OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 40-55
A IMPORTÂNCIA DO CONTRIBUTO DE POLANYI: UMA INTERPRETAÇÃO DA
NEOLIBERALIZAÇÃO E DA COMODIFICAÇÃO DA NATUREZA
Giulia Iannuzzi
giuliaiannu@yahoo.it / g.iannuzzi@campus.fct.unl.pt
Doutoranda em Estudos sobre a Globalização (FCSH-UNL, Portugal) e investigadora do CENSE-
Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (FCT-UNL). É mestre em Relações
Internacionais pela Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Florença onde se licenciou
em Estudos Internacionais. Tem uma pós-graduação em Cidades Sustentáveis (FCT-UNL). Como
investigadora tem colaborado em projetos europeus na área das políticas de ambiente e green
economy e tem vindo a desenvolver investigação sobre instrumentos políticos nacionais e
internacionais e modelos de co-governance para a conservação da natureza.
Resumo
A análise e as contribuições de Polanyi voltaram à discussão devido ao rápido aparecimento
de instrumentos baseados no mercado destinados a combater a degradação ambiental.
Polanyi é uma referência crucial nos debates atuais sobre globalização e economia política
internacional. Este artigo procura explorar e discutir como a sua perspetiva e os conceitos
sobre os quais o seu trabalho assenta nos podem ajudar a interpretar o processo atual de
neoliberalização e comodificação da natureza.
Palavras-chave
Polanyi, ambiente, comodificação da natureza
Como citar este artigo
Iannuzzi, Giulia (2018). "A importância do contributo de Polanyi: uma interpretação da
neoliberalização e da comodificação da natureza". JANUS.NET e-journal of International
Relations, Vol. 9, Nº. 1, Maio-Outubro 2018. Consultado [online] data da última consulta,
DOI: https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.1.3
Artigo recebido em 10 de Abril de 2017 e aceite para publicação em 18 de September de
2017
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A importância do contributo de Polanyi:
uma interpretação da neoliberalização e da comodificação da natureza
Giulia Iannuzzi
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A IMPORTÂNCIA DO CONTRIBUTO DE POLANYI: UMA INTERPRETAÇÃO DA
NEOLIBERALIZAÇÃO E DA COMODIFICAÇÃO DA NATUREZA
1
Giulia Iannuzzi
1. Introdução
O livro de Polanyi, The Great Transformation: the political and economic origins of our
time (A Grande Transformação - as origens políticas e sociais da nossa época), publicado
em 1944, é uma crítica ao capitalismo de mercado livre estabelecido no século XIX.
Constitui uma análise histórica das instituições humanas que remonta à Revolução
Industrial inglesa, quando o liberalismo económico emergiu como princípio organizador
da sociedade na criação da economia de mercado. A análise de Polanyi visa explicar a
crise produzida pela influência das ideologias de mercado liberais e pela crença no
"laissez-faire", que também se tornou o princípio organizador da economia mundial; uma
crise que não é puramente económica, no sentido estrito, pois implica a destruição das
comunidades e meios de subsistência, conduzindo à emergência de meios de proteção
social. Uma crise que desencadeou transformações institucionais na década de 1930. A
obra The Great Transformation é cada vez mais reconhecida como uma referência crucial
nos debates atuais sobre globalização e economia política internacional.
O conceito de embeddedness (enraizamento), melhor definido no seu livro mais
famoso, é importante para entender o pensamento de Polanyi e o seu contributo para as
ciências sociais. Neste artigo, é um ponto de partida fundamental para compreender
outros conceitos relevantes - como a mercadoria fictícia, o duplo movimento ou a falácia
económica e é analiticamente útil para estudar o processo atual de neoliberalização e
comodificação da natureza.
Este artigo está estruturado da seguinte forma: primeiro, apresenta um breve resumo
da visão de Polanyi, tentando esclarecer os principais conceitos teóricos elaborados em
The Great Transformation (e desenvolvidos noutras obras). Depois concentra-se na
relevância contemporânea das ideias de Polanyi. Uma vez que a análise e contributos de
Polanyi voltaram a ser discutidos devido ao rápido aparecimento de instrumentos
baseados no mercado para combater a degradação ambiental, centrar-se na forma
como a perspetiva de Polanyi - e os conceitos nos quais o seu trabalho assenta nos
podem ajudar a interpretar o processo atual da neoliberalização e comodificação da
natureza.
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2013, e tem como
objetivo a publicação na Janus.net. Texto traduzido por Carolina Peralta.
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2. Sobre a perspetiva de Polany: a visão utópica dos mercados
autorreguladores
2.1. O conceito de embeddedness (enraizamento)
Polanyi é muitas vezes considerado o pai do conceito de embeddedness, embora o tenha
ido buscar aos estudos etnográficos de Thurnewald sobre sociedades primitivas e culturas
arcaicas (Machado, 2010).
Na obra The Great Transformation, Polanyi usa o termo duas vezes
2
. No entanto, o
conceito é um leitmotiv ao longo do seu livro de excelência, particularmente em capítulos
específicos, e desempenha um papel relevante em toda a sua obra. No capítulo sobre a
"Evolução do Padrão do Mercado", o autor apresenta os contrastes entre a economia de
mercado e as economias pré-modernas, onde a integração da vida económica ocorre
através de padrões de reciprocidade e redistribuição. Aqui, referindo-se à economia de
mercado, escreve: "Em vez de a economia estar enraizada nas relações sociais, as
relações sociais estão enraizadas no sistema económico" (Polanyi, 2001- [1944]: 57).
Algumas páginas depois, a diferença é explicada mais detalhadamente, com foco nos
atos de troca e redistribuição:
Nos grandes sistemas de redistribuição antigos, os atos de troca e
os mercados locais eram um aspeto comum, mas não mais do que
um aspeto subordinado. O mesmo se aplica quando a reciprocidade
governa: os atos de troca estão aqui geralmente enraizados em
relações de longo alcance que implicam confiança, uma situação que
tende a obliterar o caráter bilateral da transação (Polanyi, 2001-
[1944]: 61).
Além disso, noutras passagens, Polanyi prefere usar as palavras "absorvida" e
"submersa" para descrever a relação entre economia e sociedade (Barber, 1995: 401).
Portanto, o conceito de (des)enraizamento é usado nos parágrafos acima referidos para
ilustrar a natureza excecional da economia de mercado capitalista liberal na história da
humanidade. Enquanto nas sociedades tribais, a economia se enquadrava noutros
padrões institucionais sociais, sendo a reciprocidade e redistribuição as formas principais
de integração, o mercado autorregulado funciona como uma esfera separada do resto da
sociedade.
No entanto, a separação institucional não se deve à existência de comércio, mercados
3
,
e dinheiro, que também estavam presentes nas sociedades o-capitalistas (por
exemplo, nas civilizações antigas e na Europa feudal
4
), mas sim ao mecanismo de
mercado que se rege pela lei da oferta e da procura e ao princípio do ganho, que substitui
2
A palavra "enraizamento" aparece seis vezes no texto. No entanto, Polanyi tinha uma "armadura de palavras
adicionais que sugerem significados semelhantes" (Hodgson, 2016: 10).
3
Polanyi define mercados como arenas de trocas organizadas (veja-se Hodgson, 2016).
4
Para uma revisão do debate sobre o papel do mercado como sistema nas civilizações antigas veja-se
Schiavone (1999)
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a subsistência como motivo de ação dominante. Na transição para uma economia de
mercado total, os esforços políticos com o objetivo de criar uma esfera económica cada
vez mais separada das instituições não-económicas, culminam no enraizamento das
relações sociais no mercado através da comodificação de três fatores de produção: mão-
de-obra, dinheiro e terra. A criação de produtos fictícios torna a vida social humana
dependente das flutuações da oferta e da procura e provoca a desumanização das
condições sociais e as consequentes reações sociais à mesma.
Sem vida, os mercados de mão-de-obra, terra e dinheiro são
essenciais para uma economia de mercado. Mas nenhuma sociedade
poderia suportar os efeitos de tal sistema de ficções cruas, mesmo
pelo menor período de tempo, a menos que sua substância humana
e natural, bem como sua organização empresarial, fosse protegida
contra os estragos desse moinho satânico (Polanyi, 2001-[1944]:
7677).
Essas forças contraditórias, o processo de desenraizamento e as consequentes tentativas
de reenraizamento constituem o núcleo da narrativa do livro The Great Transformation,
bem como a principal tese de Polanyi: o duplo movimento. Com isso, ele quer dizer que
as sociedades de mercado foram moldadas por: por um lado, pelo movimento em direção
a mercados autorreguladores; por outro lado, por um contramovimento de proteção (não
limitado a um movimento da classe trabalhadora) contra as ameaças colocadas pelo
aumento da comercialização e da comodificação que aniquila os caracteres substanciais
humanos e da natureza. Para explicar o equilíbrio mutante entre a abordagem do laissez
faire e o contramovimento protetor, Polanyi foca-se especialmente na Lei Speenhamland
de 1795, que se tornou um obstáculo ao desenvolvimento de um mercado de trabalho
nacional. "A tendência desta lei era ao contrário; ou seja, para um poderoso reforço do
sistema paternalista de organização do trabalho, tal como herdado dos Tudors e dos
Stuarts" (ibid., 82), uma vez que o trabalhador viu o seu rendimento suplementado ao
nível de subsistência pelo sistema de subsídio. Esta lei foi abolida em 1834, a fim de
permitir o movimento do fator trabalho e a criação de um mercado de trabalho
competitivo. A passagem sobre a Lei Speenhamland explica que a criação de um mercado
autorregulador precisa de uma intervenção estatal como condição prévia para a criação
da economia de mercado (assim como ocorreu com os terrenos vedados); segundo
Polanyi, "o laissez-faire foi planeado". Polanyi sugere que muitas vezes é necessário um
maior esforço do governo para garantir que os grupos que suportarão custos acrescidos
da economia autorreguladora não se envolverão em ações políticas perturbadoras. A sua
análise detalhada do período da Speenhamland e a subsequente reforma da lei dos
pobres ilustram as tensões entre o mecanismo liberal e o princípio utilitário que o
sustenta, por um lado, e os apelos à solidariedade e coesão social, por outro. No entanto,
o capítulo sobre a Lei Speenhamland mostra que as forças de enraizamento e de
desenraizamento, assim como os movimentos com o objetivo de expandir o sistema de
mercado e os contramovimentos, não se seguem uns aos outros de forma precisa, nem
devem ser estudados segundo uma visão dicotómica simplista que não consiga
compreender a sua complexidade. Este ponto está refletido na crítica de Polanyi ao
sistema de subsídios da Speenhamland, cujo "resultado foi apenas a pauperização das
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massas, que quase perderam a sua forma humana no processo" (ibid., 86), uma
armadilha para os trabalhadores que permitia que os empregadores pagassem tão pouco
quanto desejassem.
A conceitualização do enraizamento descrito até agora, tal como se encontra na obra The
Great Transformation, é uma noção gradual, uma vez que é uma variável histórica
(Gemici, 2008). Como vimos anteriormente, na análise de Polanyi as sociedades são
diferenciadas consoante o lugar que a economia ocupa na sociedade. Polanyi estudou
igualmente as interligações entre mercados, vida económica e vida social nas
comunidades do Pacífico Sul de um ponto de vista antropológico.
Outra variante do conceito de enraizamento na obra de Polanyi refere-se ao fato de todas
as economias empíricas estarem enraizadas e emaranhadas em instituições (económicas
e não-económicas). Este conceito é especialmente desenvolvido no seu artigo "The
Economy as an Instituted Process(A Economia como um Processo Instituído)
5
, onde
critica a visão neoclássica da economia e a "falácia economista", identificando a economia
com a sua forma de mercado.
Mais detalhadamente, a definição formalista da economia refere-se a uma situação de
escolha entre meios escassos em relação aos fins preferenciais, onde a regra que preside
às escolhas é a lógica das ações racionais. Esta abordagem só se pode aplicar no estudo
dos mercados de preços nas economias capitalistas modernas, uma vez que a perspetiva
homo economicus é concebida para essa forma especial de economia.
A relação entre economia formal e economia humana é (...)
contingente. Fora de um sistema de mercados de preços, a análise
económica perde a maior parte da sua relevância como método de
pesquisa” (Polanyi, 1957: 247).
A abordagem substantiva, pelo contrário, considera a economia como um processo
instituído de interação entre o homem e seu ambiente natural e social. De acordo com
Polanyi, apenas o significado substantivo da economia permite que os cientistas sociais
investiguem economias passadas e presentes.
Assim, o estudo da economia nas suas formas de integração - reciprocidade,
redistribuição e troca (mercado) - é uma análise institucional. Da mesma forma, uma
análise precisa das ações económicas tem de ter em consideração o caráter social das
ações humanas e das preferências humanas interpretadas no contexto institucional e
cultural.
Gemici (2008) argumenta que neste caso, o conceito de enraizamento é usado o como
uma variável histórica, mas como um princípio metodológico mais amplo e geral, na
tentativa de formalizar uma teoria comparada transcultural da economia. A ambiguidade
entre os dois aspetos do conceito (a dimensão histórica e a noção metodológica) tem
sido debatida pelos estudiosos e decorre da falta de uma definição explícita e das
interpretações contraditórias subsequentes. O conceito, de fato, foi desenvolvido por
estudiosos contemporâneos, ou seja, tornou-se um ponto focal da nova sociologia
5
Na publicação Trade and Market in the Early Empires (1957) resultante de um Projeto de Investigação
Interdisciplinar sobre os Aspetos Institucionais do Crescimento Económico.
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económica após o artigo seminal de Mark Granovetter (1985) "Ação Económica e
Estrutura Social - O Problema da Embeddedness". Por exemplo, aqui a noção é
reformulada com foco no papel das redes de relações sociais entre atores
6
.
Os dois aspetos dos conceitos não são contraditórios. Pelo contrário, fortalecem-se e são
um ponto de partida fundamental para entender as principais vertentes da tese de
Polanyi e os seus contributos originais e duradouros.
2.2. Uma contradição aparente.
Enquanto variável histórica, o (des)enraizamento ilustra o projeto ideológico liberal de
separar a economia da sociedade. Esta abordagem tem sido considerada potencialmente
enganosa, uma vez que assume a vida social como estando em esferas separadas ou
separáveis, esferas no sentido da perspetiva (neo)clássica. No entanto, o objetivo de
Polanyi é precisamente salientar, através da sua análise histórica, que a ideia de mercado
autorregulado desenvolvida por Adam Smith, Ricardo e seus sucessores, é uma "utopia
total" inviável na prática porque implica ameaçar entidades fictícias que não são
produzidas originalmente para serem vendidas
7
. Esta base fictícia é a causa da
erradicação das instituições sociais e dos movimentos opostos de proteção
8
. O
crescimento do liberalismo de mercado deu azo a formas de regulação e intervenção do
Estado contra os perigos dos mercados livres: por um lado, o New Deal e a social-
democracia, por outro lado, o fascismo
9
e as economias planeadas comunistas.
Marx acreditava que o capitalismo seria incapaz de promover o crescimento contínuo das
forças aplicadas no processo de produção (meios de produção e força do trabalho). O
estádio da expansão das forças produtivas alcançadas no capitalismo não permitiria um
maior desenvolvimento sem causar crises económicas cíclicas e impactos sociais,
tornando inevitável a transformação socialista. Para Polanyi, a contradição principal era
o fato de os mercados autorreguladores não serem capazes de produzir e manter a ordem
económica e social por causa das suas deficiências e respostas inevitáveis, exigindo
necessariamente a intervenção do governo (Block, 2008).
Enquanto princípio metodológico, o enraizamento pode ser responsável por sugerir que
o mercado faz parte de uma economia mais ampla, e que a economia mais ampla está
integrada numa sociedade mais ampla. Passando da análise económica neoclássica para
uma análise institucional, Polanyi afirma a importância das relações sociais, normas,
instituições religiosas e políticas. Esta perspetiva permite-lhe sublinhar as implicações
6
Granovetter (1985) tem como objetivo criticar uma abordagem de mercado puro à ação económica e criar um
equilíbrio entre a visão "subssocializada" de atores atomizados isolados uns dos outros na economia neoclássica
e a visão "sobressocializada" de atores cujo comportamento é inteiramente controlado pelas normas sociais, na
sociologia estrutural-funcional. Segundo Beckert (2007), o conceito de embeddedness nas obras dos sociólogos
económicos perdeu parte dos seus significados significantes originais. Em particular, a análise a nível macro,
bem como as inclinações sócio reformistas de Polanyi foram negligenciadas.
7
Além disso, a economia de mercado assume que todos os seres humanos se comportam de forma a maximizar
a sua utilidade pessoal.
8
Polanyi afirma que os economistas clássicos queriam criar uma sociedade na qual a economia fosse
efetivamente desenraizada, encorajando os governos a prosseguir esse objetivo. Mas também argumenta que
eles não conseguiram e não poderiam conseguiram esse objetivo.
9
Para compreendermos o fascismo alemão, devemos voltar à Inglaterra de Ricardo(Polanyi, 2001 [1944]32)
numa passagem frequentemente citada.
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sociais de um sistema económico particular que não pode ser desenraizado da sociedade,
como sugerem os modelos económicos.
Assim, o conceito de enraizamento, nas suas variantes, é o fundamento sobre o qual ele
constrói o seu argumento central: o liberalismo de mercado não poderia funcionar como
pretendido. A sua natureza essencial é um mito, uma ficção
10
. A alternativa proposta por
Polanyi não é um retorno às comunidades pré-modernas. No entanto, ele insiste na
necessidade de o sistema económico estar ao serviço das instituições humanas naturais
e não o oposto. A este respeito, é importante lembrar a interpretação de Andre Tiran
(1998) segundo a qual Polanyi procura reconciliar o holismo social de Rousseau
demonstrado no conceito de comunidade com o conceito de individualismo
desenvolvido e encorajado pela Reforma.
2.3. Mercadorias fictícias
A inviabilidade de uma economia de mercado totalmente autorregulável, regulamentada
e orientada pelos preços do mercado através da lei da oferta e da procura, está
intrinsecamente ligada à crítica de Polany relativamente às mercadorias fictícias. A
autorregulação implica que deve haver "mercados para todos os elementos das
indústrias, não apenas para bens (incluindo sempre os serviços), mas também para mão-
de-obra, terra e dinheiro" (Polanyi, 2001 [1944]: 72). Isso significa que a economia de
mercado precisa da comodificação de todos os elementos da indústria. De acordo com a
definição de Polanyi, as mercadorias (commodities) são "empiricamente definidas como
sendo objetos produzidos para venda no mercado" (ibid., 75). Por isso, salienta que a
extensão da lógica do mercado aos elementos essenciais da mão-de-obra, da terra e do
dinheiro é altamente problemática. Enquanto a mão-de-obra, a terra e o dinheiro são
essenciais para a economia de mercado, o fato é que não são mercadorias, no sentido
que não são objetos produzidos para venda no mercado.
A mão-de-obra é apenas outro nome para uma atividade humana
que acompanha a própria vida, que, por sua vez, não é produzida
para venda, mas para razões inteiramente diferentes, nem essa
atividade pode ser separada do resto da vida, armazenada ou
mobilizada; A terra é apenas outro nome para a natureza, que o
é produzida pelo homem; O dinheiro em si, por fim, é meramente
um símbolo de poder de compra que, em geral, não é produzido de
todo, mas que vem sendo criado através do mecanismo de
financiamento bancário ou estatal. Nenhum deles é produzido para
venda. A descrição mercantil da o-de-obra, da terra e do dinheiro
é inteiramente fictícia. (ibid.; 76,77)
O que se trata é que incluir essas mercadorias fictícias no mecanismo do mercado
significa "subordinar a substância da própria sociedade às leis do mercado" (ibid., 75).
10
De acordo com Kari Polanyi-Levitt "as aparentes contradições de The Great Transformation o são
contradições, mas expressões das contradições que existem no próprio sistema de mercado autorregulador.
(Maucourant e Plociniczak 2013; 519).
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Para Polanyi, isso inevitavelmente resultaria na demolição da sociedade ou, de outra
forma, na violação da substância da componente social dos seres humanos. Em
particular, Polanyi argumenta que subordinar a natureza (terra) e o homem às exigências
dos mecanismos de mercado faz parte do projeto utópico de uma economia de mercado
que não está preocupada com a forma como a natureza, e principalmente a terra "está
inextricavelmente entrelaçada nas instituições humanas" (ibid.; 187). Na sociedade de
mercado, os seres sociais tornam-se recursos e a natureza (terra) é incluída no processo
de produção. Portanto, a separação institucional do económico é o resultado de
mercadorias fictícias: comodificação da terra e da mão-de-obra.
A comodificação como processo refere-se à atribuição de valor económico a algo que não
foi previamente considerado em termos económicos, seguido da expansão do comércio
de mercado para o setor que o tinha sido comercializado anteriormente. Portanto, a
definição de mercadoria de Polanyi e, consequentemente, de comodificação centra-
se no aspeto "comercial", isto é, a inclusão do produto nos mecanismos de oferta e
procura. Enquanto as mercadorias são produzidas para venda no mercado, as
mercadorias fictícias não o são; isto é, apenas uma ficção as torna alienáveis e
intercambiáveis no mercado.
As “mercadorias fictícias" criadas no capitalismo, particularmente as suas consequências
sociais, são uma reminiscência da teoria de Marx do fetichismo da mercadoria. Centrando
a sua análise na relação entre capital e trabalho, Marx defende que as mercadorias,
quando produzidas para o mercado, tornam invisível a informação sobre as relações
sociais detrás da sua produção; O trabalho humano, enraizado no produto, aparece como
um objetivo do bem. Na produção de mercadorias, as relações entre seres humanos
assumem a forma de relações entre "coisas", uma vez que são mediadas por objetos.
No entanto, vale a pena notar que a noção de fetichismo em Marx refere-se ao valor
cambial das mercadorias não-fictícias. Nas palavras de Polanyi, "a afirmação de Marx
sobre o caráter fetichista do valor das mercadorias refere-se ao valor cambial das
mercadorias genuínas e não tem nada a ver com as mercadorias fictícias" (Polanyi, 1944:
72). Não obstante, também deve sublinhar-se que Polanyi e Marx partilham a sua
aversão ao capitalismo, que "não se deve principalmente ao fato de os trabalhadores
terem sido explorados, mas sim porque eram desumanizados, degradados,
desculturados, reduzidos a subordinados nos moinhos negros e satânicos de William
Blake" (Polanyi-Lewitt and Mendell, 1987: 28).
Ainda sobre o conceito de mercadoria e a interpretação de Polany sobre a visão de Marx,
Appadurai salienta:
“Na análise moderna da economia (fora da antropologia), o
significado do termo mercadoria reduziu-se para refletir apenas uma
parte da herança de Marx e dos primeiros economistas políticos. Ou
seja, na maioria das utilizações contemporâneas, as mercadorias
são tipos especiais de produtos manufaturados (ou serviços)
associados apenas ao modo de produção capitalista (Appadurai,
1986: 7)
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Historicamente, a comodificação (na perspetiva de Polanyi) não é um processo sem
retorno, já que houve processos de descomodificação. O exemplo mais emblemático é a
abolição da escravidão. No entanto, Polanyi argumenta que a tendência dominante tem
sido a comodificação. Como será discutido mais detalhadamente de seguida,
particularmente em relação às políticas ambientais, essa tendência tem-se intensificado
desde a década de 1980 no contexto político-económico internacional dominante,
vulgarmente conhecido por neoliberalismo.
3. Os contributos duradouros de Polanyi
mais de 70 anos, Polanyi escreveu: "Permitir que o mecanismo do mercado seja o
único diretor do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural...resultaria na
demolição da sociedade" (Polanyi [1944] 2001: 73). No entanto, Polanyi estava otimista
na sua convicção de que tal destruição não poderia acontecer após a Segunda Guerra
Mundial, pois "Dentro das nações estamos a assistir a um desenvolvimento segundo o
qual o sistema económico deixa de estabelecer a lei para a sociedade e o primado da
sociedade sobre esse sistema está protegido". (Polanyi [1944] 2001: 511).
É importante sublinhar que, como argumentou Stiglitz no seu prefácio à edição de 2001
do livro The Great Transformation, atualmente é largamente reconhecido que os
mercados livres deixados a si próprios não conduzem a resultados eficientes e
equitativos. A necessidade de intervenção do governo é reconhecida devido às limitações
dos mercados (por exemplo, mercados imperfeitos, fatores externos, informação
imperfeita, etc.). Também é mais evidente que a reciprocidade é uma norma
fundamental de ação nas sociedades modernas (Block, 2008). Além disso, o paradoxo
liberal de Amartya Sen (1970) mostrou a contradição inerente na afirmação liberal
clássica que os mercados são eficientes, neste caso em termos de ótimo de Pareto e que
respeita as liberdades individuais. No entanto, enquanto a ciência económica está ciente
das limitações do mercado livre, as políticas públicas não parecem ter reconhecido as
preocupações de Polanyi, como demonstrado pela doutrina de Reagan e Thatcher, o
consenso de Washington e, mais amplamente, pelo processo de globalização que se tem
desenvolvido contra o pano de fundo do discurso neoliberal.
Portanto, apesar do otimismo equivocado de Polanyi, os seus argumentos ainda são
relevantes. O "duplo movimento" é uma ferramenta valiosa para a compreensão da atual
mudança sociopolítica.
Segundo Block (2008: 5)
O duplo movimento é sobre a política normal das sociedades de
mercado com governança democrática, onde os adeptos do laissez-
faire e do contramovimento protetor podem fazer valer os seus
argumentos na arena política”.
Por outras palavras, trata-se da tensão entre os princípios do liberalismo económico e os
seus opositores.
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A relevância contemporânea dos conhecimentos de Polanyi está a ser revista e explorada
relativamente à interpretação do capitalismo financiado e às questões de justiça social
11
.
Além disso, os perigos colocados pela comodificação da natureza regressaram ao debate.
A comodificação da terra e os efeitos da comercialização da natureza tornaram-se
algumas das questões principais discutidas em trabalhos recentes de ecologia política.
Castree (2010), por exemplo, apoiando-se no pensamento de Marx e de Polanyi,
identifica sete características do processo atual de neoliberalização da natureza:
privatização, comercialização, reversão do estado, re-regulação favorável ao mercado,
uso de proxies de mercado, promoção de ‘mecanismos de acompanhamento’ na
sociedade civil e criação de comunidades "autossuficientes". O autor salienta o papel
fundamental do Estado na aplicação dos direitos de propriedade para que os mercados
funcionem, reforçando a afirmação de Polanyi de que o sistema de mercado não poderia
existir sem a ação do governo.
4. Interpretação da neoliberalização e da comodificação da natureza
A exploração insustentável dos recursos naturais, a destruição do habitat e a perda de
biodiversidade, muitas vezes causadas pelo princípio do ganho imediato e do lucro, têm
sido abordadas sobretudo com dois tipos diferentes de instrumentos políticos, tanto a
nível nacional como internacional: instrumentos de comando e controlo e ferramentas
económicas. As abordagens regulatórias que utilizam a legislação de comando e controlo
(regulando, por exemplo, a poluição industrial) podem ser vistas como um
contramovimento que recorre a valores não económicos para interferir com os
mecanismos de mercado contra seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. No
portfólio de políticas ambientais e de conservação da natureza, notamos o aparecimento
rápido de instrumentos baseados no mercado (o segundo tipo de instrumentos acima
referidos). Estes últimos incluem certificações florestais, o pagamento de serviços
ecossistémicos e os mercados de carbono.
Provavelmente, a tendência mais importante na ciência da
conservação atualmente é os "serviços ecossistémicos", geralmente
vistos como benefícios económicos prestados pelos ecossistemas
naturais. Eles constituem a base da maioria dos mecanismos
orientados para o mercado utilizados na conservação. O pressuposto
subjacente é que se os cientistas puderem identificar serviços
ecossistémicos, quantificar o seu valor económico e, em última
instância, manter a conservação em sincronia com as ideologias de
mercado, então os decisores reconhecerão a loucura da destruição
ambiental no trabalho para salvaguardar a natureza (McCauley,
2006; 26)
As ferramentas baseadas no mercado para a conservação e o uso sustentável dos
recursos são mais flexíveis do que as abordagens regulatórias diretas e são consideradas
11
Para mais informação, vejam-se os contributos académicos para a 13ª conferência internacional Karl Polanyi
"O legado duradouro de Karl Polanyi", realizada na Universidade Concordia, (Canadá), de 6 a 8 de novembro
de 2014.
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mais eficientes e eficazes, pois baseiam-se em forças de mercado autorreguladoras que
determinam, através de sinais de preços, a alocação eficiente. Relativamente a este
ponto, é importante chamar a atenção para o fato de que os principais fundamentos
teóricos dessa abordagem emanam da economia ambiental neoclássica, que considera a
inexistência de um preço de mercado para os serviços prestados pelos ecossistemas
naturais e as falhas do mercado em geral, a causa da degradação ambiental. Deste ponto
de vista, a solução proposta para evitar a degradação dos ecossistemas é, portanto, a
avaliação monetária dos serviços prestados (por exemplo, regulação de água e das
inundações de uma floresta)
12
. No entanto, aludindo à noção de mercadorias fictícias de
Polanyi (1957: 72) - algo que foi produzido de forma fictícia (ou colocado) para venda
num mercado - devemos fazer uma distinção. Ocorre uma comodificação proxy quando
a uma entidade natural (por exemplo, ar limpo) é atribuído um preço que sirva de sinal
aos decisores políticos, um valor que pode ser levado em consideração numa análise
custo-benefício. Além disso, há o caso da criação real de um mercado quando o preço da
coisa natural é fixado de forma a ser comprada e vendida, produzindo assim uma
comodificação completa (fictícia) (por exemplo, licenças de poluição criadas pelo
Protocolo de Quioto no concurso do regime internacional de comércio de licenças de
emissão - ETS). Da mesma forma, Gomez-Baggethun e Perez (2011) esclarecem
detalhadamente as diferenças entre os conceitos de avaliação, privatização e
comodificação (analisando sobretudo a avaliação económica e a comodificação dos
serviços ecossistémicos). Em termos teóricos, são conceitos distintos e bem
diferenciados. No entanto, podem tornar-se enredados no processo de comodificação, já
que a linha de demarcação que separa as diferentes fases pode esbater-se. Em primeiro
lugar, o enquadramento económico do meio ambiente refere-se sobretudo à
conceitualização das funções do ecossistema como serviços definidos como atos com a
capacidade de satisfazer as necessidades humanas. A conceitualização dos serviços de
ecossistemas tinha, de fato, o objetivo de criar um quadro para definir e analisar a relação
entre sistemas naturais e sistemas humanos e aumentar a conscientização sobre o
contributo da natureza biótica para o bem-estar humano. Por exemplo, a purificação de
água por meio de ecossistemas (por exemplo, florestas ou zonas húmidas), categorizada
como sistema regulador, fornece água limpa sem ter que usar estações de tratamento
de água. Em segundo lugar, a avaliação monetária é o primeiro passo do processo de
comodificação; é necessário atribuir um valor económico para a venda ou a troca do
potencial produto, mas por si próprio não é suficiente. Na verdade, de acordo com a
definição de mercadoria proposta pela Polanyi, sendo um produto produzido para venda
no mercado, a comodificação requer a criação de um mercado para a sua venda ou troca.
A criação de uma estrutura institucional é necessária, começando pela definição de
direitos de propriedade (por exemplo, através da privatização), o que torna os bens e os
serviços alienáveis. Quando o processo de comodificação é concluído, a avaliação
monetária pode ser realizada mediante fluxos de caixa.
As opiniões antagónicas no debate sobre a crescente dependência na avaliação
económica dos serviços ecossistémicos e, de forma mais alargada, sobre a expansão da
avaliação do mercado para esferas que não foram afetadas pelo comércio, vão desde o
apoio à avaliação como uma ferramenta pragmática até à rejeição de justificações
12
Por exemplo, o principal objetivo da iniciativa global denominada "Economia dos Ecossistemas e da
Biodiversidade" (TEEB) é chamar a atenção dos decisores políticos para os benefícios económicos da
biodiversidade e para o custo crescente da perda de biodiversidade para que também possam ser "capturados"
pelos mecanismos de mercado.
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utilitárias para efeitos de preservação
13
. De acordo com o primeiro ponto de vista, a
avaliação monetária é considerada crucial para comunicar o valor da biodiversidade e
permitir uma análise custo-benefício. Isso permite a gestão e alocação efetiva e eficiente
de recursos naturais e serviços ecossistémicos para um desenvolvimento sustentável.
Por sua vez, as preocupações com a avaliação monetária estão especialmente ligadas à
sua potencialidade de atuar como motor da comodificação. A atribuição de um preço à
natureza pode tornar-se um primeiro passo para a introdução da lógica do lucro em
esferas específicas da relação homem-natureza que apenas são comercializáveis de
forma fictícia. Em críticas recentes à comodificação, os estudiosos também recorreram à
análise de Marx sobre a comodificação e ao seu conceito de fetichismo da mercadoria,
que vê as relações sociais envolvidas na produção o como relações entre as pessoas,
mas como relações económicas e sociais entre o dinheiro (o mediador universal) e as
mercadorias comercializadas no mercado. Como a comodificação torna o trabalho
humano invisível, também obscurece a relevância da complexidade ecológica e das
interações biológicas
14
que contribuem para a função dos ecossistemas. A tentativa de
traduzir essas complexas relações ecológicas em unidades comercializáveis encontra
obstáculos ao vel operacional, uma vez que é difícil desembaraçar componentes e
funções sobrepostos, e depois atribuir um preço para vender os serviços no mercado. É
importante notar que a dupla contagem é uma questão frequente e bem reconhecida na
cálculo do valor dos serviços ecossistémicos. Além disso, muitas espécies e
peculiaridades dos processos ecossistémicos ainda são desconhecidas. Como Gomez-
Baggethun e Perez (2011) salientam, outra questão importante relacionada com o
processo de comodificação da natureza está ligada às razões éticas que se opõem à
atribuição de um valor monetário a vários aspetos do meio ambiente devido à
incomensurabilidade do seu valor intrínseco, cultural e social, que depende de
configurações institucionais e culturais. Finalmente, a comodificação através da
aniquilação das múltiplas línguas de valorização da natureza pode ter implicações
preocupantes na forma como nos relacionamos e percebemos a natureza. A tradução do
valor da natureza para a linguagem da economia torna possível aplicar o princípio do
poluidor-pagador e, da mesma forma, permite que os decisores políticos façam as suas
escolhas com base numa análise custo-benefício.
Destacam-se duas críticas principais que foram bem expostas por McCauley. Em primeiro
lugar, tornar a avaliação monetária o fundamento das estratégias de conservação da
natureza e de um caminho para a sustentabilidade "implica - intencionalmente ou de
outra forma - que a natureza vale a pena conservar quando é, ou pode tornar-se,
rentável" (McCauley, 2006; 27). Em segundo lugar, "a conservação da natureza deve ser
enquadrada como uma questão moral e apresentada como tal aos decisores políticos,
que estão acostumados a tomar decisões tanto com base na moral como nas finanças"
(ibidem, 28).
A financeirização de novas áreas associadas à conservação ambiental e sustentabilidade
faz do "crescimento verde" a nova fronteira da expansão do mercado
15
. Além disso, de
13
Para informação detalhada sobre este debate, veja-se Gomez-Baggethun e Perez (2011). A análise destes
autores centra-se na configuração institucional e socioeconómica em que a política ambiental e a governança
atualmente se inserem.
14
Entrelaçado na dimensão espacial e temporal.
15
Também é importante notar que o paradigma dominante do capitalismo orientado para o crescimento que
molda os argumentos dos que propõem o modelo "economia verde" ou "crescimento verde" está a ser posto em
causa pelos que apoiam um paradigma de "decrescimento". Nicholas Georgescu-Roegen cunhou o termo
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acordo com Sullivan (2013), as organizações de conservação e as ONGs ambientais
internacionais estão envolvidas com setores de negócios e finanças, numa intensificação
da financeirização de discursos relacionados com a conservação da natureza.
Notavelmente, o paradoxo é que também os movimentos ambientais que emergem como
reações aos princípios do neoliberalismo de mercado para conter os efeitos da
comodificação, podem conduzir, de forma não intencional, à ampliação da
comercialização. "Na medida em que a solução para as mudanças climáticas é a criação
de um mercado de carbono (...), o resultado é a extensão do mercado sem diminuição
óbvia do aquecimento global." (Burawoy, 2015: 24).
Para concluir, Jessop (2007) argumenta que no capitalismo contemporâneo devemos
adicionar às três mercadorias fictícias analisadas por Polany - terra (ou natureza), mão-
de-obra e dinheiro - um quarto fator de produção que tem sido comodificado: o
conhecimento. A análise desta mercadoria fictícia também é de importância fundamental
para aprofundar a nossa compreensão do processo da comodificação da natureza em
curso. Não podemos esquecer que as culturas produzidas geneticamente são produto de
novos modos de transformação da natureza numa economia assente no conhecimento.
5. Observações finais
Conforme ilustrado acima, os conceitos de (des)enraizamento, mercadorias fictícias e
duplo movimento, juntamente com outros conhecimentos teóricos do trabalho de
Polanyi, fornecem um quadro conceitual útil para analisar e interpretar a neoliberalização
e comodificação da natureza, bem como os seus efeitos sociais. Essas questões
regressaram ao debate, particularmente devido ao rápido aparecimento de instrumentos
baseados no mercado destinados a combater a poluição, a perda de biodiversidade e o
uso insustentável dos recursos naturais. Como Sandberg e Wekerle (2010; 42) salientam
"nesta narrativa de conservação neoliberal, a natureza é cada vez mais construída como
uma mercadoria ou propriedade imobiliária que é fechada ou vedada de forma a ser
devidamente conservada." o necessários estudos de casos específicos e uma
abordagem histórica a fim de determinar a manifestação local e as contingências dos
processos de neoliberalização, comodificação e comercialização da natureza.
Não obstante, Fraser adverte que a estrutura de Polanyi deve ser revista para permitir
uma "análise estrutural integrada (...) que critique e seja sensível à dominação." (2012:
5). Na verdade, a autora recorda que "as construções sociais da mão-de-obra, da terra
e do dinheiro tipicamente codificaram formas de dominação, muitas das quais muito
anteriores à comodificação das mesmas, como o atestam o feudalismo, a escravidão e o
patriarcado" (Fraser 2012: 7). Assim, a comercialização e a aplicação de direitos de
propriedade também devem ser investigadas como potenciais oportunidades de
emancipação. Por outro lado, prestando especial atenção à privatização e à
comercialização a favor da conservação da natureza, vários estudiosos lamentam as suas
consequências sociais e ambientais: o benefício e o risco são compartilhados de forma
desigual, novos tipos de capital social e económico são gerados e "capturados" pelas
"decroissance" em 1979 e a última década testemunhou a consolidação do "decrescimento" como movimento
político, económico e social e corrente intelectual na literatura. O decrescimento pode, em geral, ser definido
como um processo coletivo e planeado que visa a redução equitativa da capacidade geral de produção e
consumo e do papel dos mercados como princípio organizador central das vidas humanas
(Schneider et al., 2010).
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elites e, como resultado, os processos de gentrificação rural podem surgir ou ser
reforçados (Sandberg and Wekerle, 2010). A questão que surge dessas opiniões
contraditórias é se a aplicação de princípios sociais, preocupações distribuídas e alocação
ética de recursos ao longo do desenvolvimento e implementação de abordagens de
ecologia política e de configurações específicas de governança, poderiam reenraizar a
natureza e a economia na sociedade, criando assim uma alternativa dentro da tendência
política global do neoliberalismo.
Paralelamente, uma perspetiva mais profunda deveria concentrar-se nos impactos da
comodificação fictícia, nas relações sociais e na complexa relação entre homem e
natureza. Deve prestar-se especial atenção ao fato de que o discurso dominante de
avaliação e a lógica de mercado impostas a diferentes aspetos da vida social tendem a
subordinar os valores morais e éticos aos valores do mercado e do câmbio monetário.
Vale a pena salientar que as preocupações antropocêntricas e os valores materialistas
foram associados negativamente a atitudes e comportamentos pró-ambientais por um
crescente número de evidências e estudos empíricos (Hurts et al., 2013). Assim, a
avaliação monetária e o processo contínuo de comodificação da natureza destinado a
resolver questões ambientais urgentes através de estratégias de conservação inovadoras
baseadas no mercado (por exemplo, banco de recursos húmidos) podem ser
potencialmente contraproducentes. "Em contraste acentuado com a narrativa neoliberal,
no entanto, esse processo de ajustar a natureza à lógica do mercado neoliberal tende a
acelerar em vez de diminuir a degradação dos recursos naturais." (Vogelpohl, 2014;
237). Esta implicação recorda-nos a reflexão de Polanyi sobre a necessidade do sistema
económico estar ao serviço das instituições humanas (e não o contrário). Também nos
remete para o argumento central de The Great Transformation, construído sobre o
conceito de (des)enraizamento, ou seja, o liberalismo de mercado funciona como se
espera por causa da sua base fictícia. A ficção e a contradição inerentes à lógica da
"neoliberalização da natureza" consiste em resolver falhas e ineficiências do mercado
com a expansão de mecanismos de mercado e regulamentos favoráveis ao mercado.
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