Kiliçdaroglu, líder do CHP e Erdogan. Sobre o primeiro, Erdogan fez várias referências às
origens alevitas, numa tentativa de desacreditação do candidato perante o eleitorado
sunita, asseverando que o CHP era um partido despromovido de valores éticos e que se
distanciava por isso do propósito islâmico (Borco e Verney, 2016: 205). De modo
progressivo, Erdogan passa então a representar a oposição como uma ameaça para os
valores nacionais e para a identidade religiosa da Turquia, vindo posteriormente a
reprimir aqueles que o questionam (Cagaptay, 2017: 10).
Contudo, em 2013, um revés parece ensombrar a caminhada de Erdogan. Um protesto
ambiental no Parque Gezi, em Istambul, rapidamente se transformou num protesto
antigovernamental, contra o tratamento desigual das minorias. O governo surge como
sinónimo não de islão progressista, mas de veículo de islamização da sociedade (Tucker,
2015: 290) e é visto como detentor de práticas antidemocráticas inibidoras de liberdades
fundamentais. De facto, em vez de providenciar mais liberdades para a sociedade no seu
todo como prometido, Erdogan parece afinal apenas garantir esse espaço à sua base de
apoio islâmico-conservadora (Cagaptay, 2017: 10), sendo este facto contestado por uma
nova geração de jovens com expectativas de se expandir como cidadãos ativos na
sociedade e que se opõe à islamização da sociedade e ao controlo social movido pelo AKP
(Gokay e Xypolia, 2013: 36).
No seguimento destes protestos que revelam afinal as fragilidades do projeto ‘Nova
Turquia’, Erdogan apresenta o novo “pacote democrático”, referido como um exemplo de
preocupação nacional em prol da igualdade de direitos entre etnias e de resolução dos
problemas de segurança interna. O objetivo é claramente o de apaziguar o
descontentamento popular, através de um discurso virado sobretudo para a população
curda. Entre as reformas apresentadas sobressaía a promessa de uma maior autonomia
para o Curdistão, assim como a garantia de direitos civis para a sua população. Porém,
as reformas aplicadas não corresponderam, na prática, às promessas apresentadas e,
nesse sentido, o caminho traçado por Erdogan foi mais um retrocesso que um progresso
(Karaveli, 2016: 2-3).
Na mesma linha crítica, Cagaptay (2017:10) considera que Erdogan se tem revelado num
líder cada vez mais autoritário, convicto de que as suas vitórias eleitorais sustentam a
legitimação do uso indiscriminado do poder político (Cagaptay, 2017: 10). Ao mesmo
tempo, o AKP tornou-se num partido extremamente centrado em Erdogan, onde a
lealdade ao líder se faz critério de promoção (Hefner, 2016: 166).
Contudo, estas críticas esbarram com o que é paradoxalmente uma evidência: não
obstante uma postura que muitos apelidam de autoritária, e de um discurso cada vez
mais próximo da religião (Bosco e Verney, 2016: 206), pese embora as dificuldades que
as suas opções lhe parecem trazer (como visto nos protestos de 2013), e numa fase em
que já poderia acusar o cansaço da governação, Erdogan vence em agosto de 2014 as
primeiras eleições presidenciais pelo voto popular. A conceção maioritária que possui da
própria democracia e a instrumentalização das urnas como a única ferramenta legítima
para a representação democrática foram acompanhadas por uma noção em torno das
manifestações anti-governo como uma tentativa da minoria em impor a sua vontade à
maioria, por meios ilícitos (Ozbudun, 2014: 157). Esta perspetiva, que coloca a periferia
no lugar desde sempre ocupado pelo centro, permitiu a Erdogan alcançar uma
popularidade eleitoral que opera a partir da própria sociedade, onde a periferia é agora
incluída e se sente parte integrante da política turca.