazia-se seguindo rituais de terror e de ameaça de morte para
os traidores e, para dar mais realismo ao acto, escolhiam-se locais soturnos, em noites
escuras. Os homens usavam capuzes que lhes cobriam os rostos para não serem
reconhecidos e exibiam-se punhais e pistolas como elementos de vingança contra todo
aquele que fraquejasse na hora da prisão e da tortura.
A Carbonária cresceu em pouco tempo e radicalizou-se no ódio à Monarquia, mas
nisso e em mais nada! O fim último era o derrube dos Bragança e não a construção de
uma República marcada por um programa, por muito ou pouco radical que fosse.
O regicídio, em Fevereiro de 1908, foi, tanto quanto se sabe na incerteza histórica, um
acto isolado da Carbonária. Não se tratou de um assassinato no mais puro e singelo
sentido do termo; foi, isso sim, a execução de uma sentença muito ditada pelo
comportamento político de D. Carlos. Daí que, por o ser, os funerais dos regicidas
tiveram o aplauso de uma população enraivecida contra a Monarquia. A morte dos
carrascos foi o derradeiro estertor de uma casa reinante incapaz de erguer o sonho de
um povo, de lhe levantar o moral, de lhe dar alento para enfrentar a modernidade. A
Carbonária havia ocupado todo o espaço onde se poderia movimentar a tolerância
política. Pouco tempo antes da proclamação da República julgava-se, talvez com algum
exagero, militavam nas fileiras daquela agremiação secreta e revolucionária cerca de
vinte mil homens, todos possuindo, pelo menos, uma arma de fogo.
Assim, em Lisboa, concentrava-se o grosso da força revolucionária, que fabricava
bombas artesanais para serem usadas no momento próprio. Estes homens sabiam o que
fazer na altura adequada e a sua acção ia desde o ataque à retaguarda das forças leais
ao trono, quando estas estivessem dispostas a esmagar a revolta, até ao
entrincheiramento nos locais de resistência para liquidar de vez com a Monarquia,
passando pelo serviço de estafetas entre núcleos de ataque ou pelo assalto a quartéis do
Exército e da Armada para conseguirem armas e munições de guerra (Fraga, 2010).
A Carbonária, com o apoio do Exército e da Marinha de Guerra, conseguiu a vitória
republicana na manhã de 5 de Outubro de 1910, mas há uma pergunta que tem de ficar
no ar:
Mas que República se proclamou?
Como ressalta, julgamos, do que dissemos antes, a realidade sociológica da República
proclamada em 1910 é um amarfanhado de ideias sem outro fio condutor que além
do desejo de derrube da Monarquia para conseguir mudanças capazes de projectar
Portugal nos domínios da modernidade, seja isso o que for ou isso até onde for. Assim,
ter-se-á, para perceber o que foi e o que representou a proclamação da República, de ir
mais além, entrando na própria República e desmontar as forças e as dinâmicas nela
presente desde o dia do derrube da Monarquia.
2. Uma República Ambiguamente Libertadora
Proclamada a República, pode dizer-se que nesse mesmo dia se iniciou o processo de
fractura entre republicanos, pois, o herói da Rotunda, Machado Santos, oficial da Armada
e um dos mais altos responsáveis pela Carbonária, considerou-se traído uma vez que os
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políticos do PRP, que em nada haviam contribuído para a vitória, tomaram conta do
processo e, sem lhe darem as explicações que, julgava, tinha direito, avançaram para a
formação do Governo Provisório (Santos, 2007). Esta fractura, para além de nos explicar
o temperamento de Machado Santos, -nos a, quanto a nós, magnífica indicação de
como se encarava a mudança de regime: a República tinha de ser tutelada pelo homem
de armas que comandara a revolta; não estava em causa o regime, mas quem o alterara;
não estava em primeiro plano o Povo, mas as individualidades empenhadas na alteração
havida. O individualismo começou a gritar mal tinha sido parida a República em Portugal!
O Governo Provisório teve o encargo de fazer aprovar a mudança de Monarquia para
República em todo o país, e não é raro haver historiadores que, em ar de chacota,
afirmam ter sido feita essa proclamação pelo telégrafo. Foi-o, de facto, mas em nada
mingua a vitória republicana! Se o país aceitou a República, proclamada e implantada
deste modo, é porque ou era republicano ou não via motivos para defender a Monarquia,
que, assim, podemos considerar, estava, então, podre e só à espera de quem a
derrubasse. Mas também esta conclusão está errada! E vejamos o motivo.
Os monárquicos alguns monárquicos , quase no dia seguinte à aclamação da
República, começaram a conspirar. Não era o cidadão anónimo monárquico por hábito
ou convicção que conspirava! Eram todos aqueles que sabiam quanto ia representar para
eles a mudança para a República. Esses iniciaram reuniões, conciliábulos para estudar
como se havia de repor o trono e o rei no seu lugar. Um ano depois, após treinos mal
feitos na Galiza, bem junto da fronteira portuguesa e com o conhecimento e
consentimento das autoridades espanholas, uma força mal armada, comandada por um
monárquico fiel à Monarquia, mas não muito crente no seu rei, invadiu uma povoação do
Norte e proclamou a restauração do velho regime. Mas foi por pouco tempo. Algumas
horas apenas. Teve de fugir. Acreditava que bastaria este acto insólito para gerar uma
onda de repulsa no país, originando a revolta contra a República. Enganou-se, em
absoluto (Fraga, 2012: 367-401).
A conspiração continuou pelos anos fora (Samara, 2010: 381) mas sempre fraca e
incapaz de um retorno. Seriam republicanos os Portugueses? Ou simplesmente
indiferentes? É o que tentaremos perceber de seguida.
2.1. O Governo Provisório ou a verdadeira revolução
Após a proclamação da República, quando se entrou em normalidade, tomou posse o
Governo Provisório. A legislação começou a sair em catadupas. Em Portugal
desenhavam-se e lançavam-se as bases da mudança. Essa mudança era, afinal, a
revolução. Sendo provisório, o Governo o se limitou a fazer gestão corrente! Ele foi
revolucionário. A revolução o foi no dia 5 de Outubro de 1910; a revolução durou
enquanto durou o Governo Provisório (Ferrão, 1976), mas este não governava sozinho;
semanalmente reunia-se com o directório e a junta consultiva do PRP. A República estava
a impor-se. É esta dependência e esta ligação que fazem da legislação um corpo
revolucionário. É certo que também a Carbonária ainda mantinha pressões junto do
Ministério da Guerra; ela era contra as greves que se começam a desencadear um pouco
por todo o lado. As reivindicações aumentavam de tom como nunca se tinha visto na
Monarquia. E a Monarquia dizia-se liberal!
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Logo desde o início verificaram-se, dentro do Governo, tendências políticas
correspondentes às diferentes sensibilidades existentes no PRP. A mais radical resultou
da ligação entre Bernardino Machado, Afonso Costa e alguns dos oficiais do Exército que
mais empenhados estavam com a República. Esta aliança vai subsistir até depois do final
da Grande Guerra e encontrou eco em grande parte da população. Mas é neste particular
que as clivagens, que nos importam, se fazem; elas ocorrem ao nível popular
especialmente por causa da publicação da Lei da Separação das Igrejas do Estado
(Decreto-Lei de 20 de Abril de 1911) e de toda a legislação anticlerical proposta por
Afonso Costa, ministro da Justiça, e aprovada. Ele foi, quanto a nós, a alma da revolução
republicana em vários momentos no Governo Provisório, no seu primeiro Governo, o
mais estável de toda a República, em 1913, no segundo, em 1915, quando consegue a
beligerância na Grande Guerra, no de União Sagrada e subsequente, em 1916 e 1917 e,
finalmente, quando ficou na Conferência da Paz e na Sociedade das Nações a zelar pela
possibilidade de Portugal sair altamente beneficiado, do ponto de vista financeiro, da
Grande Guerra, ganhando a possibilidade de se lançar na actividade comercial marítima
em boas condições de competitividade nem sempre bem compreendidos na sua época
e hoje ainda.
Foi por causa da Igreja Católica e do clero reaccionário que Portugal, na prática se dividiu
quase ao meio. A Norte, o grande peso da religião foi determinante para afastar as
populações rurais da República, sem, todavia, as aproximar da defunta Monarquia. As
populações estavam divididas entre a percepção das intenções dos republicanos radicais
e o repúdio por elas. Na ruralidade das aldeias e pequenas vilas a ira do pároco tinha
fortes reflexos nas famílias, mas o mesmo o acontecia nas cidades onde
preponderava uma maior tolerância, por se perceber, ou julgar perceber, o alcance das
medidas governamentais (Moura, 2004). Porque, realmente, a grande luta republicana
ia contra a influência do clero e não contra a religião, como se quis fazer crer na altura.
O efeito da legislação mais agressiva em relação à tradição fez sentir-se, em sucessivas
ondas de choque de menor intensidade ao longo do tempo, até depois do golpe militar e
ditatorial de Maio de 1926.
Mas, para além das leis anticlericais, que outras houve, dimanadas do Governo
Provisório, para lhe darem o cunho revolucionário?
Ademais da criação das universidades de Lisboa e do Porto, que, de uma vez por todas,
romperam com o monopólio do ensino superior universitário em Coimbra, rejeitando a
hegemonia da velha academia em Portugal (recorde-se que, em 1837, quando se quis
criar a universidade de Lisboa, os lentes coimbrões conseguiram fazer cair o Governo)
deve mencionar-se, como sendo um logro para os trabalhadores, a publicação do decreto
regulamentador da greve, pois dava ao patronato direitos que nunca foram aceites pela
classe obreira. E foi neste particular aspecto que maior contestação teve, logo no primeiro
ano de vida, a República, pois, como deixámos vagamente referido, o número de
greves cresceu exponencialmente se comparado com as do tempo da Monarquia. Ora,
não foi por haver maior liberdade que tal aconteceu! Foi porque, de facto, a República
defraudou as espectativas dos trabalhadores, deixando bem marcado que era um regime
vocacionado para a pequena e média burguesias, que a revolução levada a cabo pelo
Governo Provisório, nas suas várias vertentes, definiu como meta a modernidade
pequeno-burguesa.
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Mas não foi nos níveis anteriores que o Governo Provisório deixou a sua marca
indelevelmente revolucionária. Na verdade, um outro aspecto altamente significativo foi
a reforma do Exército. Com efeito, a 25 de Maio de 1911, foi publicado o Decreto-Lei que
estabelecia novas bases para o serviço militar, transformando o antigo sistema
permanente em miliciano com larga inspiração no modelo suíço. Era uma tentativa para
alterar, em poucos anos, a mentalidade dos cidadãos masculinos, gerando-lhes um
sentimento de pertença e de total integração na Pátria (Fraga; Samara, 2014: 93-115).
Curiosamente, esta ideia teve proveniência, não nos jovens turcos como é vulgar ler-se
e referir-se, mas em Afonso Costa, que a expôs com toda a clareza na sua tese de
doutoramento (Sousa, [s.d.]: 15-16).
Como se pode perceber, há, no plano social, profundas contradições nas posições
assumidas pelo Governo Provisório da República, em Portugal, pois, umas vezes,
desenha rupturas abruptas e quase insanáveis e, noutras, procura a todo o transe
amalgamar esse tecido à volta de um conceito que se pretende refazer com orgulho do
passado histórico.
Mas a revolução republicana gerada pelo Governo Provisório abriu brechas entre os
próprios republicanos. A primeira, foi criada pelo princípio de facilitar a adesão ao PRP a
quem, havia pouco tempo, militava nas fileiras monárquicas, designando-os por
adesivos. A segunda, resultou de alguns republicanos históricos quererem que houvesse,
logo a seguir a Outubro, eleições para uma assembleia constituinte, travando-se a acção
legisladora do Governo Provisório. A terceira, e mais grave, deu-se aquando da eleição
do Presidente da República, que juntou, a um lado, a ala moderada e mais conservadora
dos republicanos os bloquistas e, a outro, a mais radical chefiada por Afonso Costa…
foi o começo do fim da aparente unidade republicana.
Ao chegar ao término do seu mandato o Governo Provisório tinha, efectivamente, lançado
os alicerces da revolução republicana, faltando completá-la noutras frentes, mas
politicamente, as esperanças existentes na República, antes de ter sido proclamada,
estavam perdidas. O sonho, porque era isso mesmo, desfez-se após o despertar,
originando uma profusão de conflitos abertos e latentes, que uma análise fria, antes
de Outubro de 1910, seria capaz de detectar. Se alguém a detectou calou-se para o
atrapalhar o derrube da Monarquia. Portugal ganhou alguma coisa com a República? O
Povo beneficiou com a mudança de regime? A tendência para a modernidade venceu e
colocou Portugal na senda da Europa? A soberania portuguesa saiu reforçada com a
República?
São perguntas cujas respostas ensaiaremos nas páginas seguintes.
2.2. A Grande Guerra e o cerne da verdadeira revolução
Quando a República foi proclamada e se escolheram os mbolos nacionais portugueses
a bandeira tradicional foi substituída e, também, como era natural, o hino. Ambos os
mbolos têm um fundamento que transporta uma história, mas, mais do que isso, um
significado não imediatamente visível ou compreensível.
Passando ao hino nacional republicano, verificamos que, com a ligeira alteração de um
verso, se adoptou o hino escrito e composto aquando do ultimato inglês de 1891. Se
necessário acrescentar mais para se perceber que, na política externa, a República, não
sendo por mera conveniência de momento antibritânica, era defensora do fim da
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tutela inglesa, na medida em que tal fosse possível? Foi este aspecto que continuou a
revolução, em 1914, pois, contrariando os desejos da Grã-Bretanha, a ala mais radical
de todos os republicanos os companheiros políticos de Afonso Costa tudo fizeram
para levar Portugal à guerra a pedido da Inglaterra, provando, assim, ao mundo, que a
soberania nacional portuguesa valia tanto quanto a soberania nacional britânica (Fraga,
2012). Todavia, as intenções de uma certa facção republicana, defensora das rupturas
comportamentais conservadoras, no último ano de guerra e nos que se lhe seguiram até
28 de Maio de 1926 data do golpe militar instaurador da longa ditadura vigente até
25 de Abril de 1974 foi sendo contestada através de golpes sucessivos, políticos ou
militares, fazendo crescer, na massa apoiante da República e junto daqueles para quem
ela foi implantada a pequena e a modesta média burguesias ,o desejo de paz social,
tranquilidade no viver, ainda que sacrificando o caminho para a modernidade. Deste
modo, o conservadorismo venceu a inovação. A tradição impôs-se à revolução,
esmagando-a, porque, por um lado, as rupturas foram fundo em excesso no tecido social
português ao gerar conflitos sobre conflitos em sectores antagónicos, mas minoritários,
desejosos de atingirem a governação e, por outro, a população apoiante da República
cansou-se das desgastantes quezílias políticas. Sobre estas duas razões sobrepuseram-
se mais elementos: a desorganização económica da Europa, o atraso industrial
português, a fraca rentabilidade da agricultura praticada e, mais do que tudo, a
baixíssima taxa de investimento em novos sectores produtivos. Em suma, tudo, em
Portugal, tendia para a tradição super conservadora. Mas, por trás desta tendência ou a
justificá-la havia, muito, um conceito que ganhava espaço entre algumas elites
fossem católicas, monárquicas e, até, republicanas. Esse conceito entrou no léxico
político português no pós-Grande Guerra, logo nos primeiros anos da década de vinte,
quando se fundou, em 1923, o Partido Republicano Nacionalista (Leal, [s.d.]: 35). A
tradição ganhava uma forma de se designar: nacionalismo (Leal, 1999).
A ascensão política de António de Oliveira Salazar e do fascismo português, a partir de
1928, resultou de um jogo que ele soube jogar entre interesses em oposição, praticando
equilíbrios muito instáveis, mas sempre cautelosamente geridos no sentido da tradição
campesina, aldeã e rural (Curto, 2016). A República deixou de ser revolucionária, deixou,
quase, de ser República para ser um regime político de um homem que até podia ser rei
sem se sentar num trono e sem mudança nominal do regime.
A República de 1910 não morreu com a entrada em vigor da Constituição Política de
1933, mas com a tomada de posse de Salazar como Presidente do Ministério, em 1932.
Foi a tradição, o conservadorismo, apelidado de nacionalismo, quem assumiu as rédeas
da governação. Portugal recuou uma trintena de anos, regressando aos comportamentos
mentais do começo do século XX. A mão férrea da censura prévia, da polícia política e a
exaltação de um catolicismo próximo da crendice colocaram a população da cidade e do
campo fora de todo e qualquer movimento de modernidade que pudesse chegar da
Europa, já então a viver, também ela, os contornos das ditaduras fascistas e nazis.
O regime político que vigorou, em Portugal, até 1974 somente no nome teve alguma
ligação à anterior República, no resto, repudiou caminhos, fins e políticas. Naturalmente,
a República renascida em 25 de Abril de 1974 foi herdeira da que havia sido proclamada
em 1910 num tempo e num contexto completamente diferentes e também quis ser
revolucionária, contudo, buscando outros trilhos e visando outros objectivos, foi somente
na liberdade e na prática democrática que encontrou ligeiros pontos de contacto.
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Conclusão
Procurámos, ao longo das páginas anteriores, descrever, com a brevidade possível, o
processo de mudança de regime monárquico para republicano em Portugal.
Realçámos vários aspectos do tecido social português do final do século XIX até ao
começo do século XX e destacámos, também, como se processou a mudança da
Monarquia para a República nesse tecido face às rupturas provocadas pelas decisões
revolucionárias do Governo Provisório o mais revolucionário de todos os Governos
republicanos no pós-República e deixámos, julgamos, bastante clara a ideia de que o
PRP, não tendo um programa que fosse muito mais além do que o mero repúdio da
Monarquia, tinha, contudo, um sector o chefiado por Afonso Costa cujo objectivo
prioritário era romper com tradições e anciloses, levando Portugal para a modernidade
europeia da época.
Tentámos ligar realidades sociais com disposições legislativas onde prevalecia a fractura
sobre a continuidade e mostrámos que o elemento conservador na sociedade portuguesa
foi mais resistente à mudança, acabando por anular os esforços inovadores
representados por uma ala dos republicanos. Demos alguma atenção ao elemento que
espoletou, depois do fim da Grande Guerra, o desejo do regresso à paz social com o
consequente retorno aos limites do conservadorismo. Estamos em condições de rematar
esta deambulação pelos anos do fim do século XIX e começo do século XX, quando, em
Portugal, se viveu o republicanismo e se proclamou a República.
Em jeito de remate conclusivo, podemos afirmar que o confronto entre a tradição, em
Portugal, agindo dialecticamente sobre a inovação, travou, desde o início, o processo de
abertura à modernidade europeia do começo do século XX, mas, mais ainda, levou à
degeneração da República, que, sendo democrática, liberal e pequeno-burguesa, mas
com afirmações marcadamente socializantes, acabou transformando-se numa República
ditatorial fascista com uma longa duração de quarenta e oito anos.
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LA INTERDEPENDENCIA COMPLEJA Y SU APORTE A UN NUEVO ENFOQUE
SOBRE LA LABOR DE LA ORGANIZACIÓN
DEL TRATADO DE COOPERACIÓN AMAZÓNICA
Gisela da Silva Guevara
gisela.silvaguevara@gmail.com
Ph.D. Profesora-investigadora de la Facultad de Finanzas, Gobierno y
Relaciones Internacionales de la Universidad Externado de Colombia (Colombia).
Investigadora adscrita al Centro de Investigaciones y Proyectos Especiales (CIPE) de la
Universidad Externado de Colombia, donde realiza proyectos sobre seguridad regional con énfasis
en Brasil. Entre sus últimos libros publicados se cuenta Geopolítica Latinoamericana: Nuevos
Enfoques y Temáticas, Bogotá: Universidad Externado.
Máster en Estudios sobre Seguridad e Inteligencia de la Universidad Brunel, Londres y Doctora en
Ciencia Política y Relaciones Internacionales de la Universidade do Minho, Portugal.
Resumen
Buscamos analizar en el presente artículo la labor que el Tratado de Cooperación Amazónica
(TCA), convertido a inicios del siglo XXI en Organización del Tratado de Cooperación
Amazónica (OTCA) con secretaría permanente en Brasilia, ha desarrollado para el debate
sobre la sostenibilidad de la selva amazónica. Aunque habitualmente el trabajo de esta
organización ha sido estudiado bajo un enfoque realista, esto es, centrado sobre todo en la
acción de sus Estados-miembros, consideramos que la Interdependencia Compleja, teoría
desarrollada por Nye y Keohane, puede ampliar el conocimiento de la acción del Tratado en
pro del debate sobre la sostenibilidad de la Amazonía, a nivel regional.
Palabras-clave
Organización del Tratado de Cooperación Amazónica; desarrollo sostenible; teoría de la
Interdependencia Compleja; debate ambiental regional.
Cómo citar este artículo
Guevara, Gisela (2018). "La Interdependencia Compleja y su aporte a un nuevo enfoque sobre
la labor de la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica". JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 9, N2, Noviembre 2018-Abril 2019. Consultado [en línea] en
fecha de última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.5
Artículo recibido el 14 de Septiembre de 2017 y aceptado para su publicación el 1 de
Julio de 2018
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LA INTERDEPENDENCIA COMPLEJA Y SU APORTE A UN NUEVO ENFOQUE
SOBRE LA LABOR DE LA ORGANIZACIÓN
DEL TRATADO DE COOPERACIÓN AMAZÓNICA
1
2
Gisela da Silva Guevara
Introducción
El Tratado de Cooperación Amazónica (TCA) y su relanzamiento en los años noventa, con
la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica (OTCA), fue una oportunidad
histórica para que los países suramericanos reflexionasen sobre el significado del
desarrollo sustentable y sostenible para sus territorios amazónicos. Seis años antes de
que el Tratado fuese firmado, la Conferencia de Estocolmo había definido el desarrollo
sustentable como “un proceso por el cual se preservan los recursos naturales en beneficio
de las generaciones presentes y futuras” (Declaración de Estocolmo, 1972, principio 2).
Pasados más de diez os de Estocolmo, el Informe Brundtland (ONU, 1987) no solo
expandiría el concepto a desarrollo sostenible, como llamaría la atención para la gravedad
de la deforestación de las selvas.
Patricia Guzmán recalca que
«La fragmentación conceptual del territorio por medio de “fronteras”
tuvo un impacto incoherente. Idealmente, ante el planteamiento de
un recurso limitado, el concepto de fronteras políticas debería haber
llevado a la comprensión integral de las causas y los efectos de la
actividad humana […].» (2012: 29).
Esta afirmación no podría ser mejor aplicada a la Amazonía, territorio que, siendo
compartido por ocho naciones suramericanas, comparte también inúmeras problemáticas
comunes. Éstas van desde los niveles preocupantes de deforestación, manejo de recursos
hídricos hasta altos índices de pobreza, correlacionados, en algunos casos, con una
mayor propensión para actividades ilegales.
La Amazonía representa para los ocho países miembros del TCA, un porcentaje muy
diferente respecto a la extensión de sus respectivos territorios nacionales. Mientras para
Brasil representa más del 60% del territorio nacional, para naciones como Ecuador
1
Todos los fragmentos en idiomas extranjeros en el presente texto fueron traducidos al español por la autora,
salvo en las notas aclaratorias, donde se mantuvieron en su idioma original.
2
La autora agradece a los dos pares anónimos sus valiosos comentarios. Cualquier error es de la única
responsabilidad de la autora.
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corresponde a unos 46%. En Brasil se verifican igualmente grandes asimetrías entre un
sur y sureste con megaciudades industrializadas, como São Paulo o Rio de Janeiro,
responsables por 50% del PIB, y el norte y occidente del territorio nacional con baja
densidad poblacional, altos índices de pobreza y con dificultades en integrarse en el
espacio nacional (Anatol, 2011).
Enfocándose especialmente a la Amazonía brasileña, Espitia Caicedo (2007) destaca que
la madera de la selva amazónica es en un 80% explotada de forma ilegal e incluso cuando
dicha explotación se hace de forma legal, ocasiona gran destrucción. Por otro lado,
cuando se tiene en cuenta los problemas de desempleo que aquejan estados amazónicos
como Pará, Mato Grosso y Rondonia, y que la explotación de madera corresponde a un
15% del PIB (Espitia Caicedo, 2007), verificamos que la necesidad de desarrollar modelos
más sostenibles para los territorios amazónicos, brasileños o no brasileños es, desde
hace décadas, una necesidad contundente.
Cuando en 1978 el TCA fue firmado, todavía no se había clarificado cuál la relación entre
el desarrollo sustentable y los modelos económicos. De hecho, de forma ambigua, el TCA
menciona que
“Considerando que para lograr un desarrollo integral de los
respectivos territorios de la Amazonia es necesario mantener el
equilibrio entre el crecimiento económico y la preservación del
medio ambiente” (OTCA, s.f.).
Solamente en los inicios de los años 90 se reevaluó las premisas del Pacto Amazónico y
se reconoció el concepto de desarrollo sostenible, siendo creadas dos nuevas Comisiones
especiales, la del Medio Ambiente y la de Asuntos Indígenas (Román, 1998). Es necesario
enfatizar que el relanzamiento del TCA en estos años había estado estrechamente atado
a las amenazas, reales o percibidas, de la internacionalización de la Amazonía
3
. Sin
embargo, todavía no era muy claro cómo deberían los Estados firmantes del TCA
cooperar en asuntos amazónicos y cómo se podría obtener financiamiento para el
Tratado. Permanecía el dilema para los miembros del pacto amazónico, y en especial
para Brasil, sobre si la prioridad del Tratado era ¿proteger los derechos de soberanía de
los países amazónicos frente a supuestas ambiciones del Norte? o ¿coordinar políticas
comunes para manejar de forma sostenible recursos amazónicos de las ocho naciones
firmantes del TCA?
Los Estados suramericanos, tanto en el marco de sus modelos centralistas, como el caso
del colombiano, como federalistas, como en el caso del brasileño, suelen no solamente
ignorar las especificidades de sus espacios amazónicos, como no valorar las posibilidades
transfronterizas de sus características ambientales y culturales. En el caso de la
Amazonía colombiana, Arenas y Ruedas (2012: 145) afirman que las políticas del
Gobierno nacional “reflejan una visión desde lo andino o lo caribeño y no han logrado
incorporar las particularidades de una región donde la riqueza ambiental y cultural
sobrepasa la frontera nacional.”
3
Para una profundización del tema de la internacionalización de la Amazonía, especialmente la brasileña,
véase Da Silva Guevara, Gisela (2016).
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Germán Grisales resume de la siguiente forma, cómo se debe lidiar con las problemáticas
de la Amazonía: “Hay que tratar a la Amazonía como un asunto interno; defenderla como
un asunto regional, y recibir respaldo financiero y técnico [… ] en un plan mundial.” (cit.
en Espitia Caicedo, 2007: 78). Partiendo de la afirmación de Grisales, nuestro artículo
busca, en primera instancia, analizar los esfuerzos del TCA para, a nivel regional,
fomentar la reflexión sobre modelos de desarrollo sustentable para las selvas tropicales.
En segundo lugar, se estudia las limitaciones del enfoque neorrealista sobre la OTCA,
proponiendo ampliar el conocimiento sobre esta organización a través de la
Interdependencia Compleja. Estos aspectos serán analizados con el fin de evaluar si la
OTCA ha contribuido de forma significativa para el debate de la sostenibilidad de las
selvas, regionalmente.
Consideramos que varias premisas de la teoría de la IC pueden ser aplicadas al análisis
del TCA/OTCA, llevando a revisar el enfoque analítico realista/neorrealista. Entre ellas
está que el rol del hegemón exige “deferencia”, pero no implica que éste no tenga que
llegar a consenso con los Estados-miembros de las organizaciones regionales. Por otro
lado, la relevancia de la acción de redes transnacionales de contactos durante la
consolidación de la financiación del TCA no ha sido tenida en cuenta a la hora, pues
dominó en enfoque estato-céntrico del realismo/neorrealismo; como veremos en nuestro
artículo para el caso de la red construida alrededor de Carrera de la Torre. Bajo el enfoque
de la Interdependencia Compleja (IC), dichas redes permiten destacar que no solo los
Estados son determinantes en la consolidación de organizaciones regionales. Finalmente,
consideramos que es necesario tener en cuenta que la IC permite dar importancia a la
labor de actores transnacionales que, en muchos casos, revelan gran proactividad a la
hora de impulsar iniciativas ambientales de las organizaciones ambientales, como
veremos con la el proyecto piloto de la iniciativa MAP (Madre de Dios, Perú-Acre, Brasil-
Pando, Bolivia).
La metodología es cualitativa, utilizando variedad de obras y artículos académicos, así
como fuentes primarias, donde se podrá evaluar el rol de la OTCA en el debate regional
a favor de la sostenibilidad de las selvas tropicales. Se trianguló lo estipulado en los
tratados y otros documentos oficiales con fuentes secundarias, donde se averiguó la labor
de actores transnacionales, entre otros. Se definió varios varias dimensiones a partir de
las cuales se buscó revisar las limitaciones y sesgos del enfoque teórico realista o
neorrealista, a fin de abrir un nuevo campo de análisis bajo la teoría de la
Interdependencia Compleja aplicada al TCA/OTCA. Entre estas dimensiones están, a
saber: 1) La financiación del TCA impulsada por redes transnacionales de contactos, que
en larga medida fueran ignoradas por los análisis realistas o neorrealistas; 2) La
sobrevaloración del rol del hegemón (Brasil) a la hora de explicar los avances del
TCA/OTCA; 3) La subvaloración de la labor de actores transnacionales como el MAP, que
abarcan la labor de ONGS, centros de pensamiento, corporaciones transnacionales o
académicos de universidades, entre otros, merecen un estudio más preciso a la hora de
analizar la labor de organizaciones ambientales, como la OTCA; 4) La subvaloración del
trabajo de organizaciones ambientales articulado con actores no estales, en el sentido de
impulsar la protección de aspectos ambientales de las selvas tropicales “desde abajo
hacia arriba”.
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Marco teórico
Según el académico brasileño de Brito (2007: 182)
“Jurídicamente, el TCA puede ser clasificado como un tratado
marco, internacional multilateral. También es considerado un
tratado internacional ambiental, con características de normas de
soft law, y que conforma un régimen internacional en la región
amazónica […].
4
El tratado, también denominado como pacto amazónico, había sido promovido en los
años 70 por Brasil bajo el signo de la cooperación regional, con el fin de manejar asuntos
ambientales articulados con un desarrollo económico de la Amazonía. Cuando el pacto
fue firmado, a finales de los os 70, el concepto de desarrollo sostenible
5
todavía no
había sido debatido internacionalmente a cabalidad. En la Conferencia de Estocolmo, en
1972, solo se había definido en su Declaración final el concepto de desarrollo sustentable.
Para Philippe De Lombaerde (2009: 8) la cooperación regional
“puede ser definida como un proceso abierto, mediante el cual
Estados individuales (o posiblemente otros actores) en el marco de
una dada área geográfica, actúan en conjunto para beneficio mutuo
y en aras de resolver tareas comunes, en ciertos aspectos […] a
pesar de intereses en conflicto en otros campos de actividad.”
Esta definición se distingue, según el mismo autor, de la de “integración regionalque se
refiere a “un proceso s profundizado, mediante el cual unidades que eran previamente
autónomas son fusionadas en un todo.” (op. cit.: 8). Partiendo de las definiciones de De
Lombaerde, pasaremos a debatir cuál enfoque teórico nos serviría mejor para nuestro
caso-estudio de la OTCA.
Los ocho países suramericanos que terminaron por firmar el pacto amazónico en 1978,
habían alimentado serias desconfianzas respecto a los objetivos de Brasilia con este
acuerdo, las cuales no fueron fácilmente eliminadas con la firma del pacto. De hecho, las
ambiciones iniciales expresadas por Brasil en el sentido de hacer del TCA un esquema
más amplio de integración fueron rechazadas por Venezuela que “temía una expansión
brasileña en la región.” (Román, 1998: 242).
Las desconfianzas mencionadas tenían su justificación. Como Román
6
(1998: 250)
afirma, a mediados de los años 80, “los lideres brasileños consideraban ahora la
cooperación regional como una herramienta para concretar objetivos militares de
seguridad.” De hecho, el TCA y posteriormente la OTCA han sido considerados con
4
Traducción propia.
5
El desarrollo sostenible es definido como la satisfacción de” las necesidades de la generación presente sin
comprometer la capacidad de las generaciones futuras para satisfacer sus propias necesidades.” (Nuestro
futuro común, ONU, 1987).
6
Se trata de uno de los mejores conocedores de la conformación del TCA, quién elaboró una tesis de
doctorado sobre el tema.
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escepticismo por gran parte de los académicos. Da Silva (2012) menciona que a pesar
de los mecanismos cooperativos en términos ambientales, sigue sobreponiéndose en esta
organización intereses y ambiciones de los países-miembros, los cuales están sobre todo
enfocados a relaciones de fuerza. De Brito (2007), por su parte, enfatiza la incongruencia
entre el discurso de la sostenibilidad de la OTCA y la práctica de los países signatarios.
Lo mencionado nos podría llevar a considerar, a primera vista, que el realismo, o más
precisamente el neorrealismo ofensivo, podría ser la teoría que mejor aplicaría a nuestro
caso-estudio. De hecho, el neorrealista Mearsheimer (2001) defiende que los países no
cooperan para promover la paz, sino para maximizar su poder en el sistema.
En el caso de Brasil, el Plan Calha Norte (PCN), creado en 1985 y dado a conocer el año
siguiente, buscaba reforzar la protección militar de la frontera norte, frente a vecinos
inestables como Perú, Bolivia o Colombia
7
. Estos tres países producían a inicios de los
años noventa montos constantes de cocaína (Anatol, 2011). Román (1998) afirma que
la prioridad de los líderes brasileños era complementar el PCN con el TCA. O sea, Brasilia
perseguía objetivos nacionales de seguridad con este tratado y no tanto fomentar una
cooperación regional para lidiar con temáticas medioambientales de la Amazonía. Pero
entonces ¿cómo explicar que a pesar del rechazo de las demás naciones amazónicas a
los objetivos militares brasileños al respecto del TCA, el pacto se fue gradualmente
transformando en una herramienta de cooperación regional, por medio de la cual hubo
“una redefinición conceptual de la relación entre medioambiente,
seguridad y desarrollo económico […], pasando temáticas de
seguridad militar a no ser tan priorizadas”? (Román, 1998: 256).
Por lo anterior mencionado, el neorrealismo ofensivo demuestra ser una teoría con
limitaciones para nuestro caso-estudio, pues no explica a cabalidad la consolidación del
TCA. Bajo los mandatos del presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) la
diplomacia brasileña empezó a manejar temáticas en “un ambiente internacional
cooperativo con predominio de la interdependencia” (Vigevani, i.a., 2003: 56). Para
explicar la consolidación del TCA, el enfoque teórico de la interdependencia compleja, de
Nye y Keohane (1977) podría sernos de gran utilidad. Ni Brasil, ni los demás países
suramericanos podían considerar llevar para delante solamente sus objetivos militares
de la protección de sus fronteras, de la perspectiva exclusiva de su soberanía, teniendo
que utilizar foros multilaterales para mejor interactuar con las demás naciones en un
contexto de la Pos Guerra Fría, más interdependiente. Esto con el fin de debatir temáticas
tan apremiantes tales como el desarrollo sostenible de la Amazonía. De hecho, con la
creación del TCA en 1978, mismo si el contexto era la Guerra Fría, en el cuadro de
regímenes autoritarios
8
, los países miembros habían reconocido que tenían que cooperar
para salvaguardar la Amazonía. Tenemos entonces en el TCA y, posteriormente, en la
OTCA, la concientización de los países-miembros que 1) Había/hay que tomar medidas
contra la deterioración ambiental de la Amazonía y 2.
7
Brasil tiene contingentes especiales de patrullas fronterizas al largo de las fronteras con Perú, Bolivia y
Colombia, las cuales según el país vecino se designan BOBRA (Bolivia-Brasil); PEBRA (Perú-Brasil) o COBRA
(Colombia-Brasil) (Anatol, 2011).
8
En el caso del régimen autoritario brasileño, éste se extendió entre 1964 y 1985.
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La noción de Interdependencia Compleja surgió en los años 20 con el académico
Raymond Leslie Buell pero fue con la obra de Nye y Keohane, publicada por primera vez
en 1977, titulada Power and Interdependence, que mejor se precisó qué significa
interdependencia para la Relaciones Internacionales y cuál su utilidad para los análisis
de este campo del saber. Los dos norteamericanos argumentan que el decaer del uso de
la fuerza militar como herramienta política y el aumento de la interdependencia
económica (y otras formas) deberían aumentar la cooperación entre Estados (y otros
actores) (Nye y Keohane, 1977).
Entre las características de la Interdependencia Compleja mencionadas por Nye y
Keohane (1977), están las relaciones interestatales, transgubernamentales y
transnacionales. Por otro lado, mientras los realistas o neorrealistas parten de la premisa
que los canales de conexión en la política mundial son, por excelencia, entre Estados, los
dos autores norteamericanos afirman que la agenda de relaciones interestatales está
compuesta por múltiples temáticas no siempre claramente jerarquizadas. Así siendo
“Diferentes asuntos generan diferentes coaliciones, ambas en el marco de los gobiernos
y transversalmente en estos, e involucran diferentes grados de conflictos (Nye y
Keohane, 1977: 25)
9
.
Asimismo, según la Interdependencia Compleja se afirma que “Estados menos
vulnerables intentarán utilizar la interdependencia asimétrica en algunos grupos
particulares de temáticas como fuente de poder.” (Nye y Keohane, 1977: 32). En el caso
del TCA y después de la OTCA, Brasil intentó lanzar propuestas que se articulaban con
temáticas de seguridad regional, integración económica y medioambiental. Las dos
primeras fueron rechazadas por algunas naciones vecinas, pero la última tuvo alguna
aceptación, como veremos.
Nye y Keohane (1977: 32-33) afirman que la Interdependencia Compleja haría más
probable que el agendar de temáticas serían “afectadas por problemas internacionales y
domésticos […].” La cuestión es, en nuestro caso-estudio, de qué forma, por ejemplo, la
discusión que se ha dado a inicios de los noventa sobre la internacionalización de la
Amazonía o con la Conferencia Rio 92
10
llevó a una reactivación del TCA. Por otro lado,
¿cuál papel tuvieron las organizaciones internacionales dedicadas a asuntos ambientales,
en la agenda establecida por el TCA y en su reactivación, según la Interdependencia
Compleja? Averiguaremos por consiguiente según este enfoque teórico cuál papel tuvo
el TCA a nivel regional en el fomento del debate sobre la sostenibilidad de las selvas
tropicales.
La OTCA y el debate sobre la sostenibilidad de las selvas a nivel regional
En la literatura académica, la OTCA ha sido muchas veces descrita en tonos negativos.
Por diversos motivos. Por ejemplo, en la tesis de maestría de Rodolfo Ilario da Silva
(2012) se menciona que las dificultades presupuestales de la organización, dependiendo
de recursos externos, hacen con que la cooperación entre sus miembros no sea tan
estrecha como sería deseable. Adicionalmente, el mismo académico recalca que si bien
es cierto los países miembros muestran consenso en cuanto a su voluntad de cooperar,
9
Traducción propia.
10
La Conferencia de las Naciones Unidas sobre Medio Ambiente y Desarrollo, que tuvo lugar en Río de Janeiro,
en 1992.
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tienen sin embargo “dificultad […] en traducir esta compatibilidad en acciones prácticas.”
(da Silva, 2012: 179). Para Sant´Anna (2009: 111)
“La preservación de la soberanía todavía es un tema de mayor
relevancia en las reuniones en el ámbito de la OTCA. Se entiende
que los países son reacios en afirmar compromisos que impliquen
mayores obligaciones.”
A pesar del escepticismo demostrado por los anteriormente mencionados autores, otros
académicos, como el historiador Amado Cervo, recalcan la importancia de la firma del
pacto amazónico, afirmando:
temas de cooperación comenzaron a adquirir relevancia y a
sobrepasar los límites y las posibilidades de cooperación bilateral.
[…] Este tratado fue concebido con finalidad distinta de los tratados
que crearon Alalc, Aladi o el pacto Andino, que buscaban estimular
el comercio intrazonal o el mercado común. Su principal objetivo
consistía en implementar un mecanismo permanente de
concertación entre los gobiernos y los sectores técnicos de los países
amazónicos, con aras a la cooperación en áreas no económicas,
tales como los estudios hidrológicos y climatológicos, la cooperación
técnica y científica en materia de salud, transportes,
comunicaciones, preservación del medio ambiente etc. (Cervo,
2001: 261)
Por su vez, el economista Alfredo Costa-Filho (2003) destaca que la cooperación es cada
vez más importante, pues la Amazonía tiene importancia creciente a nivel mundial. Sin
embargo, advierte que los ocho países de la OTCA aplican de forma muy heterogénea
sus programas amazónicos. Pero hay que reconocer, como lo hace Keohane (1984) que
la cooperación no puede ser solamente vista en términos de intereses comunes, sino
teniendo en cuenta objetivos o metas potenciales para los Estados. Por otro lado, hay
que tener en cuenta, con Paasi (2011: 15) que
“Nos guste o no, regiones e identidades regionales parecen haber
mantenido sus papeles importantes en el mundo. No son meros
discursos académicos picamente abstractos, sino cruciales como
elementos de la práctica y discurso social y político.”
El TCA nos lleva igualmente a cuestionar si se firmó a finales de los años 70,
posteriormente reactivado en los años 90, un acuerdo regional que priorizaba la
cooperación en términos medioambientales, o si se trataba, ante todo, de un pacto
destinado, como rezaba el slogan brasileño, a “ocupar para no entregar”, frente a
supuestas ambiciones de las potencias industrializadas respecto a los ricos recursos
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amazónicos. En este sentido José Greño Velasco (citado en Román, 1998: 128) se
interroga ¿ha tenido el TCA la intención de concretar una cooperación mediante el
desarrollo integral o (meramente) buscaba el reconocimiento mutuo de la soberanía
sobre los respectivos territorios amazónicos?
En 1980, pocos años después que el TCA fuese firmado, un documento de la cancillería
brasileña contrariaba la idea que el coloso buscaba la hegemonía en América del Sur,
mencionándose
“En términos generales […] Brasil busca la realidad de la
cooperación, no la quimera de la hegemonía y considera altamente
positivo que América Latina sea un área de desconcentración de
poder […]” (Itamaraty a la Delegación en Buenos Aires, 25.08.1980
cit. En Cervo, 2001: 262).
Hay que anotar, a pesar de lo mencionado, que los estudios sobre el TCA (por ejemplo
Román, 1998) muestran que los temores de los vecinos suramericanos continuaron.
Independientemente de los temores de los países-miembros del TCA frente a las
pretensiones, reales o ficticias, de Brasil, bajo la Interdependencia Compleja tenemos un
enfoque diferente de los neorrealistas respecto al papel de la hegemonía y al liderazgo
en Relaciones Internacionales, el cual enriquece el estudio de nuestro caso sobre el TCA.
Respecto al papel del liderazgo en Relaciones Internacionales, se afirma:
El liderazgo hegemónico exitoso depende, en cierta medida, de la
cooperación asimétrica. El hegemón tiene un papel distinto,
suministrando a sus socios un liderazgo, a cambio de deferencia.
Sin embargo, diferente del poder imperial, él no puede hacer u
obligar [a cumplir] las normas sin un cierto grado de consenso por
parte de los otros Estados soberanos. (Keohane, 1984: 46)
Cuando el TCA fue firmado, se estipuló que las reuniones ordinarias debían ser realizadas
cada dos años. No solo eso no se concretó, como para reuniones dirigidas a estudiar
problemas específicos definidos por el Tratado, los países y sus representantes no
tomaban en serio la preparación de las temáticas anunciadas con antelación, llegando a
los encuentros sin trabajo preparatorio adelantado. Adicionalmente, fue necesario
esperar hasta finales de los años 80 para que las primeras Comisiones especiales
11
fuesen
creadas, debido a un escepticismo inicial frente al Tratado (Román, 1998).
Hasta los años 90, el TCA fue afectado en su funcionamiento con la inseguridad
presupuestal, pues las naciones-miembro del pacto defendían la idea que eran los países
desarrollados que debían suministrar los fondos para la protección y desarrollo de la
Amazonía, lo que remitía el acuerdo para la situación paradoxal de depender en su casi
11
Es importante también anotar que, en 1996, Guyana, Surinam y Venezuela todavía no habían creado
comisiones permanentes nacionales, las cuales deberían trabajar articuladamente con las Comisiones del
TCA (Román, 1998).
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totalidad de organizaciones internacionales (Román, 1998). Esto iba en clara
contradicción con la idea que los países del Sur debían finalmente tomar en sus manos
el desarrollo de sus territorios.
En los años 90, antes y después de Rio 92, el debate sobre la responsabilidad compartida
del Norte en temas ambientales fue acalorado. Mientras naciones del Sur tenían
habitualmente la posición que los países del Norte debían suministrar los recursos por
los servicios ambientales proveídos por el Sur, durante, por ejemplo, las conversaciones
sobre la Agenda 21
12
, en el marco de la Conferencia de Rio 92,
“se oyeron fuertes críticas contra el bloque del Sur por considerar
que su único interés en la Conferencia era buscar mecanismos para
extraer más recursos del Norte.” (Rodriguez Becerra, 1994: 84).
Hay que anotar que el texto de la Agenda 21 hace un llamado a que no solamente los
Estados fomenten la cooperación internacional en desarrollo sostenible, sino “otras
organizaciones internacionales, regionales y subregionales tienen también que contribuir
a ese esfuerzo” (Ministerio del Ambiente argentino, capítulo 1, 1.3.).
Los obstáculos para poner en marcha proyectos ambientales eran de diversa orden, y no
solamente en cuanto a los recursos. Empezaban por los principios estipulados en el TCA,
los cuales no eran muy claros respecto a cuál desarrollo se deseaba para la Amazonía.
Se menciona que el pacto amazónico tiene el objetivo de
“promover el desarrollo armónico e integrado de la cuenca, como
base de sustentación de un modelo de complementación económica
regional que contemple el mejoramiento de la calidad de vida de sus
habitantes y la conservación y utilización racional de sus recursos.”
(OAS, s.f.: s.p.),
pero la definición es bastante ambigua y por lo tanto propicia a una gran variedad de
interpretaciones y formas de implementación.
Incluso a un nivel sistémico, como el caso de la Agenda 21 de las Naciones Unidas,
existen críticas contundentes al respecto por parte de académicos dedicados a temas
ambientales. Blühdorn y Welsh (2008: 6), por ejemplo, mencionan que tanto la Agenda
21 mundial como las locales están de forma invariable subordinadas al crecimiento
económico, a la competitividad y a la innovación.” Los mismos autores indican también
como obstáculo para que se logre lidiar con crisis ambientales que hay tantos enfoques
ecológicos al respecto, que el impacto del ecologismo termina por ser contundentemente
afectado. Blühdorn llega incluso a mencionar la “abdicación del paradigma ecologista”
(Blüdorn, 1997 cit. en Blüdorn y Welsh 2008: 9).
12
La Agenda 21 fue un programa desarrollado por la División de Desarrollo Sostenible de la Naciones Unidas
para aplicar en la práctica principios de desarrollo sostenible a todos los niveles, desde lo local hasta lo
mundial.
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Asimismo, en los años 90, Brasil aceptó hacer parte del Programa Piloto internacional
para la Protección de las Selvas Tropicales de Brasil, el cual buscaba valorizar “el
patrimonio natural, las potencialidades productivas y la diversidad cultural de la población
regional (Kohlhepp, 2018: 308). Dicho programa tenía cinco subprogramas que incluían
Ciencia y Tecnología, el manejo de recursos naturales, tales como parques y reservas
naturales y el análisis y monitoreo. Lo novedoso de dicho programa es que enfatizaba
los aportes, entre otros, de pequeños productores, seringueiros
13
y grupos indígenas,
con características de “desarrollo desde abajo hacia arriba” (Kohlhepp, 2018: 315).
Podemos a verificar que, ya en la cooperación internacional en pro de temas
ambientales se plasmaba un enfoque que ya no solo estaba basado en el Estado nacional,
sino que incluía varios actores estatales y no estatales a varios niveles, desde lo
internacional al local.
Ravena (2012) destaca que problemas ambientales y el acceso/ uso de recursos
naturales tiene implicaciones sustanciales para llegar a un marco común institucional a
nivel nacional del Estado contemporáneo, el cual pasa a tener una dimensión mundial.
Sin embargo, según la misma autora, al analizar la formulación e implementación de
políticas ambientales a nivel de la Unión Europea se revelan contradicciones o dilemas
caracterizadas por “la relación intrínseca entre los niveles doméstico e internacional
(Ravena, 2012: 36). No obstante, lo anterior, la autora admite que “la interdependencia
sigue siendo el elemento balizador de una política internacional volcada para la regulación
ambiental […]” (op. cit: 36).
No hay que ignorar que los obstáculos para lograr un enfoque unificado en cuanto a lidiar
con asuntos ambientales son vastos. Emily Forster (2013) menciona uno, que es
fundamental. Se trata de la propensión, en el marco de las organizaciones de seguridad
y agencias para mantener ideas tradicionales de seguridad que atan de forma invariable
temáticas medioambientales a los intereses del Estado nacional. La autora enfatiza al
respecto,
“nociones estado-céntricas de seguridad verde [ambiental] no son
sostenibles […] y la intervención militar […] no es necesariamente
el camino para lidiar con los problemas.” (Forster, 2013: 43).
Lo anterior no deja de considerar que las Fuerzas Armadas están bien posicionadas para
lidiar con temáticas ambientales debido a sus capacidades tecnológicas, tales como los
satélites de monitoreo (Forster, 2013). Esto aplica indudablemente a la Amazonia, cuyas
extensiones difícilmente pueden ser supervisadas sin el apoyo de estos. Sin embargo, en
el caso del sistema satelital SIPAM/SIVAM que Brasil desarrolló, éste no siempre es visto
con buenos ojos por sus vecinos, quizá porque se destina, juntamente con el Plan Calha
Norte, como lo menciona el académico Nascimento (2010: 185), a “defender, proteger y
garantizar la integridad del territorio nacional, combatir los ilícitos”, aunque agrega “y,
sobre todo, a fomentar el desarrollo sustentable y sostenible de la Amazonía y de la
Franja de la Frontera, en particular”.
13
Recolectores de cauchú.
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El enfoque brasileño parece ser el de protección del territorio del coloso del sur, también
en un sentido, - aunque no dicho de forma explícita-, contra ilícitos de los vecinos. Ello
es atribución y buen derecho de cualquier Estado soberano. Sin embargo, es necesario
que los Estados amazónicos complementen su monitoreo con actividades que apoyen las
poblaciones locales. Esto porque el abandono de zonas tan remotas como la Amazonía
sean ellas la brasileña, la colombiana u otra, conllevan muchas veces los habitantes
locales a dedicarse a ilícitos, por falta de oportunidades laborales.
En el caso de Brasil, el país tiene una policía ambiental en la Amazonía, la cual, con el
apoyo del SIVAM, monitorea la talla ilegal de árboles, la minería ilegal y las actividades
ilícitas perpetradas en reservas indígenas (Anatol, 2011). Sin embargo, se vuelve
imprescindible que tanto Brasil, como los demás países amazónicos cooperen más en
proyectos de desarrollo sostenible regional que apoyen las poblaciones locales rezagadas
de la selva.
De la perspectiva de Brasil, Cordeiro da Trindade (2010) afirma que, en el discurso oficial,
la región amazónica siempre fue considerada como un espacio que debía ser protegido
de los demás países suramericanos. El autor recalca que “mucho s que revelar la
región, como formas-contenido, las fronteras políticas tienden a particularizar solamente,
formalmente, los recortes regionales, negando las extensiones de formaciones
socioespaciales, más allá de esas mismas fronteras. (Cordeiro da Trindade, 2010: 111).
El autor termina por cuestionar ¿Cuál es el perfil y la importancia del circuito inferior y
superior, formal e informal de la economía en espacios de frontera de la Amazonía
brasileña con los países vecinos? (Cordeiro da Trindade, 2010: 121). La OTCA parece no
dar respuesta a estos interrogantes.
A pesar de las anteriormente mencionadas ambigüedades del TCA, a finales de los 80 y
a inicios de los 90, con el acercar de Río 92, los Estados-miembro del TCA se vieron
obligados a actuar. Un factor determinante era el recrudecer del debate sobre si la
Amazonía debía ser internacionalizada, para eventualmente protegerla mejor
14
. Para
Román (1998) el TCA se reactivó para formar una plataforma que permitiese a las
naciones suramericanas establecer una posición común respecto a la Amazonía. Para
preparar cuál posición irían a tomar en la Conferencia, en febrero de 1992 las naciones
amazónicas se reunieron en Manaus. Dicha reunión terminó, al final, por producir una
declaración, por la cual se enfatizaba la relevancia de fomentar la cooperación regional
en pie de igualdad.
Limitaciones del enfoque neorrealista sobre la OTCA y nuevas
perspectivas teóricas
La cuestión de la financiación del TCA había sido tomado muy en serio a partir de la
Secretaría pro tempore ecuatoriana de Luís Carrera de la Torre, a finales de los 80.
Carrera empezó una acción amplia de negociar con organizaciones internacionales;
acción en la cual fue secundado por Roberto Samanez, de la FAO (por su sigla en inglés),
la Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura, y Antonio
Braque, de la UNDP (por sus siglas en inglés), el Programa de Desarrollo de las Naciones
Unidas. Aunque el gobierno ecuatoriano había demostrado un gran desinterés en la
14
Esta temática puede ser vista con profundidad en Da Silva Guevara (2016).
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Secretaría pro tempore de Carrera
15
, éste había actuado de forma activa con el apoyo de
quienes habían decidido apoyarlo transnacionalmente. No solamente había logrado crear
proyectos enfocados a un desarrollo integral de la Amazonía (Román, 1998), como había
obtenido financiamiento externo por medio de sus contactos y conexiones
transnacionales, ante un gobierno ecuatoriano más bien pasivo. Este caso nos muestra
que el enfoque de la interdependencia Compleja aplica.
Young (1989) menciona que “organizaciones no gubernamentales o mismos individuos
pueden ser deres en esfuerzos para formar regímenes internacionales
16
.” (op. cit: 373).
Aunque la temática de si el TCA, o la OTCA a partir de 1998, es un régimen internacional
se sale del marco de nuestro trabajo, podemos verificar, con Young, que en un momento
decisivo del desarrollo y consolidación del TCA, redes transnacionales de contactos e
individuos como Carrera de la Torre, fueron determinantes para impulsar el pacto
amazónico.
A inicios del siglo XXI se creó la Iniciativa MAP, la cual buscaba, inicialmente, solamente
el cambio de uso y cobertura de los suelos amazónicos de la región de Madre de Dios
(Perú), Acre (Brasil) y Pando (Bolivia) (Chávez et.al., 2005). La iniciativa advenía de
proyectos de investigación desarrollados en la Universidad Federal del Acre, en Brasil, y
el Woods Hole Research Center
17
(Sant´Anna, 2009). A partir del conocimiento producido
por profesores e investigadores en universidades brasileñas, este “se transfirió […] a las
delegaciones de Perú y de Bolivia.” (Chávez, 2005: 64). Para de Brito (2007) la iniciativa
MAP surgió como una alternativa al modelo tradicional de cooperación del TCA, dada la
falta de efectividad del Tratado para promover la sostenibilidad en la región MAP.
Ravena (2012) destaca que desde por lo menos los os setenta la labor desarrollada
por académicos sobre cuestiones ambientales tuvo relevancia en la puesta en marcha de
acuerdos internacionales en este ámbito. Con esto se volvió s visibles problemáticas
ambientales como la deforestación o la deforestación de las selvas, a la vez que se
afinaba a nivel internacional, nacional y local herramientas para mejorar la regulación
ambiental. En la Unión Europea, como ejemplo más relevante, se ha hecho esfuerzos
para incorporar e implementar soluciones ambientales en el marco de la gobernanza
multinivel, a nivel de espacios subnacionales. Sin embargo, sigue habiendo trabas al
respecto (Varas Arribas, s.f.). Destacamos entonces dos aspectos en los esfuerzos para
regular aspectos ambientales a nivel regional:
1) La contribución de académicos para estudiar mejor las problemáticas ambientales;
2) El empoderamiento de actores subnacionales regionales para solucionar dichas
problemáticas.
El MAP, en América del Sur, se enmarca en dichos esfuerzos.
15
Carrera de la Torre tuvo mismo que, durante un ano poner a disposición su propia casa, por no tener
instalaciones para ejercer la secretaría pro tempore (Román, 1998).
16
Román define regimenes internacionales como „social institutions composed of agreed-upon principles,
norms, rules and decision-making procedures that are intended to govern, or govern, the interaction of
actors in specific issue areas.(1998: 65).
17
Centro de pensamiento ubicado cerca de Nueva York, dedicado a estudiar y debatir el cambio climático.
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A pesar de las críticas de De Brito sobre los intereses egoístas de los Estados en el espacio
amazónico, estudiosos de la Iniciativa MAP (Chávez, 2005: 59) afirman que el TCA fue
una referencia para el MAP,
“Considerándose que se trata de un instrumento jurídico suscrito
hace 30 años, es interesante advertir como ya entonces se
planteaban lineamentos con el propósito de promover el desarrollo
armónico e integrado de la cuenca amazónica, como base de un
modelo de complementación económica regional […].
Ya en 2002, con el MAP III, bajo un nuevo concepto de espacio que buscaba pasar “De
fronteras de separación a fronteras de cooperación” (Chávez i.a.,2005: 52), la Iniciativa
empezó a agregar a técnicos e investigadores, gobiernos municipales, representantes de
la sociedad civil, en una dinámica que promovía de forma exitosa el tratamiento
multidimensional de las problemáticas de la Amazonía. Tras media década de la iniciativa
MAP se podía afirmar:
no cabe duda de que se produjo una paulatina consolidación de un
movimiento social transfronterizo cuya esencia es la convicción de
que el desarrollo de la Amazonía Sudoccidental solo podrá
encaminarse a través de la cooperación y de la integración de las
sociedades locales, regionales y nacionales […] (Chávez, 2005: 56).
La Iniciativa MAP es un actor transnacional que incluye desde ONGs y corporaciones
transnacionales hasta movimientos menos institucionalizados (Risse-Kappen cit. en
Sant´Anna, 2009: 168). Teniendo en cuenta que el MAP
18
terminó por ser apoyado
posteriormente por la OTCA, el GEF
19
(Global Environment Facility por sus siglas en
inglés) y el PNUMA, Programa de Naciones Unidas para el Ambiente, en cuanto a la
adaptación climática de la región Madres de Dios-Acre y Panda, podríamos afirmar que
desde un enfoque estado-céntrico, el MAP podría revelar el fracaso de la OTCA. Sin
embargo, si se tiene en cuenta a la perspectiva de la Interdependencia Compleja, el MAP,
uniendo esfuerzos y redes transnacionales de científicos, gobiernos municipales y de la
sociedad civil, apoyados por organizaciones como la OTCA o el PNUMA, muestra que el
enfoque neorrealista limita demasiado el estudio del MAP a los Estados, y solamente a
estos. Bajo el enfoque realista de De Brito (2007) el MAP mostraría que el TCA había
fracasado, pero bajo el enfoque de la Interdependencia Compleja que utilizamos en el
presente trabajo, al apoyar el MAP, la OTCA muestra ser efectiva, al reconocer iniciativas
no estatales como relevantes para la sostenibilidad de la Amazonía. En la realidad el
18
El proyecto piloto que unió el MAP a una iniciativa más sistémica de apoyo de la cuenca del Río Acre al
cambio climático tiene el apoyo de Perú, con autoridades como la Autoridad Nacional del Agua,
Administración local d Agua Maldonado, por parte de Brasil con el Instituto Nacional de Pesquisas, entre
otros y por el lado de Bolivia, con el Centro de Operaciones de Emergencia Departamental de Pando, para
nombrar algunos organismos nacionales o locales.
19
El GEF fue creado en 1991 para financiar proyectos cuyo objetivo es proteger el medio ambiente a nivel
mundial. El administrador de sus recursos es el Banco Mundial.
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apoyo posterior de la OTCA al MAP, demuestra las potencialidades de la organización. De
hecho, según informe de la OTCA, GEF, PNUMA:
El proyecto piloto ha proporcionado las bases para formular e
implementar con los representantes de los gobiernos de los tres
países y la sociedad local, estrategias de adaptación a la variabilidad
climática. Con el equipo trinacional de 15 especialistas se realizó la
validación técnica de los mapas de vulnerabilidad y riegos mediante
una expedición de 185 km a lo largo del Río Acre (noviembre-
diciembre 2013)
El anteriormente mencionado proyecto piloto, permitió, de forma exitosa, implementar
un sistema trinacional de alerta temprano, el cual se ve como modelo para futuras
ampliaciones para los demás países amazónicos. Sin embargo, no descartamos, aunque
las matizamos, las críticas de De Brito en cuanto a que el TCA debería ser más eficiente
y efectivo respecto al desarrollo e implementación de programas sostenibles para la
Amazonía.
No quisiéramos dejar de completar este apartado sin la referencia a una encuesta
realizada en 2010 en Colombia sobre la Amazonia. Los resultados fueron preocupantes
y son muestra que se debería hacer mucho más, por parte de la OTCA, de la sociedad
civil y de los gobiernos locales, entre otros, en cuanto a los espacios amazónicos
regionales rezagados.
En la mencionada encuesta, 67% de la población poco o nada sabía de la Amazonía.
Tanto la población indígena como la no indígena considera que esta está amenazada en
un alto grado, no solo por la deforestación, como por las actividades ilícitas, por el
conflicto interno, así como la pérdida de la identidad cultural (CEPAL, 2013).
Aunque no es tema de este trabajo ahondar en la temática de las regiones culturales
20
,
consideramos que Axerod, quién menciona que hay emergencia de regiones con culturas
compartidas, lanza algunas premisas que pueden ser útiles para la Amazonía. Una de
ellas es la que establece que “Inicialmente, la mayoría de los lugares vecinos tienen poco
en común, y por consiguiente tienen poca probabilidad de interactuar unos con los otros.
Sin embargo, cuando dos lugares interactúan, se vuelven similares, y así tienen mayor
probabilidad de interactuar unos con los otros.” (Axelrod, 1997: 157).En el caso de los
espacios amazónicos, tan rezagados por parte de los gobiernos centrales, así como
objeto de todo el tipo de mitos o malinterpretaciones
21
, la OTCA debería, desde nuestra
perspectiva, ejercer una labor pedagógica que podría ir de la importancia
medioambiental de la Amazonia a nivel de América del Sur, hasta el rescate cultural,
con la desmitificación de ideas preconcebidas. Pero eso sería otra investigación.
20
Axerod define una Región Cultural como “a set of contiguous sites with identical culture” (Axelrod, 1997:
156).
21
Para la Amazonía brasileña véase, por ejemplo, Joana Becerra (2011), Tesis de doctorado.
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Conclusiones
Buscamos demostrar con nuestra investigación que el TCA fue un acuerdo que tuvo
innumerables dificultades para ser implementado. Una de ellas fue la misma ambigüedad
con que se definió qué es desarrollo sostenible para la Amazonía. Otro obstáculo radicó,
como vimos, en que inicialmente los países miembros tenían ambiciones diferentes en
cuanto a sus objetivos. Brasil, por ejemplo, buscó conferir al TCA una dimensión que
permitiese fortalecer la seguridad militar y monitoreo de sus fronteras, lo que termi
por ser rechazado por los demás países-miembros. Aunque el TCA ha sido habitualmente
estudiado por medio del enfoque realista (o neorrealista) buscamos demostrar que la
Interdependencia Compleja puede ampliar el campo de conocimiento de este Tratado.
Vimos que en varias etapas de consolidación del TCA el interactuar de organizaciones
internacionales con el Tratado permitió apoyo en la financiación de proyectos sostenibles.
A partir de las varias dimensiones definidas para revisar el enfoque realista/neorrealista
verificamos que hay limitaciones y sesgos del enfoque teórico realista o neorrealista. Así,
la financiación del TCA fue impulsada por redes transnacionales de contactos, a pesar del
desinterés de los Estados del tratado en inicialmente financiar los proyectos del Tratado.
Por otro lado, al sobrevalorar el rol del hegemón (Brasil) a la hora de explicar los avances
del TCA/OTCA, no se tuvo en cuenta la labor de actores transnacionales como el MAP
que impulsaron proyectos para proteger la Amazonía. Dichos proyectos abarcaron
aportes relevantes de centros de pensamiento, académicos de universidades,
corporaciones transnacionales, entre otros, que impulsaron un proyecto ambiental
“desde abajo hacia arriba” que llevó la OTCA a apoyar relevantes iniciativas ambientales.
Se concluyó igualmente que se debe tener más en cuenta la premisa de Keohane según
la cual la cooperación no tiene solamente en consideración intereses comunes, sino
objetivos y metas potenciales de los Estados.
Asimismo, la Iniciativa MAP mostró que la comunidad científica de Brasil, Perú y Bolivia,
así como la sociedad civil recibieron el apoyo de la OTCA, la GEF y el PNUMA en un
proceso que se fomentó “desde abajo hacia arriba” y que dichos procesos son más
comunes de lo que se suele pensar. Sigue siendo necesario continuar un trabajo de
investigación que evalúe de forma s amplia de qué forma está OTCA interactuando
con redes transnacionales, ONGS, otras organizaciones regionales e internacionales en
términos del fomento del desarrollo sostenible de la Amazonía. Consideramos sin
embargo que el presente trabajo puede ser ya un aporte a esta temática.
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COLOMBIA EN MUTACIÓN: DEL CONCEPTO DE POSCONFLICTO AL
PRAGMATISMO DEL CONFLICTO
César Augusto Niño González
cesar.nino@usa.edu.co
Profesor de la Escuela de Política y Relaciones Internacionales de la Universidad Sergio Arboleda
(Colombia). Ph.D. en Cuestiones Actuales del Derecho Español e Internacional de la Universidad
Alfonso X el Sabio de España. Magister en Seguridad y Defensa Nacionales de la Escuela Superior
de Guerra de Colombia. Profesional en Política y Relaciones Internacionales de la Universidad
Sergio Arboleda.
Daniel Palma Álvarez
palmadap1987@gmail.com
Profesor de la Facultad de Gobierno y Relaciones Internacionales de la Universidad Santo Tomás
(Colombia) Politólogo de la Facultad de Ciencia Política y Gobierno de la Universidad del Rosario.
Master of Arts en Teoría Política con énfasis en Análisis de Discurso Político de la Universidad de
Essex (Inglaterra).
Resumen
El presente artículo tiene por objetivo generar una noción crítica del posconflicto en Colombia
para proponer la idea de un escenario en transformación. Las dinámicas de seguridad y
conflicto en Colombia estuvieron definidas a partir de la existencia de un problema que
trascendió a amenaza. Dicho problema que posteriormente se securitiza y escala en la agenda
de seguridad del país fueron las Farc Ep. En consecuencia, es menester advertir por un lado,
que el conflicto no termina con el fin del proceso con las Farc-Ep y, por el otro, que como
efectos secundarios pero no menos importantes, el cambio de este grupo da lugar a la
mutación de los asuntos de seguridad y conflicto en Colombia. A saber, los mercados de la
violencia, la disputa por los vacíos de poder que se manifiestan en el territorio y las
colectividades armadas que surgen de los disidentes de las Farc-Ep y la exclusión social a la
que se enfrentan los excombatientes. Teniendo en cuenta lo anterior, el concepto
“posconflicto” es tendencioso, ambiguo y distorsionado, lo cual en mismo representa una
amenaza para el desenvolvimiento de los conflictos en el país.
Palabras-clave
Conflicto, mutación, posconflicto, “farcarización”, “post-farcarización, Paz imperfecta
Cómo citar este artículo
González, César Augusto Niño; Álvarez, Daniel Palma (2018). "Colombia en mutación: del
concepto de posconflicto al pragmatismo del conflicto". JANUS.NET e-journal of International
Relations, Vol. 9, N.º 2, Noviembre 2018-Abril 2019. Consultado [en línea] en fecha de última
consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.6
Artículo recibido el 11 de Mayo de 2018 y aceptado para su publicación el 9 de
Septiembre de 2018
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Colombia en mutación: del concepto de posconflicto al pragmatismo del conflicto
César Augusto Niño González y Daniel Palma Álvarez
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COLOMBIA EN MUTACIÓN: DEL CONCEPTO DE POSCONFLICTO AL
PRAGMATISMO DEL CONFLICTO
César Augusto Niño González
Daniel Palma Álvarez
1. Preludio
Las narrativas en torno al conflicto armado colombiano han cifrado el devenir histórico
contemporáneo en un único y exclusivo actor. Las Farc-Ep definieron a Colombia como
centro de gravedad y único escenario de problemas y explicaciones al interminable
discurso de construcción de nación. No obstante, el acontecer del conflicto ha demostrado
que alrededor de la confrontación armada orbitan actores, fenómenos y dinámicas que
se alejan de todo precepto clásico en la concepción de la “farcarización” de la sociedad
colombiana, concepto que será explicado aquí y es vital para el desarrollo del presente
artículo científico. Las hipótesis de la gestación del conflicto armado aluden a puntos
divergentes en su inicio, en su mutabilidad y por supuesto en el desenlace. Así pues, en
Colombia pululan conflictos simultáneos, paralelos y sincrónicos; tesis distinta a aquella
que propende por la existencia de uno solo y cuya columna vertebral radica en la
aparición y fin de las Farc-Ep.
El conflicto es necesario para la culminación de la construcción de la nación. De manera
que, desde la divergencia nacen los parámetros y lineamientos que confluyen en la
materialización del nacionalismo, la identidad cultural, la exacerbación del progreso, y el
desenvolvimiento de lo definitorio como Estado. El presente artículo busca adentrarse de
manera crítica a la noción del posconflicto comparado con el de posacuerdo, para
superarla y advertir el advenimiento de escenarios en constante transformación, que
deben ser comprendidos para que la adaptación a nuevos escenarios de seguridad, por
parte de la institucionalidad y la sociedad no sea traumática y resulte en nuevas formas
de violencia exacerbada. Para efectos de la presente investigación, la metodología usada
está basada en un análisis cualitativo y de interpretación conceptual sobre enfoques
teóricos sociológicos. De tal manera, el documento se centra en primer lugar en la
distinción teórica y debate entre los conceptos de “posconflicto” y “posacuerdo”.
Posteriormente, se emplea una discusión hermenéutica sobre la propuesta conceptual y
terminológica de la “farcarización y la “post-farcarización” bajo el lente de la “paz
imperfecta” aplicada al caso colombiano. Por otra parte, se propone una noción de
transformación del conflicto y la realidad con base en la mercantilización de la violencia
y el vacío de poder en el territorio. Finalmente, el documento cierra con una serie de
conclusiones alrededor de la cuestión sobre las nuevas dinámicas de seguridad que se
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empiezan a vislumbrar en el panorama nacional; la mutabilidad y la desmarcación de la
fenomenología de las Farc-Ep que definió la agenda pública y la nación durante la
segunda mitad del siglo XX.
2. Entre el posconflicto y el posacuerdo: una distinción teórica
Tal como se mencionó al final del acápite anterior, existe un reto para la sociedad
colombiana en cuanto al entendimiento que hay sobre los escenarios que se abren con
la conversión a la vida civil de las Farc-Ep. Dicho reto se cifra en la necesidad de aclarar
la diferencia y, a su vez, la relación entre los conceptos de “Posconflicto” y “posacuerdo”,
que aun cuando son tratados como sinónimos por la opinión pública y la ciudadanía en
general, albergan en su interior distintas realidades sociopolíticas que no se pueden
equiparar. De no comprender esto, se podrían poner en peligro el proceso de paz con
este grupo armado, la reestructuración de toda la comunidad colombiana y la respuesta
institucional a los asuntos de seguridad que quedarán vigentes luego de la finalización
de las hostilidades con las Farc-Ep.
En términos concretos, para entender la relación y la diferencia entre los conceptos de
“posacuerdo” y “posconflicto”, hay que darse a la tarea de explicar las implicaciones
políticas, sociales, de seguridad y temporales del segundo; cuestiones que se tratarán
en este apartado.
En primer lugar, en el ámbito político, el posconflicto está marcado por una dualidad que
ha de abordarse y no puede franquearse: primero, el compromiso institucional y del
grupo armado en la garantía del cumplimiento de los acuerdos firmados y la
restructuración de la política a largo plazo; y segundo, el cambio de mirada frente al
“otro”, quien ya no ha de verse como enemigo sino como adversario político dentro del
debate y la contienda electoral.
En cuanto a la primera cara de la dualidad, es decir, la responsabilidad institucional y del
grupo armado en la observancia de los acuerdos hay también una doble responsabilidad.
Por un lado, el Estado tiene la tarea de garantizar la puesta en vigor de lo pactado
mediante leyes, decretos y políticas públicas; y por otro, las Farc-Ep han de mantener la
voluntad política de actuar dentro de la legalidad, de modo que se minimice la posibilidad
de un retorno al conflicto armado y haya una reestructuración efectiva de la política
colombiana en el largo plazo.
En consecuencia, el punto seis de los acuerdos de La Habana sobre “Implementación,
verificación y refrendación” se torna prioritario, dado que allí se propone, entre otras
cosas, un Plan Marco con vigencia de diez años, en el que se contemplan los mecanismos
mediante los cuales se ejecutará lo estipulado, haciendo referencia al proceso legislativo,
la inclusión de los puntos en el Plan de Desarrollo, las partidas presupuestales, la reforma
política nacional y territorial, entre otras disposiciones (Gobierno de Colombia & Farc-Ep,
2016: 196, 197).
Igualmente, se da la creación de la “Comisión de Seguimiento, Impulso y Verificación a
la Implementación del Acuerdo Final (CSIVI)”, la cual también tendrá una duración de
diez años y cuyo objetivo es el “[…] seguimiento a los componentes del Acuerdo y
verificar su cumplimiento; impulso y seguimiento a la implementación legislativa de los
acuerdos; informes de seguimiento a la implementación; recibir insumos de instancias
encargadas de la implementación” (Gobierno de Colombia & Farc-Ep, 2016: 195, 196).
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Frente a esto cabe resaltar que los acuerdos se presentan como el punto de partida de
una reestructuración política y no como la terminación de un proceso; lo que da una
primera diferencia entre los contextos de “posacuerdo” y “posconflicto”, dado que el
segundo tiene una duración mayor a largo plazo
1
.
En cuanto a la otra cara de la dualidad en el ámbito político, hay que afirmar que va más
allá de las instituciones y las normas, refiriéndose a la manera en que se ve políticamente
a quienes entran en la legalidad. En este sentido, dado que los miembros de las Farc-Ep
ya no serán actores armados sino contendientes electorales al interior del debate
democrático, la construcción discursiva que se ha hecho de su imagen ha de
transformarse. En otros términos, el cambio por el cual debe propenderse es la
resignificación de enemigos a adversarios de los integrantes del nuevo movimiento
político. Para entender a profundidad la importancia de este cambio, pueden citarse los
postulados de Chantal Mouffe (1999) y su teoría de la “Democracia Radical”.
Para esta autora, el sentido de las democracias modernas es dar lugar al conflicto, como
enfrentamiento pacífico y dialógico al interior de la comunidad política. Por esto, el ideal
de los regímenes actuales es permitir el paso del antagonismo al agonismo, es decir, ser
el canal mediante el cual se transita de una lógica de enemigos a adversarios (Mouffe,
1999: 13-16). En este orden de ideas, el primer concepto (enemigo) involucra la
eliminación del “otro”, la supresión no solo de sus ideas sino de su existencia; mientras
que, en oposición a ello, el segundo se refiere a la legitimidad y derecho que tiene una
persona a defender sus ideas y a ser tolerado. En palabras de Mouffe, “[…] significa que,
en el interior del ‘nosotros’ que constituye la comunidad política, no se verá en el
oponente un enemigo a abatir, sino un adversario de legítima existencia y al que se debe
tolerar. Se combatirán con vigor sus ideas, pero jamás se cuestionará su derecho a
defenderlas” (Mouffe, 1999: 16). La distinción entre estos términos es vital, porque en
ella radica la posibilidad de construir colectividades abiertas al debate y al disenso.
Siguiendo esta perspectiva, puede garantizarse una efectiva inserción de los nuevos
actores a la política nacional, evitando futuros señalamientos a personajes que han
dejado las armas para adoptar el camino de la constitucionalidad. Esto es importante a
la luz de la historia colombiana la cual ha demostrado que, aun habiendo regresado a la
legalidad, con el pasar de los años, se ha estigmatizado a miembros de antiguos grupos
armados tildándolos de guerrilleros o terroristas. Ejemplo de esto son las referencias a
exmiembros del M-19, a quienes siendo hoy personalidades democráticas reconocidas,
se les ha desestimado a partir de su pasado beligerante.
Asimismo, una conversión de enemigo a destruir a adversario a vencer en lides políticas,
podría evitar que se repita un magnicidio similar al que tuvieron que soportar los
integrantes de la Unión Patriótica durante la década de 1980. Esto en vista de que para
Mouffe, no puede forzarse a los individuos a pensar en conformidad a una facción política
o acoplarse a los designios de la comunidad en su totalidad, lo que hace imposible la idea
1
De hecho, esto se hace patente cuando se observan apartados del documento en el punto seis, tales como:
“Al día siguiente de la firma del Acuerdo Final se creará la “Comisión de Seguimiento, Impulso y Verificación
a la Implementación del Acuerdo Final (CSIVI)”, integrada por tres representantes del Gobierno Nacional y
tres representantes de las FARC-EP o del partido político que surja de su tránsito a la vida legal. La duración
de la Comisión podrá ser hasta de 10 años, acordándose un primer periodo de funcionamiento hasta enero
de 2019, fecha a partir de la cual los integrantes de la Comisión decidirán sobre su prórroga” (Gobierno de
Colombia & Farc-Ep, 2016: 195). En este pasaje es claro que hay una diferencia entre el proceso posterior
a la firma de los acuerdos, el cual no termina con la demostración de voluntad política de las partes, sino
que abre la puerta al trabajo conjunto a largo plazo para la materialización de lo pactado.
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de los “consensos sin exclusión”. Por el contrario, es precisamente esa capacidad de
disentir lo que alimenta lo político y, más aún, la resignificación del “otro” como
adversario (Mouffe, 1999: 11, 12). No obstante, no puede pensarse esto como un cambio
inmediato, sino como un proceso constante de larga duración que entra a hacer parte
del posconflicto.
De otra parte, en cuanto al ámbito social del posconflicto, la sociedad colombiana también
ha de surtir un proceso de reconfiguración, en el cual haya una reincorporación efectiva
y pacífica de los antiguos miembros de las Farc-Ep. Cabe destacar que estas lógicas de
aceptación de nuevos miembros que antes se consideraban una amenaza, no son de
corto plazo e involucran una resignificación tal como ocurre en el ámbito político, dado
que se trata de cambiar conductas, normas sociales, convenciones, etc.
Al respecto, puede acudirse al campo de la sociología para dimensionar esta
transformación social. Emile Durkheim acuñó el concepto “Hecho social” para distinguir
todo aquello que está dado en la sociedad, como normas, códigos, comportamientos,
entre otros, que son externos a las personas pero que las rigen ―incluso ejercen coacción
aunque no se perciba― y a través de los cuales actúan y leen el ambiente social en el
que se encuentran. En otras palabras, “consisten en modos de actuar, de pensar y de
sentir, exteriores al individuo, y están dotados de un poder de coacción en virtud del cual
se imponen sobre él” (Durkheim, 2001: 40, 41). Por tanto, cabe inferir que en el tema
de la reincorporación de los excombatientes tiene que darse una restructuración de estas
normas sociales y, sobre todo, de los imaginarios que giran en torno a estos individuos
tal como se comentaba en el párrafo anterior.
Sin embargo, el cambio de los “Hechos sociales” que se han materializado alrededor del
conflicto con las Farc-Ep por más de medio siglo no se modificarán en cuestión de días o
meses. Por el contrario, se necesita del trabajo de toda la sociedad colombiana presente
y de las futuras generaciones para romper el imaginario de amenaza y los códigos de
comportamiento, a través de los cuales se trata a los excombatientes, de modo que sean
aceptados y se elimine la estigmatización de la que son víctimas. De hecho, el mismo
Emile Durkheim es claro al argumentar que los hechos sociales no se ven relegados o
modificados sin ofrecer resistencia, dada su capacidad de ejercer coacción: “aunque sean
vencidas [las reglas] finalmente, hacen sentir bastante su poder coercitivo por la
resistencia que oponen” (Durkheim, 2001: 40).
Entonces, en los campos político y social se encuentra un aspecto común, este es la
variable del tiempo que juega un papel transcendental, en la medida en que así como la
resignificación política es un esfuerzo de largo alcance, en el ámbito social, también se
requiere del trabajo mancomunado de los miembros de la sociedad Colombia presente y
de los colombianos que vendrán para romper paradigmas, modos de ver y tratar a los
excombatientes, y los imaginarios que se tienen del conflicto y de las Farc-Ep. He aquí
otra expresión de la relación y diferencia entre posacuerdo y posconflicto: el primero
abre la puerta al proceso constante que implica el segundo.
Finalmente, en el ámbito de la seguridad también es condición sine qua non entender la
relación y diferencia entre posacuerdo y posconflicto, debido a que su mala interpretación
en este tema puede poner en peligro el mismo proceso de paz. En este ámbito, es
importante considerar brevemente el concepto de “imaginario colectivo”. Aunque el
término es ambiguo en cuanto a la cantidad de definiciones que hay (Sola-Morales, 2014:
5), se puede decir que son “[…] esquemas, mecanismos o dispositivos de representación,
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constituidos socialmente, que permiten a los miembros de una comunidad comprender
el mundo circundante” (Sola-Morales, 2014: 8); en otras palabras, los individuos tornan
colectivo todo aquello que les permite entender su cotidianidad. Así mismo, a esto hay
que sumar que las palabras están ligadas al concepto antes referido, en tanto que los
discursos tienen parte en la construcción de esas realidades sociales (Palma, 2017: 54).
Hacer explícita la relación entre imaginarios, discursos y seguridad es significativo para
interpretar la coyuntura nacional, en la que hay un bombardeo mediático que tiene como
centro la palabra “posconflicto”. El hecho de que se use esta palabra en singular y de
forma absoluta, da la sensación de que con el proceso de paz con las Farc-Ep, todos los
conflictos en Colombia desaparecerán. Imaginario que se ve reforzado si se observa la
misma pregunta del plebiscito para la refrendación de los acuerdos: “¿Apoya el acuerdo
final para terminación del conflicto y construcción de una paz estable y duradera?”.
Empero, caer en este imaginario es un error que paradójicamente podría poner en peligro
el mismo proceso de paz. Contrario a esta creencia colectiva que se está configurando,
hay que seguir las palabras del sociólogo Sam Richards, para quien un conflicto no
termina realmente hasta que sus causas no están solucionadas” (Richards en entrevista
para El Espectador, 2016), lo que implica que la paz “estable y duradera” no vendrá con
la firma de los acuerdos, sino con un proceso prolongado en el tiempo en el que se
ataquen las causas estructurales de las reivindicaciones sociales que dieron lugar al
conflicto en un primer momento, y que pasan por la reconfiguración del estado, el modelo
económico y dar espacio a la reconciliación.
De igual forma, caer en el imaginario del fin del conflicto en Colombia por la firma del
acuerdo de paz con las Farc-Ep, también es un error fatal para el Estado porque limitaría
su capacidad de comprensión y respuesta, frente a las nuevas amenazas que surgen con
la dejación de armas de esta guerrilla o las que continúan latentes a pesar de la
desaparición de este. Frente a esto, puede traerse a colación un hecho de la historia
colombiana reciente: el proceso de desmovilización de los paramilitares. Si bien es cierto
que para el año 2006 se había desmovilizado una gran cantidad de grupos, siendo el s
importante las AUC, no puede negarse que no todos tomaron la determinación de dejar
el lucrativo negocio de la ilegalidad, por lo que, a partir de pequeños reductos y
reincidentes nació el fenómeno que hoy se conoce como BACRIM.
En suma, a la luz de las diversas implicaciones que tiene el concepto de posconflicto, el
posacuerdo no es sino el primer escenario que se presenta como introducción al
posconflicto, que a su vez es un proceso mucho más amplio de esfuerzos colectivos y en
presencia de la variable del tiempo, en el cual no solo tienen que hacerse efectivos los
acuerdos firmados con el grupo armado, sino también las instituciones deben estar
abiertas a la mutación de los asuntos de seguridad que se materializarán en los espacios
que quedan vacíos, luego de la dejación de armas y reincorporación a la vida civil de los
excombatientes. Por estas razones, en lo que resta, se hace hincapié en la importancia
de ver los nuevos escenarios y realidades en Colombia, bajo la lupa de los conceptos de
“farcarización”, “post-farcarización” y Paz imperfecta.
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3. De la “Farcarización a la “post-farcarización” y la Paz imperfecta en
Colombia
La condición de mutabilidad
2
del conflicto armado en Colombia a conflicto no armado,
apunta a una transformación estructural sociopolítica. Entonces, eludir a que con la
superación de las armas en el contexto colombiano se alcanza una plenitud de anulación
de fuerzas rivales, es per se una contradicción. En ese sentido, se evoca a que en el
futuro cercano, teniendo en cuenta las condiciones sociales, políticas, culturales, y de
seguridad, promete un estadio de construcción de confianza que parte de un escenario
de imperfección.
Tal como se ha advertido en el presente artículo, las Farc-Ep definieron gran parte de la
agenda política y social de Colombia. Durante décadas, el país se vio envuelto en un
fenómeno de “farcarización” que obligó a que las grandes explicaciones sobre la
inestabilidad política, la debilidad institucional, los problemas y amenazas a la seguridad
y defensa, el incremento del gasto en dicho sector, así como los factores
macroeconómicos negativos, tuvieran causes definitorios en las Farc-Ep. Notoriamente,
dicha “farcarización” se entiende bajo la noción de la Sexta generación de la guerra (Niño,
2017), pretendiendo descifrar que el uso de la fuerza y el ejercicio de la violencia fueron
canales de comunicación y de interlocución de la sociedad, y que el Estado cada vez
pierde capacidad de respuesta ante las dinámicas irregulares (Niño, 2017: 38).
Siguiendo esta argumentación, se puede profundizar en la explicación del concepto de
“farcarización”, a partir de las lógicas discursivas que dieron lugar al papel definitorio de
las Farc-Ep como la mayor amenaza del Estado y la sociedad, frente a las cuales se
planteó la imagen institucional y la del “otro” (enemigo) a destruir. Así, es claro que “[n]o
hay conflicto posible sin opuestos, son la construcción de una otredad que significa, desde
el punto de vista real o imaginario, riesgo y amenaza, pero que a la vez se necesita para
sustentar […] la propia razón de ser […]” (Angarita y otros, 2015: 11). En consecuencia,
lo que se recalca aquí es que los farianos, como grupo armado, jugaron por mucho tiempo
ese papel necesario para afirmar la legalidad.
En efecto, las Farc Ep han sido vistas de diversas maneras en diferentes periodos de
tiempo en este casi medio siglo de lucha armada, pasando de “autodefensas campesinas”
en los cincuenta, a guerrilla de izquierda en los sesenta y narcotraficantes en los
ochenta
3
; cada visión con una respuesta distinta por parte de la institucionalidad. Esto
escalaría, según Angarita y otros (2015), a que este grupo ilegal se considerara como
enemigo absoluto, es decir, aquel que solo puede considerarse como una amenaza a
aniquilar, quitándole cualquier cualidad de enemigo político (aquel que puedo tolerar y
con el que se dialoga), luego de los fallidos diálogos de paz de del Caguán
4
y con el
advenimiento de los dos gobiernos de Álvaro Uribe Vélez, en los que ya no son un grupo
armado beligerante sino terrorista (Angarita y otros, 2015: 57-59).
2
Capacidad de cambiar de forma (Diccionario de Oxford, 2017).
3
Para ampliar la información concerniente a la evolución histórica de las Farc-Ep, puede consultarse la
bibliografía del sociólogo y periodista Alfredo Molano, sobre todo los textos: Los años del tropel (1985),
Trochas y fusiles (1994) y A lomo de mula. Viajes al corazón de las Farc (2016).
4
Un área de aproximadamente 42.139 kilómetros cuadrados entre los departamentos del Meta y Caquetá
son despejados y desmilitarizados por el gobierno de Andrés Pastrana Arango como medida de confianza
para los diálogos con la guerrilla. Esta situación generó una recuperación militar de las Farc y motivó la
construcción del control de la zona y leyes propias en la región.
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A la luz de esta lógica de “farcarización de la sociedad y la institucionalidad”, la
superación del conflicto armado con dicha guerrilla, suscribe un cambio trascendental y
apremiante para el imaginario colectivo. Construir dentro de la imperfección espacios de
confianza lo más pronto posible, lo que se inscribe en un posconflicto visto como un
proceso de largo aliento que inicia con el posacuerdo, tal como se diferenció en el acápite
anterior. En consecuencia, este paso depende de múltiples factores, siendo uno de ellos
el que afirma Paul Collier, quien sostiene que el principal reto es el retorno de tantos
excombatientes a la vida civil como sea posible (Collier, 2004); así mismo, la
construcción de un diálogo político y social prolongado para la efectiva incorporación de
los alzados en armas a una vida legal plena, y un cambio de imaginario de las Farc-Ep
de grupo armado a fuerza política dentro de la constitucionalidad.
En otros términos, el gran reto que se plantea es la “post-farcarización” de la sociedad
colombiana y de la institucionalidad, de modo que se entienda la dinámica de procesos
prolongados y haya una rápida reacción del Estado a las nuevas amenazas que surjan de
la desmovilización de las Farc-Ep. En otras palabras, los escenarios transformados en
Colombia empiezan a desvelar contextos de “post-farcarización”. Es decir, existe un
cambio, casi mutacional, en el que la sociedad y el constructo definitorio de la propia
nación, se desmarca en términos evolutivos del viejo y erróneo precepto del conflicto
definido por las Farc-Ep. A saber, se identifica un escenario plausible determinado como
la sociedad posbélica, la cual se ubica por encima del umbral de la superación del conflicto
armado (Niño, 2014) y que no la excluye de ser parte de otra atmósfera en la cual la
violencia es el centro de gravedad en las relaciones sociales.
Teniendo en cuenta lo anterior, dentro de la lógica de la “post-farcarización”, es
indispensable advertir un nuevo contexto: la transformación del umbral de violencia en
el Estado. Con base en esto, se entiende que la violencia es un vehículo comunicacional
fáctico en el que convergen dinámicas distintas de su ejercicio y que no es directamente
proporcional a un estado de seguridad. Es decir, un estadio de plena seguridad puede
estar permeado por condiciones altamente violentas y viceversa.
En un escenario sistémico, el concepto se representa en que la violencia es una categoría
antropomórfica relativa que hace referencia al excedente de energía que supera los
umbrales normales de absorción y mutación del sistema físico, o psíquico en el caso del
individuo, y los subsistemas de infraestructuras en el caso de la sociedad (García, 2017).
En Colombia, la violencia ha sido motor causal del conflicto y no per se, el conflicto causal
de la violencia. En consecuencia, con la “post-farcarización”, el rediseño de los umbrales
de violencia no se elimina sino se transfiguran.
Por ende, la construcción de espacios de posconflicto suscita un cambio casi
paradigmático del entendimiento de la violencia. De tal manera, las posibilidades de
generalizarse y perpetuarse en el tiempo y la penetración social de los fenómenos
rivalizantes parece confirmar la tesis de la superioridad estructural de los procesos
violentos sobre los de pacificación (Waldmann, 1999). Significa entonces, que la violencia
se ubica en un espectro amplio en la vida social del Estado. La tendencia luego de la
terminación de un conflicto armado, es una atomización y desbordamiento virulento de
la violencia.
Por ejemplo, un caso particular en El Salvador, tiene que ver con que si bien es cierto
que el Acuerdo de Paz de Chapultepec de 1992 dio por terminado un conflicto armado
interno, este fue también el punto de partida para la mutación de la hostilidades civiles
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en un enclave de violencia luego del conflicto (Niño, 2016). Una situación endémica que
refleja que las nuevas batallas territoriales en las que se involucran a miembros de
bandas mezcladas entre el tráfico de drogas y extorsión (The Guardian, 2015), disputan
mercados, espacios vitales y ocupan lugares vacíos dejados por el Estado.
En Colombia, dicha lógica no es ajena. Para entender el poliedro de la violencia en la
transformación de la “post-farcarización”, es vital asimilar que la violencia no es un
derivado del ejercicio de las Farc-Ep, no nace con ellas ni mucho menos es un crédito
exclusivo de dicho grupo. Es una combinación de actores, fenómenos, responsabilidades,
políticas, oportunidades y cuestiones estratégicas que convergen allí. La violencia en
Colombia se constituye bajo una dinámica de múltiples aristas que responden a
naturalezas diversas.
A la luz de lo dicho hasta aquí, para dar el salto de “farcarización” a “post-farcarización”,
es necesario empezar a hablar de la Paz imperfecta, como el concepto que ha de guiar
el posconflicto en Colombia. Dicho concepto apunta a que la resolución de los conflictos
no es absoluta. Por el contrario, se trata de interiorizar que la mutabilidad es una
característica de la conflictividad humana y, en este sentido, no basta con el “alto al
fuego” entre las partes, sino que el fin de un enfrentamiento abre la puerta a nuevos
escenarios en los cuales no se puede excluir nuevos problemas; en términos concretos:
[…] el reconocimiento de la imperfección invita a considerar distintas soluciones
favorables para las partes en el marco de una conflictividad que no se resuelve de manera
completa o absoluta. El hecho de plantear un concepto amplio de paz basada en las
soluciones noviolentas [Sic.] que se producen permanentemente como respuesta a los
múltiples conflictos, lleva a pensar en la posibilidad de una paz imperfecta revelada como
una paz dinámica y perennemente inconclusa (López, 2011: 90)
En consecuencia con lo anterior, se alude a que es una paz imperfecta porque, a pesar
de gestionarse pacíficamente las controversias, convive con los conflictos y algunas
formas de violencia (Muñoz, 2004). En otras palabras, la imperfección es la perfecta
manera de concebir el escenario transformado al que se empieza a enfrentar Colombia.
A saber, la Paz imperfecta no se refiere a una situación en la cual los acuerdos
establecidos entre los actores rivales estén definidos desde un ángulo peyorativo o
negativo, más bien, se adscribe a una lógica sistémica en la cual el conflicto es medular
y separa la noción que guerra y conflicto son simbióticos. De hecho, la paz imperfecta es
el mejor escenario posible para la consolidación y terminación del carácter evolutivo de
la sociedad.
En este orden, es perentorio hacer notar que casi la mitad de los acuerdos de paz fracasan
durante los cinco primeros os de implementación (Hudson, 2011), así que, la
construcción de una paz negociada, o imperfecta, es mucho más exigente en términos
políticos, económicos y sociales- que la prolongación indefinida de la guerra o la
imposición unilateral de la victoria (Molano, 2016). En consecuencia, la necesidad de
plantear la reconfiguración de la sociedad colombiana a mediano y largo plazo (volviendo
así a la diferencia entre posacuerdo y posconflicto).
Finalmente, la disertación para establecer la diferencia entre posacuerdo y posconflicto,
y la construcción de los conceptos de “farcarización”, post-farcarización”, ligados al de
Paz imperfecta, dan lugar al tercer y último punto de esta investigación, en el cual se
discuten dos de los escenarios de seguridad que surgen en este momento crucial para la
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sociedad y el estado colombiano, aparte del cambio de imaginario de enemigo a
adversario político que ya se ha tratado.
4. Pragmatismo del conflicto y transformación de realidades en
Colombia: vacíos de poder y mercados de la violencia
La firma del acuerdo entre el Gobierno y las Farc-Ep, abre las expectativas en torno a la
posibilidad de reducir la violencia asociada a la confrontación armada y a las actividades
ilícitas de dicho grupo en zonas fronterizas (Cabrera, 2016). Bajo la anterior premisa, la
“post-farcarización” conlleva la aparición de espacios vacíos en los cuales tiende a
configurarse territorios desgobernados donde antes hacía presencia las Farc-Ep (Rabasa,
y otros, 2007). Ellos no son, ni mucho menos, una especie de “lejano oeste” en los cuales
sólo impera la ley de la selva (Molano & Zarama, 2016), son territorios disfuncionales en
el cual el Estado carece de todo título para ejercer funciones básicas, es decir, los
territorios desgobernados reflejan el viejo problema de la soberanía territorial efectiva
(Molano & Zarama, 2016) y la visión contemporánea del control de dichos espacios por
grupos paraestatales.
Ciertamente, el Estado colombiano siempre ha tenido un problema para ejercer control
y presencia en algunos territorios al interior del país, dificultad que según Margarita Serge
(2011) puede rastrearse hasta la colonia, periodo en el cual eran tratados como “zonas
salvajes” relacionadas con el contrabando, y hoy en día como “zonas rojas” en las que
proliferan las actividades ilícitas como el narcotráfico. En sus palabras:
Colombia aparece como un país fragmentado. Una serie de ejércitos privados, de
guerrillas y de grupos paramilitares le disputan al Estado el control territorial. Esta
situación no es, sin embargo, novedosa: el Estado colonial no logró nunca imponer su
dominio en la totalidad del territorio de lo que hoy constituye Colombia […] Nunca han
dejado de ser “tierras de nadie”, “zonas rojas” […] (Serge, 2011: 15, 18).
Con base en lo anterior, a simple vista pareciera que la tipología de “desgobierno” en las
zonas fronterizas prolifera al determinar la naturaleza de las mismas. A saber, zonas
volátiles en la configuración del Estado, porosidad por las condiciones naturales y
adversidades debido a la accidentalidad geográfica. No osbtante, si bien es cierto que las
zonas extremas del país carecen de presencia e institucionalidad, los territorios
desgobernados pueden verse materializados también en zonas centrales y centros de
poder en el país.
En consecuencia, si bien es cierto que la falta de presencia estatal sobre vastas zonas
del territorio, en las cuales hacen presencia y ejercen poder actores armados, no son un
fenómeno nuevo y atiende a lógicas históricas de largo alcance, también hay que ser
consciente de que la desmovilización de las Farc-Ep no implica directamente que la
institucionalidad tomará esos vacíos que quedarán tras la dejación de armas. En
contraposición, con la “post-farcarización” debe comprenderse que lo que ocurrirá es una
reconfiguración de la presencia de los actores al margen de la ley (otras guerrillas,
disidentes de las Farc, crimen organizado, bandas emergentes, etc.) para llenar dichos
espacios.
De hecho, este desplazamiento territorial por el control de las zonas ya ha empezado a
ocurrir. Finalizando 2016, la Oficina de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos
advirtió al gobierno nacional que [a] medida que los miembros de las Farc abandonan
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áreas tradicionalmente bajo su control, el Estado no ha asumido plenamente sus
funciones, dejando un vacío de poder” y, asimismo, señalaron que durante ese o
ocurrieron 61 asesinatos de líderes sociales en su mayoría en zonas rurales y luego de la
firma de los acuerdos finales (El Espectador, 2016).
Por otro lado, la desmovilización de las Farc-Ep no ha sido absoluta, lo que ha dejado
espacios en el territorio nacional a merced de mandos medios, quienes se ven motivados
a seguir en la ilegalidad por los réditos que esta plantea. Finalizando 2016, las Farc-Ep
expulsaron a cinco de sus mandos
5
, por estar en contra de la línea “político-militar” de
la organización y oponerse al proceso de paz, motivados por la búsqueda de ganancias
individuales derivadas de actividades ilícitas (El Espectador, 2016). Aunque el número de
disidentes calculados por el Ministerio de Defensa no sobrepasa los 200 milicianos, las
implicaciones en la geografía nacional son preocupantes, debido a que gran parte de la
Amazonía queda bajo control de estas estructuras (que ya no pueden considerarse Farc),
específicamente, los Departamentos del Guaviare, Vichada, Guainía y Meta (Revista
Semana, 2016).
No obstante, la concreción del nuevo panorama de vacíos de poder en el territorio no
para con las denuncias y las disidencias. En realidad, previo a las alarmas de la ONU y la
expulsión de mandos de las Farc-Ep, la Fundación Paz y Reconciliación presentó en 2015
un informe titulado “Lo que hemos logrado”, en el cual se presenta el Índice de Riesgo
de Postconflicto Violento (construido por la fundación), para “[…] identificar los
municipios que requieren mayor atención en el posconflicto […]” (Fundación Paz y
Reconciliación, 2015: 57). Dicho índice toma en cuenta variables tales como la violencia,
indicadores sociales, geográficos e institucionales, así como la presencia de minería
ilegal, cultivos de coca, índice de ruralidad, entre otros. Los resultados de dicho análisis
son alarmantes: 87 municipios están en “Vulnerabilidad extrema”, 85 s en nivel “Alto”
y 104 en “Medio Alto” (Fundación Paz y Reconciliación, 2015: 61) (Ver Mapa 1).
Con base en la fragmentación del territorio en la que Serge hace hincapié, y a la ausencia
y orfandad de la institucionalidad en las zonas periféricas del Estado, la mercantilización
de la violencia se convierte en un bien transable. Es decir, la violencia en Colombia
ingresa a una “cadena productiva” subterránea en la cual las actividades ilegales
solventan en buena medida patrones de comportamiento hostil que ocupan los espacios
vacíos anteriormente analizados.
Los mercados de la violencia, para Georg Elwet (1998), generalmente se originan en
conflictos de naturaleza no económica. Razón inicial por la cual la mercantlización del
fenómeno logra cierto grado de atractividad aprovechando las brechas y “agujeros
negros” institucionales. De hecho, dichos mercados configuran campos de acción y se
circunscriben en espacios físicos en los cuales predomina una dinámica económica
gobernada por actores que usan la violencia como recurso para regularla (Elwert, 2003).
5
Los mandos expulsados son: alias Gentil Duarte, Euclides Mora, John 40, Giovanny Chuspas y Julián Chollo
(El Espectador, 2016).
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Mapa 1 - Índice de Vulnerabilidad en el Posconflicto de la Fundación de Paz y
Reconciliación
Fuente: (Fundación Paz y Reconciliación, 2015: 61)
Así, situaciones en las cuales conflyen actividades legales e ilícitas como la minería o el
narcotráfico, se convierten en plataforma estratégica y caldo de cultivo plausible para la
gestación y potenciación de estos mercados. Una de las características principales de la
violencia como bien transable, es que involucra factores naturales de la extracción de los
recursos sin controles institucionales; escenario que abre la puerta a transacciones
irregulares que erosionan más allá del medio ambiente a conflictos sociales escalados.
En efecto, según Michael Reed (2012) los mercados de la violencia crean un sistema de
perdurabilidad, mientras que la ecuación económica favorezca a quienes controlan la
violencia (Reed, 2012).
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De acuerdo a lo anterior, ante la falta de capacidad y presencia del Estado, germinan
múltiples agentes dispuestos a usar la violencia como herramienta de regulación de la
oferta y la demanda de bienes y servicios (Reed, 2012), a dinamizar variables sociales y
en últimas, a utilizar la violencia como medio comunicacional en un contrato social
subterráneo.
Es decir, la transformación de los escenarios ligados al conflicto armado conlleva asimilar
que la violencia contemporánea se desmarca de la lógica conflictiva de las décadas
pasadas para cifrarse en circunstancias que tienen que ver con los espacios vacíos,
desgobiernos y mercados propios de la violencia. Si bien la violencia no se anula debido
a un escenario de firma de acuerdos, muta por la trazabilidad de la violencia cuando
adquiere un componente económico. La violencia ligada a los nuevos actores que
disputan el control de los territorios disfuncionales en la periferia y el centro, la
mercantilización del ejercicio violento, el incremento de asuntos y problemas de
seguridad pública y urbana, son los puntos neurálgicos en los cuales la realidad
colombiana presenta claves para el entendimiento del pragmatismo del posconflicto.
5. Conclusión
Advertir las transformaciones (en plural) de Colombia luego de la superación de un
episodio que marcó la noción de país por varias décadas, es una apuesta eminente a la
construcción de estadios conceptuales y terminológicos. Adentrarse en el análisis de las
variables del conflicto en Colombia conduce al descubrimiento de realidades conforme a
las narrativas convergentes y divergentes. El presente artículo no presenta el conflicto
como un lunar en la historia del país sino como un factor necesario para la culminación
de la construcción de la nación acorde a su definición.
En consecuencia, hay que advertir que Colombia ha estado definida por un fenómeno y
un actor altamente volátil que absorbió buena parte de la agenda política, económica, de
seguridad, social e incluso psicológica del Estado, en otras palabras, Colombia estuvo
“farcarizada” y, a partir de esa realidad se leyeron no solo la historia colombiana, sino
las dinámicas del conflicto y las respuestas institucionales.
En otros términos, dicha farcarización se convirtió en el umbral y rasero de medida de
las “cosas” que denotaban las explicaciones sobre la situación nacional. Partiendo de lo
anterior, lo ocurrido entre el Gobierno y las Farc-Ep, sobre la firma para la superación
del conflicto armado, ha abierto una “Caja de Pandora” conforme a los asuntos que la
“post-farcarización” trae consigo. Colombia debe empezar a entenderse sin “otro” que lo
defina.
Así las cosas, la finalidad de este texto apunta a abrir el debate sobre las nuevas
dinámicas de seguridad que se empiezan a vislumbrar en el panorama nacional, de modo
que la adaptación del Estado y la sociedad en su conjunto a esos nuevos contextos no
sea un paso traumático y violento, con miras a lograr espacios pacíficos de diálogo en el
futuro.
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OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 2 (Novembro 2018-Abril 2019), pp. 98-113
A RELIGIÃO TRADICIONAL NA CULTURA POLÍTICA DA GUINÉ-BISSAU
Cláudia Favarato
favaratoclaudia@gmail.com
Doutoranda em Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP,
Portugal), Universidade de Lisboa; Mestre em Estudos Africanos, ISCSP, Universidade de Lisboa;
Mestre em Política Internacional e Diplomacia pela Universidade de Pádua; investigadora
colaboradora no Centro de Estudos Africanos (CEAF) do ISCSP, Universidade de Lisboa.
Resumo
O presente artigo tem por objetivo examinar a importância do sistema religioso animista
indígena na cultura política da Guiné-Bissau. A análise do contraste entre a legitimação
inerente da autoridade do Estado e as autoridades tradicionais locais permite entender o tipo
de cultura política partilhada do povo guineense.
Tendo em conta a exacerbação da capacidade de resposta pública à manipulação de símbolos
quando os indivíduos sentem que os níveis de segurança humana se encontram mais baixos,
neste artigo aborda-se a importância do capital simbólico religioso inerente à política dos
líderes nacionais da Guiné-Bissau, dando como exemplo o caso de José Bernardino “Nino”
Vieira.
Estas práticas permitem às autoridades estatais legitimar a sua autoridade, ultrapassar o
impasse da heterogeneidade étnica e compensar as relações frouxas entre o governo e os
cidadãos.
Finalmente, examina-se a manipulação da dimensão religiosa para fins políticos como um
marco do processo de africanização do poder, devido ao sincretismo religioso e político típico
dos sistemas políticos tradicionais africanos, e a forma como os mitos sobre os idolatrados
líderes nacionais podem fomentar o avanço de um regime político autoritário.
Palavras-chave
Guiné-Bissau; cultura política; capital simbólico; sistema político africano; religião tradicional
africana
Como citar este artigo
Favarato, Claúdia (2018). "A religião tradicional na cultura política da Guiné-Bissau".
JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 9, N.º 2, Novembro 2018-Abril 2019.
Consultado [online] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.7
Artigo recebido em 21 de Dezembro de 2017 e aceite para publicação em 1 de Julho de
2018
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A religião tradicional na cultura política da Guiné-Bissau
Cláudia Favarato
99
A RELIGIÃO TRADICIONAL NA CULTURA POLÍTICA DA GUINÉ-BISSAU
1
Cláudia Favarato
Introdução
Este artigo pretende examinar a importância da religião tradicional na cultura política da
Guiné-Bissau. Os golpes de estado que ocorreram ao longo das últimas cinco décadas
enfraqueceram o processo de construção do Estado e o fortalecimento de uma
democracia liberal baseada no estado de direito. Na presença de uma forte
heterogeneidade étnica, as autoridades tradicionais gozam de grande legitimidade, o que
dificulta a força das autoridades estatais formais. Além disso, os valores religiosos,
expressos principalmente através das cosmologias animistas indígenas, continuam
fortemente enraizadas entre os guineenses.
Em primeiro lugar, o tipo de cultura política predominante na Guiné-Bissau é identificado
com base na classificação de Almond & Verba (1989 [1963]), revelando a estrutura
política tripla e enfatizando os padrões de contraste entre a autoridade do Estado e as
autoridades tradicionais locais.
Em segundo lugar, vários estudos (Inglehart, Basañes & Moreno, 1998; Inglehart &
Norris, 2011) demonstram que entre as pessoas que vivem com baixos rendimentos ou
em estados falhados ou mais pobres, a religiosidade permanece fortemente enraizada.
Assim, a recetividade pública à manipulação de símbolos é aliviada quando as pessoas
estão pessoalmente vulneráveis à angústia político-económica ou quando se sentem
incapazes de lidar com os seus problemas. De acordo com a tese da secularização da
segurança humana (Inglehart & Norris, 2011), discute-se a importância do capital
simbólico fundamentado na religião como uma ferramenta usada pelos líderes da Gui
Bissau para legitimar a sua autoridade e ultrapassar o impasse da heterogeneidade
étnica.
A terceira parte do artigo centra-se na importância da dimensão religiosa na cultura
política da Guiné-Bissau. Espera-se que os resultados dos dados confirmem as hipóteses
postuladas sobre os objetivos da manipulação dos valores religiosos. Por um lado,
formulei a hipótese que, embora o emprego de símbolos religiosos por líderes nacionais
seja uma ferramenta para compensar as relações frouxas entre o governo e os cidadãos,
essas práticas façam parte dos sistemas políticos tradicionais africanos. Nesse sentido, a
sua interpenetração com o sistema Estatal constitui um marco no processo de
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2013, e tem como
objetivo a publicação no JANUS.NET. Texto traduzido por Carolina Peralta.
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A religião tradicional na cultura política da Guiné-Bissau
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africanização do poder. Por outro lado, devido aos níveis excecionalmente elevados de
legitimação e consentimento que fornecem, juntamente com um sentimento de medo
entre a população, os mitos que adoram a figura do presidente apoiam o avanço de um
sistema político autoritário.
A análise descrita neste artigo baseia-se em dados recolhidos em trabalho de campo
(região de Biombo, outubro a dezembro de 2016). Técnicas como conversas informais
com representantes do sistema político tradicional local, juntamente com a observação
participada no cotidiano e ocorrências nas povoações rurais, forneceram os dados
necessários para o gráfico. Avança-se uma descrição tão clara quanto possível do tipo de
cultura política predominante.
Além disso, a investigação é enriquecida pela análise de discurso categorial de entrevistas
semiestruturadas, sustentada por uma taxonomia indutiva. Estas últimas dirigiram-se a
um corpus selecionado e representativo, englobando diferentes faixas etárias. Os
entrevistados são estudantes universitários e professores da Guiné Bissau que
testemunharam a longa era de três décadas (1980-2009) do governo de José Bernardino
“Nino” 'Vieira. As entrevistas demonstram como o presidente Nino recorreu ao capital
simbólico no exercício do seu poder.
O cenário político da Guiné-Bissau
Após a independência (24 de setembro de 1974) de Portugal, a Guiné-Bissau foi
governada pelo antigo movimento de libertação PAIGC (Partido Africano para a
Independência da Guiné e Cabo Verde). Após o golpe de 1980, João Bernardino “Nino”
Vieira assumiu o cargo de presidente, onde se manteve até 1998. Golpes de estado,
assassinatos e disputas entre os políticos e o exército têm sido uma característica
marcante da turbulência política guineense desde a instituição formal da democracia
pluralista em 1994. A Guiné-Bissau é formalmente uma democracia representativa
semipresidencial, embora as atividades políticas raramente sejam consistentes com o
plasmado nas provisões da Constituição (1984).
Os processos de construção de nações e estados estão em jogo devido a legados sociais,
culturais e políticos. Por um lado, falta um sistema aberto e livre de relações entre
governados e governo. Por outro lado, o processo de incorporar os cidadãos numa
identidade nacional é dificultado pela heterogeneidade étnica (Forrest, 2003). No país
existem quase trinta etnias e nenhuma delas tem alta prevalência entre a população. Os
Balanta (26%), Papel (9,2%), Bijagós (2,1%), Manjaco (9,2%), e Mancanha (3,5%) são
as etnias animistas mais significativas, representativas de quase 50% da população total,
enquanto os Fula (25 %) e os Mandinga são as principais etnias muçulmanas (Nóbrega,
2003). Não existe um grupo étnico predominante na esfera política
2
, nem há registos de
voto político no país. A identidade étnica não é determinante da escolha política de uma
dada comunidade (Forrest, 2003: 187). O parcelamento de identidades combina padrões
de identidade mais fortes com o grupo étnico dos indivíduos do que com a nação. Os
padrões de identidade étnica não se limitam ao agrupamento cultural, afetando também
a esfera política. A maioria das pessoas refere-se à autoridade local e não ao Estado
2
Embora Álvaro Nóbrega se refira ao processo de “balantização do Estado”. A presença do grupo étnico
Balanta é maioritária dentro das forças armadas, daí o poder crescente que os Balanta estão a ganhar na
esfera militar e política (Nóbrega, 2015).
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(Favarato, 2017). O Estado é frágil e carece de legitimação entre as pessoas,
especialmente no meio rural. Herdeiro do antigo estado colonial, o atual estado
guineense adotou a forma de um aparelho europeu, que não foi capaz de penetrar e
rearranjar numa configuração tradicional e social do poder (Forrest, 2003).
O sistema de governo indireto português, implementado durante o século dezanove,
baseou-se em comités locais, designados Comités de Tabanca (Forrest, 2003: 142).
Estes últimos destinavam-se a difundir generalizadamente o poder do Estado entre os
povos nativos. Apesar disso, o sistema de governo colonial foi corrompido pelos
habitantes locais, que elegeram pessoas dotadas de autoridade tradicional ou indivíduos
frágeis para cargos no comité (Nóbrega, 2003). A força da estrutura política e social local
e tradicional prevaleceu sobre o colonizador. O Estado independente governado pelo
PAICG herdou essas fragilidades estruturais. A capacidade do Estado é limitada às
cidades e as autoridades comunitárias controlam a sociedade rural.
A estrutura contemporânea dos sistemas políticos africanos é ontologicamente composta
de três elementos: estruturas pré-coloniais, legados culturais e políticos coloniais e
desenvolvimentos do Estado pós-colonial, inerentemente influenciados pelo processo de
globalização e pelo modelo moderno de Estado neoliberal. As três parcelas não são
exclusivas, pois funcionam em sinergia recíproca na realidade social, cultural e política
interna. A cultura política da Guiné-Bissau é, ipso facto, uma mistura cultural
heterogénea. A estrutura tripla fornece uma explicação sólida sobre a dialética das
potências tradicionais do Estado. O PAICG reiterou os ataques contra o poder tradicional,
retratando-o como atrasado, indígena e incivilizado. Assim, geraram uma reação
negativa, expressa através da recente revitalização do poder tradicional (Carvalho,
2004).
Apesar da soberania do Estado sobre todo o território guineense, a força das autoridades
locais e tradicionais
3
é grande em todos os grupos étnicos. A legitimidade dos deres
locais deve-se provavelmente ao seu papel político e/ou religioso (Bordonaro, 2009).
A importância dos antepassados e dos espíritos, juntamente com a invenção da tradição
(Hobsbawm, 2002), levou à recente revitalização do poder tradicional na Gui-Bissau.
Mediante o apoio dos legados de sangue e da alma com forças metafísicas e dos
antepassados, o recém-nomeado régulo realiza rituais e cerimónias tradicionais com
sucesso. O objetivo é afirmar a sua autoridade, ampliar o capital simbólico e fortalecer o
poder. As práticas tradicionais de legitimação são a marca do sincretismo entre o poder
secular e religioso: a legitimidade, o poder e a autoridade dos líderes tradicionais
(régulos) dependem fortemente da sua força religiosa e do seu compromisso com a
cerimonia di terra
4
” animista (Favarato, 2017).
Cultura política e importância da religião tradicional
A orientação dos indivíduos relativamente ao sistema político e à ação política são
elementos determinantes para entender a legitimidade das autoridades locais e
3
A antropóloga Clara Carvalho (2004) estabelece uma distinção entre poder local e tradicional. O primeiro é
uma estrutura de poder independente, historicamente enraizado em práticas costumeiras e hábitos sociais;
o rótulo de tradicional deve-se à fonte de legitimação do poder. Os régulos guineenses sustentam a sua
autoridade na noção auto-justificadora da “tradição”.
4
“Di terra” usa-se como referência à tradição, tanto no seu aspeto imanente como material. Assim, está
associado a forças animistas, espíritos (irân) e antepassados.
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tradicionais. Esses padrões orientadores resumem-se melhor na expressão cultura
política (Almond, 1956: 396), devido aos traços epistemológicos peculiares aos quais os
dois termos se referem por si mesmos. Juntos, eles definem um grupo específico de
cultura, diferenciado e parcialmente autónomo da cultura em geral.
A cultura é um fenómeno coletivo em que os indivíduos reúnem o seu próprio conjunto
de perspetivas do mundo, interpretação da realidade, sentimentos e expetativas. Cultura
é um termo amplo; refere-se a aspetos individuais (traços egotrópicos ou psicológicos)
e societais (sócio-trópicos). Devido às instituições, socialização, educação e meios de
comunicação, uma cultura é “o sistema significante através do qual uma ordem social é
comunicada, reproduzida, experimentada e explorada” (Williams, 1983: 13). Na ausência
de limites claros de definição, inclui noções oriundas de diversos grupos de
conhecimento, como a antropologia, sociologia, psicologia, ciência política, religião e
arte.
Distinta das atitudes não políticas, a cultura política revela como o sistema político é
internalizado sob a forma de cognições, sentimentos e avaliações. A combinação dos
termos político e cultural refere-se às orientações psicológicas das pessoas em relação
aos objetos sociais ou, por outras palavras, à totalidade de ideias e atitudes em relação
à disciplina da autoridade, responsabilidades e direitos governamentais e padrões
associados de transmissão cultural (Robertson, 2002).
A cultura política pode ser categorizada de acordo com o tipo, subculturas e congruência
entre cultura política e sistema político. No que diz respeito ao caso da Guiné-Bissau,
identifica-se um tipo de participante partilhado pela elite, enquanto a maioria da
população guineense está inserida na cultura política provinciana
5
(Almond & Verba,
1989 [1963]), na medida em que as autoridades tradicionais são referidas como primeira
autoridade legítima, ao contrário do Estado central. Uma orientação política não exclui
nem substitui a outra; não há homogeneidade ou uniformidade da cultura política como
tal, mas sim uma heterogeneidade cultural ou mistura assente em clivagens de
subculturas.
A orientação para a ação política é dedutível por uma síntese de elementos cognitivos,
catéxicos e de avaliação (Almond, 1956: 396). Em termos de afeto, a avaliação do Estado
e do governo apresenta aspetos negativos: pouco ou nada se espera do sistema político
e a consciência da presença do governo tende a estar ligada aos interesses familiares.
Além disso, as reformas e a permanência de mudanças (Bordonaro, 2009), ainda que
não levem a quaisquer mudanças ou melhorias, promoveram um sentimento de
resignação misturado com esperança no futuro.
Segundo os guienenses, a estrutura política do país é ineficiente e incapaz de suprir as
necessidades das pessoas, pois os funcionários estatais o, no geral, corruptos. Os
políticos são acusados de corrupção e de se servirem da sua posição em prol de interesses
pessoais. Esta atitude egoísta contraria as características desejáveis de um líder político:
as autoridades tradicionais gozam de legitimidade na medida em que governam com
responsabilidade o bem-estar das pessoas (Monteiro, 2016: 163). Um bom der deve
usar o poder para o bem comum da comunidade.
5
De acordo com o modelo de tipo provinciano, as funções políticas não são especializadas e não estão
separadas da orientação religiosa e/ou social. Apesar de poderem existir em políticas diferenciadas e de
maior escala, a orientação provinciana é mais comum nos sistemas tradicionais mais simples e circunscritos.
(Almond & Verba, 1989 [1963]: 17).
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Os cargos políticos tradicionais são um emprego para toda a vida, conferido de acordo
com critérios de idade, sabedoria, coragem e valor. As disposições do direito
consuetudinário (FDB e INEP, 2012) nomeiam um conselho de anciãos (Omi Garandi) e
um comité de conselheiros para orientar a governação de um régulo. As pessoas
obedecem a decisões e regras promulgadas por serem justas; é muito improvável que
hajam violações. A maioria das disposições das autoridades locais assenta em elementos
animistas indígenas, que encoraja a proibição. Violar uma norma tornaria uma pessoa
culpada perante o irân
6
, que não tem misericórdia dos seres humanos: os castigos
significam muitas vezes a morte ou mufunesa
7
ininterrupta (Favarato, 2017).
A vida política local é mantida nos bastidores. A oralidade é um meio de comunicação
fundamental num contexto de alfabetização medíocre; sem recursos impressos,
informáticos ou tecnológicos, as reuniões à sombra das mangueiras são o local escolhido
para palestras e discussões políticas. A partilha rápida de informações orais (por meio de
conversas oficiais e conversas boca-a-boca entre conselheiros) e o alto vel de
consentimento da sociedade podem promover a imagem positiva de um líder, assim
como rapidamente destruir a reputação de uma pessoa com base em mexericos. A
confiança é de suma importância num mundo político assente na oralidade.
Independentemente de todos os cidadãos estarem informados sobre questões políticas,
a participação na vida política é moldada dentro de limites estreitamente ligados ao
género e à realização de cerimónias tradicionais. São os rituais, não a idade, que definem
as fases da vida de uma pessoa. Os rapazes têm que fazer fanado (um teste de
resistência de três meses) para se tornarem membros ativos da comunidade política.
Quem o realiza a cerimónia, total ou parcialmente, recebe o nome depreciativo de
blufo e não é elegível para casar. As mulheres geralmente são excluídas da vida política
e não podem ter cargos políticos
8
. Mas, pelo contrário, não existe nenhuma proibição
disso registada no sistema religioso.
Espelhando o funcionamento da família, a estrutura política local despreza o egoísmo.
Um sistema de obrigação recíproca, criando assim uma rede relacional de interações,
permanece como pedra angular do sistema social, político e familiar. Assim, a confiança
e identificação no sistema político local é elevada.
A transferência das orientações políticas acima referidas para o sistema nacional revela-
se assim malsucedida. As práticas do governo nacional assentes num aparelho
burocrático não são consistentes com os padrões de legitimação e identificação próprios
do sistema tradicional, logo a ideia do falhanço do Estado enganador. Como delineado
na análise de Almond e Verba (1989 [1963]), a cultura política e o sistema político não
são inerentemente duas estruturas sobrepostas, pois o nível da sua incongruência
determina a eficiência e participação em formas de ação política.
O aparelho estatal resulta de legados coloniais que não refletem a realidade local nem a
herança africana. A incongruência causa sentimentos de distanciamento, ao mesmo
tempo que incorpora a disseminação da cultura política participativa. As clivagens na
orientação política são moldadas pela localização dos assentamentos urbanos ou rurais.
A divisão da cultura política amplia-se entre a elite educada estrangeira e a população
6
A palavra Irân não tem uma definição clara ou delimitada. Refere-se a uma entidade metafísica, um espírito,
uma força poderosa. Apesar de ser do outro mundo, é considerado parte do mundo físico, a sua presença
é sentida e é apontada como a última causa de ocorrências positivas e negativas.
7
Infortúnio.
8
Estão previstas exceções no caso de uma mulher ser a chefe da família.
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em geral, que a consciência do significado do governo varia fortemente de acordo com
o nível de educação (Almond & Verba, 1989[1963]).
Nos habitantes das cidades e nas elites educadas, a cultura política inclina-se para o tipo
participativo. Nesse modelo, os cidadãos são explicitamente orientados para o sistema
(políticas, estruturas administrativas e processos) como um todo e sentem o papel ativo
do seu “eu” na política (Almond & Verba, 1989 [1963]: 18). Em Bissau e em Bafata, os
níveis de participação política são notavelmente altos e levaram ao aparecimento de uma
sociedade civil articulada e alinhada com a tradição associativa africana. É precisamente
em Bissau que ocorrem os protestos e motins de oposição a ações governamentais,
demonstrando envolvimento na vida política em termos positivos (debates políticos, sede
dos partidos políticos) e negativos (protestos, contestação, desacordo). Além disso, os
cidadãos urbanos e as elites educadas tendem a sentir uma incongruência de identidade:
enquanto a sua cultura política participativa é consistente com o sistema político formal,
dificilmente haverá qualquer identificação com a desresponsabilização dos políticos e com
as medidas autoritárias promulgadas.
As clivagens entre as diversas subculturas políticas e a incongruência entre o sistema
político e as culturas políticas impedem a legitimidade nacional. Além disso, a
incompatibilidade do sistema cultural, juntamente com a variedade de subculturas,
dificulta a tarefa do der nacional de englobar a heterogeneidade étnica e alcançar
legitimidade reconhecida nacionalmente.
Persistência da religiosidade e poder simbólico
Alcançar a legitimação é uma questão difícil na política da Guiné-Bissau: a independência
impulsionada pelo Estado e não pelo povo (Graça, 2005: 22) frustrou o processo de
construção da nação. A construção de cima para baixo do aparelho estatal e da estrutura
de administração não superou as estruturas de poder locais e tradicionais. A baixa
legitimidade
9
revolucionária concedida aos políticos e a falta de fundamentos para a
legitimidade nacional estimulou o apelo ao mito e aos símbolos fortemente enraizados
na religião tradicional para promover a autoridade através do poder simbólico.
Como alternativa eficaz à legitimação burocrático-racional, o capital simbólico fornece
uma base geralmente válida para legitimar o poder político nacional. O capital simbólico,
inerente ao capital social e cultural, é a principal força por excelência da política
(Bourdieu, 2014: 282; 1989). É gerado pela relação entre o capital sociocultural e os
agentes a quem a socialização lhes permite ver e reconhecer tais mais-valias. Por outras
palavras, significa que os cidadãos reconhecem as autoridades políticas como dotadas
desse capital simbólico.
Enquanto poder criador do mundo, o capital simbólico fornece a base para criar
legitimidade entre as pessoas, que se manifesta de muitas formas: uma linguagem é,
por exemplo, uma instituição normativa estruturada, ela própria constitutiva da realidade
e uma forma de capital simbólico.
O poder simbólico não se baseia necessariamente em factos provados, nem em verdades
factuais. Preferencialmente, depende da manipulação da realidade, ou melhor, de uma
manipulação da realidade de acordo com a visão e opinião da pessoa. A política não é
9
Reconhecimento do direito de fazer parte do governo devido à participação na luta pela independência.
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feita pela verdade, mas pela opinião, que finalmente se identifica com a ilusão. E a
opinião é uma das bases indispensáveis do poder (Arendt, 1995: 17).
A importância dos mitos, símbolos, valores e crenças não reside apenas em si mesmos,
mas no que eles evocam, no significado que lhes é dado. Mitos, símbolos e rituais são
uma característica essencial de todas as sociedades; as cerimónias periódicas são
necessárias para afirmar as necessidades existenciais da sociedade e os valores morais
com significado ideológico (Fortes & Evans-Pritchard, 1981 [1940]: 52-56; Hobsbawm,
2002). A manipulação dos mesmos para servir objetivos políticos desempenha uma
função-chave, uma vez que o uma ferramenta útil para aumentar a legitimidade da
elite política e da liderança nacional.
Como foi observado por Fortes & Evans-Pritchard (1981 [1940]: 52), “a coesão e a
persistência das sociedades africanas [tradicionais e nacionais] dependem em grande
parte da capacidade de todos os membros sentirem a sua unidade e perceberem o seu
interesse comum em mitos e mbolos". As opiniões religiosas, e assim os valores e
crenças que lhe estão relacionados, desempenham um papel importante na convicção
política das pessoas.
Além disso, a capacidade de resposta pública à manipulação de símbolos aumenta
quando as pessoas estão vulneráveis à angústia político-económica ou quando se sentem
incapazes de lidar com os seus problemas (Hayward & Dumbuya, 1983). A tese da
segurança humana (secularização) de Inglehart e Norris (2011) faz a ponte entre o nível
de religiosidade e o vel de segurança existencial entendido pelos membros de uma
determinada sociedade. Essencial para o bem-estar, a segurança humana designa o
estado de vida livre de vários riscos, perigos e vulnerabilidades. A religiosidade refere-
se, nesse sentido, à necessidade de uma origem suprema para enfrentar os riscos que
ameaçam a vida, com os quais se tem de lidar diariamente. Acreditar num ser metafísico
tem um papel funcional para os que vivem em condição vulnerável, pois ajuda a reduzir
a ansiedade pela sobrevivência.
O argumento central da tese da modernização é que as mudanças económicas, políticas
e culturais se realizam em conjunto de acordo com padrões coerentes. Existe uma ampla
gama de valores culturais intimamente ligados ao vel de desenvolvimento económico
de uma determinada sociedade (Inglehart, Basañez & Moreno, 1998), enquanto outros
fatores, como a educação formal, comunicação de massas e estrutura da força de
trabalho, são simplesmente influentes nos padrões de mudanças culturais.
No entanto, a religiosidade é sensível a outros elementos da sociedade, como a cultura
religiosa e o desenvolvimento socioeconómico (Inglehart, Basañez & Moreno, 1998).
Além disso, os padrões de mudanças culturais dependem muito do nível económico de
um país; por outras palavras, a dimensão política da cultura muda juntamente com o
sistema económico. As expectativas políticas e sociais de populações que vivem em
países mais pobres e Estados falhados estão primordialmente associadas a pedidos de
segurança, ao invés das pretensões de cidadania participativa, inclusiva, ou direitos do
indivíduo
10
. Entre essas populações, a religiosidade persiste mais fortemente, enquanto
se regista uma erosão sistemática de práticas religiosas, valores e crenças entre os
estratos mais prósperos das nações ricas (Inglehart & Norris, 2011).
10
Nesse sentido, os direitos referem-se aos direitos de primeira e segunda geração, respetivamente cívicos
e políticos, e direitos económicos, sociais e culturais.
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Religião, crenças, mitos e símbolos no seio da política
A marca da cultura política da GuiBissau é o sincretismo entre as esferas política e
religiosa. Esta última baseia-se no sistema tradicional de crenças, uma heterogeneidade
de cosmologias sob o nome de animismo. Apesar de identificar-se com uma das religiões
reveladas (cristianismo, islão) presentes no triplo sistema religioso do país, as crenças
animistas permanecem um substrato cultural em todos os indivíduos. Irân é a divindade
principal; designa um espírito que pode ser maligno ou benevolente. No sistema
tradicional, a concordância de Irân é fundamental para legitimar uma função política.
Além disso, a aprovação dos anciãos e dos antepassados é fundamental para legitimar a
função política de uma pessoa.
A nível nacional, o capital simbólico dos políticos assenta em valores, mitos e crenças
animistas tradicionais. É provável que sua manipulação forneça ao líder ampla
legitimidade para superar o impasse da heterogeneidade étnica, reforçando ainda a
instauração de um regime autoritário.
Para entender a dimensão religiosa na esfera política guineense, fez-se uma análise de
conteúdo discursivo em entrevistas semiestruturadas a um corpus selecionado. A análise
é categórica, sustentada por uma taxonomia indutiva. As unidades de análise, colocadas
dentro de índices e categorias, são constituídas por palavras únicas, ou pares de
palavras, quando ambas são necessárias como conceito de referência. O conceito que se
assemelhe a uma característica peculiar do universo guineense será apresentado usando
a palavra original nativa (por exemplo, irân, djambakus). O elenco segue a regra de
presença ou ausência.
As entrevistas concentram-se num período de tempo específico entre 1980 e 2009.
Durante três décadas, José Bernardino “Nino” Vieira governou ou esteve fortemente
envolvido no governo. A análise pretende, então, indicar o uso e o uso indevido do capital
simbólico relacionado com a religião por parte de “Nino” Vieira.
O primeiro grupo (Estado) inclui os elementos necessários para verificar hipóteses de
legitimação. Os índices centram-se na heterogeneidade étnica, na legitimidade das
estruturas de poder nacionais versus locais tradicionais, nas práticas autoritárias e no
sentimento em relação ao Estado.
O segundo grupo (resposta ao capital simbólico) visa identificar a sensibilidade às facetas
religiosas das práticas políticas. Os índices visam determinar a presença de mitos,
símbolos e crenças dentro da política e da sua fundação. Além disso, os seguintes índices
indicam que tipos de fundações estão subjacentes à idolatração do líder nacional.
Finalmente, o terceiro grupo (africanização do poder) regista a presença de itens
referentes a símbolos, crença e religião na esfera política.
Estado
A primeira categoria examina a perceção do Estado por parte da população guineense.
Especificamente, identificam-se os padrões de legitimação da autoridade do líder nacional
e a presença de marcadores de autoritarismo.
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Tabela 1
Estado
Categoria: legados tradicionais
Indicadores
Sincretismo
político-
religioso
Tribalismo
Etnicidade
Especialistas
conselheiros
tradicionais -
Tribunal
informal
Fonte: redigida pela autora
A dimensão estatal mistura-se com a dimensão não estatal por incluir legados
tradicionais. As narrativas e conversas sobre o Estado recorrentemente incluem
referências a etnias, direito consuetudinário, e autoridades tradicionais na caracterização
do sistema político nacional. A etnia não é fonte de conflitos entre os povos guineenses,
pois é uma fonte de orgulho. A integração étnica harmoniosa entre grupos guineenses é
invulgar. A diferença religiosa também é respeitada. Especialistas em religião tradicional
(régulos, djambakus, balobeiros, mouros) são também de suma importância na esfera
política: constituem um tribunal informal de ministros e conselheiros do presidente.
“Nino” Vieira teria um tribunal real a residir na sua residência, o “Palácio”, em Bissau, e
costumava consultá-los diariamente. Cada um dos especialistas tinha competência sobre
um assunto específico, como um bem governamental.
Tabela 2
Estado
Categoria: Estado "desonesto"
Indicadores
Fragilidade
Democrati-
zação
Unidade
nacional
Clientelismo
Corrupção
Sociedade
Civil
Fonte: redigida pela autora
Em geral, o Estado é caracterizado por marcas de fragilidade estrutural. Por um lado, os
entrevistados caracterizaram-no negativamente como sendo um sistema regido pelo
clientelismo e pela corrupção, gerando sentimentos gerais de desconfiança. O Estado e
as autoridades governamentais são considerados entidades distantes e, no geral,
ineficazes e indefesas, incapazes de ações efetivas. A orientação geral em relação ao
governo mostra que não tem autoridade e poder, assim como lhe é dada pouca
legitimidade. Além disso, as expectativas sobre o Estado, a democracia, o governo e a
política em geral são baixas ou inexistentes. Não existe ou há pouca identificação com o
aparelho do Estado moderno burocrático. Por outro lado, existe um forte sentimento de
pertença nacional a uma unidade guineense
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Tabela 3
Estado
Categoria: Legitimação e autoritarismo
Indicadores
Legitimação
revolucionária
Perfil do Chefe
do exército
Poder e
conhecimento
sobrenaturais
Controlo
Tirânico
Fonte: redigida pela autora
A caracterização do presidente “Nino” apresenta traços diferentes. Não obstante o regime
semi-autoritário de mais de uma década, “Nino” Vieira é retratado como um herói. Ele
gozava de grande legitimidade entre a população, principalmente devido à sua fama de
guerreiro corajoso que lutou contra os portugueses. Dizia-se que era invencível porque
enfrentou várias situações de risco de vida, nunca tendo sido ferido nem os seus soldados
derrotados. A fama militar proporcionou o terreno para a legitimidade revolucionária de
que precisava para obter consentimento. Assim, os seus feitos militares foram
embelezados com características supernaturais e mitos que o idolatravam como ser
imortal que desfrutava do apoio pessoal de um dos mais poderosos irân. Pensava-se que
tinha poderes e conhecimento sobrenaturais.
No entanto, “Nino” era um líder amado e temido devido às formas tirânicas de controlo
que utilizava. Quando sua autoridade era questionada, “Nino” exerceu medidas
brutalmente repressivas contra os seus opositores. As pessoas temiam-no devido aos
seus ritos no campo de batalha, e ainda mais por causa das atrocidades que cometeu.
Resposta ao capital simbólico
A reatividade das pessoas à manipulação de símbolos evidencia-se na análise da figura
do presidente “Nino” Vieira. O seu poder assentava na coragem militar e nos valores
animistas indígenas. As descrições de "Nino" quase que se assemelham a uma forma de
mito, contendo referências recorrentes a poderes sobrenaturais e à natureza sobre
humana, bem como às suas capacidades extraordinárias de guerreiro. Também se lhe
referem como o "pai" da nação.
“Nino” era adorado como um general heroico e invencível, cujos atos no campo de
batalha durante a luta pela independência eram sobre humanos. Recebeu igualmente um
nome de guerreiro Balanta, Kabina Fanchamna. Dizia-se que era imortal porque não
existia nenhuma arma que pudesse feri-lo. Essa crença foi disseminada nos segmentos
civil e militar da sociedade e explica as circunstâncias vívidas da sua morte. Além disso,
acreditava-se que ele tinha o apoio de um irân especial e pessoal, cujos favores lhe
concediam proteção e poder.
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Tabela 4
Resposta ao capital simbólico
Categorias
Mito sobrenatural
Mitos relacionados
com a guerra
Indicadores
Poder e
conheci-
mento
sobrenat
urais
Inven-
cível
Acima da
natureza
humana
ou divina
Morte de
Nino
Kabina
Fanchamna
Guerreiro
heroico
lendário
Estatuto
social de
lutador
pela
indepen-
dência
Fonte: redigida pela autora
De acordo com as conversas populares, “Nino” tinha direito a poderes sobrenaturais que
lhe permitiam saber tudo o que queria. Esta lenda serviu como dissuasão contra os seus
opositores, para evitar que organizassem um golpe de estado, revolta ou rebelião. Além
disso, desencorajou qualquer forma de oposição ao seu poder. Estas são características
do autoritarismo em vez de se assemelharem a padrões simbólicos de capital em direção
à legitimação. O seu governo estava organizado de forma muito eficiente com base em
informações fornecidas pelos serviços secretos. Apoiado pelas autoridades locais e
urbanas leais, era avisado antecipadamente de quaisquer movimentos subversivos que
nasciam no país. Se se mencionava o controlo da informação e a dissuasão, as narrativas
sobre o poder de “Nino” Vieira estavam prontas para fazer com que as capacidades de
controlo do governo parecessem o resultado das capacidades do Presidente, devido à
influência do irân.
Numa religião animista tradicional altamente participada, a grande maioria do povo é
sensível aos valores e crenças pertencentes às cosmologias indígenas. Junto com aqueles
que claramente têm fé no irân, a maioria das pessoas reconhece a existência dos espíritos
e alguns até se consideram pauteiro/a (capaz de ver irâns). Portanto, o regime autoritário
regido por “Nino” Vieira baseava-se num sistema de controlo baseado na manipulação
de crenças religiosas e em serviços de informação organizados pela burocracia racional.
Tabela 5
Resposta ao capital simbólico
Categorias
Controlo e dissuasão
Crenças
indicadoers
Proteção do
Irân
Ser ou ter
djambakus
Serviços
Secretos
Ter fé em
irâns
Crenças
gerais em
irâns
Pauteiro/
a
Fonte: redigida pela autora
Africanização do poder
Nos sistemas políticos tradicionais africanos, o uso de mitos e símbolos relacionados
coma religião é uma característica comum. O sincretismo entre religiosidade e política é
a norma: os papéis frequentemente sobrepõem-se, a aprovação dos espíritos e dos
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antepassados é fundamental para a aprovação de um der ou para resolver qualquer
decisão política importante da comunidade.
Tabela 6
Africanização do Poder
Categoria: Símbolos
Indicadores
Bênção do
Régulo
Machado
Mão
sagrada
Casco de
galinha
Veste
muçulmana
Fonte: redigida pela autora
O governo de “Nino” Vieira é retratado como sendo rico em símbolos que lembram a
dimensão animista. Entre os mais comuns, surgem a bênção dos régulos tradicionais, a
mão sagrada, o casco de galinha e a veste muçulmana. No entanto, a última categoria
da análise de conteúdo considera indicadores referentes à religiosidade. Foi aplicado
amplamente a todos os conjuntos de dados. O resultado da análise mostra que a esfera
política é sempre retratada com características religiosas ou relacionadas com a religião.
Isto aplica-se tanto às autoridades locais tradicionais como aos líderes nacionais, do
sistema político do Estado.
A configuração sincrética do poder guineense desafia o sistema estatal moderno e
burocrático estabelecido após a independência, herdado da colonização portuguesa e
influenciado pelo processo de globalização mundial.
Tabela 7
Africanização do Poder
Categoria: Elementos religiosos
Indicador
Irân
tradicional
animismo
sincretismo
(cerimónia
tradicional)
Especialista
Tradicional
(djambakos,
mouro,
régulo,
balobeiro)
Catolicismo
Islamismo
Fonte: redigida pela autora
Para a ciência política ocidental, a manipulação de mitos e símbolos religiosos dentro da
esfera política é um meio abusivo de obter poder, legitimação e autoridade. Apesar disso,
é necessário considerar as especificidades dos sistemas africanos e os seus legados
políticos. A presença de marcadores sticos é comum a todos os países africanos, e
mais intensamente nos países da África Ocidental. Assim, a presença de símbolos de
poder, elementos religiosos e especialistas tradicionais nos caminhos internos da política
nacional pode ser a marca de uma configuração peculiar de Estado, para apontar o
processo de africanização do poder.
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Conclusão
Ao longo deste artigo, procurei mostrar a importância da religião tradicional na cultura
política da Guiné-Bissau.
A estrutura política tripla inerente à sociedade da Guiné-Bissau desempenha um papel
importante na definição dos limites da dimensão religiosa. A força das autoridades locais
e tradicionais permeia o poder das autoridades nacionais. A prevalência do tipo de cultura
política provinciana aumenta a primazia da primeira sobre a segunda. As normas
promulgadas assentam em fundamentos sociopolíticos e metafísicos. O nível de
identificação e confiança das pessoas nas autoridades locais ou tradicionais é alto e sua
legitimidade é inquestionável.
Quando as ferramentas da estrutura nacional racional-burocrática não são consistentes
com os objetivos desejados - legitimidade, poder, consentimento - as autoridades
recorrem ao capital simbólico do poder. O capital religioso fornece uma base sólida para
o poder simbólico forte, uma vez que: 1) as crenças da metafísica são uma parcela
absoluta de símbolos, mitos e valores. Tal como os chefes tradicionais, as crenças
amplamente aceites servem de base para a legitimação da autoridade do presidente; 2)
embora a segurança humana seja um elemento determinante, se bem que não
determinista, para definir a religiosidade, a percetividade à religiosidade é maior nas
sociedades em que os indivíduos são mais vulneráveis a perigos que põe a vida em risco.
Em relação à hipótese postulada, a análise prova que a difusão de valores, mitos e
símbolos relacionados com a religião na política guineense tem mais do que uma função.
Por um lado, os mitos que envolviam o presidente “Nino” Vieira forneciam-lhe veis
excecionalmente elevados de legitimação e consentimento. Primeiro, foram um meio de
superar o impasse étnico tradicional de legitimação. Segundo, o poder de “Nino”
assentava num misto de legitimação baseada na fama e medo mitológicos. Os mitos e
narrativas concederam-lhe uma identidade Übermensch, que eficientemente dissuadiu a
oposição e a revolta contra o governo estabelecido. "Nino" é conhecido tanto como o
general heroico que libertou o país do colonizador português como por ser presidente
sanguinário para quem a polícia iria impiedosamente assassinar qualquer opositor. A
mística em torno da figura do presidente, portanto, representa o avanço do sistema
político autoritário.
Por outro lado, o emprego de mbolos baseados na religião por “Nino” Vieira é uma
ferramenta para compensar as relações frouxas entre o governo e os cidadãos. No
entanto, tais práticas fazem parte dos sistemas políticos tradicionais africanos, onde a
esfera religiosa e a política são interdependentes. O uso de valores relacionados com a
religião pelos líderes nacionais enquadra-se no sincretismo político-religioso. Este último
é uma característica definidora dos sistemas políticos africanos.
De acordo com a tradição ocidental, a vida na pluralidade toma a forma de política, uma
arte sustentada nas faculdades dos seres humanos, cuja força subjacente assenta na
organização social dos seres humanos. Contrariamente, a política africana fundamenta a
fundação definitiva do governo numa entidade metafísica e de alguma forma superior.
Na Guiné Bissau, chama-se irân. Os irâns são os verdadeiros donos do poder, enquanto
as autoridades nacionais tradicionais, locais e - poderíamos afirmar nacionais são
instrumentos da sua vontade. Nesse sentido, a dimensão religiosa é inseparável da
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política, pois implicam-se intrinsecamente. A transposição do uso de mitos, símbolos e
valores religiosos para a esfera política nacional sintetiza a pedra angular do processo de
africanização do poder, ou melhor, a construção de um Estado complexo, não sustentado
exclusivamente no modelo do Estado-nação ocidental.
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Recensão Crítica
EMPREENDEDORISMO EM ÁFRICA: UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA COM DADOS
DO GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM)
Renato Pereira
rpereira@autonoma.pt
Investigador Integrado do OBSERVARE/UAL. Professor Associado da Universidade Autónoma de
Lisboa (Portugal). Professor Convidado do ISCTE-IUL. Doutor em Ciências de Gestão pela
Université Paris Dauphine.
Redento Maia
Pós-Doutorando do OBSERVARE/UAL. Professor Titular da Faculdade de Economia da
Universidade Agostinho Neto (Angola). Doutor em Ciências Económicas pela Universidade de
Economia de Sófia, Bulgária.
O presente texto apresenta um estudo exploratório sobre o empreendedorismo em África
a partir de dados recolhidos no âmbito do Global Entrepreneurship Monitor. Partindo de
uma base teórica sobre a relação entre o empreendedorismo e o desenvolvimento
económico, são exploradas sete dimensões de estudo em empreendedorismo
internacional: (i) atitudes, (ii) oportunidades percecionadas, (iii) medo de falhar, (iv)
intenções empreendedoras, (v) crenças sobre empreendedorismo, (vi) atividade
empreendedora inicial, (vii) taxa de negócios estabelecidos. Conclusões sobre a
exploração dos dados e pistas para investigações futuras nesta temática são fornecidas.
Introdução
Numa investigação bastante recente, Adusei (2016) comprovou, na sequência de vários
outros estudos sobre a mesma problemática noutras geografias, que também em África
o empreendedorismo é um dos factores que exerce um impacto positivo sobre o
crescimento económico, um dos problemas mais desafiantes para o continente africano
no último século (Ndulu et al, 2007).
Baseado num estudo que cobriu 12 países e representou uma ampla dispersão geográfica
e cultural, embora nenhum país lusófono tenha sido incluído, ficou clara a associação
linear positiva entre o crescimento do PIB per capita e o número de novas empresas
registadas no país num dado ano fiscal.
Ao criar condições de auto-sustentação económica, através do auto-emprego por via da
constituição de uma empresa unipessoal, a forma mais simples de empreendedorismo,
fica estabelecido o nexo de causalidade entre o crescimento económico e o aumento da
atividade empreendedora.
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Recensão Crítica
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Se a racionalidade económica impõe a qualquer empresa o imperativo de satisfazer
necessidades económicas no mercado em que atua, em condições concorrenciais, então
o empreendedorismo, em economias em que os mercados são generalizadamente
ineficientes, ou mesmo inexistentes (como o são muitas das economias africanas),
cumpre ao mesmo tempo uma função económica gerando valor acrescentado e uma
função social garantindo que as pessoas acedem a bens fundamentais que não lhes
chegariam por outra via, contribuindo assim, também, para o desenvolvimento
económico.
Os objetivos deste trabalho passam assim por descrever, analisar e explicar, de forma
sintética, a temática do Empreendedorismo em África, quer quanto ao seu
enquadramento teórico, quer no contexto empírico do Global Entrepreneurship Monitor
(GEM).
O GEM é uma ONG britânica suportada por quatro instituições académicas de grande
prestígio. É a base de dados mais completa e mais abrangente que existe em matéria de
empreendedorismo. Representa cerca de duas décadas de dados recolhidos, mais de
200.000 entrevistas efectuadas por ano, mais de 100 países aderentes, mais de
500 investigadores em empreendedorismo, envolvidos em mais de 300 instituições
académicas e científicas, e mais de 200 instituições financiadoras mobilizadas.
O propósito do GEM, desde o início, tem sido o de fazer uma avaliação científica do nível
empreendedor dos países aderentes para que se possam propor políticas tendentes à
melhoria do desempenho dessa variável, no pressuposto de que o aumento da actividade
empreendedora favorece o desenvolvimento dos países, tal como demonstrado em
variados estudos, no tempo e no espaço.
Os países africanos que têm participado na recolha de dados anual do GEM são os
seguintes: África do Sul (com 15 participações), Uganda (com 4 participações), Angola
(com 4 participações), Egipto (com 3 participações), Burkina Faso (com 3 participações),
Tunísia (com 2 participações), Marrocos (com 2 participações), Argélia (com 1
participação), Botswana (com 1 participação), bia (com 1 participação) e Camarões
(com 1 participação).
Assim sendo, podemos constatar que relativamente à região da África Subsariana,
apenas um país tem participado regularmente (África do Sul), três países participaram
ocasionalmente (Angola, Burkina Faso e Uganda) e dois participaram pontualmente
(Botswana e Camarões).
1. Empreendedorismo em África
1.1. Enquadramento disciplinar
O empreendedorismo é um fenómeno multifacetado que tem sido objecto de abordagens
teóricas provenientes de diversas disciplinas, sendo as principais a Economia, a
Psicologia, a Gestão e as Finanças (e.g. Sarkar, 2014).
Independentemente da abordagem e da respectiva definição, o Empreendedorismo (ou
a atividade empreendedora) é normalmente medido pela criação ou nascimento de
empresas (privadas), frequentemente ponderado pela taxa de sobrevivência das mesmas
num determinado horizonte temporal.
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Sinteticamente, as Finanças encaram o Empreendedorismo como mais uma
oportunidade, ou alternativa, de investimento ou de aplicação de capital. Nesta
perspectiva, o empreendedorismo materializa-se num activo ou conjunto de activos
financeiros concretos, ou seja, os títulos representativos do capital de uma dada
sociedade comercial.
Para a Gestão, o Empreendedorismo corresponde às duas primeiras fases do ciclo de vida
de uma empresa lançamento e expansão normalmente aplicável apenas a empresas
com grande potencial de crescimento rápido, em princípio por estarem assentes numa
dada inovação tecnológica.
Do ponto de vista da Psicologia, provavelmente a disciplina que mais tem estudado o
Empreendedorismo, o que está em causa, entre outros problemas, é a compreensão da
personalidade empreendedora e da relação dos traços de personalidade com o
desenvolvimento do fenómeno empreendedor.
Finalmente, para a Economia, existem basicamente dois eixos de análise: (i) um micro,
relativo à influência do empreendedorismo sobre a eficiência dos mercados, (ii) e um
outro macro, sobre as relações de causa-efeito entre o Empreendedorismo e os
crescimento e desenvolvimento económicos, comportando as vertentes institucional e
regulamentar, o papel do Estado, as políticas económicas e as condições de acesso aos
mercados.
No entanto, nota-se uma prevalência da utilização, sobretudo em Economia do
Desenvolvimento, do conceito de Economia Informal” quando se aborda a temática do
Empreendedorismo (e.g. Lopes, 2007), reduzindo assim este fenómeno, correcta ou
incorrectamente, ao empreendedorismo de necessidade e deixando (excessivamente) de
lado o empreendedorismo de oportunidade, também designado de empreendedorismo
produtivo.
Hilson et al (2018) confirma que a atividade empreendedora na África Subsariana está
fortemente concentrada no sector informal, sendo isso uma limitação para o
desenvolvimento de competências técnicas.
Certamente devido à prevalência da economia informal em África, e da consequente
preponderância do empreendedorismo de necessidade, Adusei (Op. Cit.: 202) relembra
que muitos autores postulam que “o empreendedorismo em economias em
desenvolvimento não tem a força necessária para promover o crescimento económico”.
De forma mais dramática ainda, Acs & Varga (2005) refere que o empreendedorismo de
necessidade o tem praticamente qualquer impacto no desenvolvimento económico,
uma vez que é desenvolvido por pessoas de baixas qualificações e, consequentemente,
tem pouca influência sobre a produtividade da economia.
A abordagem seguida na presente investigação privilegiará uma abordagem económica,
centrada nos objectivos do próprio GEM: contribuir para a “exploração do impacto das
instituições nacionais no empreendedorismo bem como a relação entre
empreendedorismo e desenvolvimento económico” (Bosma et al, 2012).
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1.2. Caracterização teórica
A relação entre o Empreendedorismo e o crescimento económico tem sido, de facto,
amplamente estudada, tal como referido anteriormente, apresentando um percurso de
resultados nem sempre convergentes.
Ndulu et al (op. cit., capítulo 2), entre outros estudos, relembra as bases para o
estabelecimento de um nexo causal entre o empreendedorismo e o crescimento
económico a partir da relação entre o investimento e o crescimento económico.
A relação entre o investimento e o crescimento económico é, em quaisquer
circunstâncias, uma relação básica e de há longo tempo conhecida e estudada, nas suas
duas componentes, pública e privada.
Igualmente estudada é a (significativa) relação entre o Empreendedorismo e o
desenvolvimento económico, que se estabelece (indiretamente) a partir do crescimento
económico gerado por esse empreendedorismo, pela criação de emprego, pela adopção
de inovação tecnológica bem como pela diminuição provocada na pobreza, conforme
relembra Brixiova (2010).
Neste contexto, sendo a criação de empresas privadas um processo de investimento,
interno e/ou externo, compreender a extensão do impacto do Empreendedorismo na
economia implica identificar as variáveis que impactam sobre o desenvolvimento do
próprio Empreendedorismo e a sua influência relativa sobre a economia.
Ndulu et al (op. cit.: 49) considera as seguintes variáveis: quadro institucional, político
e regulatório; legislação sobre a actividade económica e sua aplicação; adequação e
qualidade das infra-estruturas; estabilidade macroeconómica; protecção dos direitos de
propriedade; funcionamento do sistema financeiro.
Estas variáveis são, de facto, críticas para a compreensão da qualidade do
Empreendedorismo já que, combinadamente, as mesmas influenciam o nível de risco do
investimento, levando a que em muitas economias africanas se verifique uma prevalência
de empreendedorismo replicativo, de menor valor acrescentado, quando comparado com
um empreendedorismo inovador, de maior risco e valor acrescentado (Adusei, op. cit.:
209).
A principal conclusão é que a qualidade do ambiente de investimento é, de forma geral,
insuficiente em África, suportada, em primeira instância, pelo mais elevado custo de
doing business do mundo.
Os custos de energia, transporte, telecomunicações e segurança estão entre os que mais
negativamente afectam as empresas. Mas também os custos alfandegários e de
licenciamento comercial têm um peso desmesurado, assim como a necessidade de se
efectuar elevados pagamentos “informais” para que processos administrativos triviais
sejam resolvidos.
Ndulu et al (op. cit.: 68-71) conduz, ainda, um interessante estudo sobre a origem do
Empreendedorismo africano, comparando os empreendedores “indígenas” (ou locais)
com os empreendedores “não indígenas” (ou estrangeiros), nomeadamente asiáticos, do
Médio-Oriente ou caucasianos (essencialmente europeus).
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A primeira descoberta é que as empresas indígenas são, em média, mais pequenas que
as estrangeiras e, ao mesmo tempo, iniciam a actividade com uma dimensão que é
também mais reduzida do que a das empresas estrangeiras, diferença essa que tende a
acentuar-se ao longo do tempo.
O nível educacional (ou de habilitações académicas) dos fundadores ajuda a perceber a
diferença de dimensão entre empresas indígenas, à data da constituição, numa
associação linear positiva. Esta diferença de dimensão tende a manter-se ao longo do
tempo.
O crédito comercial está também mais acessível a empresas estrangeiras do que a
empresas locais, sugerindo uma maior dificuldade destas no estabelecimento de uma
relação de confiança com os seus fornecedores.
Estes resultados indicam ainda a inexistência de redes empresariais nas comunidades
locais africanas. Como os sistemas judiciais são no geral fracos, é extremamente difícil
para uma pequena empresa africana desenvolver-se ao mesmo ritmo que um
empreendedor estrangeiro, nomeadamente asiático, árabe ou europeu.
Como última conclusão, quiçá a mais surpreendente de todas, observa-se que a
dificuldade de acesso à informação tem um peso, para os empreendedores africanos,
ainda mais elevado que a dificuldade de acesso a capital, o que contraria os estudos
efectuados nos países desenvolvidos sobre a mesma matéria.
Brixiova (2010) salienta a importância de se estudar a forma como a falta de
competências das empresas indígenas africanas, que afecta tanto os empreendedores
quanto os seus trabalhadores, poderá ser ultrapassada que as outras variáveis com
impacto negativo sobre o Empreendedorismo são mais conhecidas: acesso ao crédito,
ambiente de negócios e constrangimentos infra-estruturais. O deficiente acesso à
informação também é identificado como dificultando o fenómeno empreendedor.
Neste contexto das competências, sendo a qualidade do trabalho humano o aspecto mais
crítico para o desenvolvimento de um empreendedorismo de oportunidade, Brixiová et
al (2015) refere ainda a importância de um factor com elevado impacto negativo: um
desemprego jovem cada vez mais acentuado em vários países africanos, paradoxal na
lógica de desenvolvimento que muitos desses países têm apresentado recentemente.
Apesar disso, Ekekwe (2016) identifica um aumento significativo (exponencial?) do
Empreendedorismo africano, pelo menos nalguns países do continente, como a Nigéria,
o Quénia, o Senegal, o Ruanda e o Gana.
Entre as principais razões apontadas emerge a recente crise provocada pela queda do
preço do petróleo e a consequente necessidade dos agentes económicos e do Estado
comprarem produtos em moeda local, dada a crise cambial em que a maioria dos países
africanos, directa ou indirectamente, caiu.
Finalmente, Klingebiel & Stadler (2017) identifica os 3 factores que deveriam guiar o
crescimento do empreendedorismo em África: (i) focalização no empreendedorismo de
“topo da pirâmide”, por oposição ao empreendedorismo de sobrevivência, ou de “base
da pirâmide”, característico da economia informal: (ii) controlo sobre os factores de
produção e (iii) inovação na distribuição (e não nos produtos).
Relativamente ao primeiro fator, os autores aconselham os empreendedores a
combinarem concepção de produto africana com veis de qualidade (de produção)
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internacionais como forma de conquistarem os consumidores de classe média-alta. A
ideia é “transcender as fronteiras nacionais” permitindo, ao mesmo tempo, criar
condições para futuras estratégias de internacionalização, o que é raríssimo no actual
contexto do empreendedorismo africano.
Sobre os factores de produção, os autores salientam a importância de se controlar terra
e outros factores de produção básicos, nomeadamente logísticos, dadas as limitações da
produção e da distribuição locais e as crescentes dificuldades de importação,
nomeadamente por razões cambiais.
Quanto ao terceiro factor, este trabalho salienta que os problemas de distribuição
continuam a ser dos mais graves em África por causa, nomeadamente, das disfunções
ou inexistência de infra-estruturas fundamentais. Sugere-se que os empreendedores
procurem formas inovadoras de utilizar tecnologias emergentes, como os drones, para
ultrapassar estas limitações.
2. O GEM - Global Entrepreneurship Monitor
2.1. Abordagem conceptual
O GEM Global Entrepreneurship Monitor é um Observatório sobre o Empreendedorismo
no mundo, feito a partir de dados recolhidos com o mesmo instrumento e de acordo com
a mesma metodologia em todos os países participantes, virtualmente todos os países do
mundo.
Os países participantes aderem ao GEM numa base voluntária e terão, eles próprios, que
financiar todos os custos relativos à sua participação, normalmente através de
patrocínios, o que faz com que muitos países participem de forma intermitente, e com
equipas diferentes ao longo do tempo, e outros nunca tenham participado.
Cada país é representado por uma Equipa Nacional, normalmente liderada por uma
instituição académica responsável pela recolha dos dados e pela elaboração do relatório
nacional com as conclusões aplicáveis ao seu país.
O projecto é supervisionado pela Global Entrepreneurship Research Association (GERA),
uma entidade privada sem fins lucrativos com sede no Reino Unido, responsável pelo
relatório consolidado.
O GEM tem sido definido por académicos de relevo das principais instituições científicas
envolvidas com o Empreendedorismo, com a dupla preocupação de incluir as abordagens
teóricas mais influentes e os indicadores de medida que permitam comparações
internacionais, sob a mesma metodologia.
Os dados do GEM são recolhidos através da aplicação de dois instrumentos
complementares (i) o Inquérito à População Adulta (APS) e (ii) o Inquérito aos
Especialistas Nacionais (NES).
O APS estuda as atitudes, a actividade e as aspirações dos empreendedores. Incide
sobre, pelo menos, 2.000 adultos em cada país;
O NES faz a monitorização de nove factores que se crê terem um impacto
significativo no empreendedorismo, conhecidos como as Condições Contextuais do
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Empreendedorismo (EFCs). Incide sobre, pelo menos, 36 especialistas
cuidadosamente escolhidos em cada país.
A colecta de dados é coordenada centralmente. Os instrumentos de recolha de dados de
cada país são sujeitos a várias verificações antes do processo de recolha começar. Os
dados resultantes são escrutinados repetidas vezes antes de serem publicados. Este
processo, desenvolvido e testado ao longo de muitos anos, garante que os dados do GEM
são da mais elevada qualidade.
Em conclusão, o GEM permite compreender:
Os factores que influenciam o empreendedorismo;
A relação entre o empreendedorismo e o desempenho económico de cada país
participantes (e das suas várias regiões);
A interacção entre as instituições, o empreendedorismo e o desenvolvimento;
Os diferentes tipos de empreendedorismo e as suas potencialidades.
Esses factores o considerados indispensáveis para o estabelecimento de políticas
públicas que permitam suportar estratégias de desenvolvimento económico, sobretudo
em países em vias de desenvolvimento, mas também em middle-income countries e, no
limite, em todos os países que se pretendam manter competitivos e reconheçam a
importância do empreendedorismo para esse desiderato.
Figura 1 Modelo conceptual do GEM
Fonte: Bosma et al (2012: 12)
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Esta versão do modelo foi revista visando uma adaptação à tipologia de “factor-driven
economies”, “efficiency-driven economies” e “innovation-driven economies” proposta por
Porter et al (2002), permitindo ao GEM melhor descrever e medir as condições em que
o empreendedorismo e a inovação se podem desenvolver.
“Factor-driven economies” são países na fase inicial do processo de desenvolvimento,
normalmente dependentes da agricultura e da extracção de recursos naturais. Nas
“efficiency-driven economies” existe um sector industrial e os consequentes ganhos
de produtividade decorrentes de economias de escala obtidas assim como um sistema
financeiro minimamente sofisticado. Nas “innovation-driven economies” verifica-se uma
mudança gradual para o sector terciário e para as actividades de investigação e
desenvolvimento e de geração de conhecimento.
2.2. Abordagem metodológica
Do ponto de vista metodológico, o propósito do GEM é conseguir identificar e caracterizar
os empreendedores ao longo das diversas fases do processo empreendedor: opportunity
recognition / nascent entrepreneurship; start-up a new firm; owning-managing a new
firm. As duas primeiras etapas, conjuntamente, o designadas de early-stage
entrepreneurial activity.
Figura 2 Processo metodológico de identificação das várias etapas do processo empreendedor
através do questionário do GEM (dados de 2011)
Fonte: Fonte: Bosma et al (2012: 21)
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A figura 3 descreve o processo empreendedor tal como o mesmo é conceptualmente
definido pelo GEM. Mas mais do que separar as fases do processo empreendedor, o
grande contributo metodológico do GEM é possibilitar a identificação das atitudes que
subjazem à actividade empreendedora.
Outro aspecto importante que o questionário captura é não só a dimensão do fenómeno
de descontinuidade das empresas, mas ainda as razões associadas a essa paragem,
sejam elas pelo arranque de um novo negócio ou por se tronarem economicamente (e/ou
financeiramente) inviáveis.
Figura 3 Fases do processo empreendedor no modelo teórico do GEM
Fonte: Fonte: Bosma et al (2012: 21)
2.3. Resultados da África Subsariana
Tendo em conta a fraca adesão dos países africanos ao GEM, com a (expectável)
excepção da África do Sul, a coordenação do projecto apostou em fazer, ela própria, um
relatório sectorial para a África Subsariana (Herrington & Kelley, 2012).
Seguindo a mesma metodologia e os mesmos propósitos dos relatórios nacionais do GEM,
este trabalho foi levado a cabo no período de 3 anos até 2012 e incidiu sobre a seguinte
amostra de 10 países: África do Sul, Angola, Botswana, Etiópia, Gana, Malawi, Namíbia,
Nigéria, Uganda e Zâmbia.
De acordo com a tipologia de Porter et al (2002), a África do Sul e a Namíbia são
classificadas de “efficiency-driven economies” e os restantes países são factor-driven
economies”. Nenhum ps da África Subsariana pertence ao grupo das “innovation-driven
economies”.
Apesar da relativa falta de actualidade dos dados poder ser vista como uma limitação
para este trabalho, o período coberto no estudo corresponde a um triénio de forte
crescimento económico na generalidade dos países estudados, após os efeitos da crise
financeira internacional de 2007-2008 e antes do status quo criado pela quebra do preço
do petróleo ocorrida no segundo semestre de 2014.
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Assim sendo, será certamente interessante verificar a forma como o empreendedorismo
se desenrola e é percepcionado num período temporal em que os países vivem uma
generalizada expansão económica.
As conclusões mais marcantes podem ser sintetizadas em 7 grupos: (i) atitudes, (ii)
oportunidades percepcionadas, (iii) medo de falhar, (iv) intenções empreendedoras, (v)
crenças sobre empreendedorismo, (vi) actividade empreendedora inicial, (vii) taxa de
negócios estabelecidos.
Figura 4 Atitude empreendedora na África Subsariana
Fonte: Herrington & Donna (2012: 21)
De forma surpreendente (ou talvez não) a média (simples) das pessoas que consideram
o empreendedorismo como uma boa opção de carreira (76%) é superior a todas as outras
regiões do mundo, sendo apenas igualda pela região vizinha de Médio-Oriente e Norte
de África (MENA).
Nos outros dois parâmetros analisados relativamente às atitudes empreendedoras, a
posição relativa situa-se igualmente ao nível das mais elevadas caso do status ou
mesmo acima de todas caso da cobertura mediática conseguida em caso de sucesso
empreendedor.
Estes resultados poderão explicar-se, em parte, pela anteriormente identificada falta
de oportunidades no mercado de trabalho, sobretudo entre os jovens, e por uma certa
mistificação do sucesso empreendedor alavancada por casos de sucesso internacionais,
sobretudo de afro-americanos, veiculados pela imprensa norte-americana.
Relativamente à percepção das oportunidades disponíveis no mercado para o
desenvolvimento de uma iniciativa empreendedora, e das correspondentes capacidades
para lhe dar seguimento, os resultados mostram um pessimismo do lado sul-africano e
um optimismo generalizado em todos os outros países, particularmente na Nigéria.
Quando se analisa o medo de falhar, o desvio padrão entre o país com mais elevado e o
país com mais baixo resultado é mais reduzido. O pessimismo sobre a probabilidade de
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falhar é mais acentuado em Angola, na Namíbia e na Etiópia e o optimismo sobre essa
mesma possibilidade é mais claro no Malawi, no Uganda e na Zâmbia.
Figura 5 Oportunidades e capacidades percepcionadas, e medo de falhar
Fonte: Herrington & Donna (2012: 22)
Tendo em conta a comparação com os resultados das outras regiões, parecem haver
vários factores de enviesamento na percepção dos empreendedores, nomeadamente
devido à falta de uma amostra suficiente de casos de referência, em cada país (com
excepção da África do Sul), para permitir a criação de uma percepção equilibrada. Isso
é particularmente visível na questão das competências, onde as distorções de avaliação
parecem especialmente evidentes.
Figura 6 - Intenções empreendedoras na África Subsariana
Fonte: Herrington & Donna (2012: 24)
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Na variável das intenções empreendedoras entre a população não empreendedora,
verificam-se disparidades significativas. Uma vez mais, e de forma não surpreendente, a
África do Sul apresenta valores semelhantes aos da Europa e Estados Unidos, e
relativamente próximos dos da Ásia. A explicação para estes valores estará certamente
ligada à quantidade e à maturidade do empreendedorismo nesse singular país
subsariano.
A Etiópia, talvez por razões culturais, dada a proximidade geográfica, apresenta valores
semelhantes aos da região MENA. Angola, Botswana e Uganda apresentam todos valores
de intenção empreendedora absolutamente esmagadores, embora em linha com os
indicadores anteriores, nomeadamente sobre as oportunidades e as perspectivas de
carreira.
Figura 7 Níveis de actividade e motivações empreendedoras
Fonte: Herrington & Donna (2012: 27)
No capítulo do nível de actividade empreendedora, a África do Sul volta a repetir o padrão
de apresentar um comportamento semelhante ao de regiões cujo desenvolvimento
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económico é superior ao da região em que a mesma se insere situando-se, nalguns casos,
ao nível do mais elevado no mundo.
Relativamente aos outros países, parece clara a existência de dois grupos no que respeita
aos veis de actividade empreendedora: Angola, Botswana, Etiópia, Malawi, Namíbia e
Zâmbia têm, como seria de esperar, uma taxa de empresas estabelecidas muito inferior
à taxa observada nas etapas anteriores. A Nigéria está neste padrão de comportamento
mas a quebra é muito menos acentuada.
Por outro lado, Gana e Uganda apresentam um comportamento oposto, sugerindo uma
muito maior maturidade no que respeita ao processo empreendedor, que podedecorrer
do tipo de sectores de actividade escolhidos ou da qualidade dos apoios ao
empreendedorismo em vigor nesses países.
Os resultados mais surpreendentes vêm mesmo da repartição das iniciativas
empreendedoras entre orientadas pela necessidade e orientadas pela oportunidade (ou
produtividade).
Neste caso, tirando o Uganda e o Malawi em que uma muito ligeira superioridade do
empreendedorismo de necessidade, e a Namíbia em que se verifica uma igualdade
perfeita, a percentagem de empreendedores orientados pela oportunidade face aos que
afirmam ter criado a sua empresa por necessidade é superior em todos os outros países.
Na Etiópia, essa diferença é superior a três vezes e no Gana é a mesma é de quase o
dobro.
Estes valores estão em linha com o que se passa no resto do mundo e contrariam a teoria
e diversos outros estudos existentes sobre o assunto.
Figura 8 Razões para a descontinuidade da actividade empreendedora
Fonte: Herrington & Donna (2012: 29)
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Finalmente, a análise das razões para terminar ou encerrar o negócio permite identificar
uma grande disparidade de situações.
No entanto, e apesar de não serem apresentados os benchmarks feitos relativamente às
demais regiões, as duas razões mais frequentemente apontadas falta de rendibilidade
e problemas na obtenção de financiamento o também as razões mais comuns para
a descontinuidade da actividade empreendedora nas regiões mais desenvolvidas do
mundo.
Em Angola, é curiosa a frequência de oportunidades de venda do negócio, muito acima
de qualquer outro país da região.
Igualmente curiosa é a constatação de que nenhum dos entrevistados, na Etiópia, refere
ter planeado uma saída para o seu negócio, em grande contraste com o que se passa
nas economias mais desenvolvidas.
Mesmo na África do Sul, a frequência não ultrapassa 1%, o que permite levantar a
hipótese de significativas diferenças, apesar das rias semelhanças, entre o perfil do
empreendedorismo neste país e o perfil do empreendedorismo nos países mais
desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos.
Conclusão
O presente trabalho tinha como objectivos descrever, analisar e explicar, de forma
sintética, a temática do Empreendedorismo em África, quer quanto ao seu
enquadramento teórico, quer no contexto empírico do Global Entrepreneurship Monitor
(GEM).
A análise teórica levada a cabo permitiu clarificar, antes de mais, a diferença entre
“economia informal” e “empreendedorismo” no contexto africano, identificando o
primeiro conceito, particularmente caro aos economistas do desenvolvimento, com a
noção de “empreendedorismo de sobrevivência” e o segundo conceito, mais caro aos
microeconomistas e aos estudiosos das empresas, com a noção de “empreendedorismo
de oportunidade” (ou de produtividade).
Por outras palavras, a “economia informal” é o contexto prevalecente do
empreendedorismo de sobrevivência em África, embora muito empreendedorismo desta
natureza se desenrole em contexto de economia formal, no continente africano e fora
dele.
Outro elemento importante que decorreu da análise teórica conduzida foi a discussão dos
complexos laços de causalidade que ligam o empreendedorismo ao crescimento e ao
desenvolvimento económicos.
O impacto positivo do empreendedorismo sobre ambos o crescimento e o
desenvolvimento é um dado adquirido para economistas e investigadores de rios
quadrantes, sendo por vezes apresentado numa perspectiva quase axiomática (embora
não dogmática).
No entanto, esta relação está mais que estabelecida e a investigação prossegue a um
nível muito mais profundo, de compreensão das diversas nuances dessa mesma relação,
nomeadamente tendo o contexto económico (e institucional) como variáveis
moderadoras.
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Do ponto de vista da análise feita ao relatório do GEM de 2012 sobre a África Subsariana,
foi possível retirar algumas conclusões interessantes e quiçá inesperadas sobre o
processo empreendedor nesses países.
Uma primeira conclusão (esperada) é que a África do Sul apresenta diferenças
significativas relativamente aos demais países da amostra estudada.
O que talvez não se esperasse é que, apesar de estar classificada como “efficiency-driven
economy”, a África do Sul apresentasse claramente alguns indicadores de “innovation-
driven economy”.
Outra conclusão surpreendente é a clara prevalência de um empreendedorismo de
oportunidade em quase todos os países da amostra, com destaque para a Etiópia e para
o Gana.
Será a economia informal uma forma empreendedora de não-empreendedorismo
africano? Ou haverá apenas um enviesamento dos dados? Um aprofundamento desta
questão parece ser uma pista de investigação promissora.
Por fim, salienta-se que este trabalho tem importantes limitações de âmbito. o se
pretendeu, de todo, cobrir o tema de forma exaustiva tendo seguramente ficado por
explorar algumas variáveis relevantes.
Neste contexto, convirá, em futuros trabalhos, considerar a sub-região África Subsariana
de forma independente do continente africano. Razões históricas e económicas não
discutidas neste estudo justificam uma separação desta geografia para efeitos de uma
análise mais objectiva deste assunto.
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Como citar esta Recensão Crítica
Pereira, Renato; Maia, Redento (2018). Empreendedorismo em África: uma análise
exploratória com dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM). Recensão Crítica,
JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 9, Nº. 2, Novembro 2018-Abril 2019.
Consultado [online] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.2.01