OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 108-126
EVOLUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA E O MÉDIO ORIENTE
Henrique Alves Garcia
henriquemagarcia@gmail.com
Mestrado em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Portugal)
sendo candidato a um Doutorado em Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Nova Universidade de Lisboa. Participou na edição do Curso de Verão sobre
Desafios Globais no Instituto Universitário de Lisboa.
Os principais tópicos de interesse na investigação científica são: Federação Russa, Oriente Médio,
política externa, questões geopolíticas, energia e terrorismo.
Resumo
A política externa russa demonstra linhas de continuidade e de mudança. A Federação da
Rússia tem atuado em diversos palcos e, desde 2000 com Vladimir Putin, tem como objetivo
principal consolidar o status da Federação da Rússia como um Grande Poder, com o propósito
de conseguir ‘regressar’ à gloriosa era soviética. A maximização do poder e a busca de
segurança interna são essenciais, pelo facto de existir um sistema internacional numa
anarquia permanente.
O terceiro mandato de Putin, no qual este artigo sobretudo se foca, ficou marcado pela crise
da Ucrânia e pela anexação da Crimeia, contribuiu para que a política externa russa sofresse
um histórico ponto de viragem. As sanções ocidentais, devido à ocupação da Crimeia e à
ingerência militar no Leste ucraniano, contribuíram para abrir um período de maior rivalidade
entre Moscovo e Washington e, também, para a necessidade da Rússia dever diversificar as
suas relações com economias emergentes como o Irão e a Turquia. O estudo constata que
Ancara e Teerão têm um relacionamento histórico com Moscovo, apesar de alguns episódios
e posições divergentes que, em alguns momentos, têm prejudicado as suas relações. A
questão da Síria, a luta contra o terrorismo e o extremismo violento, os acordos sobre o
petróleo e o gás natural e as relações com o povo curdo são alguns dos assuntos fundamentais
nas relações do Kremlin, mais ou menos amistosas, com os Governos de Ancara e de Teerão
também são mencionados neste artigo. Na última parte, reflete-se sobre o estado da política
externa russa e das relações da Rússia com os atores regionais do Médio Oriente (Irão,
Turquia, Arábia Saudita e os Curdos) e que desafios são apresentados à Rússia de Vladimir
Putin na região.
Palavras-chave
Política externa; Realismo; Revisionismo; Federação da Rússia; Médio Oriente
Como citar este artigo
Garcia, Henrique Alves (2018). "Evolução da política externa russa e o Médio Oriente".
JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 9, Nº. 1, Maio-Outubro 2018. Consultado
[online] data da última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.1.7
Artigo recebido em 26 de Julho de 2017 e aceite para publicação em 11 de Setembro de
2017
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Evolução da politica externa russa e o Médio Oriente
Henrique Alves Garcia
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EVOLUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA E O MÉDIO ORIENTE
Henrique Alves Garcia
Introdução
A Federação da Rússia tem atuado em diversos palcos e, desde a ascensão política de
Vladimir Putin, tem como objetivo primordial consolidar o status de Grande Poder para
‘regressar’ à gloriosa era soviética. A preferência por uma ordem mundial multipolar
baseada na soberania e na o interferência nos assuntos internos dos Países têm sido
uma constante ao lerem-se os documentos e os discursos oficiais da política externa. O
reconhecimento independentista à Ossétia do Sul e à Abkhazia ou as anexações da
Crimeia e da base naval de Sebastopol constituem violação direta daqueles princípios
soberanistas e da integridade territorial. A intervenção russa na Crimeia e na Ucrânia
oriental (fevereiro-setembro de 2014), usando coerção e força para assumir o controle e
desestabilizar os territórios de um Estado vizinho, é um desafio frontal à ordem regional
europeia pós-Guerra Fria. A relação com o Ocidente alterou-se significativamente. As
políticas ‘duras’ de Moscovo ali e o desafio a Washington fizeram da Rússia mais
credibilizada no Médio Oriente. Com Putin, a guerra na Tchetchénia e o envolvimento na
Abkhazia e na Ossétia do Sul bem como na Transnístria e Nagorno-Karabakh explicam-
se pela necessidade em garantir a coesão estatal, expandir a sua influência e proteger-
se contra os avanços ocidentais.
Os objetivos-chave deste estudo: conhecer brevemente a evolução da política externa
russa, sobretudo desde 2000, e o estado do relacionamento de Moscovo com os Curdos,
Ancara e Teerão. Na primeira secção deste artigo, identificam-se algumas das diferentes
orientações de política externa russa bem como a sua evolução com os Presidentes que
passaram pelo Kremlin desde o fim da Guerra Fria, avaliando o impacto da guerra com a
Geórgia (2008) e da crise da Ucrânia (2014) na política externa russa. Na segunda,
analisam-se as relações da ssia com o Irão e com a Turquia, a evolução e tendência
deste relacionamento e o posicionamento destes no Médio Oriente face ao problema
curdo e ao reflexo da questão curda no Eixo Moscovo-Ancara-Teerão. Finalmente, reflete-
se quanto ao relacionamento Moscovo-Ancara-Teerão-Curdos, a influência do problema
curdo no Eixo Teerão-Ancara e os desafios russos no xadrez geopolítico do Médio Oriente.
Este artigo baseia-se em literatura académica, nos documentos oficiais do Ministério dos
Negócios Estrangeiros da Federação da ssia e do Kremlin, nos media russos e do Médio
Oriente bem como no apoio dos Professores Mark N. Katz, Roy Allison e Licínia Simão e
dos Doutores José Milhazes e José Manuel Félix Ribeiro.
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1. A política externa russa: breve evolução
O papel dos líderes
1
sempre foi fundamental no processo de formulação e da decisão em
política externa na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
2
e na Rússia pós-
soviética, devido à força do centralismo e aos traços autoritários característicos do
sistema soviético. Apesar da constituição de um novo Estado, perdura a centralização do
poder político que, na Rússia pós-soviética, tem acentuado uma forte personalização do
poder (Freire, 2014, pp. 16-17). Este foi um elemento constante do Império czarista, da
URSS e é-o da Rússia atual. Essa centralização de poder (re)confirmou-se com a eleição
presidencial de Vladimir Putin para o terceiro mandato (2012).
A Rússia czarista e a URSS representam séculos de governação centralizada onde as
linhas definidoras de democracia, num entendimento amplo do conceito, incluindo não
a participação popular em atos eleitorais, mas também questões de
representatividade, direitos e liberdades individuais, nunca estiveram presentes (Freire,
2014, p. 31).
Mikhail Gorbachev é a figura central na transformação da URSS após o desencanto com
a governação de Leonid Brezhnev e das curtas lideranças de Yuri Andropov e Konstantin
Chernenko (1982-1985). Internamente apostou num curso reformista e, externamente,
mostrou vontade de se aproximar ao Ocidente e abrir-se ao leste democraticamente.
Na Rússia
3
da transição, a política externa refletiu os constrangimentos que as políticas
russas enfrentavam internamente. O descontentamento geral relativamente ao processo
de transição então iniciado por Gorbachev
4
contribuiu para a vitória de Boris Yeltsin nas
eleições presidenciais diretas em 1991. O primeiro Presidente russo, Yeltsin, tentou
integrar plenamente o País juntando-se à Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN) e forjando uma aliança direta com os EUA (Trenin, 2014, p. 9), mas rapidamente
a política de abertura ao exterior e modernização deu lugar a tendências centralizadoras
e controladoras.
Vladimir Putin viu a Rússia como um Grande Poder e procurou o reconhecimento
ocidental
5
, ao contrário de Gorbachev e de Kozyrev, demonstrando a sua vontade de
afirmação doméstica e em destacar-se nos assuntos globais.
2000 é o ano da viragem, após a saída anunciada de Yeltsin, e marca a ascensão de
Vladimir Putin à presidência. Até 2008
6
, Putin através das suas políticas, assentes num
pressuposto de multivetorialidade (2003-2004) bem delineado, consegue introduzir
maior coerência à política externa (Freire, 2014, p. 34). Putin definiu a sua política
externa adotando novos documentos que remetiam para alterações, por exemplo, ao
Conceito de Política Externa. O Conceito de 2000, por exemplo, criticou a tendência de
1
Os líderes, bem como o tipo de liderança que exercem, moldam a forma como é formulada a política externa
e o comportamento dos Estados no quadro político internacional.
2
A 25 de dezembro de 1991 a URSS foi oficialmente extinta. No mapa mundial surgiram assim quinze novas
repúblicas, com claro destaque para a Federação da Rússia. O processo de transição iniciado pressupôs um
novo alinhamento histórico e alterações na política externa pós-soviética devido ao fim da Guerra Fria, à
redefinição geográfica e à nova política e socio economia.
3
Ao longo deste texto são utilizadas aleatoriamente os termos Rússia, Federação da Rússia, Moscovo e
Kremlin na referência ao mesmo País.
4
Nos últimos anos como líder soviético, Moscovo esperava um "lar comum europeu" e uma liderança global
conjunta com os EUA, mas estas noções revelaram-se ilusões.
5
A Rússia, historicamente, tem procurado o reconhecimento ocidental.
6
Dmitri Medvedev tornou-se Presidente em 2008. Após cumprir um mandato como Primeiro Ministro, Putin
assumiu mais um mandato presidencial.
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estabelecer uma estrutura unipolar do mundo, enquanto o de 2008 reforçou que a ação
unilateral desestabiliza as situações internacionais (Light & Cadier, 2015, p. 16). As linhas
orientadoras da política externa russa, no contexto do términus da bipolaridade,
caracterizaram-se pela multivetorialidade, identificando áreas concretas de atuação
7
, e
ordem multipolar
8
, num discurso muito centrado no exercício de contrapeso à hegemonia
americana. Putin incutiu um 'novo realismo' à política externa russa (Freire, 2014, p. 33),
traduzindo-se na combinação de uma visão tradicional realista do interesse nacional e da
prossecução deste no sistema internacional, buscando estabelecer uma dinâmica
genuinamente equilateral da vantagem mútua na integração russa nas estruturas
europeias e globais, na projeção do poder e da influência russa no sistema a juntar à
postura afirmativa de Putin assentam num contexto interno estável e no crescimento
económico. Estes elementos suportam a busca pelo reconhecimento, e, também, da
legitimidade nas políticas regionais e globais. A política externa de revitalização do
Grande Poder é o elemento que torna Putin popular na Rússia (Trenin, 2016, p. 2).
Genericamente, o impacto das características pessoais de um líder na política externa
aumenta quando a sua própria autoridade e legitimidade são aceites pela população ou,
em regimes autoritários ou totalitários, quando os líderes são protegidos das amplas
críticas públicas (Freire & Vinha, 2015, p. 36). A política externa russa é essencialmente
da responsabilidade do Presidente, incumbido da definição das linhas de atuação de base
subjacentes ao posicionamento da Federação da Rússia nos assuntos internacionais
(Freire, 2014, p. 41), e, Putin concebe, molda e executa as decisões em política externa
9
com o apoio da comunidade de segurança
10
. Essas decisões baseiam-se na sua
interpretação sobre o interesse nacional e também nas opiniões filosóficas sobre o que é
certo e o que está errado (Light & Cadier, 2015, p. 34). Constata-se, portanto, que o
processo decisório em política externa é condicionado por fatores externos, domésticos
e psicológicos (Freire & Vinha, 2015, p. 58).
Após 2007, a política externa russa entrou na fase do neo-revisionismo
11
(Sakwa, 2014,
p. 30). De um Estado de status quo, a Rússia converteu-se num tipo distintivo de poder
neorrevisionista, afirmando ser uma “executora de normas” e não “aplicadora de
normas” (Sakwa, 2014, p. 31). A eleição de Dmitry Medvedev como Presidente russo,
em março de 2008, significou a continuidade à política externa russa seguindo a
tendência de reforço das linhas da política pragmática assertiva, caracterizadora do
legado putinista. Combinou o crescimento resultante do uso de recursos energéticos com
7
A Comunidade dos Estados Independentes, ou a CEI, define-se, a partir de 2000, como área de ação
prioritária para Moscovo, onde se o primado ao desenvolvimento de boas relações com os Estados
vizinhos e à parceria estratégica. As políticas de Putin e de Medvedev para a CEI têm-se desenvolvido na
linha de reafirmação da influência russa na área.
8
No pós-2008 a Rússia entende a ordem internacional como multipolar e considera-se ator relevante. A
opção pela multipolaridade constitui uma das linhas de rutura com o passado soviético e justifica-se pela
incapacidade da Federação da Rússia em conseguir afirmar-se, a curto prazo, como uma potência
hegemónica na arena internacional. Após a invasão norte-americana do Iraque, em 2003, a definição de
multipolaridade russa adensou-se.
9
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia desenvolve a estratégia geral da política
externa, apresenta propostas relevantes ao Presidente, implementa a política externa da Federação Russa
considerando este Conceito e a Ordem Executiva Do Presidente da Federação da Rússia N ° 605 de 7 de
maio de 2012 sobre as medidas para implementar a política externa da Federação Russa e coordena as
atividades de política externa dos órgãos executivos federais e cooperação internacional de acordo com a
Ordem Executiva da Federação da Rússia No. 1478 de 8 de novembro de 2011 sobre o papel de coordenação
do Ministério de Relações Exteriores da Federação da Rússia na condução de uma Política Externa Uniforme.
10
A visão de mundo do Conselho de Segurança da Federação da Rússia apresenta as relações internacionais
em termos de uma luta sem fim pela dominação e influência entre alguns Países poderosos.
11
A sua essência é a tentativa de assegurar a aplicação universal das normas internacionais.
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um novo vetor de política externa assente na modernização doméstica (Liberalismo),
construindo 'alianças de modernização', que visava várias vertentes desde a investigação
científica de ponta até à formação do indivíduo (Tsygankov, 2016) (Freire, 2014, p. 35).
“Devemos ser mais eficazes no uso de instrumentos de política
externa especificamente para a prossecução dos objetivos
nacionais, para modernizar o nosso País, a economia, a vida social
e, em certa medida, o sistema político, a fim de resolver os vários
desafios que a nossa sociedade enfrenta. (Tsygankov, 2016, p.
209)
Assim, analisando-se este excerto, do discurso de Medvedev realizado na reunião perante
os embaixadores e os representantes permanentes das organizações internacionais a 12
de julho 2010, destaca-se a importância de modernizar a economia doméstica, mas
também era necessário desenvolver uma política que proporcionasse condições ao
investimento estrangeiro, investir em tecnologia que proporcionasse desenvolvimento
económico e criasse as condições necessárias ao desenvolvimento das áreas não-
energéticas para ultrapassar a excessiva dependência russa das exportações energéticas
(economia diretamente dependente dos preços no mercado internacional). Os anos de
Medvedev (2008-2012) como Presidente russo, não se caracterizaram pela tentativa de
afirmar políticas mais liberais nas dimensões económica e social como diversos analistas
o afirmam. Estas políticas foram ‘fogo de vista’.
A campanha russa na Geórgia desencadeou a crise mais significativa nas relações
externas russas com os Países ocidentais desde a dissolução da URSS (Allison, 2008, p.
1169). O caso da Geórgia é caso paradigmático no âmbito do desenvolvimento das
relações e do posicionamento de Moscovo na CEI. A guerra dos cinco dias na Geórgia,
em agosto de 2008, correspondeu a uma política de reafirmação de Moscovo no espaço
pós-soviético perante a influência ocidental e, acima de tudo, perante um conjunto de
políticas e ações lideradas pelos EUA, em particular, e considerados em Moscovo como
ultrapassando uma política de cooperação estratégica, tendo implicações diretas para a
segurança nacional (Freire & Simão, 2014, p. 92). A intervenção russa na Ossétia do Sul
(Geórgia) tinha como justificação central proteger os seus nacionais (Allison, 2008, pp.
1153-1154; 1167-1169). A resposta russa ao ataque georgiano a Tskhinvali (capital da
Ossétia do Sul) incluiu a ocupação temporária de parte da Geórgia, logo seguida do
reconhecimento da independência das regiões Ossétia do Sul e Abkhazia em 26 de agosto
de 2008 (Sakwa, 2014, p. 40). Esta foi uma resposta à ameaça de ampliação da OTAN.
Moscovo invadiu a Geórgia movido por uma política de projeção de poder na área pós-
soviética, com o objetivo de enfraquecer o País, afirmando-se na CEI (área vital),
reforçando a estratégia de contenção da presença dos EUA (bases militares) na Eurásia
e sublinhando o seu reconhecimento no sistema internacional como uma grande potência
(Freire, 2015, p. 209). Esta postura russa enquadra-se na mais utilizada teoria para
compreender os fenómenos das relações internacionais (RI) – Realpolitik/Realismo
Potico (Burchill, et al., 2013, p. 33). Kenneth N. Waltz, fundador do
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Neorrealismo/realismo estrutural (1979)
12
, advoga que a estrutura do sistema
internacional criou uma plataforma de competição entre Estados em busca de segurança,
sendo que pela sua natureza anárquica, por vezes, aquela estrutura, predispõe os
Estados a adotarem comportamentos expansionistas e revisionistas (Sousa & Mendes,
2014, p. XXIV). Nesta perspetiva, a ssia assume um impulso constante de querer
afirmar o seu poder e garantir a segurança (Tsygankov, 2016, p. 11).
O pragmatismo foi recorrente das declarações de política externa de Putin e Medvedev
e, na prática, com exceção talvez da guerra da Geórgia, foi a marca registada da sua
política antes de 2014 (Light & Cadier, 2015, p. 18). Em 2011, Medvedev finalmente
admitiu que a principal motivação russa para enviar tropas à Geórgia teria sido evitar a
sua adesão à OTAN (Allison, 2014, pp. 1269-1270). O resultado desta incursão militar
foi um revisionismo ao de leve, orientado para a marcação de uma posição diferente vis-
à-vis com o Ocidente bem como para a ideia de multipolaridade e demonstração de que
a sua influência no espaço pós-soviético continuava presente (Marques, 2016, p. 46).
Putin regressou ao Kremlin
13
, reeleito para o terceiro mandato (maio de 2012), quase
imediatamente após o despoletar da Primavera Árabe e num contexto de declínio interno
marcado por uma nova fase de dificuldades nas relações com o Ocidente (Freire, 2015,
p. 211). A crise da Ucrânia
14
foi responsável por algumas dessas dificuldades. Desde
fevereiro de 2014, o Kremlin atuou em modo de guerra com Putin a líder (Taussig & Ryan,
2016). Tudo começou quando a Rússia, para remediar uma injustiça histórica
15
(Allison,
2014, p. 1286), ocupou a Crimeia, em março de 2014. Na verdade, Putin reagiu assim
aos acontecimentos ocorridos em Kiev, em finais de 2013 e início de 2014, que levaram
à queda de Viktor Yanukovych do cargo presidencial ao ter recusado assinar o Acordo de
Parceria entre a Ucrânia e a União Europeia (UE) (Milhazes, 2017, p. 24). Segundo o
relato de Putin sobre a operação inicial da Rússia na Crimeia, o fator OTAN certamente
se destaca (Allison, 2014, p. 1273). O principal objetivo será evitar que a Ucrânia adira
à OTAN (Sakwa, 2014) e, idealmente, recuperá-la para o projeto de integração euro-
asiática [para concorrer com a UE], cujo elemento principal é a reunificação daquilo que
Moscovo considera ‘mundo russo’ (Russkii mir) (Trenin, 2014, p. 6). A intervenção na
Ucrânia aparece como expressão extrema de uma política de negação estratégica,
baseada no crescente esforço de Putin em demarcar a ordem da CEI como zona proibida
à OTAN (Allison, 2014, p. 1269). A reunificação da Crimeia e as ações [russas] em
Donbass provocaram uma onda de sanções (Sakwa, 2014, p. 113). As políticas russas
sofreram uma reação negativa imediata e forte dos EUA e dos seus aliados (Trenin, 2014,
p. 8). A intervenção militar russa na Ucrânia teve por base os constantes avanços
ocidentais (OTAN e UE) para a Europa de Leste, influenciando, negativamente, a perceção
russa dos acontecimentos que identificou os mesmos como ameaça à segurança da
Rússia (Marques, 2016, pp. 8-9). O desafio putinista ao "direito soberano" do sistema de
segurança do Atlântico de expandir as fronteiras russas foi claro e provocou uma resposta
12
Tentativa bem conseguida de ultrapassar a abordagem do Realismo Clássico e de desenvolver um modelo
explicativo mais rigoroso e neo-económico dos constrangimentos estruturais do sistema competitivo e
anárquico das RI.
13
A centralização do poder, que dificulta a democratização das estruturas políticas russas e a consolidação de
um verdadeiro regime plural, manteve-se com Putin.
14
O termo "crise da Ucrânia" é usado aqui referindo-se ao fenómeno das RI, também descrito como "crise
sobre a Ucrânia". Isso contrasta com o termo "crise ucraniana", centrado nos desenvolvimentos
domésticos.
15
Em 1954, Nikita Khrushchev tomou a iniciativa própria de transferir a Crimeia (e Sebastopol) à jurisdição
ucraniana. A anexação da Crimeia é a vingança russa pela derrota e vitimização russa pós-Guerra Fria.
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em sanções e outras pressões cuja lógica final era a mudança de regime na Rússia (Light
& Cadier, 2015, p. 69). A crise da Ucrânia e a anexação formal da Crimeia (18 de março
2014), pelo Estado [russo] genuinamente revisionista (Sakwa, 2014, p. 116)
16
,
assumem-se como o ponto de viragem na política externa russa e como um momento
definidor da história russa.
Em contraste com 2000, quando a UE estava no topo das prioridades, estava agora
abaixo das relações com os BICS (Brasil, Índia, China e África do Sul), a Organização de
Cooperação de Xangai, a CEI e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva e,
mesmo, abaixo das relações com a Abkhazia e a Ossétia do Sul (Light & Cadier, 2015, p.
72). Os objetivos políticos domésticos da proteção do regime à influência exterior, a
consolidação da coesão interna do regime e a renovação da base de apoio de Putin
afetaram a política externa russa desde 2012, e, contribuíram para uma retórica
nacionalista mais forte no discurso de política externa, crescente caracterização da
Europa como ameaça [atitude confrontacional com o Ocidente], investimento crescente
em soft power e tentativa renovada de constituir o espaço pós-soviético como zona de
amortecimento político (Light & Cadier, 2015, p. 213).
2. Orientação Ásia: o Grande Médio Oriente
O Euroasianismo, personificado em Putin, adquiriu clara relevância na agenda da
política externa russa, após se popularizar com Yeltsin e com o pragmático Yevgeny
Primakov. A identificação da Rússia como País euro-asiático reforçaram a importância
crescente que as relações orientais assumiram sob a liderança de Putin.
A Ásia Central destacou-se na política externa russa, sobretudo nas questões estratégicas
que o Cáspio assume em energia e na importância das dinâmicas regionais na
estabilização do Afeganistão e Paquistão. O reforço da cooperação, por exemplo, com o
Irão
17
é central para compreender a dimensão oriental da política externa russa (Freire,
2011, p. 58). O Irão e a Turquia, influentes enquanto atores regionais na fronteira entre
o Cáucaso e o MO, tornaram-se fundamentais na política externa russa para o MO (Freire,
2011, p. 208). No âmbito do alargamento das relações geográficas, o Conceito de 2008
refere que “a ssia pretende desenvolver e aprofundar relações com a Turquia, Egito,
Argélia, Irão, Arábia Saudita, Síria, Líbano, Paquistão (...)” (Freire, 2011, p. 231).
O uso da força voltou a ser instrumento ativo da política externa russa, dentro e além do
antigo espaço soviético (Trenin, 2016, p. 3). Mesmo que outros atores sejam, por vezes,
considerados, é o Estado que é considerado o ator principal da competição pelo poder,
pela sua capacidade de mobilizar e organizar o essencial dos recursos de uma
comunidade para se defender ou expandir militarmente (Reis, 2016, p. 6). A intervenção
na ria, representando um desafio a Washington, é um exemplo da imprevisibilidade de
Putin. Moscovo quebrou um monopólio pós-Guerra Fria dos EUA quanto ao uso global da
força e tem encenado um retorno geopolítico espetacular numa região que abandonou
16
O Realismo Ofensivo (RO) assume que os Estados querem maximizar o seu poder e que, sobretudo os
Estados hegemónicos, devem fazê-lo através de políticas expansionistas e da imposição do seu poder e
interesses aos Estados mais fracos e inimigos.
17
Até 1935, a atual República Islâmica do Irão ou RII era conhecida pelo nome oficial de rsia. Por decisão
do Muhammad Reza, naquele ano, o País alterou a designação oficial para Irão e, após a Revolução
Islâmica de 1979 que resultou na deposição do Muhammad Reza Pahlavi, adotou o seu nome atual. Ao
longo do texto serão utilizadas as designações Irão e RII aleatoriamente.
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nos anos decadentes da URSS (Trenin, 2016, p. 1). Para Tsygankov (Tsygankov, 2016,
p. 243), Moscovo ali interveio com vontade de reatar as relações com o Ocidente, apoiar
al-Assad (Lund, 2016), ser reconhecida como um Grande Poder, manter a Síria como a
sua fortaleza geopolítica e militar e aproveitar as vantagens comerciais na venda de
armamento a Damasco (Berman, 2016).
Nikolay Kozhanov categorizou em três grupos os objetivos e as razões que influenciaram
Moscovo a maior atividade no MO: económicos (compensar as implicações políticas e
económicas negativas da tensão vivida com o Ocidente
18
e proteger os interesses das
corporações de gás e do petróleo russas através de acordos energéticos); políticos
(promover o diálogo entre os principais atores do MO e promover a visão russa do futuro
do sistema das RI); segurança (restringir as possíveis ameaças à segurança da ssia
em partes não europeias da Eurásia através do combate ao terrorismo internacional, ao
radicalismo islâmico, à proliferação das armas de destruição maciça e ao crime
transfronteiriço) (Kozhanov, 2015). A crescente ameaça terrorista representa um grande
perigo, e, o seu combate é muito importante no garante da segurança nas principais
cidades russas e na comunidade internacional.
Segundo argumenta Richard Sakwa, a desilusão de Putin com o Ocidente [após eventos
ucranianos em 2014] implicou não apenas uma mudança para uma maior orientação
asiática, mas, também, uma tentativa muito mais substantiva de dar forma e substância
a uma visão revitalizada da Rússia como um poder bicontinental (Light & Cadier, 2015,
p. 70). A ssia focou-se em Países (Irão e Turquia) com vantagens económicas,
geopolíticas e militares. A política de contenção dos avanços ocidentais através de
alianças e parcerias é um objetivo. Segundo o novo Conceito de Política Externa
19
,
Moscovo quer reforçar a sua relação com o mundo árabe, participando no Conselho de
Cooperação do Golfo (CCG):
“A Rússia tenciona reforçar as suas relações bilaterais com os Países
do MO e Norte de África, nomeadamente contando com a reunião
ministerial do Fórum de Cooperação Russo-Árabe e prosseguindo o
diálogo estratégico com o CCG.” (Rusia, 2016)
No Conceito de 2008, num quadro da crescente importância que a variável islâmica
adquirira no equacionar das relações de poder numa nova ordem multipolar, fazia-se
referência ao reforço das relações da Rússia com os Pses islâmicos, com a participação
como Estado observador na Conferência Islâmica e na Liga de Países Árabes (Freire,
2011, p. 231). O desejo russo de se aproximar aos parceiros árabes no contexto da
crescente ameaça do radicalismo islâmico enquadra-se no contraterrorismo. As relações
da Rússia com os atores regionais, em particular a ria, o Irão e a Turquia, são
reveladoras dos interesses russos na área e da complexidade nos relacionamentos
bilaterais e multilaterais (Freire, 2011, p. 211). O Kremlin tem prosseguido com os
objetivos da “nova Rússia”, para se afirmar e consolidar o poder.
18
Os Países europeus optaram, por exemplo, por suspender o encanamento de gás natural South Stream,
um novo e importante canal de energia que Moscovo esperava aumentar a sua quota de mercado na Europa.
19
O conceito foi aprovado por Putin a 30 de novembro de 2016.
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Seguidamente, analisa-se a evolução das relações russas com a Turquia e o Irão bem
como as respetivas relações com os Curdos:
a) Ancara
Das inúmeras guerras entre o Império Otomano e o Império Russo, aos recentes acordos
energéticos entre Ancara e Moscovo, o relacionamento entre a Turquia e a Rússia foi
sempre marcado por uma grande ambiguidade (Barrinha, 2014, p. 253).
Atualmente separados pelas repúblicas islâmicas do Cáucaso do Sul, a Turquia e a
Federação da Rússia foram, até ao rminus do sistema bipolar, Países com fronteiras
comuns, ambições paralelas e alianças antagónicas.
Entre os anos de 1676 e 1917 os dois Países foram adversários em doze guerras. A guerra
de 1768-74 teria um significado especial, pois a pesada derrota das forças otomanas
significou o fim da hegemonia no Mar Negro (Barrinha, 2014, p. 254). Durante a segunda
metade do século XX, até ao final da Guerra Fria, caracterizou-se pelo desequilíbrio entre
a URSS Império e a Turquia pós-Imperial preocupada com a consolidação do projeto
republicano
20
.
Na década de 60 a ssia e a Turquia (re)aproximaram-se, que com Nikita Kruschev
a Rússia abriu-se politicamente e a República turca demonstrava insatisfação com os EUA
relativamente à questão de Chipre. em setembro de 1984 o governo da Turquia, então
liderado por Turgut Ozal, assinou um acordo energético com a Rússia na área do s
natural. Este acordo é ainda hoje visto como sendo um marco na viragem do
relacionamento entre os dois Países (Barrinha, 2014, p. 256). Ano e meio mais tarde,
seria a vez da empresa russa Gazexport e a turca Botas assinarem um acordo comercial
para um período de 25 anos (Barrinha, 2014, p. 256). O fim da Guerra Fria teve como
fundamentais consequências para a política externa turca o redimensionamento das suas
relações com o ex-espaço soviético de raízes culturais turcas e, por outro, com o MO
(Barrinha, 2015, p. 478). A relação entre os dois, durante a presidência de Ieltsin,
caracterizou-se pela cooperação bilateral. Num quadro da emergência de novas potências
e de um mundo pós-americano, a Turquia passou a contactar diretamente com o Brasil,
a República Popular da China, a Índia e a Federação da Rússia.
O reforço da legitimidade interna, a existência de uma doutrina de base associada ao
novo Ministro dos Negócios Estrangeiros e de um forte crescimento económico e a
progressiva afirmação de novos polos de poder no sistema internacional contribuíram
para uma mudança de atitude da Turquia relativamente à sua política externa (Barrinha,
2015, p. 485). A mudança refletiu-se numa atitude de mais atividade global.
Para Moscovo, o relacionamento com a Turquia integra uma estratégia de simultânea
expansão das relações económicas e permite conter a influência do Ocidente na sua
vizinhança. Do lado turco, esta aproximação relaciona-se com um novo modo de fazer a
política externa com o Partido da Justiça e do Desenvolvimento através do então Ministro
dos Negócios Estrangeiros Ahmet Davutoglu.
20
A sua consolidação ficou marcada pelo conhecido princípio do Paxá Mustafá Kemal 'Ataturk': 'paz em casa,
paz no mundo'.
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A energia tem sido a área que mais tem unido estes dois Estados no decurso das últimas
décadas
21
. Neste contexto energético, duas questões que caracterizam o
relacionamento turco-russo: por um lado, o relacionamento económico entre os dois
Países, por outro, a geopolítica da questão (Barrinha, 2014, p. 259). A política de
gasodutos e oleodutos tem assumido fundamental importância no relacionamento
energético. A principal prioridade da Rússia é o Gasoduto Turkish Stream (substituto do
abandonado Projeto South Stream), que está previsto fornecer 15,75 bilhões de metros
cúbicos de gás para a Turquia até 2020 e o mesmo valor para os mercados no sudeste
da Europa (Baev & Kirişci, 2017, p. 7). A sua concretização, segundo Putin, aumentará
significativamente a segurança energética da Turquia e da Europa, aumentando as
possibilidades da exportação do Gás russo para a Turquia. A decisão de Erdoğan de
conceder à Corporação Estatal de Energia Atómica da Rússia (Rosatom) os direitos de
construir a central nuclear de Akkuyu no sul da Turquia é controversa. Como observam
Pavel Baev e Kemal Kirişci, daria à Rússia o "controle sobre uma parte significativa da
produção de eletricidade da Turquia" (Baev & Kirişci, 2017, p. 7). Em contraste com os
objetivos de diversificação energética da Turquia, os projetos agravarão a sua
dependência da energia russa (Taussig, 2017). A Turquia importa 50-55 % das suas
necessidades de gás da Rússia (Baev & Kirişci, 2017, p. 6).
Relativamente às questões de segurança e dos conflitos, o relacionamento bilateral tem-
se caracterizado por dinâmicas geopolíticas, tais como a questão nuclear iraniana, o
conflito de Nagorno-Karabakh, a Guerra dos Balcãs (1990) e o Mediterrâneo Oriental
(Chipre e Síria). A Turquia e a Rússia têm perceções convergentes no que respeita à
ordem mundial, ao desenvolvimento de projetos energéticos e à cooperação no aumento
da segurança no Mar Negro. Este relacionamento pode ser explicado pelas lideranças
fortes e estáveis de Putin e Erdoğan bem como pelo cenário internacional favorável ao
aparecimento de potências emergentes após a crise de 2008, adquirindo um
protagonismo crescente no quadro internacional (Barrinha, 2014, p. 268).
Desde 2011 que a agenda destes Países tem-se centrado no MO, e, particularmente, na
Primavera Árabe, a qual tem diferentes leituras em Putin e Erdoğan. Baev e Kirişci (Baev
& Kirişci, 2017, p. 4) escrevem: "A liderança turca saudou os levantamentos populares
como uma ‘grande restauração’ da civilização islâmica e aguardava a formação de um
‘cinturão da Irmandade Muçulmana’, estendido pela Tunísia, Líbia, Egito e ria". Erdoğan
tentou reorientar a Turquia como der de uma civilização islâmica emergente no MO
(Taussig, 2017). Putin entende o islamismo político como real ameaça à segurança da
Rússia (RO). Desconfia do apoio de Erdoğan e das conexões com grupos islâmicos
radicais na Síria, interessando-lhe que essa ideologia falhe regionalmente.
A Turquia e a Federação da Rússia divergem na trajetória a prosseguir que solucione o
conflito sírio, entre as forças do regime de Assad e os rios movimentos de oposição.
Ancara, desde o início da crise, tenta alcançar uma posição comum com Moscovo, mas
tem sido difícil. Por um lado, Moscovo pretende que a Síria continue a ser uma zona de
influência, o que lhe permite garantir o acesso à costa mediterrânica
22
, reequacionar
rotas e aumentar a sua influência numa área com interesse estratégico multidimensional
21
Em janeiro de 2015, Putin viajou para Istambul com o objetivo de propor a construção de um gasoduto
desde a Turquia até às fronteiras da Europa.
22
Em 1971, a URSS instalou uma base de apoio e de manutenção naval do porto sírio de Tartus. Esta base
naval é a única que está fora do chamado espaço pós-soviético e está dotada de uma maior capacidade de
projeção no Mediterrâneo oriental. Esta base naval, a única de águas quentes, é importante para as
ambições russas no desempenho de um papel geopolítico maior no Mediterrâneo oriental e no MO.
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(Freire, s.d., p. 41). Para Ancara, o potencial do surgimento de uma entidade curda ao
longo da sua longa fronteira avaliou-se como a principal ameaça à segurança que poderia
surgir do conflito (Çandar, 2017). Retomando a questão curda, Moscovo insistiu que os
Curdos deveriam integrar o processo de solução política para a Síria. Apesar da
desaprovação de Erdoğan, Moscovo promoveu laços com o Partido da União Democrática
Síria (PYD), forte fação curda operacional na ria, e elaborou uma nova Constituição
síria, concedendo autonomia significativa às regiões curdas (Taussig, 2017). A proteção
russa ao PYD fez emergir o problema curdo com Ancara. Recentemente, o histórico
acordo entre a petrolífera estatal russa, Rosneft, e o Governo Regional do Curdistão
(compra do petróleo curdo) mostra que os russos veem os Curdos como importantes
atores no futuro do MO. Através das atividades Rosneft, Moscovo ganhou influência sobre
os interesses turcos e iranianos na questão curda e, potencialmente, reafirmou a sua
influência das exportações de petróleo e gás sobre não apenas Ancara, mas também nas
principais economias do sul da Europa (Jaffe, 2017) (Barmin, 2017). Na Síria e no Iraque,
a Rússia favorece a autonomia real dos Curdos (Trenin, 2017), apesar da reação russa
ao Referendo curdo (25 de setembro de 2017) ter sido bastante ambígua (Azizi, 2017).
A independência do Curdistão Iraquiano, provavelmente, prejudicaria os interesses
regionais russos. Colocaria a Rússia em desacordo com a Turquia e o Irão, dois atores
com os quais Moscovo está alinhado no MO (Barmin, 2017).
As relações russo-turcas viveram um tenso período desde o incidente de 2015, quando
um avião de guerra russo entrou no espaço aéreo turco e foi derrubado pelas forças
turcas próximo à fronteira turco-síria.
Moscovo impôs sanções económicas a Ancara
23
que, segundo estimativas iniciais, custou
à Turquia 10 bilhões de dólares em comércio perdido numa época em que a economia
turca declinava (Tank, 2016). No entanto, as relações bilaterais têm-se restaurado desde
agosto de 2016. Na reunião de 13 de novembro, Putin afirmou que "quanto à cooperação
russo-turca, pode dizer-se que as nossas relações foram praticamente restauradas" (ru,
2017). Ilshat Saetov, do Instituto de Estudos Orientais da Academia Russa de Ciências,
disse ao Al-Monitor que, apesar de Moscovo perdoar Ancara, não confia mais na Turquia
(Chulkovskaya, 2017).
Putin, durante a conferência realizada a 3 de maio de 2017, os meios políticos e
diplomáticos podem contribuir para a solução do conflito rio. A ssia, a Turquia e o
Irão, apesar dos seus interesses concorrentes, aprofundaram a sua cooperação na Síria,
lançando o Formato de Astana no início de 2017 para decretar o cessar-fogo e negociar
o términus do conflito. Putin afirmou novamente a importância estratégica de Ancara e
refere-se à importância em normalizar as suas relações:
“A Turquia é um parceiro importante e promissor da Rússia.
algum tempo, a durabilidade das nossas relações bilaterais, como
sabemos, foi testada. Agora, podemos afirmar com confiança que o
período de recuperação nos laços entre a ssia e a Turquia acabou
e estamos a regressar à cooperação normal entre os parceiros.
Os nossos Países estão firmemente empenhados em reforçar a
23
A Rússia proibiu, por exemplo, as importações do tomate turco. Ancara impôs grandes taxas para a
importação do trigo russo em março, mas retomou as compras após o encontro entre os Presidentes a 3
de maio de 2017.
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cooperação em muitas áreas, de acordo com o espírito e o
mencionado no tratado sobre os fundamentos das relações
bilaterais, que farão 25 anos no final de maio.” (ru, 2016)
A Rússia e a Turquia deram importantes passos para melhorar as suas relações desde o
incidente de 2015, e Putin assinou o Decreto (31 de maio de 2017) para remover algumas
das restrições impostas à Turquia
24
após o encontro com o homólogo turco ((RFE/RL),
2017) (ru, 2017). A 1 de dezembro a ssia levantou completamente a proibição de
importar tomates turcos (Chulkovskaya, 2017).
Relativamente à ria, é de sublinhar que as reuniões de Astana tal como o Memorando
sobre as zonas de descalada contribuíram para reduzir a violência no Ps segundo Putin
e Erdoğan.
b) Teerão
A Rússia e o Irão têm cooperado na Síria, na venda de armas e nos assuntos económicos
apesar das divergências, segundo Mark Katz. Teerão, no contexto pós-Guerra Fria, viu-
se obrigado a abandonar o princípio «nem Ocidente nem Oriente», no âmbito da sua
política externa, e estabeleceu o princípio de Norte e Su (Simão, 2015, p. 415). A sua
postura significou abertura às repúblicas do Cáucaso do Sul e da Ásia Central. A relação
com o Irão é fundamental porquanto a Rússia consegue neutralizar a influência iraniana
na Tchetchénia e noutras regiões islâmicas definidas como ameaça, particularmente no
Cáucaso. No Realismo Ofensivo, Teerão é um aliado para contrabalançar a ameaça
ocidental dado que Moscovo tem procurado projetar-se como uma grande potência após
décadas de influência e estatuto reduzidos.
A RII é um País fundamental no MO, Ásia Central e Cáspio, e nas relações comerciais
25
,
económicas e de segurança, interessando ao Kremlin (Trenin, 2016 ). Moscovo está
preparado para estabelecer relações com o regime de Ali Khamenei
26
em matéria de
comércio, energia e segurança.
Teerão também não foi sempre um parceiro de confiança para Moscovo. Por exemplo,
em dezembro de 2008, o governo russo sofreu um grande choque quando, apesar dos
acordos então estabelecidos com o regime persa, a RII votou contra São Petersburgo
favorável ao Qatar para este ser o local do executivo e do secretariado do Fórum dos
Exportadores de Gás. A voz iraniana pareceu ser decisiva na votação pelos membros da
organização (Kozhanov, 2015). A Rússia pretendia ser influente no mercado internacional
do gás, mas, como se constatou acima, não o concretizou.
Desde o regresso de Putin à Presidência, em 2012, as relações russo-iranianas
experimentaram uma mudança significativa de rumo, em contraste com o arrefecimento
substancial do diálogo bilateral que caracterizou os últimos dois anos da presidência de
Medvedev (Kozhanov, 2015). A sua visão das principais prioridades do Kremlin na arena
internacional foi muito afetada pelo fracasso da reposição das relações entre Washington
24
As sanções foram impostas às empresas turcas a operar na Rússia e aos nacionais turcos que pretendiam
ter emprego em território russo.
25
O mercado russo pode ser um bom mercado para os produtos do Irão.
26
Foi o Presidente da RII no período de 1981-1989, sendo elevado à categoria de Ayatollah e nomeado como
Líder Supremo pela Assembleia de Peritos.
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e Moscovo e com o início das tensões com o Ocidente sobre a Síria. Dececionado com as
tentativas de superar os obstáculos nas relações com o Ocidente, Putin estava
determinado em desenvolver relações com Países não ocidentais (Kozhanov, 2015). A
posição geoestratégica do Irão permitiu-lhe influenciar o desenvolvimento da situação no
Cáspio, Cáucaso, Ásia Central e MO. Esta realidade obrigou Moscovo a discutir diversas
questões de política externa com o Irão, tais como o conflito de Nagorno-Karabakh, as
situações no Iraque e no Afeganistão, a estabilidade do Tajiquistão
27
, as atividades da
OTAN no Cáucaso do Sul (a cooperação com a Geórgia e com o Azerbaijão), a presença
de potências não regionais nas regiões do MO e da Ásia Central, a construção de
gasodutos trans-cáspios e a instabilidade no Cáucaso. O apoio da RII considerou-se
relevante para o sucesso das atividades de Moscovo para fortalecer a posição regional da
Rússia pós-1991.
Em setembro de 2014, Lavrov designou a RII de 'aliada natural' na luta contra os
extremistas religiosos do MO (Kozhanov, 2015). A saída de Ahmadinejad e a eleição de
Hassan Rouhani não afetaram significativamente a tendência de aprofundamento da
cooperação. Os resultados da Primavera Árabe, na região, exigiram que Moscovo
estivesse mais ativo no contacto com a RII após a vitória de Rouhani
28
em 2013.
Em 2014, a tensão entre a Rússia e os EUA/UE, decorrente da crise da Ucrânia, contribuiu
para o Kremlin reforçar a cooperação com o Irão (Kozhanov, 2015), e, também, os seus
laços económicos e geopolíticos com Países o ocidentais (Borshchevskaya, 2015). No
contexto desta tensão, as empresas russas tiveram de procurar novas oportunidades
comerciais e de investimento na RII.
No agosto de 2016, numa cimeira realizada em Bacu, Putin, Hassan Rouhani e Ilham
Aliyev do Azerbaijão comprometeram-se ao desenvolvimento de um corredor comercial
com 7.200 quilómetros de extensão, conectando os Pses, por via ferroviária (Trenin,
2016 ). Para o Kremlin, a RII oferece oportunidades económicas importantes devido ao
seu número de habitantes e o seu potencial para o crescimento nas áreas da tecnologia,
educação e cultura.
A região do Mar Cáspio é uma das mais antigas produtoras de petróleo no mundo e está
a crescer rapidamente como centro produtor de gás natural (EIA, 2013, p. 1).
A questão do spio engloba aspetos políticos, económicos, diplomáticos e militares
(Sazhin, 2016, p. 13). O status legal da área do Cáspio tem sido tema complexo pela
ausência de acordo sobre se o ‘corpo de água’ é definido como um "mar" ou um "lago".
Atualmente não existe uma definição legal definida para o spio, porque os Estados
costeiros
29
devem concordar por unanimidade numa definição (EIA, 2013, p. 4). Sergei
Lavrov, disse depois de uma recente reunião [4-5 de dezembro de 2017] de ministros
dos Negócios Estrangeiros dos Países do Cáspio que após mais de 20 anos de
negociações, um acordo sobre o status do Cáspio estava "praticamente pronto" para
assinar (Pannier, 2017). Em 2003, a ssia, o Azerbaijão e o Cazaquistão assinaram
diversos acordos bilaterais relativos às linhas divisórias das zonas adjacentes ao Cáspio.
Mas, o Irão [considerando o Cáspio um lago] não reconheceu a legitimidade da iniciativa
tripartida, solicitando a divisão igual de 20% do fundo do mar e a superfície do Cáspio
27
Em meados da década de 1990, os regimes de Moscovo e de Teerão uniram-se para deter a guerra civil que
então deflagrava no Tajiquistão.
28
Pretendia, no seu primeiro mandato, reforçar as relações com o Ocidente, o que por sua vez alarmou o
Kremlin.
29
A Rússia, o Azerbaijão, o Cazaquistão, o Turquemenistão e Irão.
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(Sazhin, 2016, p. 14) (EIA, 2013, p. 5). contradições entre Moscovo e Teerão na sua
divisão territorial: não consenso sobre o regime de governação da navegação nas
zonas sob jurisdição nacional (Kozhanov, 2015).
O Irão e a Rússia uniram-se na atitude negativa relativamente ao projeto do Transcáspio,
apoiado pelo Turquemenistão e Azerbaijão. Nem a Rússia nem o Irão querem o insucesso
do projeto europeu de transporte de gás na futura Rota
Cazaquistão-Turquemenistão-Mar Cáspio-Azerbaijão-rota europeia (Sazhin, 2016, p. 15).
No âmbito do conflito sírio, Moscovo e Teerão não estão totalmente alinhados, uma vez
que as suas estratégias políticas são diferentes. Querem impedir o derrube do regime de
Assad e manter as instituições estatais (Sazhin, 2016, p. 16), mas existe uma divergência
fundamental no que respeita aos seus objetivos. Moscovo tem defendido a integridade
territorial da Síria como Estado secular, democrático e plural, tal como se lê:
“A Rússia apoia a unidade, a independência e a integridade
territorial da República Árabe da Síria enquanto Estado secular,
democrático e pluralista, com todos os grupos étnicos e religiosos
que vivem em paz e segurança e gozam de direitos e oportunidades
iguais.” (ver informação mais detalhada em Sazhin e no Conceito de
Potica Externa)
Quando Putin interveio naria
30
, supostamente para combater o Daesh e para impedir
a derrota de Assad, -lo para garantir os seus interesses militares e económicos, em
particular relativamente aos gasodutos do gás natural que atravessam a ria
(Tsygankov, 2016, p. 243) (Tank, 2016). Um dos principais objetivos da intervenção
russa tem ganho o reconhecimento dos EUA relativamente ao facto da Rússia ser, de
facto, um Grande Poder (Trenin, 2016 ). Por outro lado, os iranianos pretendem manter
um regime amigo em Damasco, preservar as ligações cruciais ao movimento armado
libanês, o Hezbollah, e reforçar a influência naria, controlada por Assad (Trenin, 2016
). Teerão está consciente de que a sobrevivência política do regime rio permitir-lhe
manter o sonho da liderança regional e promover o ‘arco xiita’ (Pinto, 2015, p. 117).
Relativamente à questão curda, enquanto a Rússia apoiou os curdos sírios bem como as
suas esperanças numa solução federal que lhes permitiria autonomia na ria, o Irão e a
Turquia opuseram-se a essas aspirações (Katz, 2016).
A Rússia procura um resultado que permita, eventualmente, a inclusão de algum
compromisso político, considere as fações em conflito em confronto na ria e os atores
regionais importantes, preservando os seus interesses. O potencial de discórdia entre a
RII e a Rússia existe na geopolítica regional, no debate relativo ao estatuto jurídico do
Mar Cáspio e nas exportações do Gás.
Num futuro previsível, Moscovo e Teerão necessitarão um do outro para atingirem os
seus objetivos mais amplos, mesmo reconhecendo que a cooperação tem claros limites.
A compreensão dos seus limites pode tornar a relação sustentável e moderadamente
bem-sucedida, apesar de uma história sórdida (para os iranianos) e da profunda e
30
Desde essa intervenção, Moscovo tem coordenado as operações com Damasco e Teerão bem como com o
Iraque. A Rússia obteve permissão do Irão e Iraque para utilizar o espaço aéreo para os ataques aéreos.
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persistente desconfiança. Com Rouhani e Putin têm-se dado importantes passos no
fortalecimento da cooperação bilateral, nomeadamente com a implementação de
importantes projetos, incluindo o lançamento do segundo bloco de Bushehr e da
termoelétrica em Bandar Abbas como exemplos de novos vínculos entre ambos ((IRNA),
2017). De sublinhar que a central nuclear de Bushehr produz energia elétrica com total
capacidade.
No contexto económico, o grande desafio para Moscovo é gerir as relações com o Irão
xiita, ao mesmo tempo que aprofunda o diálogo com a Arábia Saudita (Trenin, 2016 ).
Na verdade, a boa gestão das relações com os principais produtores de petróleo é
importante para o desenvolvimento económico russo. Mas, a excelente linha de
comunicação com Tel Aviv, a boa relação com o Cairo e Riade e o relacionamento com os
Curdos testam constantemente a diplomacia russa e o equilíbrio de poderes.
Considerações finais
A santificação do grande status de poder da Rússia e a preferência declarada por uma
ordem mundial multipolar tem sido uma constante. Houve uma clara mudança na postura
política e retórica de Putin, adotando um tom mais ideológico, mais conservador e
nacionalista com o início do terceiro mandato. Com a crise da Ucrânia e as suas
consequências, salientam-se as alterações na política externa russa denotando um claro
afastamento relativamente ao Ocidente e a busca de novos aliados e parceiros,
maioritariamente no Médio Oriente e Norte de África, onde pudesse desafiar de modo
mais efetivo o domínio ocidental e evitar o estancamento económico bem como a
estabilidade do Regime.
As recentes iniciativas diplomáticas de Putin, reunindo-se com todos osderes do Médio
Oriente relativamente à ria, significam que ele quer evitar os custos dos conflitos
contínuos e maiores riscos securitários para a ssia. Para Waltz, é claro que os Estados
buscam, sobretudo, maximizar a sua segurança. A diplomacia ativa na ria serve para
fortalecer a sua imagem doméstica antes das Presidenciais russas de 2018. Segundo
Katz, a maratona diplomática pode ser sinal do receio de Putin de que, se o conflito sírio
continua e a situação regional piora, a capacidade russa para controlar a situação, e, a
imagem da Rússia como grande potência, deteriorar-se-á.
As relações de Moscovo com Ancara e Teerão têm-se reforçado com os acordos
energéticos e a cooperação em contraterrorismo, apesar das divergências. O Irão e a
Turquia, podendo ter condições para uma aproximação entre si se Ancara procurar um
novo curso de colisão com Israel [partidário pleno da independência curda], Teerão
aproximar-seainda mais de Ancara, permanecerão limitados na capacidade de atuação
conjunta no Médio Oriente, além da comum postura anti Israel e anti curda. Moscovo
procura apresentar-se aos Países do Médio Oriente como um jogador pragmático, não
ideológico, confiável, experiente e sensato, capaz de avaliar os assuntos regionais por
meios diplomáticos e militares e, também, adotando uma postura ambígua. Estreitou os
laços económicos com o Curdistão Iraquiano (Acordo da Rosneft) e os Curdos Sírios,
pretendendo projetar uma imagem de grande poder ali. A instabilidade do Iraque, o
conflito sírio e o colapso sico do Daesh apresentam novos desafios, mas também novas
oportunidades aos Curdos.
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O que é intrigante são as potenciais contradições destas "pontes" que Moscovo tem
estabelecido no caleidoscópio geopolítico do Médio Oriente, algumas delas representando
um "diálogo escondido" com Washington que devem deixar Teerão e Ancara muito
desconfiados e, também, o facto dos aliados e adversários mudarem constantemente...
Referências bibliográficas
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