OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
POPULISMO ENQUANTO FENÓMENO POLÍTICO
Maria Sousa Galito
maria.sousa.galito@gmail.com
Investigadora Integrada do CEsA/CSG Investigação em Ciências Sociais e Gestão do
ISEG/Universidade de Lisboa (Portugal) desde 2013. Pós-Doutoranda e Investigadora Associada
do Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa desde 2017. Doutorada
(2006/08) e Pós-Graduada (2002/04) em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto
de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (IEP-UCP). Mestre em Economia
(1999/2000) na Universidade de Nantes, França. Licenciada em Economia (1995/99) na
Universidade de Évora. Auditora de Defesa Nacional (2012/14) no Instituto de Defesa Nacional.
Curso de Formação Especializada para Observadores de Curto Termo no ISCSP (2016).
Professora auxiliar durante cinco anos. Oradora experiente, com publicação regular de artigos de
investigação no âmbito nacional e internacional.
Resumo
O populismo é um fenómeno político que é difícil de definir e, portanto, de medir. Tanto é
temido como glorificado. A sua teorização pode ser, em si, uma afirmação política.
O populismo é extremista e anti-sistémico, assim se diferenciando do que é popular e
genericamente aceite, mas moderado no seu alcance. Pode ser uma estratégia política, uma
ideologia, ou um estilo facilmente propagado pelos meios de comunicação, em especial
quando defendido por líder carismático, capaz de gerar emoções e de galvanizar o povo.
Palavras-chave
Populismo, Democracia, Antissistema
Como citar este artigo
Galito, Maria Sousa (2018). "Populismo enquanto fenómeno político". JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 9, Nº. 1, Maio-Outubro 2018. Consultado [online] data da última
consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.1.4
Artigo recebido em 11 de Maio de 2017 e aceite para publicação em 31 de Agosto de
2017
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
57
POPULISMO ENQUANTO FENÓMENO POLÍTICO
Maria Sousa Galito
Introdução
O artigo está dividido em três capítulos. O primeiro tenta definir o populismo e explica a
falta de consenso em torno da sua conceptualização.
O segundo capítulo preocupa-se em avaliar o fenómeno, identificando os tipos de
populismo, os seus principais alvos e propõe algumas das formas de medi-lo.
O terceiro capítulo contextualiza o tema, do ponto de vista da disseminação, levando em
consideração as emoções e os meios de comunicação que as projetam. Identifica formas
de manipulação das massas, diretas ou indiretas, antes de avançar com as principais
conclusões da investigação.
Do ponto de vista metodológico, foram consultadas fontes secundárias, livros e artigos
científicos, alguns dos quais disponíveis online. As traduções foram asseguradas pela
autora do artigo.
1. Definir Populismo
O que é o populismo? É um fenómeno político.
1
A sua definição não é consensual.
2
Divisões históricas
3
, geográficas, ou ideológicas interferem na tentativa de concetualizá-
lo.
4
Possui natureza camaleónica.
5
Reproduz-se em diferentes contextos. É difícil
1
«O populismo, enquanto fenómeno político e a sua relação com a democracia, é atualmente fonte de debate
animado (…)» (Ostiguy, 2001: 1)
2
«Como muitos dos termos do léxico da ciência política, o populismo é marcado por um elevado grau de
contestação. (…) podemos argumentar que o populismo é usado de forma tão abrangente – e normalmente
de forma derrogatória para denegrir qualquer personalidade de quem não se gosta que perdeu o seu
valor analítico e o seu significado» (Moffitt e Tormey, 2014: 382).
3
«Fazendo um apanhado dos movimentos sociais ‘populistas’ da História, o conceito de populismo foi
aplicado aos protestos dos agricultores americanos, tal como aos movimentos dos narodniki da Rússia do
final do séc. XIX. Depois o termo tornou-se popular nos anos 60 e 70 quando foi atribuído à natureza alusiva
dos regimes políticos nos países do Terceiro Mundo, governados por líderes carismáticos. Era aplicado
sobretudo no contexto político da América Latina. Hoje em dia o populismo está relacionado com um grupo
diversificado de atores e políticas. Sílvio Berlusconi, Hugo Chavez, Mahmoud Ahmedinejad, Geet Wilders,
os polacos irmãos Kaczynski são todos considerados líderes populistas por comentadores e vários agentes
políticos» (Azzarello, 2011: 9).
4
«Ideologia, partidos políticos, líderes e discurso populistas crescem e alastram da América à Europa e do
Médio Oriente à Ásia Oriental. Mas ainda falta acordar sobre a forma de medir ou definir este fenómeno.
Populismo significa coisas distintas para diferentes áreas geográficas, contextos históricos e ideologias».
(Dinç, 2016: 4)
5
«A literatura comparativa concorda, em termos gerais, que o populismo é confrontacional, camaleónico,
cultural e dependente do contexto» (Arter, 2010: 490).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
58
encontrar um denominador comum a todas as suas expressões.
6
Mas é importante balizar
o âmbito de análise, para alimentar um debate construtivo
7
.
Na década de 60 do séc. XX, um dos primeiros ensaios sobre o tema, reconhecia a
importância do populismo e a dificuldade em explicá-lo.
8
Nas duas décadas
subsequentes, o fenómeno associava-se ao marxismo estrutural ou à teoria da
modernização e derivava de consequências políticas e históricas dos pses periféricos
ou em desenvolvimento. Nos anos 90 surgiu o conceito de neopopulismo, que se
adaptava a um mundo em mudança no período pós Guerra Fria. Depois disto, o seu valor
foi reduzido a instrumento analítico.
9
Mas recuperou força de embate na segunda década
do séc. XXI.
No seio dos partidos políticos, o populismo é estudado a três veis: classificação,
descrição ou admoestação. Limita-se o âmbito de estudo, para distinguir os agentes
populistas dos demais. Adjetiva-se a questão. A perspetiva seguinte é normativa, pois o
populismo, para uns, traduz a “verdadeira vontade da maioria” e, para outros, “coloca
em perigo a democracia”.
10
Em países desenvolvidos, o populismo costuma ter conotação pejorativa e os candidatos
a cargos públicos repudiam-no, mesmo quando o utilizam como instrumento de trabalho
e de projeção profissional.
Em sociedades assimétricas, em que os privilegiados são poucos e a classe média é
minoritária, o populismo pode ser entendido como um ato de coragem, a favor da
“integridade”, contra a corrupção dos mais ricos.
11
Portanto, se o populismo é bom ou
mau? Depende da perspetiva.
Os partidos populistas revoltam-se, supostamente, contra o abuso de poder dos fortes
sobre os fracos, numa comunidade injusta. Defendem uma noção radical de igualdade
política. Lutam pela supremacia do povo.
Se almejam vencer as eleições, não estão integrados na sociedade que criticam e, assim,
conquistam a lealdade do eleitorado que se considera excluído. Organizam-se à margem
do sistema. Lutam contra grupos de pressão (lobbies). Reivindicam ser mais
democráticos do que quaisquer outros. Fazem discursos difusos que possam agradar à
6
«Nas últimas duas décadas, o termo ‘populismo’ tem sido cada vez mais usado na Europa Ocidental tanto
na linguagem académica como vernácula. O conceito tem sido aplicado a uma gama alargada de partidos
políticos como a Front National em França, Die Linke na Alemanha, o British National Party da Grã-Bretanha
e o Lijst Pim Fortuyn da Holanda. Em resultado desta ampla aplicação, existe grande desentendimento
sobre a forma como o populismo deve ser definido» (Rooduijn e Pauwels, 2010: 2).
7
«Uma vez que o populismo não tende a desaparecer nas democracias contemporâneas (…) à medida que
os estudos mais diversos sobre o tópico proliferam, é de particular importância que os investigadores sejam
explícitos e precisos sobre uma possível definição de populismo. Não é crucial, para uma
operacionalização adequada do fenómeno, mas também é pré-requisito necessário a um debate construtivo
que reúna resultados de múltiplos casos e períodos temporais» (Gidron e Bonikowski, 2013: 31).
8
«No presente, não dúvida sobre a importância do populismo. Mas ninguém sabe exatamente o que é.
Enquanto doutrina ou movimento é elusiva e mutável. Brota de todo o lado, mas em muitos e contraditórios
formatos» (Ionescu e Gellner, 1969: 4).
9
Dinç, 2016: 6.
10
Sikk, 2009: 2-5.
11
«Quando os votantes temem que os políticos possam ser influenciados ou corrompidos pela elite rica,
valorizam sinais de integridade. Em consequência, um político honesto à procura da reeleição, escolhe
políticas “populistas” isto é, à esquerda do votante médio para comprovar que não foi tomado pelos
interesses da direita. Políticos que são influenciados pelos interesses especiais da direita respondem com
políticas moderadas ou de centro-esquerda» (Acemoglu, Egorov, Sonin, 2013: 771).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
59
maioria e elevar a população à categoria de grupo cultural homogéneo capaz de
ambicionar o poder.
12
Se querem manter o cargo, o inimigo é externo e os agentes afirmam-se timas de
tentativas de golpe de Estado por parte da oposição. A informação disponibilizada pode
ser duvidosa e os meios justificam os fins. A retórica recorre a mensagens simples e
diretas, facilmente percetíveis pelo cidadão comum. Têm uma noção generalista de povo,
feita à medida das necessidades do momento.
13
Neste sentido, o populismo é um
paradoxo da Democracia representativa.
14
O populismo é prolífero em terrenos pantanosos, ou seja, quando os partidos políticos
tradicionais perdem credibilidade por estarem em crise, enterrados em burocracias, lutas
intestinas ou estruturas obsoletas. Combate os partidos-cartéis que não velam pelos
interesses do cidadão comum e que não se responsabilizam pelas confusões que geram.
15
O partido populista afirma lutar incansavelmente pelo povo contra os privilegiados do
sistema. Enfraquece as instituições existentes para aplicar programas alternativos de
redistribuição de riqueza.
16
Mas raramente entrega o poder às massas.
Regra geral, no rescaldo das eleições, o populismo substitui a elite derrotada por uma
nova elite, do tipo clientelista, assim recompensada pelo apoio prestado.
17
Mas quando
uma elite substitui outra, deixa de ter bases populares? Podem populistas ser contra o
populismo, a partir do momento em que integram o (novo) sistema?
países onde o discurso político invoca constantemente as virtudes democráticas. Mas,
quando o protesto das populações se torna incómodo, a elite tenta reduzi-lo à
insignificância e o Estado domestica-o à sua medida. A nação às vezes esquece o seu
passado revolucionário
18
e abusa da retórica técnica e burocrática para anular revoltas
populares que supostamente colocam em risco a Democracia. Até quando, décadas
antes, movimentos semelhantes ou mais radicais, venceram à força o regime anterior,
minando um modelo para implementar outro. Neste caso, um movimento é democrático
quando agrada à maioria parlamentar e populista quando vai contra os interesses
instalados.
12
Corduwener, 2014: 433.
13
«A categorização de ‘povo’ é criada por líderes que clamam repesentá-lo. Esta apropriação autoritária da
população e dos seus valores tem significados contraditórios. Por um lado, o populismo restaura e valoriza
o valor cultural do homem comum. Por outro, os líderes apropriam-se do significado do que é popular e
tentam impor versões sobre a sua autenticidade (…) baseada na identidade de um povo unitário, com uma
só voz e interesse, com um líder a representar os valores nacionais e democráticos» (Torre, 2007: 394).
14
«(…) Pelo menos dois fatores indicam que, na política, elementos de populismo vão continuar a existir e
cada vez mais. Primeiro, a democracia representativa quase inevitavelmente acompanha o populismo,
devido a um paradoxo da democracia. Portanto, dificilmente vão diminuir as oportunidades dos populistas
restaurarem o poder do ‘povo’. Segundo, a mediatização da política também não vai esbater-se. O que
confere oportunidades aos populistas de se reunirem e ganharem apoio, para transmitirem mensagens
simples e se apresentarem como líderes carismáticos e verdadeiros representantes do ‘povo’.» (Deiwiks,
2009: 8)
15
Martinelli, 2016: 20-21.
16
Acemoglu, Egorov, Sonin, 2013: 802.
17
Barr, 2009: 42.
18
Em Portugal, no séc. XX, houve vários golpes militares, incluindo a Revolução do 25 Abril. «Toda a
retórica de um Portugal moderno e europeu participa num trabalho constante de construção de uma
memória seletiva e de esquecimento de um passado recente revolucionário, pelo abandonar lento e
sistemático dos ideais de igualdade e de participação popular» (Mendes, 2005: 182).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
60
Um boicote eleitoral
19
ou uma manifestação de rua podem ser fenómenos localizados,
mas são forças identitárias, não mercantis ou comunitárias.
20
Aquando regulares, são a
expressão evidente da vontade popular e podem ser mais genuinamente democráticos
do que um acordo parlamentar de partidos que governam à revelia da vontade da
maioria, aprovando leis contrárias aos valores dominantes na sociedade, sem recorrerem
a referendos em temas fraturantes. Até porque nem todos os cidadãos votam, em
especial quando não acreditam nos políticos que, de forma oportunista, reclamam
vitórias estatísticas e esquecem dramas profundos vividos pelas populações, que um dia,
em desespero de causa, poderão considerar que a situação se resolve com uma
nova revolução.
Na América Latina, por exemplo, o populismo cresceu nas cidades. No início do séc. XX
estava associado à mutação social, sob impulso dos trabalhadores urbanos contra a
rigidez rural e conservadora, latifundiária e classicista, que evitava partilhar os recursos
com a maioria da população.
21
Neste sentido, agradava ao proletariado e ao setor
informal, anti-sistémico e revolucionário. Nalguns casos, os seus líderes alcançaram o
poder, por serem carismáticos e terem elevados índices de popularidade. Mas perderam-
no de forma trágica
22
assim que saíram goradas as expetativas dos seus apoiantes. Mais
tarde, o populismo revoltou-se contra a crise económica, a corrupção, a hiperinflação, a
distribuição dos rendimentos. Renasceu dos traumas de regimes militares,
substituídos por regimes supostamente mais democráticos, mas caóticos, assentes em
bases frágeis.
23
O populismo alimenta-se dos traumas do povo, da maioria. Se o fenómeno for uma força
de esquerda, é a favor dos “pobres”. O grupo rival é a elite rica de direita que governa
de forma supostamente corrupta e que deve ser combatida pelo sofrimento que impinge
às massas.
24
Propaga em países em desenvolvimento, onde a prioridade é tirar a
população da miséria.
19
Em Portugal: «A profissionalização e a especialização da vida política reforçam as lógicas internas e
autocentradas do campo político. (…) Só assim se poderá entender as reações extremadas das autoridades
políticas nacionais e dos agentes políticos, por exemplo, perante os boicotes eleitorais. Estes últimos
permitem a irrupção no espaço político e na esfera pública das pessoas comuns que, muitas vezes à margem
de lógicas partidárias, afirmam as suas ações como atos reivindicativos de cidadania, de participação, como
vozes e corpos que perturbam o mito de uma democracia sem dissenso ou conflitos» (Id. Ibid.).
20
Em Portugal: «Prevaleceu nos festejos uma lógica não mercantil e comunitária. Era uma forma lúdica e
liminar de retrabalhar identidades, de afirmar a comunidade e a igualdade de todos, esquecendo rivalidades
e inimizades, trazendo também ao convívio os que eram críticos do Movimento ou da restauração do
concelho. Era um trabalho de memória, em que se afirmava a autoestima de uma população, o
reconhecimento do seu valor e da sua existência, a possibilidade de desenvolvimento e de fixação das
gerações futuras e o acreditar na viabilidade de fixação no interior do país» (Id. Ibid.: 171).
21
«(…) A política da América Latina foi objeto de enormes transformações nos anos 20 e 30 [séc. XX] devido
ao surgimento de amplo processo de urbanização. Depois de longa história de um sistema político elitista
baseado no domínio da classe dos senhores da terra, uma nova onda de líderes políticos de bases urbanas
emergiu, com apoio num esquema multiclassista que inclui o proletariado urbano, os funcionários de um
setor público em crescimento e a população urbana marginalizada (…)» (Sachs, 1990: 12)
22
«Os episódios populistas que examinámos redundaram em fracassos, às vezes até em tragédias. Perón foi
forçado a exilar-se, deixando atrás de si uma economia enfraquecida e uma sociedade ao mesmo tempo
politizada e profundamente dividida; Allende morreu num golpe militar que destruiu a democracia no Chile
pelos quinze anos seguintes; Sarneu e García agora presidem a regimes falidos, ambos enfrentando a
ameaça real da hiperinflação e colapso económico» (Sachs, 1990: 24-25).
23
«Sugerimos que o impulso à adoção de medidas populistas se deve a vários fatores, entre os quais:
ambiente de profundo conflito económico, associado à distribuição altamente desigual da renda,
instabilidade política, que conduz a governos com expetativa de curta duração e, portanto, com horizonte
temporal muito reduzido; clivagem profunda e visível entre interesses setoriais trabalhadores urbanos
em franco confronto com exportadores de commodities primárias» (Id. Ibid.: 24).
24
«A força que motiva os políticos populistas (na América Latina) é o enfraquecimento das instituições
democráticas, o que faz com que os votantes acreditem que os políticos, apesar da sua retórica, possam
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
61
«O povo, depois de resolver as suas necessidades básicas de comida e vestuário, quer
expressar a sua opinião» (Weili e Toomey, 2017: 11). A China é exemplo paradigmático
de uma sociedade em mutação. Após as reformas de Deng Xiaoping e do trauma da
praça Tiananmen, a ideologia comunista deu lugar a uma propaganda nacionalista contra
o imperialismo dos EUA, que era dicotómica, mas “vazia de conteúdo”, pelo que apenas
instrumental na justificação de políticas partidárias. Nos últimos anos, os chineses
transferiram talvez as suas atenções dos conflitos sociais para questões fraturantes
(como Taiwan/Formosa) ou sobre política externa (relação com o Japão ou as Coreias).
Mas a retórica do governo parece tem menos influência sobre a opinião pública, nestas
matérias. Portanto, a propaganda tem dificuldade em afirmar-se e as populações
encontram, a este nível, uma forma de escapar ao espartilho do Estado.
Os eurocéticos podem ainda sentir-se atraídos pelo populismo de matriz russa. Os
partidos europeus da extrema-direita estão talvez sob a influência da propaganda de
Putin, por esta ser “expressão vitoriosa do neo-conservadorismo” imperialista. A
extrema-esquerda ainda reverencia a herança comunista da antiga URSS e parece
seduzida pelo “anti-capitalismo de Putin”.
25
Na Europa, alastram as críticas à globalização.
26
Um movimento de direita voz à
“maioria silenciada”
27
que “defende a austeridade fiscal e o capitalismo”
28
, que não
consegue afirmar a sua cultura, ou precisa ser protegida da ameaça exterior (fortes
movimentos migratórios, multiculturalismo, invasão de outro país, etc). Agrada a uma
classe média dominante ou influente, que visa recuperar ou reafirmar valores
relacionados com a pátria e/ou a nação, a identidade, a necessidade de reconhecimento
e o papel de um determinado povo no mundo; e que se revolta contra a elite governante
que supostamente se vende ao exterior.
De qualquer forma, o populismo é sempre contra a elite governante. É dinamizado pela
maioria reivindicativa, seja esta empobrecida, ou influente e de classe média. Serve
de contraponto ao rumo que o país leva. não se acomoda ao sistema e não mede
ter uma agenda de direita ou ser corruptos, ou influenciados por grupos de pressão ricos. Políticas populistas
emergem, portanto, como uma forma dos oradores escolherem políticas futuras em consonância com os
interesses do votante médio» (Acemoglu, Egorov, Sonin, 2013: 802).
25
«A ligação entre a Rússia de Putin e os partidos populistas começa a ser uma preocupação para os círculos
de política externa europeia. A afiliação dos partidos da direita europeia ao Kremlin é, naturalmente, a mais
pronunciada, mas também existe um padrão de associação às posições da esquerda radical na Europa e
tendências de política externa através de Moscovo» (Nestoras, 2016: 1).
26
«Na última década, os partidos populistas ganharam força na Europa Ocidental. São definidos pela oposição
à emigração e preocupam-se em proteger a cultura nacional e europeia, recorrendo a linguagem sobre
direitos humanos e liberdade. Na política económica, são geralmente críticos da globalização e dos efeitos
do capitalismo internacional nos diretos dos trabalhadores. Combinam com retórica e linguagem anti-
sistémica. Muitas vezes chamados de “partidos extremistas e populistas” ou de nova direita”, não se
enquadram facilmente nas divisões políticas tradicionais… [com peso crescente] nos parlamentos da Áustria,
Bulgária, Dinamarca, Hungria, Holanda, Suécia, Letónia e Eslováquia, e também no Parlamento Europeu.
Nalguns países são a segunda ou a terceira força política e são vistos como parceiros de coligação a muitos
governos conservadores» (Bartlett, Birdwell e Littler, 2011: 15).
27
«Ainda existe espaço para diferentes conotações de ‘povo’ que pode ser definido etnicamente, do ponto de
vista cívico ou como cidadão comum (‘a maioria silenciosa’)» (Raadt, Hollanders e Krouwel, 2004: 8).
28
«Todos estes aspetos materiais podem ser elementos do populismo em ação, mas são corolários de ideias
subjacentes em diferentes contextos sociais. Por exemplo, políticas económicas com pouca visão emergem
em movimentos populistas de países em desenvolvimento, porque os pobres e sem terras constituem a
vasta maioria dos cidadãos; em países ricos, o populismo muitas vezes é de direita e defende a austeridade
fiscal e o capitalismo. Enquanto grande parte dos movimentos bem-sucedidos possuem líderes carismáticos,
isto acontece primeiramente pelo papel que desempenham na coordenação de uma vasta rede baseada no
“poder do povo”. A muitos outros movimentos populistas falta este tipo de liderança» (Hawkins, Riding and
Mudde, 2012: 4).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
62
esforços para atingir objetivos que a bem, os seus agentes, já perderam a esperança de
alcançar.
Portanto, o populismo é extremista e anti-sistémico. Nessa medida difere do que é
simplesmente popular e, em geral, aceite pela população. Um agente popular é
moderado. Um populista é fundamentalista e capaz de tudo para atingir os objetivos
traçados a tónica está nos excessos que pratica.
líderes que parecem estar permanentemente em campanha eleitoral. Numa
República, em que os escrutínios se sucedem uns aos outros, existe grande pressão para
agradar aos votantes. É mais fácil os candidatos exporem os seus planos ao mínimo, em
discursos vagos, pois a maioria das pessoas não vota em medidas impopulares, por muito
necessárias que elas sejam. Logo, a diferença entre o popular e o populista torna-se
porosa.
Onde se coloca a fronteira? O der popular é realista. Garante a fidelidade dos eleitores
através de comportamentos sistémicos, que velem pelo bem-estar social e pela ordem
democrática, com base em programas e discursos moderados, em medidas concretas e
exequíveis. As críticas aos adversários o mais construtivas do que destrutivas. Joga-
se pelo seguro. Não se coloca em causa o sistema. Pelo contrário, o líder populista é anti-
sistémico, imprevisível, paternalista, incendiário, idealista ou perigoso.
Também não se deve confundir populismo com nacionalismo. O primeiro é radical. O
segundo pode ser moderado ou exacerbado, pois nem todas as pessoas que se
identificam com a Nação (valores, território, ngua) têm projeto imperialista. O
populismo também pode ser uma dicotomia interna (povo versus elite) e o nacionalismo
uma necessidade de existir fronteira com o exterior (domésticos versus estrangeiros).
29
Depois de definir o populismo, é preciso medi-lo. Como? Uma opção é descrevê-lo de
forma minimalista
30
, para abarcar as suas várias dimensões. Porquê? Uma equação com
demasiadas variáveis arrisca-se a não chegar a conclusão nenhuma que se aproveite.
O que fazer? Uma hipótese é medir o populismo por etapas ou com base em definições
parciais. Podem-se avaliar várias dinâmicas sociais. Geralmente são importantes os
discursos dos candidatos às eleições ou os resultados dos escrutínios. Ou os debates
parlamentares e de tribuna. Ou os comentários políticos nas televisões. Hoje em dia
também se analisam as tendências nas redes sociais ou dos blogues da internet.
A abordagem pode ser quantitativa ou qualitativa. Construi-se uma base de dados. Esta
é trabalhada manualmente (fator humano) e/ou com auxílio informático.
31
Divulgam-se
os resultados, interpretados numa primeira instância e, depois, por outros
investigadores. É possível recorrer a índices de perceção de corrupção ou de risco político
à escala mundial, ou outros disponíveis, alguns mais credenciados do que outros, pelo
29
«Não se deve, contudo, confundir populismo e nacionalismo (…) Não apenas pelo facto de existirem
populismos que não constroem etnicamente o povo, mas também porque enquanto no etno-nacionalismo
(ou nativismo) a distinção básica é entre nativos e estrangeiros, no populismo essa distinção ocorre dentro
do mesmo grupo nativo, em que o povo e atraiçoado pelas elites. Para que houvesse essa convergência as
elites teriam de ser, também elas, estrangeiras (em vez de apenas agentes de interesses estrangeiros,
como muitas vezes são denunciadas)» (Zúquete, 2016: 18).
30
«Começar com uma definição mínima de populismo e tentar aplicá-la a casos empíricos ajuda a determinar
se estarmos a lidar com populismo ou não. Uma conceptualização mínima tem a vantagem de circunscrever
o significado do populismo e a discussão teórica torna-se menos confusa, porque o seu conceito passa a
distinguir-se de outros fenómenos políticos» (Deiwiks, 2009: 8).
31
Rooduijn e Pauwels, 2010: 18.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
63
que é necessário fazer referência à fonte consultada. São apenas indicativos, mas ajudam
a explicar o fenómeno em consideração.
2. Avaliar o Populismo
O populismo pode ser uma ideologia, um tipo de discurso ou uma estratégia política. A
tabela 1 reúne estas três principais linhas de investigação em voga.
Tabela 1: Três Principais Linhas de Investigação sobre Populismo
Definição de
Populismo
Referências
Ideologia
Política
Conjunto de ideias
interrelacionadas
sobre a natureza
sociopolítica
Mudde (2004,
2007)
Mudde e
Kaltwasser
(2012)
Estilo
Político
Discurso com
características
específicas para
reivindicação
política
Kazin (1995)
Laclau (2005)
Panizza (2005)
Estratégia
Política
Uma forma de
organização e de
mobilização
Roberts (2006)
Weyland (2001)
Jansen (2011)
Fonte: Baseado em Gidron e Bonikowski, 2013: 17
O populismo, enquanto ideologia, separa dois grupos políticos homogéneos:
32
pobres e
ricos, nós e os outros. Distingue o povo que é bom, da elite que é corrupta.
33
Enquanto estilo discursivo promove o antagonismo entre duas entidades inimigas (a
favor e contra o povo).
34
Implica julgamento de ideias contra forças da oposição
supostamente más ou imorais.
35
Resulta numa luta de poderes, sob a lei do mais forte.
32
O populismo é uma ideologia «(…) que considera a sociedade, ultimamente separada entre dois grupos
antagonistas e homogéneos, ‘o povo puro’ verso ‘a elite corrupta’ e argumenta que a política devia ser a
expressão da vontade geral (…)» (Mudde, 2004: 543)
33
«Embora os académicos não concordem numa definição de populismo, e várias conceções circulem
simultaneamente, existe um denominador comum que a maioria partilha. O fundamento populista consiste
numa relação antagonista entre “o (bom) povo e a (corrupta) elite”» (Rooduijn e Pauwels, 2010: 3-4).
34
«Antagonismo, enquanto identificação, relaciona a forma (o povo como signifier) e o conteúdo (o povo
como signified) atribuído por vários processos de apelidação ou seja, estabelece quem são os ‘inimigos
do povo’ (…)» (Panizza, 2005: 3).
35
«Primeiro, entendemos o populismo como um conjunto de ideias (…) É uma bordagem moralizante, dualista,
crente na soberania popular, que exalta a opinião da maioria, ao mesmo tempo que caracteriza a oposição
como imoral ou malévola. Opõe-se à abordagem do pluralismo que enfatiza a inevitável e desejável
diferença de opiniões. O pluralismo almeja instituições que valorizem e protejam os direitos da minoria,
enquanto segue a vontade maioritária; o populismo almeja claridade moral e trata a dissidência com
suspeita, como se fosse perigosa. Enquanto o pluralismo prefere relações políticas baseadas na cooperação
e na harmonia, o pluralismo encara o mundo como naturalmente antagonista» (Hawkins, Riding and Mudde,
2012: 3).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
64
O populista pode ter capacidade mobilizadora, atributos carismáticos, gerar o culto à sua
personalidade.
36
Aquando autoritário
37
tem discurso agressivo, arrogante ou teimoso.
Mas também pode ser orador amável, extremamente simpático, janota e bem-falante.
Depende da postura que melhor funciona no contexto em análise.
Enquanto estratégia política, o populismo promove a coesão social e apela ao voto de
um grande número de apoiantes que confiam nele de forma direta, desorganizada e não
institucionalizada.
38
Quais os mais vulneráveis ao populismo? Por um lado, as camadas sociais menos
instruídas ou que auferem menos rendimentos. Por outro lado, os desiludidos com a vida
ou os revoltados, com ódio ao sistema atual. O politicamente correto, que cala
sentimentos profundos de sentido contrário, pode estar a silenciar sectores menos
óbvios, até abastados, que se sentem vilipendiados, discriminados ou ameaçados por
terceiros (seja esta perspetiva real ou ilusória).
O populismo parece estar em todo o lado
39
e alimenta-se de expetativas defraudadas.
40
Aproveita situações de crise (económica, social, política, religiosa, etc.). Prolifera onde
não há misericórdia e o desemprego abunda, tal como a incerteza ou a falta de
segurança. Almeja dar voz aos excluídos do sistema.
41
Diaboliza as instituições existentes
para dar lugar a todos, ou afastar os rivais e admite fazê-lo violentamente, de forma
extremista.
O carater simbólico dos discursos é importante, nesta matéria. Os eleitores, quando
reconhecem as referências (o tipo de linguagem e o código de valores), costumam
identificar-se com o plano de ação. Acreditam naquilo que ouvem. Convencem-se que é
possível atingir a meta proposta. Porquê? Porque os populistas conseguiram mexer com
as suas emoções.
3. Disseminar o Populismo
A sociologia política das emoções ajuda a estudar o populismo. A vertente passional da
política pode ser considerada romântica pelos idealistas; instrumental, manipuladora e
perigosa pelos realistas, que preferem comportamentos mais moderados em esfera
pública ou possuem interpretações mais objetivas do interesse nacional.
36
«O populismo baseia-se particularmente em políticas da personalidade» (Taggart, 2000: 101).
37
Hawkins, Riding and Mudde, 2012: 4.
38
Weyland, 2001: 14.
39
«As democracias contemporâneas estão a ser desafiadas. As suas principais instituições e partidos políticos
estão em crise algum tempo, por uma variedade de razões, desde o declínio das ideologias, à tensão
entre organizações partidárias e cidadãos, ao enfraquecimento da intermediação, à disseminação da
corrupção, ao impacto dos meios de comunicação, à personalização da política. O populismo parece estar
em todo o lado hoje em dia.» (Martinelli, 2016: 13)
40
«As elevadas expetativas da maioria das pessoas saíram goradas pela “desafortunada herança do passado”;
perversa burocracia, leis excessivas e obsoletas, partidos subdesenvolvidos, empresas públicas estagnadas
ou ineficientes, agricultura ultrapassada e fragmentada, sociedade civil fraca e falta de cultura política
moderna. Clivagens sociais foram desenvolvidas como resultado de consequências inadvertidas das
reformas que distribuíram desequilibradamente o peso da transformação (desemprego, empobrecimento
seletivo, competição desenfreada, imigração ilegal, aumento do crime) numa sociedade dividida entre os
bem-sucedidos neste novo sistema e os que experimentaram, de forma objetiva ou subjetiva, perda ou
fracasso e até idealização do passado. Esta situação criou clima social favorável ao crescimento dos partidos
populistas (…)» (Martinelli, 2016: 19)
41
O populismo é «(…) todo o projeto político que se sustenta à larga escala, ao mobilizar sectores sociais
marginalizados que torna publicamente visíveis e gera ação política contenciosa, enquanto articula retórica
nacionalista anti-elite que valoriza o cidadão comum.» (Jansen, 2011: 82)
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
65
O domínio do paradigma racional desconfia do que é interpretativo ou dependente da
perspetiva. Evita colocar-se sob o capricho da multidão em fúria. Mas o ressentimento
42
é terreno fértil para o populismo. Está inerente um voto de revolta contra o sistema
impulsionado pela raiva
43
que luta contra algum tipo de injustiça e, em consequência,
transfere as culpas para uma entidade paralela (para o Estado, as elites, o governo, etc.).
Está comprovado que as emoções têm impacto nas eleições
44
. A propaganda política
vende uma ilusão. Os interesses empresariais dos meios de comunicação não são neutros
quando tentam maximizar as audiências e assinar rentáveis contratos de publicidade. No
limite, podem transformar a realidade numa experiência mística ou disseminar ideologia
do “senso comum” contrária à deliberação baseada em factos. Entramos no âmbito da
mediatização da política democrática ou da diplomacia pública ou da cobertura de
campanhas políticas que implicam investimento em imagem e em estilos sofisticados de
comunicação e de linguagem
45
.
O populismo cria uma realidade paralela, baseada em exageros e emoções exacerbadas,
que infantilizam e confundem o leitor, com o objetivo de influenciar a sua deliberação;
não em função da experiência e do raciocínio lógico, mas da impulsividade, do instinto,
do medo patológico ou da quimera capaz de atingir o impossível.
Por exemplo, os populistas prometem baixar os níveis de desemprego, alguns até
defendem o pleno emprego, mas raramente comunicam medidas concretas em prol
desse objetivo, porque a verdade coaduna-se pouco com o plano; embora a rutura com
o modelo de referência possa parecer um oásis no meio do deserto que o desespero
proporciona.
Os meios de comunicação podem ajudar a fiscalizar os erros de linguagem e a denunciar
os exageros comportamentais. Não o fazem se são sensacionalistas e populistas.
Podemos talvez subdividir o processo de mediatização da política por fases. Na década
de 60 do séc. XX, os eleitores pareciam ser fieis a alianças prévias e definidas, seguiam
ideologias dominantes nos partidos políticos, num contexto em que a imprensa escrita e
a radio faziam a seleção das principais matérias em discussão.
Nos anos 90, a televisão transmitia conteúdos de forma transversal à sociedade. Os
agentes políticos aproveitavam-se deste palco para entreter as multidões com o seu
humor e habilidades, com preocupações de imagem e de marketing político. O formato
42
«(…) uma política de ressentimento generalizado em que as incertezas do capitalismo e a supervisão do
Estado criam indivíduos com uma sensação difusa de falta de poder, a expressão pública de uma praxis que
não é positiva nem consolidada, mas que resulta de uma reação apressada e dependente que, em regra,
assume a forma de ‘política de identidade’ (…) o ressentimento é o sentimento dos fracos (…)» (Demertzis,
2006: 104)
43
«A raiva parece ser o grande motor por trás do populismo. Isto porque perceções de injustiça, julgamentos
morais, atribuição de culpas e necessidade de controlo são componentes desta emoção negativa e, ao
mesmo tempo, são elementos fundamentais da retórica populista. (…) a ira aumenta significativamente as
atitudes populistas e a probabilidade de votar no partido populista. A ansiedade tem o efeito oposto,
obtendo significado estatístico do lado do eleitor. A tristeza não produz efeito» (Rico e Guinjoan e Anduiza,
2016: 1).
44
«Primeiro, demonstrámos que existem claros limites à competência dos eleitores, uma vez que a decisão
de votar é afetada pelos resultados desportivos (…) Segundo, demonstrámos que uma fonte de decisão
sub-otimal é a incapacidade dos votantes separarem as suas emoções da sua cognição política. Portanto,
quando os votantes tomam decisões, emoções e eventos desempenham um papel importante nas variáveis
políticas explícitas. De facto, o efeito geral do humor na votação pode ser significativamente maior do que
sugerem as nossas estimativas, pois o desporto é apenas uma das muitas influências que os eleitores
sofrem e nem todos gostam de desporto» (Healy e Malhotra e Mo, 2009: 24).
45
Azzarello, 2011: 18-19.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
66
não era adequado a grandes reflecções filosóficas, mas atraía pessoas carismáticas, com
capacidade de emocionar plateias tal como os atores no teatro.
O primeiro quartel do séc. XXI foi dominado pela globalização dos meios de comunicação,
sobretudo da internet, capaz de disseminar rapidamente, pelo mundo inteiro, uma
amálgama disforme de conteúdos, tanto credíveis quanto erróneos ou facilmente
manipuláveis. Nos últimos anos, a política vergou-se às redes sociais onde abundam as
notícias falsas, o lixo informativo e a coscuvilhice. Estas fontes são imprevisíveis,
incontroláveis e propícias ao populismo, sobretudo num contexto complexo
46
que mistura
questões sérias com entretenimento, qual fossem a mesma coisa.
Alguns estudos concluíram que as pessoas não votam necessariamente nos partidos que
têm cobertura mediática e aderem aos populistas quando estão insatisfeitos
47
. Seja
como for, os humanos tendem a participar em fenómenos de grupo. Deixam-se arrastar
pela torrente, quando sob pressão dos amigos ou porque sentem afinidade por uma
determinada visão do mundo. Uma vez organizados, os indivíduos formam ondas de
descontentamento que, algum tempo depois, podem transformar-se em maremotos
políticos.
Na internet, os adeptos do populismo europeu parecem corresponder ao seguinte perfil:
sobretudo jovens do sexo masculino, empregados e otimistas, filiados num partido ou
com elevada probabilidade de votar nele, que não aceitam o rumo que o país leva. São
críticos da construção europeia e das suas instituições afastadas das realidades nacionais.
Não acreditam na justiça e revoltam-se contra a impunidade, transferindo a confiança
para a polícia e para o exército. não votam ou saem de casa (ativismo cibernético)
para votar (em partidos anti-sistémicos ou nacionalistas de direita) por temerem a
imigração e o extremismo islâmico e tentarem impedir a erosão cultural do país; e
admitem manifestar-se nas ruas contra a corrupção, se necessário, com violência.
(Bartlett, Birdwell e Littler, 2011: 20-21)
De facto, alguns estudos consideram “viril o discurso populista, admitindo que as
mulheres se metem menos na política e adotam comportamentos mais moderados, ou
seja, partem de um modelo tradicional que pode não corresponder à verdade.
48
Mas
variáveis como a idade ou o género podem não ter impacto significativo na equação
49
,
46
«Da perspetiva das comunicações, a literatura relevante tem estudado a ligação entre os meios de
comunicação e o populismo, mormente pelas lentes da mediatização da política. (…) Ocorre ao mesmo
tempo que a profissionalização da publicidade e das técnicas de campanha dos partidos políticos, da
comercialização crescente do jornalismo, da diversificação dos canais e dos agentes abertos a novas
reivindicações políticas, e à radical segmentação das audiências políticas. (…) É importante observar estas
tendências num contexto amplo de processos de mudança social, de modernização (fragmentação da
organização social e políticas de empolamento da identidade), individualização (com abordagem mais
orientada para o consumo e a gratificação política), a secularização (que reduz o estatuto de políticas oficiais
e identificações partidárias, com ceticismo em relação às elites estabelecidas), a economia (jornalismo
subordinado a critérios de mercado) e estilização (que encoraja aproximações entre a política e a cultura
popular).» (Wirth et al., 2016: 24-25)
47
«Apenas quando os cidadãos concordam com a posição partidária é que a exposição mediática torna mais
provável que eles votem nesse partido» (Bos et al., 2014: 21).
48
«(…) intelectuais feministas têm questionado a sexualização da cultura corrente e da relação entre sexo,
dinheiro e poder que subjaz ao populismo de Berlusconi. Os debates em torno da ideia do ‘silêncio das
mulheres’, do ‘pós-patriarcado’ e da ‘mulher real’ não televisiva (…) O conceito de ‘pós-feminismo é uma
alternativa válida (…) consegue capturar a complexidade das políticas dos governos de Berlusconi, que
constituem um retrocesso em relação às vitórias do feminismo dos anos 70 e 80 do séc. XX(Azzarello,
2011: 106-107).
49
«Ao contrário do que pensam alguns, embora em linha com investigação mais recente, (o populismo) não
está consistentemente relacionado com a idade ou o género. É importante, porque estes resultados
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
67
se admitirmos que tanto homens como mulheres podem ser populistas e que, tanto
juniores como seniores podem estar defraudados, ao ponto de aderirem a medidas
extremas para resolver os problemas.
Na internet espaço para moderados e extremistas. A diferença é que os últimos saltam
à vista nas redes sociais, ao contrário do que acontece no dia-a-dia, em que os
moderados tendem a ser dominantes, quando os outros se calam.
Porquê? A internet permite mais liberdade de expressão que o quotidiano politicamente
correto defendido pelas instituições comunitárias (União Europeia) ou estaduais, a nível
nacional, regional ou local. Quando os cidadãos temem emitir a sua opinião em ambiente
profissional, desistem de participar em manifestações ou deixam de votar, podem
parecer inofensivos e passar despercebidos às sondagens tradicionais. Mas se a revolta
está instalada, dissemina-se entre indivíduos com interesses comuns nas redes sociais
(Facebook, Instagram, Badoo, Google +, LinkedIn, My Space, Twitter, Tumblr, etc.) ou
através de blogues temáticos
50
. É um tipo de resistência passiva que pode rebentar a
qualquer momento. Sobretudo quando emerge um líder suficientemente forte para abrir
o caminho que as massas querem trilhar e as defende em campo aberto. É, nessa altura,
que as ruas se enchem de entusiastas e o sistema muda, de repente.
A questão é particularmente importante, se admitirmos que o terrorismo é a expressão
mais violenta do populismo, seja de Estado (Revolução Francesa) ou não-estadual. Hoje
em dia, numa internet sem regras nem controlo, é cil controlar as populações à
distância através da divulgação de notícias falsas ou de propaganda; lavagem de
dinheiro, ciber-bullying e ciber-ataques aos sites das instituições.
O populismo Jihadista adequa-se particularmente à realidade virtual, atendendo à sua
natureza globalizada que almeja abarcar toda uma comunidade de crentes (Ummah),
extensível além de um território claramente definido. (Bhui and Ibrahim, 2013: 217-219)
O Jihadismo do Médio Oriente com eco na Europa consegue agendar, no séc. XXI,
atentados, em plataformas virtuais, antes de atacar as vítimas no terreno. As populações,
apanhadas desprevenidas, ficam vulneráveis ao medo e à raiva. A revolta produz mais
populismo e empurra os moderados para as margens do sistema, quando começa a haver
necessidade de haver um nós e um eles por uma questão de sobrevivência. Contrariar
essa tendência torna-se cada vez mais difícil à medida que os atentados se multiplicam
e o número de vítimas aumenta.
Conclusão
A definição de populismo o é consensual, porque a sua conceptualização pode ser uma
afirmação política.
51
Responder a perguntas como quem é populista e que meios emprega
ou como se afirma na arena política, é matéria de escolha e esta dificilmente é neutra.
verificam-se não em ambientes mais conservadores, como no país no seu conjunto» (Hawkins, Riding
and Mudde, 2012: 23).
50
«O surgir das redes sociais criou uma nova forma de expressar apoio a uma pessoa, organização ou ideia.
Os indivíduos podem apoiar ou tornar-se membro de um dos milhares de grupos online com apenas um
clique. Isto levanta uma série de questões sobre a força dessa afinidade e da relação entre envolvimento
online e offline» (Bartlett, Birdwell e Littler, 2011: 33).
51
«O populismo é muitas vezes usado como um conceito analítico e, na falta de claro consenso académico
sobre o seu significado, é uma definição contestada. Mas a confusão sobre o termo, todavia, não é apenas
causada por um problema analítico de generalização; resulta sobretudo da promiscuidade com que se utiliza
e o significado pejorativo da palavra, tanto dentro como fora do debate científico. Qualquer definição
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
68
É difícil medir o fenómeno e o «(…) problema fundamental não é necessariamente o
populismo, mas a orientação política que o mobiliza.» (Alvares e Dahlgren, 2016: 49).
Neste sentido, pode ser um tipo de discurso, uma ideologia ou uma estratégia (ou as três
ao mesmo tempo) extremista e anti-sistémica. A propaganda e os meios de comunicação
são veículos que o disseminam.
O populismo tem História e é contra a exclusão social
52
, pelo que é importante identificar
quem controla os recursos num determinado território. Do ponto de vista do discurso,
diz ao povo o que ele quer ouvir. A ideologia política encara o povo como entidade única
e homogénea.
53
Faz parte da estratégia defender a plebe
54
e, de certa forma, presta-lhe
culto.
55
O populismo é uma retórica com características específicas, muito utilizada em período
eleitoral, que gera emoções e atitudes extremas. Pode ter matriz difusa a favor dos
direitos e garantias do ‘povo’ numa Democracia. Almeja agradar às massas, tenta
satisfazer as suas vontades e necessidades imediatas, mesmo quando não o
exequíveis. Pode ter boas intenções, mas arrisca-se a ser paternalista e a infantilizar o
recetor da mensagem. Quando se aproveita das carências da plebe, o demagogo
manipula-a. Por isso, o populismo pode ser maquiavélico, instrumental, incendiário ou
perigoso.
Um partido populista faz oposição ao regime. Vangloria-se de ser o porta-voz da maioria
injustiçada contra os lobbies, ou ps grupos minoritários privilegiados que impedem a
felicidade da população. Se for necessário derrubar barreiras, torna-se radical ou impinge
algum tipo de rutura com o status quo. Critica o mal funcionamento da Democracia
representativa existente. Mas não pretende ser antidemocrático. Pelo contrário, defende
uma democracia (mais) direta, capaz de punir as instituições intermediárias que fazem
frente à “verdadeira e não corrompida vontade do povo”.
56
O populismo é uma forma de luta. Assim reivindicam os que têm pouco, mas almejam
auferir mais. Quem é pobre quer ser rico. Quem já satisfez as necessidades básicas, quer
expressar a sua opinião. Quem não tem liberdade, exige-a.
A opinião pública de um país desenvolvido reclama direitos e garantias que talvez não
estejam no topo das prioridades de uma população sujeita a conflitos armados. Por isso
é que o populismo depende da área geográfica, da cultura e da ideologia dominante.
científica atribuída a este conceito político é um ato político em si mesmo (…)» (Raadt, Hollanders e Krouwel,
2004: 4).
52
«O populismo não é uma aberração histórica ou um desvio dos padrões universais da modernização (…)
surgiu historicamente como uma resposta à marginalização de muitos da política. A persistência das
exclusões sociais e económicas provocadas pelas políticas neoliberais e, em particular, a dificuldade dos
pobres em acederem aos seus direitos constitucionais explicam a sua resiliência. Embora as manifestações
concretas do populismo e os níveis de polarização variem consoante as experiências, o populismo continua
a ser recorrente nas democracias em que os direitos das pessoas comuns não são reforçados ou
respeitados» (Torre, 2007: 394-395).
53
«A população é uma unidade e apenas uma, e uma referência ao povo não é apenas uma reivindicação
retórica, é parte consistente da sua ideologia» (Raadt, Hollanders e Krouwel, 2004: 7).
54
«Os populistas colocam “o povo” no centro da sua política» (Rooduijn e Pauwels, 2010: 4).
55
«Populism worships the people» (Ionescu e Gellner, 1969: 1).
56
«Um primeiro elemento de ideologia dos populistas é encontrado na rejeição ao sistema. A crítica é a razão
de ser de qualquer partido da oposição, mas os partidos populistas desenvolvem um conjunto de
argumentos sobre o mau funcionamento da democracia representativa. (…) O populismo não é
antidemocrático (…) repreende as organizações intermediárias que se colocam no meio da expressão
verdadeira e não corrompida da vontade do povo» (Raadt, Hollanders e Krouwel, 2004: 6).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
69
Numa democracia, muitos deres condenam o populismo, mas tomam iniciativas e
proferem discursos populares e geralmente aceites pela população, para que esta vote
neles. As fronteiras entre o que é popular e populista são porosas em períodos de crise.
O der é popular se agrada ao povo com soluções que não arruínam o Estado de Direito.
É populista quando defende programa extremista. O primeiro promove a ordem
democrática. O segundo é causa ou consequência da desordem democrática.
57
A
estratégia popular é moderada, protetora, construtiva ou segura. A populista é
paternalista, fundamentalista, destrutiva ou perigosa. Políticas sistémicas são realistas,
construtivas, baseadas em medidas concretas e em promessas exequíveis; modelos
idealistas são difusos, imprevisíveis ou prometem o que não sabem se podem cumprir.
Os defensores das massas invocam a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Procuram
garantir que a soberania do povo não é apenas de fachada. Quando os seus líderes são
carismáticos, são marcos da História
58
e tentam ser agentes de transformação política.
Para uns, os populistas são o inimigo, para outros são heróis da população. Para uns, o
populismo é antidemocrático, mas nem sempre a critica às elites é considerada uma
“ameaça à democracia liberal, enquanto mantiver a sua orientação individualista e anti-
estadista.”
59
Portanto, a tendência muda quando o projeto se torna radical.
A frustração, a raiva, a desilusão, o medo e as emoções mais básicas fundamentam o
voto populista. Num contexto de incerteza, a moderação pode ser uma ameaça à
sobrevivência. cero preferia a paz mais injusta à mais justa das guerras.
60
Mas será
que a maioria da população ainda prefere o status quo?
Os conflitos existem, um pouco por todo o mundo, fruto da rivalidade entre grupos
culturais, identitários ou com reivindicações socioeconómicas insatisfeitas
61
. Portanto,
não caminhamos para o término da evolução ideológica da humanidade, nem para a
uniformização da democracia liberal ocidental.
62
Pelos vistos, não mudámos muito desde os romanos. Antigamente havia tabuletas de
cera. Agora há tablets com acesso à internet. Mas as pessoas ainda têm dificuldade em
conviver em espaço blico, quando abusam das liberdades e garantias e das virtudes
de uma República, num contexto que privilegia e premeia o entretenimento.
57
«(…) a hipertrofia do lado democrático, ao ponto de enfraquecer excessivamente as proteções dos direitos
dos indivíduos e das minorias conduz à desordem democrática conhecida por populismo.» (Plattner, 2010:
87)
58
«O líder populista carismático fascina, mistifica e excita. Os líderes populistas marcam profunda e
indelevelmente a História nacional e global; muitas vezes coloridos e arrebatadores, são bem-sucedidos ao
forjar uma ligação com os seus seguidores que raramente deixa de incluir um tom moral ou religioso. Eles
afirmam falar para e com o povo; para além da mera representação, afirmam personalizar o povo e estão
preparados para seguir lealmente algo relativamente parecido com o que Rosseau chamou de ‘vontade
geral’. No meio desta identificação tumultuosa e processo de ligação, as fronteiras institucionais e
convenções são geralmente esquecidas ou criticadas, a favor de um contacto não mediado com os cidadãos»
(Piramo, 2009: 1-2).
59
Plattner, 2010: 92.
60
Equidem ad pacem hortari non desino; quae vel iniusta utilior est quam iustissimum bellum cum civibus.
Cícero, Cartas a Ático, VII, 14. (Winstedt, 1913: 69)
61
«No mundo pós Guerra Fria, as alterações mais importantes entre povos não são ideológicas, políticas ou
económicas, mas culturais. (…) Os povos usam a política, não apenas na prossecução dos seus interesses,
mas também para definir a sua identidade» (Huntington, 1996: 21).
62
«O que estamos a testemunhar não é apenas o fim da Guerra Fria, ou a passagem para um período especial
da História do pós-guerra, mas ao fim da História enquanto tal: isto é, ao fim da evolução ideológica da
Humanidade e à uniformização da democracia liberal ocidental enquanto forma final de governo humano»
(Fukuyama, 1989: 4).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
70
Os cidadãos votam em líderes que os façam rir, com capacidade para mobilizar as
emoções, que dão espetáculo, que sabem vestir-se ou entusiasmar o eleitorado
entediado que gosta de jogar ao computador ou de desportos radicais. Ao invés de
escolherem governantes capazes de enfrentar a realidade com políticas que efetivamente
contribuam para o que o povo precisa, no presente e no futuro, votam em animadores
de retórica vã, que prometem ao povo o que ele quer ouvir ou transformam a vida num
passatempo. Os opinion makers deixam de ser especialistas. A informação é menos
escrutinada por jornalistas e mais disseminada pelas redes sociais (Facebook, Twitter,
etc.) ou por bloggers com deos de muitas visualizações. A educação formal é
substituída por um sistema de equivalências. Investe-se menos em famílias coesas e
seguras, preferem-se alternativas disfuncionais que não conferem estrutura às
sociedades. Os adolescentes não querem ser cientistas, querem desfilar em passerelle.
Não admira que os eleitores, cada vez mais inexperientes ou imaturos, votem em
famosos (que conhecem pela televisão ou pela internet) ao invés de sábios e estadistas.
Portanto, o ambiente é volúvel e propício ao populismo.
Não estamos no fim da História. Estamos no começo de um novo ciclo, de uma onda que
pode resultar em maremoto; e não é por falta de aviso. É que a matriz pós-moderna
parece-se cada vez mais com o pão e circo dos antigos romanos, ao qual sucedeu a Idade
Média. Sem esquecer que o terrorismo jihadista já abriu a porta a esse caminho. Resta
saber se conseguimos contrariar a tendência com base nas lições já estudadas.
Referências bibliográficas
Acemoglu, Daron and Egorov, Georgy and Sonin, Konstantin (2013). “A Political Theory
of Populism”. The Quarterly Journal of Economics, 128 (2), pp. 771-805.
Alvares, Claudia e Dahlgren, Peter (2016). “Populism, Extremism and Media: Mapping na
Uncertain Terrain”. European Journal of Communication, Vol. 31 (1), pp. 46-57.
Arter, David (2010). “The Breakthrough of Another West European Populist Radical Right
Party? The Case of the True Finns”. Government and Opposition, Vol. 45 (4), pp. 484-
504.
Azzarello, Stefania (2011). “Populist Masculinities Power and Sexuality in the Italian
Populist Imaginary”. University of Utrecht, Women’s Studies Department, Institutum
Studiorum Humanitatis, Women’s Studies Department, Gemma Erasmus Mundus Master
‘Women’s and Gender Studies’, Final Thesis, pp. 1-116.
Barr, Robert (2009). “Populists, Outsiders and Anti-Establishment Politics”. Party Politics,
Vol. 15 (1), pp. 29-48.
Bartlett, Jamie, Birdwell, Jonathan and Littler, Mark (2011). The Rise of Populism in
Europe can be Traced Through online Behaviour The New Face of Digital Populism”.
London: Demos.
Bos, Linda et al. (2014). “The Impact of media coverage on right-wing populist parties:
the role of issue ownership”. ECPR General Conference, pp. 1-43.
Bhui, Kamaldeep and Ibrahim Yasmin (2013). “Marketing the ‘radical’: Symbolic
communication and persuasive technologies in jihadist websites”. Transcultural
Psychiatry, Vol. 50, N.º 2, pp. 216234.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
71
Corduwener, Pepijn (2014). “The Populist Conception of Democracy beyond Popular
Sovereignty”. Journal of Contemporary European Research, Vol. 10, Issue 4, pp. 423-
437.
Deiwiks, Christa (2009). “Populism”. Living Reviews in Democracy, Center for
Comparative and International Studies of the University of Zurich, pp. 1-9.
Demertzis, Nicolas (2006). Emotions and Populism”. In Clarke, Simon et al. (eds.).
Emotion, Politics and Society. London: Palgrave Macmillan (10322).
Dinç, Pinar (2016). Mapping Populism: Definitions, Cases, and Challenges to
Democracy”. Istanbul Policy Center, At Sabanci University, pp. 1-16.
Fukuyama, Francis (1989). The End of History? National Interest, Vol. 16, Summer, pp.
3-18.
Gidron, Noam and Bonikowski, Bart (2013). “Varieties of Populism: Literature Review
and Research Agenda”. Weatherhead Center for International Affairs, Harvard University,
Working Paper Series, N. 13-0004, pp. 1-38.
Hawkins, Kirk and Riding, Scott and Mudde, Cas (2012). “Measuring Populist Attitudes”.
CIDE/IPSA/C&M, Committee on Concepts and Methods, Political Concepts, Working Paper
Series, N. 55, January, pp. 1-35.
Healy, Andrew J. and Malhotra, Neil and Mo, Cecilia H. (2009). “Personal Emotions and
Political Decision Making: Implications for Voter Competence”. Standford Graduate
School of Business, Research Paper N. º 2034, July, pp.
Huntington, Samuel P. (1996). The Clash of Civilizations and the Remaking of World
Order. New York: Simon & Schuster.
Ionescu, Ghita and Gellner, Ernest (1969). Populism: its Meaning and National
Characteristics. Oakland: University of California Press.
Jansen, Robert S. (2011). “Populist Mobilization: A New Theoretical Apprach to
Populism”. Sociological Theory, 29 (2), pp. 75-96.
Kazin, Michal (1995). The Populist Persuasion: An American History. Ithaca: Cornell
University Press.
Laclau, Ernesto (2005). On Populist Reason. London: Verso.
Martinelli, Alberto (2016). “Populism and the Crisis of Representative Democracy”. In
Populism on the Rise: Democracies Under Challenge? Milano: ISPI; pp. 13-32.
Mendes, José (2005). “é Vencido quem deixa de lutar. Protesto e Estado Democrático
em Portugal”. Revista Crítica de Ciências Sociais, N.º 72, Outubro, pp. 161-185.
Moffitt, Benjamin and Tormey, Simon (2014). “Rethinking Populism: Politics,
Mediatisation and Political Style”. Political Studies, Vol. 62, pp. 381-397.
Mudde, Cas (2004). “The Populist Zeitgeist”. Government and Opposition, Vol. 39 (4),
pp. 442-563.
Mudde, Cas (2007). Populist Radical Right Parties in Europe. Cambridge: Cambridge
University Press.
Mudde, Cas and Kaltwasser, Cristóbal (2012). Populism in Europe and the Americas.
Cambridge: Cambridge University Press.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
72
Nestoras, Antonios (2016). “Is Information Warfare Breaching the European Parliament?”
Institute for European Studies, Policy Brief, Issue 2016/12, May, pp. 1-2.
Ostiguy, Pierre (2001). “Populism, Democracy, and Representation: Multidimensional
Concepts and Regime Types in Comparative Politics”, Latin American Studies Association
Meeting, Washington DC, September 6-8, pp. 1-26.
Panizza, Francisco (2005). Populism and the Mirror of Democracy. London: Verso.
Piramo, Daniela di (2009). Speak for me! How Populist Leaders Defy Democracy in Latin
America”. Journal of Global Change, Peace and Security, pp. 1-32.
Plattner, Marc F. (2010). “Populism, Pluralism, and Liberal Democracy”. Journal of
Democracy, Vol. 21, N.º 1, Jaunuary, pp. 81-92.
Raadt, Jasper de and Hollanders, David and Krouwel, André (2004). “Conceptualising
Populism Analysing the Level and Type of Populism of Four European Parties”.
Politicologenetmaal, workshop ‘Kwaliteit van leven en politieke attitudes.
Methodologische Vraagstukken en Empirische Analyses’, Draft Paper, 27/28 May, pp. 1-
25.
Rico, Guillem e Guinjoan, Marc and Anduiza, Eva (2016). “The Emotional Underpinnings
of Citizens’ Populism: How Anger, Fear, and Sadness Affect Populist Attitudes and Vote
Choice”, Universitat Autonoma de Barcelona, pp. 1-28.
Roberts, Kenneth M. (2006). “Populism, Political Conflict, and Grass-Roots Organization
in Latin America”. Comparative Politics, Vol. 38 (2), pp. 127-148.
Rooduijn, Matthijs and Pauwels, Teun (2010). “Measuring Populism in Comparative
Research Two Content Analysis Methods Compared”. Politiciologenetmaal, 27-28 May,
Leuven, pp. 1-28.
Sachs, Jeffrey D. (1990). “Conflito Social e Políticas Populistas na América Latina”.
Revista de Economia Política, Vol. 10, N.º 1 (37), janeiro-março, pp. 5-31.
Sikk, Allan (2009). “Parties and Populism”. CEPSI Centre for European Politics, Security
& Integration, UCL School of Slavonic and East European Studies, Working Paper 2009-
02, pp. 1-15.
Taggart, Paul (2000). Populism. Buckingham. Open University Press.
Torre, Carlos de la (2007). “The Resurgence of Radical Populism in Latin America”.
Constelations, Vol. 14, N. º 3, pp. 384-397.
Weili, Ye and Toomey (2017). “Chinese Nationalism, Cuber-Populism, and Cross-Strait
Relations”. ISA International Conference in Hong Kong, pp. 1-16.
Weyland, Kurt (2001). “Clarifying a Contested Concept: Populism in the Study of Latin
American Politics”. Comparative Politics, Vol. 34 (1), pp. 1-22.
Winstedt, E. O. (1913). Cicero Letters to Atticus. (Vol. II). London: William Heinemann.
Wirth, Werner et al. (2016). “The appeal of populist ideas, strategies and styles: A
theoretical model and research design for analyzing populist political communication”.
NCCR National Centre of Competence in Research Challenges to Democracy in the
21st Century, Working Paper N. º 88, pp. 1-60.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 56-73
Populismo enquanto fenómeno político
Maria Sousa Galito
73
Zúquete, José P. (2016). “Era uma Vez o Populismo”. Relações Internacionais, Junho,
pp. 11-22.