OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018)
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Vol. 9, nº 1 (Maio-Outubro 2018)
Artigos
Desafios epistemológicos da globalização para p pensamento vestefaliano dentro da
comunidade internacional - Boryana Aleksandrova – 1-15
Produção ideológica na era do capitalismo mediático global - Luísa Godinho16-39
A importância do contributo de Polanyi: uma interpretação da neoliberalização e da
comodificação da natureza - Giulia Iannuzzi40-55
Populismo Conceptualização do Fenómeno - Maria Sousa Galito56-73
Dos direitos humanos em especial, os crimes contra a humanidade - Daniela
Martins74-91
Compreender a liderança de Erdogan na equação política da "Nova Turquia" -
Raquel dos Santos Fernandes, Isabel Estrada Carvalhais 92-107
A evolução da política externa da Federação da Rússia. O Médio Oriente: as relações
com a Turquia e com o Irão - Henrique Alves Garcia108-126
Experiência estrangeira em garantir a segurança do Sistema prisional e
possibilidade da sua utilização na prática nacional - Andrey Vasilievich Shcherbakov,
Inna Borisovna Uskacheva, Maxim Nikolaevich Bogdanov, Olga Evgenievna
Mikhailova, Sergey Alexeevich Shatov127-140
Determinantes quantitativos da violência da guerrilha FARC-EP na Colômbia -
Jerónimo Ríos, Camilo Vargas, Paula Bula, Amalia Novoa Hoyos141-158
Brasil: Escaleras y Serpientes - Clarisa Giaccaglia 159-176
Notas
Diáspora chinesa: presente e futuro em Portugal - Luís Pestana- 177-182
A construção da democracia em Cabo Verde: do condicionalismo colonial português
ao reconhecimento internacional - João Paulo Madeira, Bruno Carriço Reis183-
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DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS DA GLOBALIZAÇÃO PARA O PENSAMENTO
VESTEFALIANO DENTRO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL
Boryana Aleksandrova
borjana_alexandrova@hotmail.com
Doutorada pela Universidade de Munique, 2008; Professora Assistente Sénior em Relações
Internacionais na Universidade de Sófia “St. Kliment Ohridski” (Bulgária); atualmente, os seus
interesses de investigação incluem: transformações históricas das estruturas estatais e
internacionais, globalização, transnacionalização, teorias das relações internacionais, conflitos
internacionais. Atividade académica: leciona o curso universitário Globalização e Relações
Internacionais; dá seminários sobre Teoria das Relações Internacionais, Teoria da Política
Externa, Teoria das Negociações Internacionais e um seminário introdutório sobre Relações
Internacionais para estudantes de direito
Resumo
Da perspetiva crítica do conceito de “emancipação humana”, a globalização representa um
desafio histórico importante para o realismo, liberalismo e marxismo. No entanto, não
devem ser ignorados em nenhum debate teórico sobre globalização nas RI. Sem
negligenciar as nuances de cada uma das três escolas de pensamento, podemos dizer que
tendem a ver o mundo globalizado através das lentes da ordem Vestefaliana. Pelo contrário,
estamos a assistir à (re)emergência de uma heterogeneidade espacial, funcional, e de poder
que se situa além, entre, e dentro dos estados-nação da atualidade.
Podemos, em particular, atribuir as lacunas epistemológicas das três subdivisões das RI em
termos de globalização no seu tratamento de cinco questões principais: território, atores,
inter-relação entre esfera pública e privada, previsibilidade e interdisciplinaridade. Nesse
sentido, o debate crítico sobre a globalização não pode e não deve ser restrito a questões
conceitualizadas explicitamente sob a bandeira da “democracia nacional”, “segurança
nacional” ou “bem-estar nacional”, mas deve urgentemente comprometer-se com as
diferentes manifestações espaciais, assim como com instrumentos estatais e não estatais,
públicos e privados, para encorajar a proliferação da interconectividade transnacional e da
“imprevisibilidade”. É nessa base que as eventuais sinergias úteis entre as três teorias
convencionais, e entre elas e as correntes refletiva e construtivista dos anos 80 e 90, devem
ser procuradas.
Palavras-chave
Emancipação, globalização, heterogeneidade, RI, Vestefaliano, realismo, liberalismo,
marxismo
Como citar este artigo
Aleksandrova, Boryana (2018). "Desafios epistemológicos da globalização para p
pensamento vestefaliano dentro da comunidade internacional". JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 9, Nº. 1, Maio-Outubro 2018. Consultado [online] data da
última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.1.1
Artigo recebido em 18 de Agosto de 2017 e aceite para publicação em 11 de Janeiro de
2018
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Desafios epistemológicos da globalização para o pensamento vestefaliano
dentro da comunidade internacional
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DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS DA GLOBALIZAÇÃO PARA O PENSAMENTO
VESTEFALIANO DENTRO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL
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Boryana Aleksandrova
Introdução
Nos últimos 35 anos, a globalização tem ocupado um lugar sólido nas Relações
Internacionais (por exemplo, Bigo, 2006; Buzan & Hansen, 2010; Cohen e Rai, 2000;
Czempiel, 2002; Etzioni, 2002; Hardt e Negri, 2000; Held et al., 1999, Held e McGrew,
2008; Scholte, 2001; Shaw, 2000; Varwick, 2000). Neste contexto, representa um
sério desafio histórico para o realismo, o liberalismo e o marxismo. Simultaneamente,
essas três escolas convencionais de pensamento têm potencial para estimular a
autorreflexão sobre a nossa compreensão das ordens globais através das suas antigas
sistematizações teóricas dos assuntos internacionais.
!!
Sem negligenciar as nuances de cada um deles, na maior parte dos casos tendem a ver
o mundo através das lentes do paradigma Vestefaliano, evitando “uma imagem mais
abrangente dos contornos mutáveis do mundo internacional e/ou global” (Roach cit. em
Roach, 2008: xvii). Seja através da visão “dura e 'científica' da política do poder”
(Friedman, Oskanian e Pardo, 2013: 1) do realismo, da análise da solução pacífica de
conflitos entre capitais no reino do liberalismo (Dunne, 2001: 164), ou da perceção de
uma “totalidade dentro da qual os estados que formam o centro dominam a periferia”
(Bidet, 2007: 16) do marxismo, o sistema internacional surge predominantemente
como uma multiplicidade de Estados-nação compactos responsáveis por um único
território. Assim, a dicotomia histórica entre o nacional e o internacional tem sido
reafirmada nas RI há já muitos anos.
Pelo contrário, nas últimas quatro décadas temos assistido à (re)emergência de uma
heterogeneidade espacial, funcional, e de poder além, entre e dentro dos Estados-
nação (Acuto & Curtis, 2014; Castells, 2004; Eisenstadt, 2012; Rosenau, 2003, Sassen,
2006). Os seus ambientes externos e internos têm-se transformado no processo da
intensificação dos fluxos migratórios, das alterações climáticas, da convergência ou
divergência política alicerçada na transnacionalidade, da emergência da opinião pública
global, e da crescente perceção de insegurança entre as populações mais alargadas,
etc.
! Uma sociedade global (Shaw, 2000) que tem estado em formação entre e dentro
dos espaços dos estados devido a um complexo entrelaçamento de várias forças
sociais. Os impedimentos e possibilidade de realização igualitária e satisfatória,
individual e comunitária, hoje em dia permanecem pouco investigados ou subavaliados
pelas três teorias de RI.
Neste contexto, este artigo propõe uma avaliação crítica do discurso do Estado-nação
nas RI. A autora crê que não podemos delinear a globalização em toda a sua
complexidade e assimetria sem abordar este discurso particular. O conceito de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2013, e tem como
objetivo a publicação na Janus.net. Texto traduzido por Carolina Peralta.
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“emancipação humana” serve como linha de base normativa para este
empreendimento.
! Segundo Ken Booth, significa “a libertação de pessoas (indivíduos e
grupos) dos constrangimentos físicos e humanos que os impedem de realizar o que
livremente escolheriam fazer” (Booth cit. em Buzan e Hansen, 2010: 206). À luz da
globalização, pretende-se envolver três coisas. Primeiro, a autorrealização individual
está profundamente relacionada com a coabitação global pacífica e sustentável
(Albrow, 2007; Friedman, 2006).
! Segundo, a emancipação humana pressupõe
comunidades (políticas) que evoluíram historicamente e que inovaram, reinventaram
ou até substituíram os estados (Booth e McSweeney cit. em Buzan e Hansen, 2010:
206-207). Terceiro, a coexistência de comunidades humanas deve estar enraizada em
condições institucionais e estruturais iguais e satisfatórias no mundo (Booth, 1995;
Linklater, 1999). Assim, como é que as ordens globais se encaixam na tradição
Vestefaliana dos três ramos teóricos das RI em relação à emancipação humana?
Este artigo é, em primeiro lugar, um exercício teórico e faz uma abordagem indutiva ao
tópico, começando por descrever as aparências da globalização - ao contrário das
dedutivas realizadas, que projetam quadros teóricos existentes sobre realidades
globalizantes. As insuficiências gerais, bem como os contributos do realismo, do
liberalismo e do marxismo em relação ao mundo global, são explicados aqui
juntamente com cinco pontos epistemológicos concretos de crítica. A tese que agora se
apresenta é que a heterogeneidade social e espacial da vida globalizante nos leva
necessariamente para além dos pressupostos Vestefalianos nas RI, sem tor-los
redundantes. O trabalho inclui elementos de sociologia (Albrow, 2007; Bauman, 1998;
Beck, 2013; Castells, 2004; Sassen, 2006; 2011) e de geografia humana (Agnew,
2015; Bialasiewicz, 2011; Strandsbjerg, 2013) em termos de compreensão da
globalização.
O texto tem três partes. No início, apresenta-se uma definição e um breve resumo das
principais características da globalização com base na literatura académica e em
observações próprias. Depois, as características fundamentais Vestefalianas de cada
uma das três subdivisões das RI são sumarizadas à luz da globalização. Na terceira
parte, sintetizam-se os cinco desafios epistemológicos específicos às três escolas das RI
como forma de substanciar discussões futuras sobre o assunto e encorajar novas
investigações empíricas.
Globalização e as suas características
De acordo com Ulrich Menzel (2001: 226) e Jan Aart Scholte (2001: 14-15), a
globalização equivale a uma agregação de processos multifacetados de
aprofundamento, intensificação e ampliação espacial de interconexões transfronteiriças
em diferentes esferas da existência humana (política, económica, cultural, ecológica,
assuntos militares, etc.) que transformam a função e o significado das fronteiras e
domínios do Estado-nação (Aleksandrova 2016: 47). Nesta interpretação, a
globalização não significa que todas as pessoas no mundo tenham as mesmas
experiências simultaneamente (Scholte, 2001: 17). Significa que atualmente muitos
eventos ou influências têm lugar de forma desvinculada, ainda que não
independentemente de distâncias político-territoriais. Desta forma, as relações
internacionais fazem o seu caminho ao encontro de todos os outros grupos de relações
muito mais intensamente do que antes e vice-versa (Stefanov, 2004: 228).
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É assim que a situação atual nos permite (re)descobrir de forma prática e conceitual a
globalidade inerente (Albrow, 2007: 12-13) da vida local, regional e internacional.
Segundo Jeremy Waldron:
“… organizar a análise em torno dos fenómenos nacionais é dar
voz ao mesmo velho mito - que a posição padrão tem sido
sociedades independentes seguindo o seu próprio caminho nos
seus respetivos territórios ... historicamente a posição padrão tem
sido mais ou menos exatamente o contrário: interação intensa, e a
existência de tradições, culturas e instituições de interação, entre
todas as sociedades sempre que a interação é uma possibilidade.
Sociedades que podem interagir, fazem-no (cit. em Rosenau,
2003: 84-85)’”.
Colocado nesta perspetiva analítica, os espaços e estruturas dos estados estão hoje a
(re)confirmar o seu lugar no clima global, no investimento, na tributação, na migração,
na informação, e nos fluxos culturais e políticos - para usar a fraseologia de Manuel
Castells (2004). No entanto, os efeitos produzidos para o pensamento Vestefaliano
dentro das RI do ponto de vista da emancipação humana não podem ser estipulados
unilateralmente. É por isso que uma visão geral das principais características da
globalização é necessária.
!!
Estas características podem ser incluídas em quatro áreas principais -
interconectividade, desterritorialização, desnível e ambiguidade. A interconectividade e
a desterritorialização indicam duas grandes tendências. Por um lado, os laços entre as
várias sociedades têm-se tornado mais densos, de modo que “toda a política é agora
glocal” (Lamy, 2001: 193). Consequentemente, o mundo social mais amplo, incluindo o
individual, tornou-se intrinsecamente interconectado com o mundo dos estados.
Citando James N. Rosenau:
“À medida que a densidade do cenário global aumentou..., as
estruturas da política mundial passaram por uma profunda e
pronunciada bifurcação, na qual um macro-mundo multicêntrico
composto por uma ampla variedade de atores não-
governamentais, transnacionais e subnacionais ... evoluiu para
cooperar, competir ou interagir de alguma forma com um mundo
centrado no Estado que consiste em coletividades cada vez mais
ativas em cenários locais (2003: 62)”.
Na economia, esse tipo de convergência estatal e não estatal desempenha um papel no
processo de conceção ou de oposição a regimes transnacionais para efeitos de
operações comerciais, de investimento e financeiras. Na ecologia, surge como reações
políticas mistas à disseminação de riscos ambientais e à ocorrência de conhecimento
ecológico global. Nos meios sociais, materializa-se através da disseminação
transcontinental de informações e reivindicações sociais. No campo da cultura,
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perceções de identidades híbridas e/ou cosmopolitismo estão a aparecer, na política,
através de elementos de governança global. Correspondentemente, as sociedades
nacionais experimentam a circulação das elites globais de mobilidade (Bauman, 1998:
19), bem como os migrantes mal pagos e os refugiados do conflito e do clima.
Por outro lado, observa-se a dispersão de uma pluralidade de problemas numa escala
transfronteiriça. Dietrich Thränhardt (2000: 131-132) e Ulrich Beck (2013: 56; 77;
310) atribuem essa tendência, em grande parte, ao caráter do desenvolvimento
industrial moderno, a relações políticas e económicas internacionais estabelecidas e a
padrões de consumo global.
! Exemplos disso incluem os corolários decorrentes do
armazenamento de armas nucleares, acidentes químicos e biotecnológicos, alterações
climáticas, a violação da biodiversidade, o acesso desproporcional das populações
mundiais a algumas conquistas industriais, as cadeias globais de valor, o consumo
insustentável de energia e o manejo de armas nucleares, resíduos e recursos (água,
terras agrícolas, recursos de fabricação) e a poluição de transporte. Uma parte
significativa dessas complicações não pode ser reduzida a uma área particular, e nem
estas podem ser reabilitadas numa base particularista.
!!
O desnível, por sua vez, significa que o impacto da globalização não pode ser
determinado unidimensionalmente para todas as regiões, bem como para os estratos e
grupos sociais, ou mesmo indivíduos isolados, no nosso planeta (Bauman, 1998: 103-
127; Sassen, 2011: 340-439; Steans, 2008). Respetivamente, o desnível também tem
múltiplas expressões. Assim, políticas de tributação opostas (paraísos fiscais) e a
corporatização do comércio internacional estão a produzir discrepâncias no
desenvolvimento económico global.
! As relações laborais no mundo, por sua vez,
caracterizam-se pela crescente procura de profissionais altamente qualificados,
especializados e bem remunerados no contexto da reestruturação transnacional da
produção, comércio e bancos (gestores de empresas, especialistas em informática,
consultores jurídicos e financeiros, especialistas em seguros e marketing, cientistas nas
mesmas áreas de investigação, etc.) e por uma situação precária no setor informal e de
serviços pessoais (Taran & Geronimi, 2013). Outras esferas da vida glocal enfrentam
disparidades semelhantes devido à corporatização da comunicação social, da
transnacionalização das indústrias de fronteiras e de segurança, da ativação das
ambições de poder das estruturas terroristas trans-espaciais, da manutenção de redes
de educação e informação de elite, etc.
Contra o pano de fundo das três características da globalização descritas, a
ambiguidade das mesmas destaca-se ainda mais. Nesse sentido, a globalização
significa coordenação intergovernamental seletiva em questões globais, mas também
uma maior cooperação não-governamental transfronteiriça, certos laços económicos e
tecnológicos, mas igualmente desestabilizações e divergências sociais emergentes,
intercâmbio ou universalização cultural específica, mas também reforço de identidades
nacionalistas e subnacionalistas essencialistas, conectividade ecológica, mas
tratamento unilateral de recursos naturais por parte de atores estatais e não estatais,
livre circulação de capital e de serviços, mas militarização de fronteiras e limiares
étnico-culturais e financeiros para a concessão de cidadania. Numa altura em que o
Myspace regista mais de 110 milhões de utilizadores ativos por mês e o Facebook 60
milhões em 2008 (Siwal, 2008), somos confrontados com a falta de uma
comunicação política oficial eficaz para superar a fragmentação e a marginalização
globais.
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Retomando o tópico do presente artigo, onde se situam as três teorias convencionais
das RI nisto tudo a partir da perspetiva crítica da emancipação humana? Por outras
palavras, como deve ser avaliada a sua orientação Vestefaliana relativamente aos
múltiplos limites, estatais e não estatais, materiais e virtuais de inclusão e exclusão
traçados no curso da globalização?
Contornos Vestefalianos do realismo, do liberalismo e do marxismo à
luz da globalização
Antes de entrar na sua incompletude geral e relevância em termos de globalização,
esboça-se agora os pré-requisitos básicos do realismo, liberalismo e do marxismo
Vestefalianos. A teoria do realismo (Dunne & Schmidt, 2001; Grieco, 1997; Kissinger,
1994; Morgenthau, 1993) considera o Estado como o ator principal e o pretendente ao
poder legítimo no cenário global. Os Estados são descritos como entidades sociais
homogéneas que controlam um território físico impermeável através de meios incisivos
que, por sua vez, se articula como base das divisões geopolíticas do mundo. As
relações internacionais encontram-se muito reduzidas a uma luta regular pela
sobrevivência, poder e acesso a recursos em nome dos, e entre os estados unitários
(Caverley, 2013: 147-149).
O liberalismo apoia a ideia de uma interação coordenada de estados no mapa
geopolítico global (Cerny, 2013; Dunne, 2001; Mingst, 1999: 90-92). Atribui-se
especial importância ao fomento de mecanismos legais e institucionais internacionais
para uma cooperação pacífica interestatal, intercâmbio económico e dissuasão do uso
da força (Axelrod & Keohane, 1993; Burley, 1993; Ikenberry, 2013). Embora as
subdivisões simples do liberalismo, por exemplo, o institucionalismo (neo)liberal
(Moravcsik, 1991; Lamy, 2001) prestem atenção a fatores adicionais no cenário
mundial, como as empresas transnacionais, ONGs, elites políticas, partidos políticos,
sindicatos, grupos de pressão, ideologias, etc., ainda consideram “as relações que são
mantidas com a ajuda ou com respeito pela autoridade pública(Stefanov, 2006: 14)
determinantes-chave para a comunicação internacional.
O marxismo interpreta a estrutura da política global como uma estratificação entre
estados capitalistas altamente industrializados e obrigados à dependência e países
pouco industrializados - como um reflexo das formações socioeconómicas em ambos
(Bidet, 2007; Mingst, 1999: 102-104; Hobden & Jones, 2001). Assim, a ordem
geopolítica internacional dominante está subordinada à fragmentação da geografia
planetária em estados soberanos territorialmente demarcados que competem no
mercado mundial (Teschke, 1999: 29; Jessop, 1982).
“A forma do estado pode ter mudado, e pode ter sido sujeita a um
‘esvaziamento tendencial’, que muitas de suas funções e
responsabilidades anteriores foram deslocadas para cima, para
baixo e para fora, mas o seu caráter distintamente nacional
permanece (Hay, 1999: 172).”
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Do ponto de vista crítico da emancipação humana, a globalização levanta sérias
questões comuns para a orientação Vestefaliana das três direções teóricas.
Paralelamente, os seus fundamentos conceituais não devem ser totalmente ignorados
em qualquer debate teórico sobre realidades globalizantes.
!!
Detalhadamente, podemos dizer que a interpretação realista dos desenvolvimentos
mundiais deprecia as mudanças multidimensionais, qualitativas e quantitativas, nas e
através das sociedades dos últimos 30 a 40 anos. Consequentemente, os seus efeitos
assimétricos são ignorados em termos de homens e mulheres, cidadãos e não
cidadãos, acionistas e força laboral, elites políticas e financeiras e populações, com
formação avançada e os que não têm educação, os que têm formação em alta
tecnologia e os que não a têm, burocratas e não-burocratas, consultores e não-
consultores, corretores na bolsa de valores e não-corretores, etc. Devido à crescente
glocalidade no mundo, a identificação com o realismo também fortalece a incapacidade
prática dos estados de reconsiderar as suas fundações ideológicas reducionistas
centradas na nação. Além disso, visto através da perspetiva Vestefaliana, a
interconexão e a desterritorialização estão a ser frequentemente articuladas como uma
manifestação de “imprevisibilidade”. As noções realistas rígidas de “estado”,
“estrangeiro” e “política interna” parecem cada vez mais incomensuráveis com
conceitos amplos, tais como “sociedade global”, “justiça global” e “governança global”
ou diferenciadas como “elite global, “segurança humana” e “alter-globalização”.
!!
Ao mesmo tempo, o realismo ajuda-nos a compreender que a globalização não pode
ser descodificada se for examinada principalmente através das lentes paradigmáticas
de um universalismo ilimitado. Relativamente a este assunto, as relações entre o
global, o nacional e o local são importantes. O papel dos estados deve, portanto, ser
estudado cuidadosamente relativamente às suas próprias políticas económicas,
financeiras, comerciais, sociais, de segurança e militares, categorização seletiva de
populações mundiais, priorização de um tipo de regimes jurídicos (inter)nacionais e ao
mesmo tempo abstenção de outros. Nesse sentido, a emancipação humana está
intrinsecamente ligada aos estados atuais. O que o realismo parece ignorar é a
modificação das estruturas administrativas, políticas, legais e sociais dos estados que
influenciaram decisivamente o seu comportamento no cenário global. A globalização foi
profundamente projetada devido à coordenação transversal de agências regulatórias
únicas dentro das burocracias dos estados com as suas correspondentes
governamentais e não-governamentais - instituições financeiras internacionais, grupos
de consultoria, bolsas de valores, ONU, etc. (Jayasuriya, 1999: 426); o mesmo se
aplica ao significado estrutural de mudar as populações nacionais e os níveis de força
destrutiva, estatais e não-estatais, que se reforçam mutuamente.
Os teóricos liberais, por sua vez, trazem para o debate o significado global da
disseminação de processos de liberalização de vários tipos em todo o mundo nas
últimas décadas, demostrando a forte tendência para conceptualizar as relações
internacionais como sendo intersocietárias (Czempiel, 2003: 7) e não meramente
intraestatais. No entanto, a fim de superar a sua propensão pelo pensamento
Vestefaliano de “cima para baixo”, seria necessário que o liberalismo desemaranhasse
as ligações nos dois sentidos entre tendências transnacionais e os discursos e
realidades nacionais de uma forma muito mais aprofundada. Na mesma linha, a
formação de atitudes, normas, instituições e políticas nas e entre as sociedades
atualmente também precisa de ser esclarecida através das desarmonias estruturais
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“glocais” existentes. Caso contrário, um entendimento liberal da globalização
continuará a inspirar desconfiança entre indivíduos e comunidades de ambos os lados
das fronteiras do Estado.
Outro contributo valioso do liberalismo para o debate sobre a globalização dentro das
RI é o seu foco na questão da cooperação. Uma sociedade global de pleno direito que
permita a emancipação humana de baixo para cima dificilmente será alcançada sem
uma coordenação transnacional e internacional adequada que tenha em consideração
os recursos ambientais em vias de extinção, o aumento da população mundial, a fluidez
financeira transfronteiriça e o agravamento das injustiças sociais. Isto aplica-se
particularmente ao conceito de “governança global”, a reforma ou a abolição de certas
instituições internacionais, hierarquias e regras. Aqui, o liberalismo ainda não propôs
uma atitude largamente aceite.
A abordagem dialética do marxismo, por outro lado, abre espaço para a investigação
analítica da fragmentação capitalista global. Por exemplo, de acordo com alguns
autores marxistas, estamos atualmente a assistir a uma “separação do estado do
processo de produção” e à “operação internacional de empresas capitalistas com muito
maior autonomia do controlo estatal” (Justin Rosenberg cit. em Hobden & Jones, 2001:
218-219). Insuficientemente reconhecidas pelos seguidores dessa tradição intelectual,
as assimetrias de natureza não económica permanecem, assim como as suas
ramificações entre grupos sociais e indivíduos díspares em estados-nação. A pluralidade
de alternativas aos padrões políticos, sociais, culturais, económicos e ecológicos
dominantes nos e para além dos estados que ocorreram em diferentes partes do
mundo a nível local e transnacional são assim subestimadas. Além disso, a questão
fundamental sobre a organização económica da existência humana colocada pela
globalização ainda não encontrou a sua resposta final dentro de esta subdivisão teórica
- desde que a economia humana esteja enraizada em cadeias complexas de troca
milhares de anos “Precisamos de questionar não se, mas como lidar com a gestão em
larga escala de recursos globais de uma forma igualitária, pacífica e sustentável para
além de confiar totalmente em soluções locais; a história humana é uma das grandes
cidades que uniram diferentes culturas através do comércio; a civilização humana é
uma história de grande concentração de pessoas (Asimakopoulos, 2014: 41).”
Pontos epistemológicos para discussão
Podemos particularmente atribuir as lacunas do realismo, liberalismo e marxismo em
relação à emancipação humana num mundo globalizado à forma como gerem cinco
pontos-chave epistemológicos: território, atores, inter-relação entre esfera pública e
privada, previsibilidade e interdisciplinaridade. Revelando a sua inclinação para
interpretar estas questões de uma perspetiva Vestefaliana, as três teorias das RI estão
a empurrar as realidades sociais em mudança e as hipóteses de desenvolvimento
humano para as categorias monolíticas do Estado-nação.
A globalização cria condições para o enfraquecimento do entendimento de “território”
de “cima para baixo” como um atributo homogéneo para legitimar o poder do Estado.
De fato, novos desafios e possibilidades surgem através e dentro dos estados para o
desdobramento do poder humano, onde se incluem:
!a crescente troca de informações
transfronteiriças, a progressiva volatilidade dos fluxos de capital, a corporatização de
uma parte significativa do comércio mundial (Varwick, 2000: 142), a emergência de
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projetos alternativos para o desenvolvimento sustentável, comércio ou trocas à escala
transnacional e local, o aquecimento global, a formação de redes políticas,
administrativas e dos media transnacionais, a evolução do direito internacional,
campanhas organizadas transnacionalmente contra o impedimento do movimento de
certas categorias de pessoas, etc.
Apoiando-me em John Agnew (2015), Luiza Bialasiewicz (2011) e Jeppe Strandsbjerg
(2013), uma possível saída da “armadilha territorial” Vestefaliana (Agnew, 2015: 43-
46) e um eventual caminho para a “geografia da globalidade” pode passar pela
substituição da noção de “território” pela palavra “espaço”. Estes autores descrevem os
espaços como ambientes multidimensionais onde a vida humana está entrelaçada com
uma série de influências globais, transnacionais e locais e/ou formas de exercer a
soberania do Estado. Os seus parâmetros sociais, económicos, políticos e socioculturais
sustentam transformações constantes devido a eventos históricos, hierarquias que se
impõem ou desfazem, e ao choque de múltiplos interesses e discursos. Visto sob esta
perspetiva, a realização emancipatória da existência humana glocal dependerá cada vez
mais da operacionalização complexa de conceitos como “cidadania”, “soberania
estatal”, “segurança”, “fronteiras”, “geopolítica”, “mecanismo de política externa”.
“governança global/autogovernança”, “legitimidade”, “comércio global” etc.
Além de evocar conceções circunstanciais do espaço, a globalização reafirma a
necessidade de ampliar a definição dos atores e fatores das relações internacionais.
Atualmente, instituições como as Nações Unidas, o BM ou o FMI estão a ser
consolidadas, juntamente com uma “multiplicação de dinâmicas políticas, atores e
hierarquias não formalizadas ou parcialmente formalizadas” (Sassen, 2006: 147).
Enquanto isso, “as ONGs, os povos de primeira nação, imigrantes e refugiados,
incluindo refugiados do clima, que se tornam sujeitos de adjudicação em decisões de
direitos humanos, estão a surgir cada vez mais como sujeitos do direito internacional e
atores nas relações internacionais (e nacionais)” (Ibid. 340). As empresas
multinacionais orientam programas (inter)governamentais e supranacionais através de
grupos de pressão, plataformas como o Fórum Económico Mundial, ou da presença à
margem de negociações internacionais. Os assuntos no espaço social e da comunicação
social global está a ser visivelmente definido pelas reações do capital financeiro e das
agências de notação financeira, como a Standard & Poor’s, a Moody's e a Fitch, a
resultados eleitorais ou outros assuntos nacionais. Os movimentos sociais
transnacionais como o Comércio Justo, a Via Campesina ou o Comité Internacional de
Planeamento para a Soberania Alimentar tornaram-se uma forma irrevogável de
participação política organizada fora do sistema estatal. Desde o início do século XXI,
os fluxos globais de informação, tecnologia, interação social e finanças têm sido
igualmente instrumentalizados por grupos terroristas. Em geral, a acumulação de
agendas normativas e institucionalizações no cenário mundial prospera em múltiplas
sobreposições de dinâmicas locais, nacionais e globais. Este fato faz com que a questão
da accountability democrática, legitimidade e subsidiariedade” (Held & McGrew, 2008:
10) seja ainda mais importante.
O realismo, o liberalismo e o marxismo deparam-se com um dilema semelhante no
contexto das reconfigurações em curso entre componentes públicos e privados na vida
glocal - especialmente em, mas não limitado a, na economia e nas finanças. Nos
últimos 35 a 40 anos, a política internacional tem-se realizado sob condições de
emagrecimento dos elementos públicos e expansão dos privados entre e dentro dos
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estados. As redes de produção empresarial, de comércio, banca e seguros, de bolsas e
centros de serviços técnicos e jurídicos, de tráfico de drogas, armas e pessoas, de
imagens dos media global e outras dependem de uma fusão de prerrogativas públicas e
de interesses privados e regimes regulatórios (Sassen, 2006: 184-203).
O aparecimento da “cidade global” (Sassen, 2011) como um espacial distinto com
uma gama de capacidades de comando públicas e privadas para a (des)integração
económica global constitui outro exemplo. Uma variedade de atores privados marca
presença eminente no atual cenário de segurança think tanks (laboratórios de ideias),
mercenários, empresas de logística e empresas privadas como Blackwater, Kellog,
Brown&Root, Eyrinus e DynCorp contratam os seus militares em diferentes países. Rita
Abrahamsen e Michael C. Williams resumem esse desenvolvimento da seguinte
maneira:
“Tem seguramente havido uma crescente fragmentação da área da
segurança, na medida em que uma multiplicidade de diferentes
atores - públicos e privados, globais e locais - estão envolvidos no
fornecimento de segurança. Mas, em vez de uma erosão do poder
do Estado, o resultado é o aparecimento de novas redes de
segurança nas quais a autoridade do Estado e dos atores privados
se rearticula através de novas tecnologias de governança, coerção
e controlo. Isto tem inúmeras implicações políticas, em termos da
forma como a segurança é fornecida, para quem e por quem, e
também teoricamente da forma como pensamos sobre o estado e
a segurança global” (2005: 5).
Igualmente, uma quantidade crescente de trabalho de desenvolvimento tem sido
conduzido através do envolvimento empresarial desde os anos 80.
Outro problema epistemológico das três principais subdivisões de RI em relação à
deteção de oportunidades de realização humana nos tempos globais é a sua visão da
questão da previsibilidade. De um modo geral, cada uma delas limita a previsibilidade a
uma certa configuração de (inter)dependência entre os estados. O realismo fixa a
interdependência na estrutura anárquica dos assuntos mundiais. Acredita-se que a
anarquia que, por definição, insta os Estados a confiar na sua autoajuda, conduz a uma
procura de não-alinhamento e de fortalecimento dos próprios meios de sobrevivência e
controlo. O liberalismo encara a interdependência como algo que emana dos interesses
comuns dos estados, da produção capitalista em expansão, da cristalização das normas
globais e da cultura legal, da liberalização do comércio, e da ecologia. Aqui os estados
são vistos como atores que podem trabalhar juntos. O marxismo enfatiza o significado
da dependência entre os poderosos estados capitalistas no centro e os dominados na
periferia e semiperiferia. Dentro das restrições do sistema capitalista, os estados na
periferia e semiperiferia devem esforçar-se para se aproximarem dos padrões de
produção e de mercado do centro.
No entanto, essas abordagens à previsibilidade negligenciam as (in)congruências, o que
possivelmente ofusca o estabelecimento de uma sociedade global emancipadora
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incluída para além e abaixo da política do Estado. Isso muitas vezes resulta na
incapacidade de capturar criticamente a conduta ambígua dos governos em relação aos
desafios globais - o endurecimento do seu reflexo nacional em relação a algumas
esferas da política e dos grupos sociais e a propensão a adaptarem-se noutros casos.
Hoje em dia, muito do ativismo político é gerado além da participação eleitoral, tanto à
esquerda quanto à direita (por exemplo, comités de ação dos cidadãos, grupos de
pressão, movimentos sociais globais, patrulhas de vigilância de vizinhos etc.)
(Eisenstadt, 2012). Igualmente, o crescente desnível global não pode ser medido
exclusivamente por categorias económicas clássicas, como o PNB ou o PIB. Por
exemplo, enquanto 134 bilhões de dólares fluem para a África por ano,
predominantemente sob a forma de empréstimos, investimento estrangeiro e ajuda,
192 bilhões saem - em lucros ganhos por empresas estrangeiras, evasão fiscal e custos
de adaptação às mudanças climáticas (Jubilee, 2014: 1). No Nepal e na Libéria, para
dar outro exemplo, as remessas da diáspora representam mais de 30% do seu PIB
atual (DAAD-Alumniportal, 2017).
A fim de abordar as questões do território/espaço, atores, correlação de elementos
públicos e privados no cenário global e previsibilidade de uma maneira crítica, os
métodos de investigação interdisciplinar devem ser reafirmados ainda mais no campo
das RI. Os resultados da investigação em disciplinas como a antropologia, a economia
política, sociologia, geografia, estudos sobre o desenvolvimento e estudos regionais
podem fornecer um contributo valioso para a descrição multicamada do lugar da
globalização na vida (inter)nacional a partir da perspetiva do bem-estar individual e
coletivo e da igualdade.
Conclusão
Em conclusão, uma análise crítica das transformações económicas, sociais, culturais,
políticas e ecológicas globais em RI a partir do ponto de emancipação humana
pressupõe, de uma forma ou de outra, romper com os “padrões” Vestefalianos
descontextualizados do realismo, do liberalismo e do marxismo. Como acima
demonstrado, esse debate sobre a globalização, incluindo os contributos importantes
dessas três escolas de pensamento, não pode e não deve restringir-se a questões
conceptualizadas explicitamente sob a égide da “democracia nacional”, da “segurança
nacional” ou do “bem-estar nacional”.
!Em vez disso, deve ser urgentemente envolvido
nas diferentes manifestações espaciais, e nos instrumentos estatais e não estatais,
públicos e privados para a proliferação da interconexão transnacional e da
“imprevisibilidade”. A globalização e as suas fragmentações não devem ser
investigadas como algo que está fora dos aparelhos estatais e da vida nacional. A
formação prática de comunidades emancipatórias igualitárias num mundo globalizado
dependerá, portanto, de modificações dentro, entre e através das estruturas dos
estados.
Contra este pano de fundo, será necessário que as chamadas teorias reflexivistas e
construtivistas que entraram nas RI nas décadas de 1980 e 1990 tenham um lugar
mais sólido na disciplina. Devido à sua propensão para examinar a realidade social mais
ampla de uma forma refinada, o construtivismo social, o feminismo, a teoria crítica, a
sociologia histórica, a teoria normativa e o pós-modernismo parecem estar mais bem
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posicionados para reconstruir a globalização com as suas quatro características
descritas neste artigo.
Aqui, a busca permanente de configurações sociais em mudança, além e dentro dos
estados, aproximar-nos-á de uma reconstrução complexa de hierarquias e dinâmicas
glocais, bem como das condições éticas e estruturais para a realização de uma
sociedade global emancipatória. Com base nisso, podem procurar-se eventuais
sinergias produtivas com as três teorias convencionais das RI. Para construir essas
pontes, serão necessárias investigações ainda mais empíricas assentes em
metodologias interdisciplinares.
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OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 74-91
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DOS DIREITOS HUMANOS EM ESPECIAL, OS CRIMES CONTRA A
HUMANIDADE
Daniela Martins
danielamartins1995@gmail.com
Licenciada em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, colaborando
actualmente como assistente de investigação da Professora Doutora Patrícia GALVÃO TELES
(membro da Comissão de Direito Internacional). As suas áreas de investigação centram-se no
Direito Internacional, Direito Internacional do Mar e Direito Internacional dos Direitos Humanos.
.
Resumo
No Mundo actual de devastação, em grande parte devido a conflitos armados e tragédias
humanitárias, assim como ao fenómeno do terrorismo que tem assolado as Sociedades do
Oriente ao Ocidente ganha relevo o papel dos Estados na concretização das obrigações
que assumem em relação ao respeito, protecção e realização dos direitos humanos. Quanto
aos actos terroristas, não consenso sobre a sua possível inclusão no próprio conceito
«crimes contra a Humanidade», apesar de alguns Autores manifestarem a sua concordância.
Perante (ainda) a inexistência de uma Convenção sobre Crimes contra a Humanidade, tais
crimes internacionais merecedores do estatuto jus cogens -, criam obrigações em relação
aos Estados, como seja a obrigação de investigação, punição e extradição. Releva ainda,
neste contexto, a Responsabilidade de proteger (ou R2P) na medida em que o Estado tem a
responsabilidade primária de proteger as populações dos crimes contra a Humanidade.
Palavras-chave
Crimes contra a Humanidade, Direitos Humanos, Actos terroristas, Direito Internacional dos
Direitos Humanos, Direito Internacional Penal
Como citar este artigo
Martins, Daniela (2018). "Dos direitos humanos em especial, os crimes contra a
Humanidade". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 9, Nº. 1, Maio-Outubro
2018. Consultado [online] data da última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-
7251.9.1.5
Artigo recebido em 30 de Junho de 2017 e aceite para publicação em 31 de Janeiro de
2018
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Dos direitos humanosem especial, os crimes contra a Humanidade
Daniela Martins
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DOS DIREITOS HUMANOS EM ESPECIAL, OS CRIMES CONTRA A
HUMANIDADE
Daniela Martins
I. Introdução
A definição de crimes contra a humanidade
1
, não isenta de controvérsia, tem sido fonte
de incerteza e flutuação
2
, na medida em que (ainda) não existe uma Convenção sobre
crimes contra a Humanidade. A Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas
assumiu o projecto de uma Convenção sobre crimes contra a Humanidade para fazer
face à lacuna que parece existir no ordenamento jurídico internacional. “The most
frequently-mentioned candidate for rewriting is the ‘policy element’, which is seen by
many scholars and jurists as an unnecessary impediment to prosecution.
3
de facto, a
actual multiplicação de actos terroristas tem motivado a discussão do estatuto de tais
actos. O terrorismo não está incluído no art. 7.º do Estatuto de Roma do TPI
4
. As
decisões recentes do Tribunal Internacional Penal para a Jugoslávia (ICTY) e Ruanda
(ICTR) têm reafirmado que os crimes contra a Humanidade podem ser desconectados
dos conflitos armados e que o requisito da conexão estatal não é absoluto, desde que
uma política organizacional possa ser estabelecida.
Os actos proibidos nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional
dizem respeito à violação dos direitos humanos
5
fundamentais, como o direito à vida e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1
O termo crimes de guerra “was selected by U.S. Supreme Court Justice Robert Jackson, the chief U.S.
prosecutor at Nuremberg and the head of the American delegation to the London Conference that framed
the Charter. Jackson consulted with the great international law scholar Hersch Lauterpacht, but they
decided to leave their deliberations unrecorded, apparently to avoid courting controversy. In 1915, the
French, British, and Russian governments had denounced Turkey's Armenian genocide as "crimes against
civilization and humanity," and the same phrase appeared in a 1919 proposal to conduct trials of the
Turkish perpetrators”, David Luban; “A Theory of Crimes Against Humanity”, The Yale Journal of
International Law, Vol. 29,2004, p. 86
2
A título de exemplo, veja-se o conceito de “ataque sistemático” relativamente ao qual não há
convergência, uma vez que os instrumentos internacionais têm diferido os seguintes termos: o estatuto
do ICTY, adoptado em 1993, requer a existência de conflito armado; o estatuto do ICTR, adoptado um
ano mais tarde, prescinde do requisito do conflito armado mas requer um motivo discriminatório. O
Estatuto do TPI, adoptado em 1998, apenas requer um Estado ou organização política.
3
Darryl ROBINSON; “The draft Convention on Crimes against Humanity: What to do with thee Definition”,
2014, p.3. Disponível em: http://regnet.anu.edu.au/sites/default/files/uploads/2015-
08/CAH%20What%20to%20Do%20with%20the%20definition%20Robinson%202014%2011%20later%20
revs.pdf
4
Vide UN Doc. A/CONF.183/C.1/L 27, disponível em:
http://legal.un.org/icc/rome/proceedings/E/Rome%20Proceedings_v1_e.pdf
5
Os direitos humanos apresentam-se como uma categoria jurídica. Cada direito humano constitui um
determinado tipo de standard normativo e implica uma relação de Direito Público entre seres humanos e
autoridades normativas com vista a prosseguir os valores fundamentais e a proteger as necessidades
contra a interferência das autoridades públicas (dimensão vertical). A estrutura típica de um Direito
Humano contém um sujeito, um objecto e um conteúdo. Vide para um maior aprofundamento Ana Maria
Guerra Martins, Direito Internacional dos Direitos Humanos - relatório, Almedina, 2016, p 83 ss
Sobre a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais, Vide Robert Alexy; Constitutional
Rights and Constitutional Review”; Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(30 de outubro de 2012). Disponível em: http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/jsb_ma_16920.docx.
Explica o Autor que “[t]he importance of constitutional rights stems from the fact that constitutional rights
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o direito a não ser torturado (este último tem como consequência a proibição da tortura
enquanto garantia) que assumem o carácter de normas peremptórias de Direito
Internacional , assim como outras particulares ofensas concernentes a específicos
direitos humanos (v.g. proibição da discriminação racial). Como afirma Hans-Peter
Kaul
6
, os crimes contra a Humanidade violam directamente direitos fundamentais,
podendo afectar indirectamente o gozo de quase todos os direitos humanos e
liberdades. São crimes tão graves que “a moral and arguably legal duty arises to end
the criminal conduct”
7
: Estados têm assim obrigações em relação a direitos humanos e
liberdades, como o respeito pelos mesmos e a abstenção de actos violadores, assim
como a sua protecção
8
.
II. Crimes contra a Humanidade enquanto violação de Direitos
Humanos
“Crimes against humanity that are so heinous-so horrible-that are
viewed as an attack on the very quality of being human
9
O termo crimes contra a Humanidade ganhou fôlego no pós Guerra Mundial
10
assim, em consonância com a própria protecção internacional dos direitos humanos que
apenas se veio a realizar após tal período “como reacção às atrocidades e às violações
de direitos humanos cometidas, em especial, pelo regime hitleriano”
11
. Salienta David
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
are rights that have been recorded in a constitution with the subjective or objective intention of
transforming human rights into positive law, in other words, the intention of positivizing human rights qua
moral rights.”
6
Cfr. Hans-Peter Kaul, Judge and Second Vice-President of the International Criminal Court, at the
international conference “The protection of Human Rights through the International Criminal Court as a
Contribution to Constitutionalization and Nation Building»”, 2011. Disponível em: https://www.icc-
cpi.int/NR/rdonlyres/2C496E38-8E14-4ECD-9CC9-
5E0D2A0B3FA2/282947/FINAL_Speech_Panel1_HumanRightsandtheInternational.pdf
7
Vide, por todos, David Scheffer; “Crimes Against Humanity and the Responsibility to Protect»” in Leila
NADYA SADAT (ed.); Forging a Convention for Crimes Against Humanity, Cambridge, 2011, p. 305
8
Como refere María Luísa Piqué, no campo dos Direitos Humanos, uma obrigação negativa que obriga
os Estados a respeitar os direitos ou a abster-se de os reprimir (obrigação de resultado), enquanto
outra obrigação, dita, positiva, que obriga à acção dos Estados “to ensure rights, or to take measures in
order to secure human rights” (obrigação de conduta); “Beyond Territory, Jurisdiction, and Control:
Towards a Comprehensive Obligation to Prevent Crimes Against Humanity” in Morten Bergsmo e Song
Tianying (eds.); On The Proposed Crimes Against Humanity Convention, Torkel Opsahl Academic
EPublisher, Brussels, 2014, p. 143
9
Cfr. Sean D. Murphy, "New Mechanisms for Punishing Atrocities Committed in Non-International Armed
Conflicts", Melbourne Journal of International Law, Vol. 298, 2015, p. 299
10
A protecção do ser humano pelo Direito Internacional teve lugar ainda antes da Guerra Mundial. São
manifestações de tal protecção a intervenção humanitária, a inclusão de disposições relativas à protecção
de certos direitos em determinados Estados, os regimes particulares de protecção convencional que se
dirigiam às vítimas de conflitos armados, entre outros aspectos. No entanto, a protecção internacional dos
direitos humanos apenas veio a realizar-se na sua plenitude após a Guerra Mundial, momento a partir
do qual se assiste ao reconhecimento dos direitos humanos com carácter global e universal assim, da
barbárie cometida pela Alemanha nazi ascendeu a noção moderna de direitos humanos e o
desenvolvimento da justiça internacional.
11
Assim Ana Maria Guerra Martins; Direito Internacional dos Direitos Humanos - relatório, Almedina, 2016,
p. 100.
Vide também Hannah Arendt, que descreve o Holocausto como um novo crime, um crime contra a
Humanidade, no sentido de um crime contra o estatuto de ser humano, contra a sua própria natureza;
Eichmann in Jerusalem: A report on the banality of evil, 1965, p. 268
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Luban
12
que a expressão “crimes contra a Humanidade”, conceito que nos propomos
abordar, sugere que as ofensas são cometidas não apenas contra as pessoas e as
respectivas comunidades, mas contra toda a Humanidade (independentemente da sua
comunidade). “Humanity means both the quality of being human-humanness-and the
aggregation of all human beings-humankind
13
, por isso os crimes contra a
Humanidade apresentam-se-nos como um ataque à qualidade de ser pessoa, qualidade
essa que exige do Estado de Direito e da Comunidade Internacional o respeito, a
protecção e a promoção de um conjunto ineliminável de direitos humanos ou
fundamentais associados impreterivelmente a essa existência
14
.
A razão da formulação desta particular ofensa, ínsita pela primeira vez, na al. c) do art.
6 da Carta do Tribunal de Nuremberga de 1945
15
, surge da ausência, no direito
internacional, de uma norma que abrangesse crimes contra a própria população
16
. Ao
contrário da consagração normativa do crime de genocídio, que se desenvolveu através
de um tratado, até à adopção do Estatuto do Tribunal Penal Internacional
17
, os crimes
contra a Humanidade foram em grande parte o produto do direito internacional
costumeiro. Neste seguimento, a criação do TPI (nível universal) foi um marco
fundamental na protecção dos direitos humanos.
18
Note-se que a nível regional é de
destacar a adopção a 27 de Junho de 2014, sob a égide da União Africana, o Protocolo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
12
Cfr. David Luban; A Theory of Crimes… op. cit. pág. 86
13
Cfr. David Luban; A Theory of Crimes… op. cit. pp. 86-87
14
Nisso se baseia a tese segundo a qual o fundamento dos Direitos Humanos se baseia na ideia da
dignidade da pessoa humana. A dignidade é a qualidade que define a essência da pessoa humana, ou
ainda, é o valor que confere humanidade ao sujeito. A ideia da dignidade deve, pois, garantir a liberdade
e a autonomia do sujeito. De acordo com o 1.º parágrafo do Preâmbulo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos da ONU (1948), a dignidade é entendida como inerente e universal a todos os membros
da Comunidade humana. Tanto o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) como o Pacto
Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) afirmam nos seus segundos
parágrafos preambulares que a dignidade funda os Direitos Humanos. Também a CDFUE contém como
porta de entrada para o sistema de direitos fundamentais da União Europeia a inviolabilidade da
dignidade do ser humano, nos termos do seu art. 1.º, na qual se ancoram todos os outros direitos, como
o direito à vida ou a proibição da tortura. O primeiro momento histórico em que a dignidade da pessoa
humana foi recepcionada como princípio constitucional foi na Carta Constitucional da República Alemã de
1949 a partir desse marco histórico, a constitucionalização da dignidade da pessoa humana arreigou-se
a várias constituições contemporâneas.
15
Segundo Antonio Cassesse, este artigo visava o julgamento e a punição das atrocidades mais
repugnantes, isto é, daqueles actos susceptíveis de subverter o sentido do princípio da dignidade da
pessoa humana; «Genocide». In Antonio Cassesse, P. Gaeta e J. Jones (eds.), The Rome Statute of the
International Criminal Court: A Commentary, Vol. I, Oxford University Press, 2002, p. 335 ss
O requisito, presente nesse artigo, de se tratar de um acto que devesse ser cometido antes ou durante a
guerra serviu para limitar o escopo do preceito (e, assim, da jurisdição do Tribunal).
16
Como resultado desta ausência, as atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial pelos Nazis contra
os Judeus e outros civis, apenas poderiam ser processados como ofensas individuais ou colectivas nos
termos do Direito Penal alemão. Segundo Ilias Bantekas e Luzt Oette, “[t]his outcome, however, would
have been absurd given that the Holocaust was much more than simply the accumulation of multiple
offences and could not in any way be left to the devices of ordinary criminal law”; International Human
RightsLaw and Practice, Cambridge University press, 2013, p. 709.
17
Note-se que o TPI assume um carácter limitado e secundário na sua intervenção em razão de não existir
uma reserve de jurisdição internacional em matéria de certos crimes (Princípio da complementaridade e
subsidiariedade) o Tribunal intervém a título subsidiário, quando a jurisdição nacional não assegura uma
investigação e julgamento adequados.
18
Cfr. Paula Escarameia; "Prelúdios de uma Nova Ordem Mundial: O Tribunal Penal Internacional, Revista
Nação e Defesa”, Instituto da Defesa Nacional, nº104-2ª série, 2003, p.25.
Vide Leila Nadya Sadat, que escreveu: "[g]iven the centrality of charges of crimes against humanity to
the successful prosecution of atrocity crimes, the ICC’s treatment of crimes against humanity will
therefore be critically important. Moreover, because the ICC is a permanent court with the capacity to
intervene in ongoing situations (even prior to the outbreak of conflict in some cases), the Court’s
prosecutions of crimes against humanity may assume a preventive role at the ICC that similar
prosecutions could never have assumed at the ad hoc tribunals".
18
Cfr. Leila Nadya Sadat; “Crimes
Against humanity in the modern age”; The American Journal of International Law, Vol. 107, 2013, p. 334
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sobre as Alterações ao Protocolo Relativo ao Estatuto do Tribunal Africano de Justiça e
Direitos Humanos
19
cuja entrada em vigor se encontra pendente. Tal Protocolo visa
dotar tal Tribunal de uma secção relativa ao direito internacional penal com
competência para julgar, designadamente, crimes contra a Humanidade.
Os condicionalismos impressos no Estatuto de Roma (como a falta de inclusão do
princípio da universalidade)
20
tornam a tarefa do TPI intrinsecamente difícil. No
entanto, a inclusão do princípio da universalidade na nova Convenção sobre crimes
contra a Humanidade poderá consubstanciar um grande avanço ao nível da cooperação
inter-estatal na punição de tais graves violações de Direito Internacional, através do
estabelecimento de uma jurisdição mais efectiva do TPI. Na verdade, “[e]nquanto o TPI
não for um Tribunal verdadeiramente universal (se é que algum dia o poderá vir a ser),
a sua jurisdição ‘parcial’ ou ‘incompleta’ continuará a ser um desafio”
21
.
Os Crimes contra a Humanidade encontram-se definidos no art. 7.º do Estatuto de
Roma do TPI. Segundo o n.º1 do preceito, “entende-se por «crime contra a
Humanidade» qualquer um dos actos seguintes, quando cometido no quadro de um
ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo
conhecimento desse ataque: a) Homicídio
22
; b) Extermínio; c) Escravidão; d)
Deportação ou transferência à força de uma população; e) Prisão ou outra forma de
privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais do direito
internacional; f) Tortura
23
; g) Violação, escravatura sexual, prostituição forçada,
gravidez à força, esterilização à força ou qualquer outra forma de violência no campo
sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou colectividade que
possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais,
religiosos ou de sexo, tal como definido no n.º 3, ou em função de outros critérios
universalmente reconhecidos como inaceitáveis em direito internacional, relacionados
com qualquer acto referido neste número ou com qualquer crime da competência do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
19
Disponível em: http://au.int/sites/default/files/treaties/7804-treaty-0045_-
_protocol_on_amendments_to_the_protocol_on_the_statute_of_the_african_court_of_justice_and_huma
n_rights_p.pdf
Veja-se ainda Patrícia Galvão Teles e Daniela Martins; “Tribunal Penal Internacional Desafios Atuais”,
Relações Internacionais, Instituto Português de Relações Internacionais, Vol. 54, Junho 2017, p. 28 ss.
20
A competência não é universal dado que se restringe, em princípio, aos Estados que ratificaram o estatuto
de Roma. O TPI não julga todos os autores de crimes contra a Humanidade: o Tratado de Roma dispõe
que a jurisdição do TPI está limitada aos crimes cometidos no território do Estado-Parte ou por nacionais
seus. Contudo, no projecto de artigos que poderão compor uma futura Convenção sobre Crimes contra a
Humanidade, propõe-se que os Estados exerçam jurisdição não apenas em relação aos crimes
perpetrados nos seus territórios ou pelos seus nacionais, mas também por não nacionais no estrangeiro,
que se encontrem no território do aludido Estado Parte. Tal constitui um grande avanço no caminho da
protecção dos direitos humanos. Salienta Dire Tladi, "[p]erhaps the central element of the ILC project will
be the obligation to prosecute or extradite, a legal principle known as aut dedere aut judicare. The aut
dedere aut judicare obligation, broadly stated, obliges a state to prosecute offenders present in its
territory or, if it is unable or unwilling to do so, to extradite the offender to a state that is willing to do
so”; Complementary and cooperation in international criminal justice, Assessing initiatives to fill the
impunity gap: paper 227, Institute For Security Studies, 2014. Disponível em:
https://issafrica.s3.amazonaws.com/site/uploads/Paper277.pdf
21
Cfr. Patrícia Galvão Teles; "O Tribunal Penal Internacional e a evolução da ideia do combate à
impunidade: uma avaliação 15 anos após a Conferência de Roma", Janus.Net, Universidade Autónoma de
Lisboa, Vol. 5, nº2, Novembro 2014-Abril 2015, p.4
22
“Events like the 11th September attacks could be prosecuted under this heading. The acts were multiple
and coordinated, causing the death of thousands of people, in furtherance of Al Qaeda’s terrorist policy
against the United States. Thus, they were ‘systematic’ ”, Roberta ARNOLD; The prosecution of Terrorism
as a Crime…op. cit. pág. 994
23
O terrorismo também pode ser abarcado nesta alínea, pois tal preceito omite o requisito da conexão “to a
public official”. Idem.
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Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k)
24
Outros
actos desumanos de carácter semelhante que causem intencionalmente grande
sofrimento, ferimentos graves ou afectem a saúde mental ou física.”. Sugere Charles
Chernor Jallow, insatisfeito com a definição, que se reformule a mesma através de uma
emenda ao estatuto de Roma
25
.
O n.º 2 deste artigo apresenta-nos um conjunto de definições que têm como principal
propósito a delimitação das condutas tipificadas pelo n.º 1. Interroga Andrew Clapham,
“if such acts are already violations of human rights law, what is the added value of
criminalising them at the international level?”
26
A criminalização internacional possibilita
o julgamento do indivíduo perante um Tribunal Internacional
27
. Mas o que justificará,
ab initio, a criminalização de tais actos? Bassiouni
28
foi um dos primeiros Autores a
adiantar uma base doutrinal para a criminalização internacional. Aquelas ofensas,
segundo o Autor, afectam interesses internacionalmente significativos, constituindo
uma ameaça à paz e segurança mundiais, tendo implicações transnacionais. Por isso
mesmo existe um interesse universal na repressão desses crimes o que resulta, em
princípio, na jurisdição universal.
Crimes contra a humanidade definem-se, então, como um “ataque, generalizado ou
sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque”
(n.º1 do art. 7.º do Estatuto de Roma do TPI). O conceito de “ataquepressupõe, nos
termos das als. a), b), c), d) e e), que essas ofensas tomadas em conjunto (isto é,
cumulativas), dão forma e existência a uma política governamental contra um grupo
civil alvo.
Os elementos objectivos dos crimes contra a Humanidade encontram-se definidos
nas als. a) a k) do n.º1. Exige-se que as ofensas revistam um carácter sistemático,
devendo ser consentidas pelo Estado, Governo ou Entidade que esteja no comando.
Neste ponto, é controversa
29
a natureza dos actos terroristas
30
, cometidos por non-
State actors serão estes passíveis de serem considerados agentes de crimes contra a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
24
Vide Draft Code of Crimes Against the Peace and Security of Mankind, International Law Commission
Report, 1996, p. 47 Disponível em:
http://legal.un.org/docs/?path=../ilc/documentation/english/a_cn4_l532.pdf&lang=EF: os actos inumanos
devem ser “which severely damage physical or mental integrity, health or human dignity, such as
mutilation and severe bodily harm.”
25
Cfr. Charles Chernor Jalloh; "What Makes a Crime Against Humanity a Crime Against Humanity",
American University International Law Review, Vol. 28 No. 2, 2013, p. 435
26
Cfr. Andrew Clapham; “Human Rights and International Criminal Law” in William SCHABAS, The
Cambridge Companion to International Criminal Law, Cambridge University Press, p. 6
27
Cfr. Andrew Clapham; Human Rights and International…op. cit. pág. 7
28
Cfr. Cherif Bassiouni; “The Penal characteristics of conventional international criminal law”, Case Western
Reserve Journal of International Law, Vol. 15, No. 1, 1983, p. 30 ss
29
Vide, sobre a questão em debate, Michael P. Scharfe Michael A. Newton: “Assuming that non-State actors
are in fact legally capable of committing crimes against humanity, the acts of any large-scale group such
as the Mafi a, organized narcotraffi cking or terrorist organization, or even a gang capable of committing
‘widespread or systematic crimes’ would be sufficiently covered by the specifically listed categories of
crimes against humanity. In such a case, there is no need to list terrorism as a separate crime against
humanity; rather, the specific act is already covered in the crimes against humanity of murder,
persecution, or other identifiable crime.”; Terrorism and Crimes Against Humanity…op. cit. pág. 275
30
“[T]errorist attacks have usually been defined as serious offences, to be punished under national
legislation by national courts. The numerous international treaties on the matter oblige the contracting
states to engage in judicial cooperation for the repression of these offences. In my opinion, it may be
safely contended that, in addition, at least trans-national, state-sponsored or state-condoned terrorism
amounts to and international crime and is already contemplated and prohibited by international
customary law as distinct category of such crimes.”, assim Antonio Cassesse; “Terrorism is Also
Disrupting Some Crucial Legal Categories of International Law”; European Journal of International Law,
2001, p. 994
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Humanidade? duas formas pelas quais tal ofensa (terrorismo) pode ser tomada em
conta como Crime contra a Humanidade: como uma das sub-categorias de crimes
contra a Humanidade ou como “acto inumano” (al. k)). Assim, se pronunciou Roberta
ARNOLD
31
,
para quem a vantagem de incluir o terrorismo numa das sub-categorias
prende-se com o facto das mesmas poderem ser cometidas por todos, incluindo actores
não-Estatais e “[s]econdly, a wide range of victims is covered, including every person
who is not performing de facto combating functions, independently from his or her
nationality.” Michael A. Newton e Michael P. Scharf são da opinião de que “[e]xpanding
the corpus of crimes against humanity [to terrorism] could provide a harmonized legal
framework applicable in both times of armed conflict or peace”
32
. Diz Kai Ambos que
“[t]he intentional killing of more than 100 people constitutes the required single act of
murder. As a consequence, the ICC has jurisdiction ratione materiae, without
controversial.”
33
De facto, o Autor aponta duas bases de exercício da jurisdição pelo TPI
sobre tais actos: 1) o princípio da personalidade activa (existe quanto a alguns
membros do ISIS que são nacionais de Estados-Parte do TPI, cfr. a al. b) do n.º2 do
art. 12.º); 2) o princípio da territorialidade (al. a) do n.º2 do art. 12.º) requer-se
uma certa ligação territorial do Estado onde a ofensa foi cometida, entendendo-se que
tal ligação existe quando o perpetrador é residente nesse mesmo Estado (parte do
Estatuto do TPI). Mas no caso do ISIS, os actores não têm território fixo ou têm uma
ligação a países terceiros (como sejam o Iraque, Líbia, Turquia). O Autor sugere,
todavia, que é necessário o requisito de uma suficiente ligação territorial a um Estado-
membro como quando o acto (ou os seus efeitos) é produzido num Estado-parte.
quem defenda
34
, portanto, que subsumir o terrorismo à categoria de crimes contra a
Humanidade levaria a diluir a lex specialis à lex generalis, pelo que seria preferível
estabelecer o terrorismo como uma categoria separada de crime transnacional. Para
Bassiouni, as únicas entidades passíveis de praticar actos que adquiram o estatuto de
crimes contra a Humanidade - que não o Governo são as que detenham elementos de
soberania estatal Gestapo, KGB
35
. Trata-se, assim, de uma visão restritiva da
expressão “organização política” como incluindo apenas o Governo, excluindo actores
não estatais
36
. Contrariamente, uma expansão do escopo da jurisdição universal
àqueles actores não estatais é aplaudida por alguns Autores, entre os quais James
Fry
37
.
Perante a falta de consenso relativamente à integração do crime de terrorismo no
catálogo dos crimes contra a Humanidade, é de notar ainda que "[o] combate [ao
terrorismo] vem suscitar dois problemas complexos no que diz respeito à problemática
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
31
Assim, Roberta ARNOLD; The prosecution of terrorism as a crime against Humanity”, ZaoRV, Vol. 64,
2004, p. 994 e 999
32
Cf. Michael A. Newton e Michael P. Sharf; “Terrorism and Crimes Against Humanity” in Leila Nadya Sadat
(ed.); Forging a Convention for Crimes Against Humanity, Cambridge University Press, 2011, p. 272
33
Sobre a jurisdição do TPI quanto a actos terroristas Vide Kai Ambos; “The new enemy of mankind: The
jurisdiction of the ICC over members of ‘Islamic State’”; Blog of the European Journal of International
Law, 2016, para. 2 e 3. Disponível em: https://www.ejiltalk.org/the-new-enemy-of-mankind-the-
jurisdiction-of-the-icc-over-members-of-islamic-state/.
34
Neste sentido, Ben Saul; “Reasons for defining and criminalizing ‘terrorism’ in international law”, The
University of Sydney, Legal Studies Research Paper No. 08/121, 2008, p. 248
35
Vide também William A. Schabas; “State Policy As An Element of International Crimes”, Journal of
Criminal Law and Criminology, Vol. 98, No. 3, 2008, pp. 953, 973
36
A Jurisprudência do Tribunal Penal Internacional para a Jugoslávia aceitou a possibilidade de non-State
actors serem julgados pelo cometimento de crimes contra a Humanidade veja-se, a título de exemplo, o
International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia, Tadić, 1997, para. 654
37
Vide James Fry; “Terrorism as a Crime Against Humanity and Genocide: The backdoor to universal
jurisdiction”, UCLA Journal of International Law & Foreign Affairs, Vol. 7, 2002, p. 197 ss.
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dos direitos humanos: por um lado o direito da população civil em ver reforçada a sua
própria segurança, por outro lado o direito à proteção dos direitos humanos
fundamentais, que deve ser assegurada mesmo aos alegados terroristas. Há que
estabelecer um equilíbrio entre os direitos humanos das vítimas e dos suspeitos de
terrorismo e os direitos dos cidadãos em geral, que podem ver as suas liberdades
fundamentais afetadas e restringidas pelas medidas tomadas em nome da luta contra o
terrorismo"
38
, nota Patrícia Galvão Teles.
Quanto aos elementos subjectivos, realce-se que de acordo com os princípios gerais
de direito internacional, o elemento subjectivo dos crimes contra a Humanidade pode
ser dividido em dois momentos distintos: o conhecimento/consciência do contexto mais
alargado em que o crime é praticado, isto é, de que aquelas ofensas são parte de uma
política de abusos sistemática, generalizada e de larga escala; e a necessidade de
verificação de uma intencionalidade relativamente à prática da ofensa subjacente.
Assim, a responsabilidade individual para crimes contra a humanidade não se limita ao
facto de uma pessoa cometer crimes de alcance generalizado ou sistemático. Requer-se
que o perpetrador tenha conhecimento do contexto geral no qual o crime foi cometido,
conhecimento que deve ser combinado com o dolo. No que concerne a crimes contra a
Humanidade não se exige, quanto ao elemento volitivo, intenção, admitindo-se
qualquer modalidade de dolo (também o necessário e o eventual).
Trata-se de crimes internacionais praticados directamente contra a população civil que
adquire uma certa proporção/escala que ultrapassa o chamado crime com intento
puramente particular/privado, podendo ser cometido no território de um único Estado
ou nas fronteiras. Finalmente, o crime diz respeito aos mais odiosos actos de violência
e perseguição conhecidos pela humanidade.
De acordo com o atrás referido, podem considerar-se Requisitos para a
consideração de um crime como crime contra a Humanidade:
i) Actos cometidos de forma generalizada ou sistemática
39
- Tratam-se de
requisitos alternativos. A noção de ataque tem sido desenvolvida na
jurisprudência. Veja-se o caso Nahimara et al.
40
em que o Tribunal Penal
Internacional para Ruanda citou o caso Kunerac et al. de modo a concretizar
aquela noção que considera consubstanciar-se no curso de condutas que
envolvam a comissão de actos de violência. Conclui o Tribunal que um ataque
contra a população civil significa uma actuação violenta contra a população civil,
ou algum tipo de tratamento referido nos sub paragráfos a) a i) do art. 7.º.
Requer-se que o ataque seja generalizado na medida em que interfira com um
grande número de pessoas (multiplicidade de vítimas, o que exclui actos
isolados de violência). O ataque deve ser sistemático, o que significa que deve
ser cometido de acordo com um plano pré-concebido, cuja implementação do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
38
Cfr., por exemplo, Patrícia Galvão Teles, Terrorismo e Direitos Humanos”, Janus.Net, 2003 § 1
39
Entende-se que os requisitos são disjuntivos. A prática do TPI tem reafirmado esse carácter Vide
Decision Pursuant to Article 15 of the Rome Statute on the Authorization of an Investigation into the
Situation in the Republic of Kenya, Pre-Trial Chamber, ICC-01/09, Mar. 31, 2010, para. 94
40
International Criminal Tribunal for Rwanda, Nahimara et al. (Case No. ICTR-99-52-A), Judgement, 28-
Nov. 2007, para. 916. Disponível em: http://cld.unmict.org/assets/filings/90-ICTR-99-52-2079-4-MEDIA-
NAHIMANA-ET-AL-APPEALS-JUDGEMENT.pdf
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plano ou política deve resultar na comissão repetida e contínua de actos
desumanos.
ii) Actos cometidos contra qualquer população civil- De facto, o requisito de
“população civil” tem sido alvo de debate, em grande parte devido às
dificuldades em transpor as noções de Direito Internacional Humanitário
41
. Se
se concordar com um approach baseado na óptica dos direitos humanos, tal
garantirá um leque de direitos positivos a todos os indivíduos
independentemente do respectivo estatuto que lhes esteja subjacente. Debate-
se, em especial, se aquele termo deve ser interpretado de um modo amplo ou
restrito uma vez que o Estatuto de Roma é omisso quanto a essa questão.
Leila Nadya Sadat
42
sugere que o termo “população civil” deva assumir um
significado autónomo, e não enquanto mero desdobramento do significado do
Direito Internacional Humanitário, pois qualquer pessoa está protegida contra
ataques à sua vida pela protecção que o direito à vida lhe confere. Para a
Autora, o Tribunal não deve apenas analisar o estatuto formal de vítima
(enquanto civil) na acepção do Direito Internacional Humanitário, mas tendo em
conta a situação real do indivíduo ou da população alvo de abuso posição que
subscrevemos e que garante, segundo Leila Nadya Sadar, a abolição tendencial
da divisão artificial entre pessoas protegidas e pessoas não protegidas durante a
Guerra e a Paz
43
.
A noção de “população civil” deve, então, ser interpretada amplamente “[a]n
attack can be committed against any civilian population, regardless of their
nationality, ethnicity or any other distinguishing feature, and can be committed
against either national or foreign populations.”
44
O conceito de população civil “is
much broader than the four groups enumerated in the Genocide Convention”
45
46
. Entendem Steven Ratner, Jason Abrams e James Bischoff que tal requisito
sugere que mesmo os actos mais atrozes, como alguns ataques terroristas, não
são crimes contra a Humanidade, mesmo quando são isolados
47
, o que é
criticável para os Autores na medida em que confina o escopo dos crimes contra
a Humanidade.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
41
Pode ler-se, por exemplo, no caso Bemba (The Prosecutor v. Jean-Pierre Bemba Gombo, ICC- 01/05-
01/08) que a população civil inclui todas as pessoas que são civis em oposição aos membros das forças
armadas e outros combatentes legítimos.
42
Cfr. Leila Nadya Sadat; “Putting Peacetime First: Crimes against Humanity and the Civilian population
requirement”, Emory International Law Review, Vol. 31, 2017, p. 206
43
Idem, p. 207.
44
First Report of the Special Rapporteur on Crimes Against Humanity, Sean MURPHY, para. 135
45
Cfr. Ilias Bantekas e Lutz Oette; International Human Rights…op. cit. pág. 710
46
Entende o Tribunal, no caso Kunarac, que: “the use of the word ‘population’ does not mean that the entire
population of the geographical entity in which the attack is taking place must have been subjected to that
attack. It is sufficient to show that enough individuals were targeted in the course of the attack, or that
they were targeted in such a way as to satisfy the Chamber that the attack was in fact directed against a
civilian ‘population’, rather than against a limited and randomly number of individuals.”; ICTY Prosecutor
v. Kuranac and Others, 2002, para. 63
47
Assim Steven R. Ratner, Jason S. Abrams e James L. Bishoff; Accountability for human rights atrocities in
international law Beyond the Nuremberg Legacy, 3d Edition, Oxford University Press, 2009, p. 79
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iii) Actos derivados da instigação ou direcção do governo ou de qualquer outra
organização política (policy element)
48
- A Comissão de Direito Internacional
decidiu incluir tal requisito de modo a incluir actos inumanos cometidos por
pessoas privadas sem envolvimento estatal.
49
A al. a) do n.º2 do art. 7.º do
Estatuto de Roma do TPI manifesta essa orientação. Tal preceito contempla
expressamente o cometimento de crimes contra a Humanidade por
perpetradores não estatais. A jurisprudência do TPI sugere que a expressão
“organização política” inclui “any organization or group with the capacity and
resources to plan and carry out a widespread or systematic attack.”
50
51
iv) Conhecimento do ataque- o autor do acto deve cometê-lo com conhecimento do
mesmo.
Criminalizar este tipo de comportamentos pressupõe obrigações dos Estados na
prevenção
52
dos mesmos (assim como a obrigação de puni-los). O Estado
53
está
obrigado a proteger
54
todos os Direitos fundamentais, desde logo porque
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
48
Em 1995, a Comissão de Direito Internacional discutiu o debate em torno da questão de saber se se
poderiam incluir actos de non-State actors como passíveis de incriminação enquanto crimes contra a
Humanidade, no qual segundo alguns membros tal não seria possível. Contudo, a jurisprudência do
Tribunal Penal Internacional para a Jugoslávia aceitou a possibilidade de non-State actors serem julgados
por crimes contra a Humanidade - Vide caso Tádic, 1997 “the law in relation to crimes against humanity
has developed to take into account forces which, although not those of the legitimate government, have
de facto control over, or are able to move freely within, defined territory”, para. 654
Darryl ROBINSON identificou quatro teorias relativamente a este requisito. Para o efeito, Vide «Essence of
Crimes Against Humanity Raised at ICC”, Blog of The Europen Journal of International Law, 2011.
Disponível em: http://www.ejiltalk.org/essenceof-crimes-against-humanity-raised-by-challenges-at-icc
49
Primariamente, a Comissão de Direito Internacional definiu crimes contra a Humanidade como “Inhuman
acts such as murder, extermination, enslavement, deportation or persecutions, committed against any
civilian population on social, political, racial or cultural grounds by the authorities of a State or by private
individuals acting at the instigation or with the toleration of such authorities ”; Report of the International
Law Commission on the work of its sixth session, Yearbook of the International Law Commission, 1954,
vol. II, p. 150. Mais tarde, definiu como “any of the following acts, when committed in a systematic
manner or on a large scale and instigated or directed by a Government or by an organization or group”,
ILC Report, 1996, p. 47
50
Cfr. First report on crimes against humanity, Sean MURPHY, para. 147
51
“Such a policy may be made either by groups of persons who govern a specific territory or by any
organization with the capability to commit a widespread or systematic attack against a civilian
population.”, International Criminal Court, Katanga Case (ICC-01/04-01/07) between The Prosecutor v.
Germain Katanga, 2008, para. 396. Disponível em: https://www.icc-cpi.int/drc/katanga
52
Os Estados têm o dever de respeitar, proteger e realizar os direitos fundamentais. Os Direitos
fundamentais garantem juridicamente o acesso individual a bens que, pela sua importância para a
dignidade da Pessoa humana, desenvolvimento da personalidade, autonomia, liberdade e bem-estar das
pessoas, a CRP e os demais instrumentos internacionais entenderam merecedores e protecção máxima A
consagração constitucional dos Direitos Fundamentais tem um sentido jurídico muito preciso: ela impõe
sempre ao Estado, e a cada um dos seus poderes constituídos, deveres de subordinação e vinculação
jurídica dos quais, em geral, resultam para os particulares correspondentes pretensões e direitos de
realização, cuja consciência pode traduzir-se na titularidade de direitos subjectivos públicos, ou seja,
direitos a exigir juridicamente no interesse dos próprios, o cumprimento dos respectivos deveres estatais.
53
A Comunidade Internacional também tem a responsabilidade de usar apropriados meios diplomáticos,
humanitários e outros meios pacíficos, de acordo com os capítulos VI e VII da Carta das Nações Unidas,
para proteger as populações dos crimes contra a Humanidade.
54
Para um maior aprofundamento, Vide Jorge REIS NOVAIS; Direitos Sociais: Teoria jurídica dos direitos
sociais enquanto direitos fundamentais, Coimbra Editora, 2010, p. 256 ss
No seguimento do ataque generalizado e sistemático contra a população civil pelo regime da Líbia, o
Conselho de Segurança da ONU adoptou, em 26 de Fevereiro de 2011, a Resolução 1970 (disponível em:
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1970 (2011) ), tornando explícita a
referência à responsabilidade de proteger. O Conselho de Segurança requereu o fim à violência, “recalling
the Libyan authorities responsibility to protect its population”, impondo sanções internacionais. Na
Resolução 1973 (disponível em:
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1970(2011), adoptada a 17 de Março de
2011, pode ler-se que os ataques à comunidade civil constituem crimes contra a Humanidade.
No relatório do Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, quanto à Implementação da
responsabilidade de proteger (Implementing the responsibility to protect, A/63/677, 2009), identificam-se
três pilares de tal obrigação. São eles: 1) O Estado tem a responsabilidade primária de proteger as
populações do genocídio, de crimes de guerra, dos crimes contra a Humanidade e limpeza ética, assim
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assumindo o monopólio do uso da força coerciva legítima, fica obrigado à
protecção geral da vida, segurança, bem-estar, liberdade e propriedade dos
particulares. De facto, “the threshold between human rights violations and
crimes against humanity takes on a particular significance in the context of […]
the ‘Responsibility to Protect’.”
55
O conceito de “R2P” surgiu da Comissão
Internacional de Intervenção e Soberania do Estado (ICISS).
56
O dever estatal
de protecção da dignidade e dos direitos humanos básicos da sua própria
população
57
é essencialmente realizado através de actuações positivas,
normativas ou fácticas, orientadas à protecção efectiva dos bens
jusfundamentais. Tal dever realiza-se essencialmente através de actuações
positivas mas inclui também deveres de abstenção, de não afectação negativa,
projectando-se na perspectiva dos particulares, em direitos positivos, mas
também em negativos. A violação de tal obrigação implica a responsabilidade do
Estado
58
. A propósito da nova Convenção sobre Crimes contra a Humanidade
projecto iniciado pela Comissão de Direito Internacional em 2014 -, Rita
Maxwell
59
entende que a mesma representa uma importante oportunidade para
conferir um maior significado à responsabilidade de proteger na medida em que
consolida a relação entre essa responsabilidade e a obrigação dos Estados de
julgarem crimes contra a Humanidade. Sugere David Scheffer, a esse propósito,
que deveria ser incorporada uma norma explícita, na pretensa Convenção,
quanto à responsabilidade de proteger, que requeresse a acção efectiva dos
Estados
60
.
III. Crimes Contra a Humanidade - parte integrante do Jus Cogens
“[A]t the individual level, that is, that of criminal liability, it would
seem that one of the consequences of the jus cogens character
bestowed by the international community upon the prohibition of
torture is that every State is entitled to investigate, prosecute and
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
como do seu incitamento; 2) A Comunidade Internacional tem a responsabilidade de encorajar e assistir
os Estados no cumprimento de tal responsabilidade; 3) A Comunidade Internacional tem a
responsabilidade de usar apropriados meios diplomáticos, humanitários e outros para proteger daqueles
crimes. Se um Estado está a faltar manifestamente à sua obrigação de proteger, a comunidade
Internacional deve preparar-se para tomar uma acção colectiva para proteger a população, de acordo
com a Carta das Nações Unidas. Disponível em: https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N09/206/10/PDF/N0920610.pdf?OpenElement
55
Andrew Clapham; Human Rights and International…op. cit. pág. 7
56
Tal Comissão foi convocada para se atingir um consenso internacional sobre a intervenção humanitária
após a experiência da década de 1990 (experiências como as da Somália, Ruanda, Bósnia e Kosovo).
Falou-se, assim, de uma responsabilidade em primeira instância, do Estado envolvido para proteger a
sua própria população. O conceito de responsabilidade de proteger foi adoptado, nesse seguimento pelos
Estados-membros das Nações Unidas no World Summit em 2005.
57
Vide ICISS; The Responsibility to Protect, Report of the International Commission on Intervention and
State Sovereignty, 2001, p. 8. Disponível em: http://responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf
58
Vide os artigos adoptados pela Comissão de Direito Internacional, em 2001: Responsibility of States for
internationally wrongful acts, Disponível em:
http://legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft_articles/9_6_2001.pdf
59
Cfr. Rita Maxwell; “The Responsibility to Protect and to Prosecute: Reflections on the Canadian Experience
and Recommendation for the Proposed Crimes Against Humanity Convention” in Morten Bergsmo e Song
Tianying (eds.); On the Proposed Crimes Against Humanity Convention, Torkel Opsahl Academic
EPublisher, Brussels, 2014, p. 277
60
David Scheffer; “Crimes Against Humanity and the Responsibility to Protect” in Leila Nadya Sadat (ed.);
Forging a Convention for Crimes Against Humanity, Cambridge, 2011, p. 306
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punish or extradite individuals accused of torture, who are present
in a territory under its jurisdiction […] This legal basis for States’
universal jurisdiction over torture bears out and strengthens the
legal foundation for such jurisdiction found by other courts in the
inherently universal character of the crime. It has been held that
international crimes being universally condemned wherever they
occur, every State has the right to prosecute and punish the
authors of such crime”
61
.
As definições apresentadas pelos Estatutos dos Tribunais Internacionais para a ex-
Jugoslávia e para o Ruanda art. 5.º e art. 3.º daqueles Estatutos, respectivamente
tiveram um contributo decisivo na consolidação dos crimes contra a Humanidade
enquanto regras de jus cogens. Assim sendo, a comunidade internacional encontra-se
obrigada a zelar pelo respeito universal pelas normas jus cogentes consagradas.
Actualmente, o jus cogens é um reconhecido elemento do direito internacional. Parte
da Doutrina caracteriza as normas jus cogens como produto do Direito natural, isto é, o
jus cogens como emanação “which grew out of the naturalist school, from those who
were uncomfortable with the positivists’ elevation of the state as the sole source of
international law.”
62
A prática internacional identificou os crimes contra a Humanidade
como norma jus cogens. É disso exemplo o caso que opôs Alemanha e Itália
(Jurisdictional Immunities of the State Case) em que o Tribunal sugeriu que a proibição
dos crimes contra a Humanidade constitui uma regra jus cogens
63
. “The prohibition of
genocide […], crimes against humanity cannot be only internal affairs of a certain state
since they reflect the core values of international society”
64
, neste sentido “certain
human rights do represent jus cogens, since it brings legal duties of the state to the
community as a whole and gives legitimacy for the legal interest of the community,
which was elaborated above in the notion of erga omnes.”
65
Em 2001, a Comissão de Direito Internacional indicou que a proibição de crimes contra
a Humanidade se tratava de uma norma peremptória de Direito internacional aceite e
reconhecida
66
. Mais tarde, no caso Belgium v. Senegal
67
, o TIJ reconheceu que
algunsactos, como a proibição da tortura, tinham carácter jus cogens, o que fez com
que se reconhecesse implicitamente que a proibição de tal acto praticado de forma
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
61
International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia (ICTY) Trial Chamber II, Case Number IT-95-
17/1-T: Prosecutor v. Anto Furundzija; 10 December 1998, para. 156
62
Cfr. Mark W. Janis; ”The Nature of Jus Cogens”, Connecticut Journal of International Law, Vol.3, 1988, pp.
359, 362. Outra parte considera a letra do art. 53.º CVDT, focando-se no consentimento como elemento
vital. Há ainda Autores que têm encarado o jus cogens com cepticismo e salientado as dificuldades da sua
definição e concretização, como Jorge Miranda; Direito Internacional Público, Vol. I, Lisboa, 1995, p. 146
63
Cfr. Concerning Jurisdictional Immunities of the State (Germany v. Italy; Greece intervening), ICJ Reports
2012, 99, at 141 (para 95).
64
Predrag Zenovic, Human Rights Enforcement Via Peremptory Norms A Challenge To State
Sovereignty”, RGSL Research Papers, No. 6, Riga Graduate School of Law, 2012, p. 26
65
Idem.
66
Cfr. Draft Articles on State Responsibility, Commentary on Article 26, in Official Records of the General
Assembly, Fifty-sixth Session, U.N. Doc. A/56/10, 2001, p. 283: “peremptory norms that are clearly
accepted and recognized include the prohibition of […] crimes against humanity.”
Vide ainda o Report of the International Law Commission Sixty-Sixth Session, 2014 (5 May 6 June and
7 July 8 August). Disponível em: http://legal.un.org/ilc/reports/2014/english/annex.pdf
67
Questions Relating to the Obligation to Prosecute or Extradite (Belgium v. Senegal), I.C.J. Reports 2012,
p. 422, at para. 99; também Prosecutor v. Furundžija, Trial Chamber, Judgment, ICTY Case No. IT-95-
17/1, para. 153 (1998); e ainda Al-Adsani v. United Kingdom, E.Ct.H.R., Judgment, App. No. 35763/97,
para. 61 (2001).
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sistemática também teria um carácter jus cogens. “Dentre os princípios de Direito
Internacional geral ou comum, avultam aqueles a que a doutrina tem chamado
princípios de jus cogens […] são princípios que não estão na disponibilidade da vontade
ou do acordo de vontades dos sujeitos de Direito internacional; que desempenham uma
função eminente no confronto de todos os outros princípios e preceitos; e que têm uma
força jurídica própria, com os inerentes efeitos na subsistência de norma e actos
contrários […] O jus cogens é evolutivo e susceptível de transformação e de
enriquecimento pelo aditamento de novas regras”
68
. Quanto à natureza das normas jus
cogens, atente-se à asserção de Mark W. Janis, segundo a qual o jus cogens não é uma
forma de direito costumeiro, mas uma forma de direito constitutional, constituindo a
base do sistema legal da Comunidade Internacional
69
. As normas peremptórias
70
obrigam os Estados a prevenir a sua violação.
71
As normas jus cogens sobrepõem-se a
quaisquer outras normas, incluindo as normas constitucionais o jus cogens deve ser
encarado como um limite material de revisão constitucional.
72
Como salienta Cherif Bassiouni “certain crimes affect the interests of the world
community as a whole because they threaten the peace and security of humankind and
because they shock the conscience of humanity. If both elements are present in a given
crime, it can be concluded that it is part of jus cogens”
73
.
Quanto ao conceito de jus cogens, a doutrina de Direito Internacional não é unânime.
Se para Eduardo Correia Baptista
74
normas de jus cogens são todas as normas de
direito costumeiro que imponham obrigações erga omnes, a o ser que haja uma
prática costumeira que lhe retire expressamente esse “estatuto”, Ana Maria Guerra
Martins
75
entende que não se pode afirmar que todas as normas internacionais relativas
a Direitos Humanos são jus cogens; o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um
dos campos de aplicação privilegiada deste tipo de normas. São normas de jus cogens
todos os direitos intangíveis (leque que veio a ser alargado pelo Comité dos Direitos
Humanos
76
) relacionam-se com a integridade física e moral da pessoa humana e com
a liberdade. São atributos inalienáveis da pessoa humana, fundando-se em valores que
exprimem o valor do respeito da dignidade inerente à Pessoa Humana.
Um crime jus cogens é caracterizado pela conduta estatal, independentemente de esta
se manifestar numa acção ou numa omissão. Deve ter-se em consideração que um
crime internacional que assuma tal estatuto deve reunir, em si, as seguintes condições:
existência de instrumentos legais que evidenciem a proibição da sua prática, o número
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
68
Cfr. Jorge Miranda. Direito Internacional Público I, Lisboa, 1995, pp. 143-150
69
Mark W. Janis; “The nature of Jus Cogens”, Connecticut Journal of International Law, Vol. 2, 1988, p. 362
70
O art. 71.º da CVDT trata das consequências da invalidade do tratado que conflitue com uma norma
peremptória do direito internacional geral (nos termos dos arts. 53.º e 64.º da Convenção).
71
Assim Lauri Hannikainen; Peremptory Norms (Jus Cogens) in International Law: Historical Development,
Criteria, Present Status, Helsinki: Finnish Lawyers’ Pub. Co., 1988, p. 722
72
Cfr. Ana Maria Guerra Martins; Direito Internacional dos Direitos Humanos…op. cit. pág. 117.
Vide ainda Ana Maria Guerra Martins e Miguel Prata Roque; “A Tutela Multinível dos Direitos Fundamentais
a posição do Tribunal Constitucional português”; Conferência Trilateral dos Tribunais Constitucionais
Espanhol, Italiano e Português, 2014. Disponível em:
https://www.tribunalconstitucional.es/ActividadesDocumentos/2014-10-16-00-00/2014-
PonenciaPortugal.pdf
73
Cfr. Cherif Bassiouni; “International crimes: Jus Cogens and Obligatio Erga Omnes”, Law and
Contemporary problems, Vol. 59, 1998, p. 69
74
Cfr. Eduardo Correia Baptista; Direito Internacional Público, Lisboa, Vol. I, 1995, p. 432 ss
75
Ana Maria Guerra Martins; Direito Internacional dos Direitos Humanos relatório…op. cit. pág. 92 ss
76
Passando a incluir o direito de todas as pessoas privadas de liberdade a serem tratadas com humanidade
e respeito, a proibição de fazer reféns, a proibição de deportações ou transferências forçadas de pessoas,
a proibição do incitamento ao ódio racial, religioso ou nacional.
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(elevado) de Estados que incorporaram tal proibição nas suas legislações e, ainda, o
número de processos judiciais, nacionais e/ou internacionais, relacionados com o
mesmo crime. Apontam-se ainda como indícios de tal natureza jus cogens, a evidência
de princípios gerais de direito internacional e o papel da Doutrina. Alguma Doutrina
entende que os crimes contra a Humanidade adquiriram o estatuto de crimes jus
cogens por manifestarem a capacidade de uma específica conduta chocar a “conscience
of Humanity”
77
. Assim, os valores e princípios protegidos através da promoção da paz,
segurança e dignidade da Humanidade são partilhados por todos os Estados e são
universalmente aceites
78
.
Crimes internacionais que adquiram o estatuto jus cogens constituem obrigações erga
omnes
79
que são inderrogáveis. A origem da problemática das obrigações erga omnes
relativamente aos crimes jus cogens advém do ICJ’s advisory opinion on Reservations
to the Convention on the Prevention and Punishment of Genocide.
80
É, contudo, difícil
verificar as obrigações legais decorrentes do carácter jus cogens dos crimes
internacionais, mas apontam Oliver Dorr e Kirsten Schmalenbach como exemplos “the
duty to prosecute or extradite, the non-applicability of domestic laws limiting the
criminal responsibility or prosecution for such crimes (amnesty) and the universality of
(mandatory) jurisdiction […] The ius cogens nature of international core crimes is
believed to generate all legal obligations necessary to bring to justice persons who are
guilty of these crimes.”
81
IV. Considerações Finais
“There is no doubt that the recent development of international
criminal law corresponds to the development of international
human rights.”
82
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
77
Cf. Faustin Z. Ntoubandi, Amnesty for Crimes Against Humanity Under International Law, Martinus Nijhoff
Publishers, Leiden, Boston, 2007, p. 218
78
Markus Petshe começa por definir valores como constituindo “the underlying foundation of the normative
system of any given society or community […] and are, therefore, more ‘fundamental’ than norms.”, «Jus
Cogens as a Vision of the International Legal Order». Penn State International Law Review, Vol. 29, No.2,
2010, p. 258. Tais valores fundamentais podem ser criados quer através da prática dos Estados, ou
adquirem o estatuto de “fundamentais” por inerência, independentemente da aceitação e/ou
reconhecimento da Comunidade Internacional. Para Cançado Trindade, tais valores fundamentais “does
not emanate from the inscrutable ‘will’ of the States, but rather […] from human conscience”; «Jus
Cogens: The determination and the Gradual expansion of its material contente in contemporary
international case-law», Curso 3, 2008, p. 6.
79
Obrigações erga omnes são obrigações internacionais que vinculam um Estado em relação a todos os
outros Estados pela mesma norma, que por sua vez se encontram na mesma situação jurídica. As normas
de jus cogens têm uma ligação íntima com as obrigações erga omnes. Todas as normas jus cogens
impõem obrigações deste género, visto tutelarem interesses comuns. No caso Barcelona Traction (TIJ,
1970), efectuou-se a distinção entre efeitos erga omnes (obrigações dos Estados para com a Comunidade
Internacional no seu conjunto) e obrigações vis-a-vis (as que nascem com respeito a outro Estado) a
definição de erga omnes pelo TIJ refere-se a uma obrigação assumida perante todos.
80
Reservations to the Convention on the Prevention and Punishment of the crime of genocide, Advisory
opinion of 28 May 1951. Disponível em: http://www.icj-
cij.org/docket/index.php?sum=276&p1=3&p2=4&case=12&p3=5
81
Cfr. Oliver DORR e Kirsten Schmalenbach; Vienna Convention on the Law of Treaties: A commentary,
Springer, 2012, p. 933
82
Assim Predrag Zenovic, Human Rights Enforcement Via Peremptory Norms A Challenge To State
Sovereignty, RGSL Research Papers, No. 6, Riga Graduate School of Law, 2012, p. 40
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Os crimes de Direito Internacional (core crimes) foram objecto de uma importante
codificação aquando da adopção do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
“[P]arts of international criminal law have developed […] to respond to egregious
violations of human rights in the absence of effective alternative mechanisms for
enforcing the most basic of humanitarian standards.”
83
A proibição de crimes contra a
Humanidade ascendeu ao estatuto de norma jus cogens. A perpretação desse tipo de
actos consubstancia um ataque à qualidade de ser pessoa, qualidade essa que exige do
Estado de Direito e da Comunidade Internacional o respeito, a protecção e a promoção
de um conjunto ineliminável de direitos humanos. A criminalização deste tipo de
ofensas graves de Direito Internacional não deixou de ser acompanhada de “timidez e
ambiguidade em face dos condicionalismos políticos.”
84
Os direitos fundamentais
85
implicam, por natureza, limites aos poderes públicos e, por
sua vez, à dita soberania estatal (o próprio conceito de soberania está em crise, na sua
vertente clássica) - os Tratados de direitos Humanos surgem precisamente para obviar
às situações em que os Estados não conseguem garantir os direitos das pessoas.
A Convenção sobre Crimes contra a Humanidade, em falta, parece ser uma peça
importante no campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, pois “[e]nding
impunity for mass crimes is a common responsibility of humanity as a whole and justice
for victims of such grave crimes should never be sacrificed at the altar of political
expediency”
86
. Parece-nos importante uma clarificação da noção de “crimes contra a
Humanidade”, sobretudo no que concerne à interpretação do conceito “população civil”.
Além disso, ampliar o leque de agentes de crimes contra a Humanidade poderia ter
como vantagem “abrir uma porta” a actores não-estatais presença cada vez mais
assídua no mundo globalizado através da adopção de uma visão ampla da expressão
“organização política” ínsita na al. a) do n2 do art. 7.º do Estatuto de Roma. Ainda
quanto à questão concernente aos agentes deste tipo de ofensa criminal, considerar-se
a integração do crime de terrorismo no catálogo dos crimes contra a Humanidade
parece um ponto importante a considerar-se no presente debate jurídico.
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do Norte do Paraná (ERNP), entre 11 e 13 de Janeiro de 2011. Disponível em:
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83
Cfr. Robert Cryer, Hákan Friman, Darryl Robindson, e Elizabeth; Wilmshurst; An introduction to
international criminal law and procedure2nd ed., Cambridge University Press, New York, 2010, p. 13
84
Jorge Miranda; Direito Internacional Público…op. cit. pág. 310
85
Cumpre, todavia, esclarecer que “direitos humanos” (plano internacional) e “direitos fundamentais” (plano
interno constitucional) diferem no plano jurídico por se tratarem de realidades diferentes. A propósito da
distinção, Vide por todos Alexandre Melo Alexandrino; “Hermenêutica dos Direitos Humanos”, Conferência
produzida no curso “Tutela dos Direitos Humanos e Fundamentais”, organizado pela Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa, no âmbito do Acordo-Quadro de cooperação com o Centro universitário
Eurípedes de Marília (UNIVEM) e a Universidade do Norte de Paraná (UENP), entre 11 e 13 de Janeiro de
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DETERMINANTES QUANTITATIVOS DA VIOLÊNCIA DA GUERRILHA FARC-EP NA
COLÔMBIA
Este trabalho foi apoiado pelo Observatório de Direitos Humanos e Direito Internacional
Humanitário (ODHDIH) da Vice-Presidência da República da Colômbia
Jerónimo Ríos Sierra
jriossie@universidadean.edu.co
Professor Associado da Universidade EAN (Colômbia) e assessor da Organização dos
Estados Ibero-Americanos. Autor correspondente
Camilo Vargas
cvargasw@universidadean.edu.co
Professor Associado da Universidade EAN (Colômbia)
Paula Bula
pbulagal@universidadean.edu.co
Professora Associado da Universidade EAN (Colômbia)
Amalia Novoa Hoyos
anovoah@universidadean.edu.co
Professora Associado da Universidade EAN (Colômbia)
Resumo
O objetivo deste estudo é explicar o ativismo das Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia - Exército Popular (FARC-EP) no âmbito do conflito armado interno colombiano
entre 2002 e 2012. Além de ser o período de maior intensidade do conflito, a investigação
tenta explicar o impacto de diferentes variáveis sociais, económicas e institucionais que, a
partir de um exercício estatístico com regressões, mostram como é possível encontrar bases
para entender a razão pela qual o ativismo dessa guerrilha responde de maneira mais ampla
a alguns cenários do que aos outros. Com base num exercício multivariado com fontes
institucionais, realizou-se uma análise abrangente da violência guerrilheira na Colômbia, que
se afasta de explicações unidirecionais e justapõe diferentes variáveis para procurar uma
resposta de maior complexidade de como a lógica do ativismo das FARC-EP tem sido
compreendida durante a última década e meia.
Palavras-chave
Forças armadas colombianas, Conflito, Determinantes de violência, FARC-EP, Violência
política
Como citar este artigo
Ríos-Sierra, Jerónimo; Vargas, Camilo; Bula, Paula; Novoa Hoyos, Amalia (2018).
"Determinantes quantitativos da violência da guerrilha FARC-EP na Colômbia". JANUS.NET e-
journal of International Relations, Vol. 9, Nº. 1, Maio-Outubro 2018. Consultado [online] data da
última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-7251.9.1.9
Artigo recebido em 15 de Novembro de 2017 e aceite para publicação em 1 de
Fevereiro de 2018
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Determinantes quantitativos da violência da guerrilha FARC-EP na Colômbia
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DETERMINANTES QUANTITATIVOS DA VIOLÊNCIA DA GUERRILHA FARC-EP NA
COLÔMBIA
Este trabalho foi apoiado pelo Observatório de Direitos Humanos e Direito Internacional
Humanitário (ODHDIH) da Vice-Presidência da República da Colômbia
Jerónimo Ríos
Camilo Vargas
Paula Bula
Amalia Novoa Hoyos
1. Introdução
Este trabalho analisa, a partir de uma abordagem estritamente quantitativa, algumas
variáveis que determinaram a violência guerrilheira na Colômbia durante a última
década, com o objetivo de identificar não apenas os padrões de violência direta
exercida pelas FARC-EP, mas também para entender por que razão a violência ocorre
em maior ou menor grau e de acordo com que contextos.
A ideia, portanto, é analisar algumas das variáveis que, considerando a literatura
prolífica sobre o conflito armado interno na Colômbia, foram tradicionalmente
identificadas como tendo maior influência em gerar ativismo e presença da guerrilha.
Assim, agregaram-se as variáveis socioeconómicas, institucionais, geográficas e outras,
que, no final, nos permitirá entender a razão pela qual o conflito armado interno
acabou por tornar-se territorial em certas regiões do país, de tal forma que a solução
militar a favor do Estado tornou-se impossível e acabou por tornar necessário superar o
conflito através de meios pacíficos de resolução de conflitos, culminando na assinatura
do Acordo de Paz entre a guerrilha e o governo colombiano em 24 de novembro de
2016.
Com base no acima exposto, o trabalho está organizado em quatro partes. A primeira
identifica a literatura mais relevante que estudou o conflito armado interno de
diferentes ângulos e perspectivas, prestando especial atenção a alguns dos fatores que
são identificados como explicativos da violência na Colômbia e que também constroem
uma abordagem teórica que entende que a violência gerada pelo conflito armado na
Colômbia responde a circunstâncias objetivas, especialmente de natureza
socioeconómica (Sánchez, 2009). Em seguida, explicam-se os detalhes da análise
metodológica, o modelo econométrico, a descrição das variáveis, e a sua
operacionalização, assim como a origem e as fontes de informação. Na terceira parte,
apresentam-se a análise e os resultados que explicam como e por que razão a violência
guerrilheira ocorreu nos últimos anos; finalmente, como corolário, apresentam-se
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possíveis linhas de investigação com base neste trabalho que, em particular, permitem
identificar não os cenários mais vulneráveis após a violência armada na Colômbia,
mas também um eventual quadro de pós-conflito, como o presente.
2. Situação da questão e enquadramento teórico
O conflito armado colombiano tem sido um dos mais investigados na América Latina,
dado a sua longevidade de mais de meio século, por isso uma grande variedade de
abordagens que tentaram explicá-lo e analisá-lo. Assim, entre muitos outros, os
estudos históricos, estudos militares, abordagens geográficas e políticas da violência,
bem como abordagens estritamente económicas poderiam ser destacados como
principais campos de estudo. Das contribuições históricas da violência armada, as obras
de Pécaut (2008), Aguilera (2010) e Pizarro (2011) sobre as FARC-EP tornaram-se
referências obrigatórias; assim como no caso do ELN, destacam-se as investigações de
Medina (1996) e de Hernández (2006); e em relação ao paramilitarismo, as publicações
de Medina (1990), Romero (2003), Duncan (2006) e Ronderos (2014), entre outras.
Todas estas obras lidam com as origens e a evolução dos grupos armados que
protagonizaram o conflito armado interno, tendo em consideração não as causas
profundas do seu aparecimento mas também os fatores organizacionais, económicos e
de violência que determinaram a sua evolução.
A partir dos estudos militares, outra linha de investigação sobre a violência na
Colômbia, focada em determinar quais são as dinâmicas de violência em termos de
estratégias militares ou tipos de políticas de segurança militar e de cooperação. Por
exemplo, obras como as de Blair (1993) ou Leal (1994) incidem na análise do papel da
Força Pública, da influência das doutrinas de segurança nacional e da presença de
inimigos internos, decorrentes da influência do pensamento americano. Além disso,
Ramírez (2000) e Rangel (2003) centram-se na importância das políticas de
cooperação militar dos EUA, enquanto outros como Echandía (1999, 2006), Salas
(2010, 2015) e Ríos (2016a, 2016b) priorizam o estudo da estratégia militar da
guerrilha, de acordo com os fatores de mudança e os diferentes estímulos no conflito
interno.
A geografia política também tem sido um ponto de partida interessante na
compreensão do conflito colombiano, principalmente devido à sua tentativa de
entender como as áreas utilizadas para plantar coca e outros recursos foram fatores
explicativos da violência na Colômbia (Betancourt, 1991; Observatorio Geopolítico de
Las Drogas, 1996; Echandía, 1996). Essas visões, por outro lado, foram
complementadas por abordagens locais, como as desenvolvidas pelo Centro de
Investigação e Educação Popular (CINEP) nos trabalhos de García (2003) sobre atores
da paz e violência na região de Bajo Cauca em Antioquia; por Guzmán (2003), no Valle
del Cauca e em Cauca; e por Gutiérrez (1998; 2002) sobre a relação entre violência e
sistema político em Cundinamarca. Além disso, devemos destacar os contributos de
Vásquez, Vargas e Restrepo (2011) concentradas na área sul do país; ou Torres (2011)
e Rodríguez Cuadros (2015), em estudos de caso específicos em Putumayo e Nariño,
respectivamente. Por outro lado, García e Aramburo (2011), com uma marca
geográfica acentuada, abordaram a complexidade da violência armada na região Leste
e de Urabá em Antioquia; González et al. (2012) estudaram a Colômbia Oriental, e
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particularmente Antioquia, Boyacá, Santander, Norte de Santander e Arauca; num
outro documento, abordaram a região do Caribe do país (González et al., 2014).
A partir das abordagens mais próximas da economia, identificam-se, em primeiro lugar,
duas correntes que dominaram a explicação do conflito armado colombiano. Os que se
concentraram na análise do custo da violência na Colômbia e, na sua frente, os que
analisaram, com uma abordagem mais qualitativa ou mais quantitativa, os fatores
económicos que estimularam a violência.
Relativamente às primeiras obras, na segunda metade dos anos noventa surgiram
alguns contributos; trabalhos que se concentraram em revelar a repercussão
negativa que o conflito teve na economia do país e, por extensão, na continuação dos
problemas sociais. É possível destacar os trabalhos de Castro et al. (2000); Trujillo e
Badel (1998); Granada e Rojas (1995), e Deas e Gaitán (1995), que estão de acordo
ao indicar, num estudo macroeconómico focado na década de 1990, que os custos para
a Colômbia desse conflito armado foram entre 2 e 4% do Produto Interno Bruto (PIB);
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um número bem abaixo dos 15,1% que Sánchez e Díaz (2005) quantificaram em
relação à percentagem do PIB representada por atividades ilícitas na Colômbia. Na
literatura mais atual, não podemos ignorar o trabalho de Otero (2007. p. 10), que,
focado na Política de Segurança Democrática, refere uma redução de 4,5% do PIB, de
acordo com um exercício de quantificação de conflitos que afirma que entre 1958 e
2012 provocou mais de 220 mil mortes, 25 mil desaparecidos, 27 mil pessoas
sequestradas, 5,7 milhões de pessoas deslocadas, quase 2.000 massacres e 5.000
ataques contra infra-estruturas públicas (Centro Nacional de Memoria Histórica, 2013).
Em suma, um impacto económico, apenas entre 2000 e 2003, de US $ 35 mil milhões
em custos de segurança, além de mais US $ 2,3 mil milhões em custos diretos de
guerra. Nem podemos ignorar outras obras que visam igualmente a desaceleração
económica devido à violência armada na Colômbia, conforme proposto por Álvarez e
Rettberg (2008), Sánchez et al. (2009) ou, mais recentemente, de uma perspectiva
subnacional, o trabalho de Querubín (2013).
Do grupo de obras que explicam a violência com base em fatores económicos, a obra
de Sánchez (1987) é um dos pontos de partida obrigatórios, pois é o primeiro a alertar
para a estreita relação entre a violência estrutural e o aparecimento do conflito
armado. Esta hipótese, apoiada por Molano (1987), Reyes (1988) e Ramírez (1990),
abrirá uma linha de investigação na década de 1990 que se tornou predominante nos
meios académicos colombianos, conhecida como violentologia, que foi desenvolvida na
Universidade Nacional de Colômbia.
Teoricamente, esta linha tem um ponto de ligação com os desenvolvimentos teóricos
que procuram entender a violência de um conflito armado a partir de uma
correspondência infalível, não para legitimar a existência de uma luta armada, mas
também para identificar um cálculo racional e um uso de recursos económicos como
contributo para sustentar a violência acima mencionada no interesse de uma vitória
militar (Montenegro e Posada, 2005). E, de fato, entre um e outro, como se verá
abaixo, é onde se titua a abordagem deste trabalho.
Ou seja, o contributo deste trabalho evidencia que existem fatores estruturais desde a
origem que permitem explicar e compreender certos enclaves de maior insatisfação da
guerrilha, uma vez que, devido à evolução do conflito armado interno, existem outros
fatores que, além de derivarem da violência e não tanto da origem, também assumem
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uma força argumentativa quando se trata de entender por que razão a violência
guerrilheira se concentra em certos cenários e não em outros. Assim, no caso da
Colômbia, todas as obras coincidem em destacar a desigualdade económica (Candelo et
al., 2000), a concentração da terra (Ibáñez e Querubín, 2004), ou o deslocamento
forçado e a acumulação de terras (Reyes, 2009).
Finalmente, o conflito armado interno não pode ser entendido sem as receitas de fontes
legais, e principalmente ilegais, que alimentam todo o confronto armado contra o
Estado, mas também criam dinâmicas particulares de legitimidade (Collier, 2000;
Collier & Hoefler 2004; Bates, 2008). Algo que Yaffe (2011, pp. 193) para a o caso da
Colômbia e aceitando os contributos de Ballentine e Nitzchke (2003) ou Ballentine e
Sherman (2003), implica que:
…embora a luta pelo acesso aos recursos económicos possa ser um
elemento perpetuador dos conflitos armados, não é a principal
causa de seu aparecimento (pois) concordam no fato de que a
origem dos conflitos violentos reside nos ressentimentos gerados
pela gestão de recursos, a distribuição desigual da riqueza
derivada desses recursos e as políticas governamentais que
impedem que muitos setores beneficiem dessas fortunas Yaffe
(2011, pp. 193).
Ou seja, tanto as condições com origem na violência estrutural, traduzidas em
abandono institucional, desigualdade ou atraso socioeconómico, como as condições
ligadas à praga dos recursos para a sobrevivência da violência, se uniram como fatores
explicativos do ativismo guerrilheiro na Colômbia. Um ativismo que, de acordo com o
que se afirma na seção seguinte, pretende ser explicado à luz de uma lista de variáveis
que, no início, devem servir para compreender como se produz a dinâmica da violência
na Colômbia.
3. Design metodológico
O design metodológico é inspirado por duas investigações de referência obrigatória.
Em primeiro lugar, o trabalho de nchez e Díaz (2005), que se concentra na análise
dos efeitos económicos do conflito armado na Colômbia e investiga a evolução da
atividade armada das FARC-EP, do ELN e das Autodefesas Unidas da Colômbia, entre
1995 e 2002, numa vasta amostra de municípios. Neste trabalho, as consequências
das atividades desses grupos são calculadas sobre o deslocamento interno forçado,
capital humano (em termos de educação e mortalidade infantil), variáveis
socioeconómicas (baseadas nas Necessidades Básicas Insatisfeitas e no coeficiente de
Gini), além de variáveis geográficas (distância e infra-estrutura) e atividade fiscal
(transferências e investimento público). A técnica utilizada e que serve como referência
é equiparar os estimadores, onde o que é comparado é a realidade de um município
com atividade armada com a de um município simulado sem atividade armada, mas
que em outros aspectos mantém condições que são muito semelhante ao primeiro.
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Por outro lado, o contributo de Botello (2014) procura explicar os determinantes da
taxa de homicídios a nível nacional, transcendendo-se do conflito armado, entre 1993
e 2005; desta vez, baseado num modelo Tobit, que é usado quando a informação da
variável dependente pode ser dividida em dois grupos (municípios sem homicídios e
com homicídios), utilizamos variáveis explicativas que incluem o rendimento médio dos
municípios, o número de habitantes, e o tamanho do setor urbano.
Com base no exposto, o pressuposto nesta ocasião é calcular e quantificar os
determinantes do conflito armado na Colômbia, embora, ao contrário dos estudos
anteriores, a variável dependente seja o mero de ações armadas das FARC-EP,
enquanto se trata de explicar que fatores explanam o seu ativismo nos últimos anos.
Desta forma, e contrariamente a ambos, o período analisado é mais recente,
abrangendo a década de 2002 a 2012, que traduz a maior violência de guerrilha na
história recente do país, enfatizando assim a explicação que representa o cultivo de
coca, a atividade mineira, a capacidade operacional das Forças Armadas, ou as
mudanças legais centradas no fim do conflito, entre outros fatores.
3.1. Descrição das variáveis
Todos os indicadores apresentados neste artigo são analisados por departamento de
acordo com uma periodicidade anual que, conforme observado anteriormente, vai de
2002 até 2012. No caso da maioria das variáveis quantitativas, o logaritmo natural
(simbolizado por um "L" que precede uma variável) é aplicado. O número de
confrontos com os guerrilheiros das FARC-EP e os contatos armados iniciados pela
Força Pública foram obtidos através do Observatório de Direitos Humanos e Direito
Internacional Humanitário (ODHDIH) da Vice-Presidência da República, cuja
informação, por sua vez, foi tratada pelo Departamento de Administração de
Segurança até 2011 e, a partir desse momento, pelo Comando Geral das Forças
Militares. Assim, com base nesse indicador, as ações armadas são entendidas como o
número de ataques contra as Forças Armadas, emboscadas, assédio, ataques contra a
população civil e atos de terrorismo realizados pelas FARC-EP. Um ativismo que, de
acordo com os dados, se concentrou principalmente nas províncias de Cauca, Nariño,
Antioquia, Caquetá, Arauca e Putumayo, onde em todas a média anual de cinquenta
ações foi superada.
O número de plantações de coca é medido por hectare cultivado, com base nos
cálculos feitos pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), que
coordena toda a informação que alimenta o Sistema de Monitorização de Cultivos
Ilícitos na Colômbia (SIMCI), em que todos os dados sobre drogas ilícitas estão
concentrados. Da mesma forma, províncias como Cauca, Nariño, Antioquia, Caquetá,
Putumayo, Guaviare e Meta seriam as províncias de cultivo de coca da Colômbia por
excelência, superando a média anual de 4.000 hectares de plantações de coca no
período em estudo.
Por outro lado, Cundinamarca e as províncias de Santander, Valle del Cauca e
Antioquia são as que têm maior PIB real por capita, superando os 8,000.0000 Pesos
Colombianos (COP) por ano, aproximadamente US $ 3.000 Dólares (EUA),
contrastando com províncias como Vaupés, Chocó, Guainía, Guaviare, Nariño e Sucre,
onde o mesmo indicador é inferior a 3.700.000 COP em média anual
(aproximadamente US $ 1.200). Nesta ocasião, o Departamento Administrativo
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Nacional de Estatística (DANE
1
) funcionou como a fonte a partir da qual a informação
sobre este tipo de indicador pode ser extraída, possibilitando também calcular a
densidade populacional por província.
Os dados sobre a desigualdade, especificamente em termos de propriedade e
distribuição de posse da terra, e abrangendo todos os dados e províncias, com exceção
dos dados para o ano de 2012, foram obtidos através do Ministério da Agricultura da
Colômbia. Desta forma, as províncias com maior desigualdade eram Antioquia, Meta,
Arauca, Cauca, Valle del Cauca e Boyacá, com um coeficiente que excede o valor de
0,82 na média anual, em comparação com as províncias de Orinoquia e Amazonia,
que, como Vaupés, Vichada, Guainia ou Guaviare, partilham tendências muito mais
igualitárias (coeficiente de 0,47 na média anual).
As condições socioeconómicas da violência são integradas, fundamentalmente, com
base em três variáveis. Por um lado, o desempenho educativo é medido com base nos
resultados dos testes de matemática dos exames de acesso ao Ensino Superior (SABER
11)
2
. Esses testes aferem o nível de qualidade da educação, que é fundamental para
estimular ou não ações de recrutamento de guerrilha. Desta forma, este indicador foi
analisado para todos os anos, e os resultados mostraram um alto desempenho de
Cundinamarca, Santander, Boyacá, Nariño e Valle del Cauca (acima de 44,5 de média
anual) em comparação com outras províncias como Chocó, Vaupés, Amazonas, e
Magdalena, onde se registaram as qualificações mais baixas (abaixo da média anual de
42).
Além disso, a cobrança de impostos por habitante por província mediu as capacidades
institucionais para combater a violência, embora esteja disponível para os anos
entre 2009 e 2012, de acordo com os números do Departamento Nacional de
Planeamento (DNP
3
). As receitas fiscais são altas em San Andrés, Cundinamarca,
Antioquia e Boyacá (acima da média anual de 149,000 COP) em comparação com
Putumayo, Cauca, Nariño e La Guajira (abaixo da média anual de 70,000 COP), onde a
cobrança de impostos é muito menor.
Além disso, o Ministério da Saúde e Proteção Social
4
forneceu a taxa de mortalidade
infantil, que mede o número de óbitos em crianças com menos de 1 ano por 1.000
nascimentos, de 2000 a 2005. Os melhores indicadores de mortalidade infantil
encontram-se em Santander, San Andrés, Arauca, Casanare e Valle del Cauca (abaixo
de 15 mortes na média anual), ao contrário de Chocó, Vichada, Caquetá e Guainía
(acima de 29 mortes na média anual).
Foram criadas variáveis dicotóicas para medir as mudanças ao longo do tempo. Este foi
o caso de "Santos", que teve o valor de 1 para 2011 e 2012 (períodos em que Juan
Manuel Santos foi presidente) e a variável "justiça" com o valor 1 atribuído de 2006 a
2012, para tentar identificar os possíveis efeitos da Lei 975 de 2005 sobre Justiça e
Paz na violência da guerrilha na Colômbia, que conduziu à desmobilização de mais de
31 mil paramilitares.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1
A informação encontra-se disponível em www.dane.gov.co na secção Estadísticas por tema e logo em
Cuentas Nacionales.
2
A informação encontra-se disponível em www.icfesinteractivo.gov.co/historicos/
3
A informação encontra-se disponível em www.dnp.gov.co/programas/desarrollo-territorial/evaluacion-y-
seguimiento-de-la-descentralizacion/Paginas/desempeno-fiscal.aspx
4
A informação encontra-se disponível em www.minsalud.gov.co/estadisticas
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Finalmente, construíram-se variáveis para medir características específicas das
províncias, especialmente relativamente ao binómio centro/periferia. Distancia mede o
comprimento em quilómetros entre a capital de uma província e a capital Bogotá.
Frontera, Mar, Andino, Minorías e Minero são variáveis qualitativas que servem para
comparar o grupo de províncias que partilham uma fronteira com algum país, têm
acesso ao mar, onde as minorias são representativas entre a população ou para as
quais o setor mineiro é especialmente importante dentro do PIB da província.
4. ANÁliSE DA INVESTIGAÇÃO
4.1. Determinantes do conflito (especificação 1)
O modelo proposto para a análise dos determinantes do conflito é o seguinte (equação
1):
( )
tiititititi
uMINEDES E CONGOBLCILCO
,4,3,2,10,
)()()( +++++=
βββββ
a) Cultivos ilegais CI, governo GOB, PIB real per capita PIBRPC, e a presença de
mineração MIN determinam a evolução do conflito CO. O erro u captura todas as
variáveis independentes que não estão explicitamente incluídas na equação (1).
b) Cultivos ilegais CI: quando um aumento no cultivo de coca, isso requer o
aumento de tropas de grupos armados ilegais, conduzindo a um maior conflito (beta
positiva 1). Os cultivos de coca foram calculados utilizando a variável LCOCA.
c) Governo GOB: uma maior receita fiscal per capita reflete uma presença acrescida do
governo e menor possibilidade de conflito (beta negativa 2). Nesse cenário, também é
importante considerar que um exército maior pode gerar um conflito maior (beta
positiva 2). Nesse caso, LRECTRIPC é a variável usada para medir a cobrança de
impostos.
d) Desempenho económico DESECON: uma vez que grande parte do conflito com
guerrilhas ocorre fora dos centros urbanos, um maior desenvolvimento económico
reduz os incentivos para gerar conflitos (beta negativa 3). A variável usada é LPIBRPC.
e) Atividade mineira MINERO: as províncias mais dependentes do setor mineiro atraem
a atenção de grupos armados ilegais, dada a sua capacidade de gerar rendimentos
adicionais. Isso, por sua vez, traduz-se num conflito maior na proteção desses novos
recursos (beta positiva 4). A atividade mineira foi calculada usando a variável MINERO.
4.2. Determinantes do conflito (especificação 2)
Outro modelo proposto para analisar os determinantes do conflito é o seguinte
(equação 2):
( )
titititititi
vINLEYDILDESLCILCO
,,543,2,10,
)()()()( ++++++=
αααααα
Cultivos ilegais CI, desigualdade DES, distância DI, justiça JUS e iniciativa IN
determinam a evolução do conflito CO. O erro v captura todas as variáveis
independentes que não estão explicitamente incluídas na equação (2).
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a) Cultivos ilegais CI: o aumento nos cultivos de coca requer o aumento de tropas de
grupos armados ilegais, conduzindo a um maior conflito (alfa positivo 1). Os cultivos
de coca foram calculados utilizando a variável LCOCA.
b) Desigualdade DES: de acordo com a literatura, a desigualdade e especialmente a
desigualdade rural são uma fonte de conflito, mas também de legitimidade para
justificar a ação da guerrilha (alfa positiva 2). A desigualdade foi calculada usando a
variável LGINIT.
c) Distância DIS: o desempenho económico e a presença do Governo também estão
associados à periferalização do conflito. Uma maior distância indica a periferalização do
conflito devido a uma menor presença do Governo e menor comércio interno (alfa
positiva 3). A variável usada é LDISTANCE.
d) Leis LAW: o quadro jurídico também aporta soluções para o conflito. As leis que
permitem a inclusão de grupos armados ilegais na sociedade civil reduzem futuras
fontes de violência (alfa negativa 4). Neste caso, JUSTICE é a variável usada para
medir a mudança nos processos legais.
e) Iniciativa INI: como mencionado acima, é importante considerar que uma maioria
acrescida da Força Pública pode gerar intensificação do conflito (beta positiva 5). A
iniciativa das Forças Militares é avaliada com a variável LFFMM.
5. Resultados da Investigação
5.1. Mínimos Quadrados Ordinários (modelo duplo-logarítmico)
Com resurso ao programa estatístico Eviews versão 9.5, realizaram-se as seguintes
regressões nas quais a variável dependente é o logaritmo natural do número de
confrontos das guerrilhas das FARC-EP (Tabelas 1 e 2). O método dos mínimos
quadrados ordinários permite-nos conhecer o efeito marginal de uma variável
independente (cultivo de coca) numa variável dependente (conflito), mantendo
constantes as restantes variáveis. Utilizou-se um modelo Log-Log em todos os casos,
uma vez que os coeficientes possuem uma interpretação intuitiva (elasticidades),
reduz os possíveis problemas de heteroscedasticidade e permite comparar variáveis
em diferentes unidades de medida. O programa estatístico Eviews é usado pois é um
dos softwares que permite modelar informações a partir de dados de painel e
possibilita analisar a informação de forma intuitiva.
Nas primeiras regressões (Tabela 1), a ênfase foi colocada na produção de coca,
presença do Estado (cobrança de impostos per capita) e desempenho económico (PIB
real per capita). Em todos os casos, a resposta do conflito ao cultivo de coca é
inelástica e positiva. Este resultado pode ser explicado da seguinte maneira: quando a
produção aumenta, o grupo guerrilheiro faz um esforço adicional para proteger essas
terras de diferentes ameaças (FARC, ELN, paramilitares e Exército Nacional).
A presença do Estado atenua a magnitude do conflito de forma considerável. Quando a
cobrança de impostos numa província aumenta 1%, o número de confrontos FARC-EP
diminui em 1,93% (Modelo 4). Quando o governo realiza uma maior coleta, é provável
que haja uma maior presença da Força Pública nessa província e assim maior restrição
nos confrontos com o grupo guerrilheiro.
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O crescimento económico também tem um impacto significativo na luta. Quando o PIB
per capita aumenta 1%, o número de confrontos FARC-EP aumenta 1,36% (Modelo 4).
Esse resultado desafiador da lógica pode ser explicado pela estrutura produtiva da
região. As províncias onde o setor mineiro gera uma grande parte do seu PIB atraem a
atenção de grupos armados ilegais. Entre as múltiplas fontes de rendimento das FARC-
EP, inclui-se a extração de minerais como o ouro no Pacífico ou o petróleo na província
de Arauca. Ao analisar a variável MINERO * LPIBRPC, os resultados mostram um sinal
positivo e indicam como o crescimento económico de províncias com dependência
elevada no setor mineiro gera mais confrontos com as FARC-EP.
Como nas regressões na Tabela 1, a resposta ao conflito aos cultivos de coca é
inelástica e positiva (Tabela 2). Além disso, as medidas de desigualdade (GINI de
terras), a periferalização do conflito (distância de Bogotá), Lei de Justiça e Paz
(Justiça) e Forças Militares (iniciativa) foram incorporadas nos modelos 6, 7 e 8.
Entre todas as variáveis, a desigualdade tem o maior impacto no número de confrontos
(modelos 6, 7 e 8). Quando o coeficiente de Gini para a terra por província aumenta
1%, o número de confrontos FARC-EP aumenta 1,63% (Modelo 8). Assim, altos níveis
de desigualdade geram descontentamento e desconforto de tal forma que, quando se
percebem as injustiças nos processos, o resultado é um conflito maior nessas regiões,
de acordo com o proposto em alguns trabalhos anteriores como o de Whitworth
(2012), cujo foco é demonstrar a existência de uma ligação significativa entre
desigualdade e violência a nível local.
A presença do Estado também pode ser modelada pela distância entre a capital de
uma província e Bogotá. Quando a distância aumenta 1%, os confrontos aumentam
0,10% (Modelo 8). A distância reflete indiretamente os custos de transporte e a
influência da capital numa província, dada pela facilidade no comércio interno, mesmo
nos tempos da colónia, conforme proposto por Safford & Palacios, 2012.
Por outro lado, a Lei de Justiça e Paz reduziu a intensidade do conflito em 43%
comparando o período entre 2001-2005 e 2006-2012. Dado a forte aceitação desta Lei
pelos Grupos Autodefesas Unidas da Colômbia
(AUC), seria de esperar que a guerrilha
das FARC-EP tivesse menos concorrência em termos de cultivo de coca (entre 2002 e
2010, houve 31.810 grupos e 21.849 desmobilizações individuais realizadas de acordo
com o Gabinete do Alto Comissário para a Paz).
Quando as forças militares aumentam a sua iniciativa no conflito em 1%, o mero de
conflitos com as FARC-EP aumenta em 0,66%. De acordo com o acima exposto, o
Exército também teve uma posição ofensiva no conflito, gerando uma resposta da
guerrilha e agravando o conflito no país. Isso representa um cenário positivo para a
paz, já que ambos os atores perdem o incentivo para iniciar um confronto.
5.2. Modelos binários
Outra maneira de entender as consequências do conflito armado interno colombiano é
calcular as probabilidades de ligação com as FARC-EP. Sob este cenário, as províncias
que tiveram pelo menos um contato com este grupo diferem daquelas sem conflito. A
técnica utilizada é o modelo binário que permite o cálculo das regressões quando a
variável dependente adquire apenas dois valores (1 se tiver conflito, 0 caso contrário).
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As Tabelas 3 e 4 apresentam os resultados do modelo Logit, incluindo todas as
províncias da amostra. Construiu-se uma variável qualitativa que permite comparar as
províncias com plantações de coca versus as que não as possuem. A diferença é
estatisticamente significativa na maioria dos casos, e no modelo 16, as províncias com
produção de coca são 39% mais propensas a ter conflitos com as FARC.
Ao analisar a incidência da desigualdade e a iniciativa das forças militares, pode-se
observar a sua importância como fonte de conflito. Para cada ponto adicional no
coeficiente de Gini para a terra, a probabilidade de ter um combate com as FARC
aumenta 63%. Para cada iniciativa militar da Força Pública Colombiana, a
probabilidade de gerar um conflito com as FARC-EP aumenta 7%.
5.3. Modelos com informações censuradas ou truncadas
O modelo Tobit emprega o melhor do modelo duplo-logarítmico (5.2.1) e dos modelos
binários (5.2.2). Assim como os modelos binários, o modelo Tobit divide a amostra
entre províncias onde houve conflito e as onde não houve, mas, neste caso, a
regressão permite diferenciar a gravidade do conflito porque a variável dependente
assume os seus valores originais (não binários).
Semelhante ao exposto no ponto 5.2.1, a resposta do conflito aos cultivos de coca é
inelástica e positiva. Além disso, a desigualdade tem maior impacto no mero de
confrontos (Tabela 6) e o seu coeficiente é muito semelhante ao indicado no ponto
5.2.1 (1.75% contra 1,63%). Apesar do acima referido, o impacto da Lei de Justiça e
Paz e a iniciativa das Forças Militares são maiores nos modelos Tobit (71% contra 43%
no primeiro caso e 0,66% em comparação com 0,71%).
5.4. Revisão de premissas
Entre as variáveis independentes, os coeficientes de correlação registam valores
inferiores a 0,63, indicando que a multicolinearidade não é um problema grave. Este
diagnóstico foi validado pelas regressões auxiliares e pela regra de Klein.
Ao executar regressões com erros robustos que corrigem problemas de
heterocedasticidade, os sinais e as magnitudes dos estimadores não mudaram
significativamente.
A aproximação ao padrão normal da estatística de Durbin Watson mostra que, em
termos gerais, a maioria das regressões não apresenta a ordem de auto-correlação 1
(positiva ou negativa).
Com um significado de 1%, o teste Jarque Bera de normalidade não rejeita a hipótese
nula de os erros de regressão dos modelos 2, 3, 4, 7 e 8 seguirerm a distribuição
normal. Nos outros casos, embora a hipótese nula seja rejeitada, o tamanho da
amostra permite inferência estatística (tamanho mínimo da amostra de 238).
6. Conclusões
Nesta investigação realizou-se uma aproximação quantitativa, analisando algumas
variáveis que, segmentadas de acordo com sua natureza socioeconómica, institucional
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e geográfica, e deacordo com a sua importância, explicam muito do ativismo
guerrilheiro das FARC-EP nos últimos anos.
No lado socioeconómico, a ênfase foi colocada na produção de coca e na presença do
Estado (cobrança de impostos per capita), revelando uma relação positiva entre o
conflito armado e o cultivo de coca. A resposta do conflito aos cultivos de coca é
inferior a 1%; esta situação pode ser explicada pelos esforços adicionais que a
guerrilha das FARC-EP teve que realizar para proteger essas terras. Este resultado,
embora não o evidente, é ampliado quando comparado com grupos de regiões,
mostrando que as províncias de produção de coca são 39% mais propensas a ter
confrontos com as FARC.
O grupo guerrilheiro ganhou terreno no ambiente económico graças a cultivos ilícitos e
atividades criminosas que o Estado colombiano teve sérias dificuldades em parar. Este
estudo estabelece que a cobrança de impostos teve influência no conflito, pois, quando
aumenta 1%, o número de combates com as FARC-EP diminui 1,93%. Ou seja,
podemos afirmar que quando o governo realiza uma maior coleta, conta com maior
apoio das Forças Públicas para dissuadir a violência produzida pelo conflito interno.
A nossa investigação evidencia que a atividade mineira também é uma determinante do
conflito armado. A interação das percentagens do PIB de mineração com o PIB per
capita de uma província revela uma relação positiva. Quanto maior a riqueza mineira,
mais conflitos ocorrem nessa região, talvez também devido ao fato de a mineração
ilegal se ter destacado como uma das fontes de rendimento mais importantes para as
FARC-EP.
Dentro das variáveis socioeconómicas, a desigualdade desempenha um papel muito
importante nos confrontos. Quando o coeficiente de Gini para a terra aumenta 1%, o
número de combates FARC-EP aumenta 1,63%. Na medida em que altos níveis de
desigualdade geram mal-estar e não-conformidade, e quando se percebe a existência
de injustiças nos processos, o resultado é um conflito maior nessas regiões.
Da mesma forma, a periferialização do conflito (distância de Bogotá) e a Lei de Justiça
e Paz, juntamente com a iniciativa das Forças Militares, foram, por outro lado, incluídas
como variáveis institucionais. O efeito da distância e da iniciativa do exército no conflito
é positivo, mas abaixo de 0,2% no primeiro caso e de 0,7% na segunda variável.
!Além
disso, é evidente que as guerrilhas se fortaleceram, devido à ausência do Estado, em
regiões que estão longe das grandes capitais e dos centros demográficos. Quanto mais
longe a província se encontra da capital, mais reduzida é a presença do Estado, o que é
reforçado pelos custos de transporte mais elevados. A Lei de Justiça e Paz, por outro
lado, teve um efeito significativo na redução do conflito, e, no período entre 2001 e
2005 e 2006 e 2012, a sua gravidade reduziu 43%.
Por fim, podemos concluir que a violência guerrilheira na Colômbia é determinada
principalmente pela desigualdade, a presença do Estado, cultivo de coca e processos de
desmobilização armada (Lei da Justiça e Paz).
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 141-158
Determinantes quantitativos da violência da guerrilha FARC-EP na Colômbia
Jerónimo Rios Sierra, Camilo Vargas, Paula Bula, Amalia Novoa Hoyos
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Determinantes quantitativos da violência da guerrilha FARC-EP na Colômbia
Jerónimo Rios Sierra, Camilo Vargas, Paula Bula, Amalia Novoa Hoyos
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ANEXOS
Tabela 1. Regressões dos Conflitos (variável dependente LFARC)
Variável
Modelo 1
Modelo 2
Modelo 3
Modelo 4
C
1,06(0,28)***
3,68(2,09)***
-21,93(1,25)***
-13,28(5,65)*
LCOCA
0,18(0,04)***
0,36(0,07)***
0,42(0,06)***
0,43(0,06)***
LRECTRIPC
-0,84(0,41)***
-2,28(0,43)***
-1,93(0,47)***
LPIBRPC
2,04(0,34)***
1,36(0,42)***
MINERO
-16,67(9,03)*
MINERO*LPIBRPC
1,09(0,57)*
N
288
96
96
96
R2
0,07
0,27
0,47
0,51
F
22,47***
17,1***
28,04***
19,08**
DW
1,79
2,27
2,17
2,25
Fonte. Cálculos preparados pelos autores. *p<0,10; **p<0,05; ***p< 0,01
Tabela 2. Regressões dos Conflitos (variável dependente LFARC)
Variável
Modelo 5
Modelo 6
Modelo 7
Modelo 8
C
1,06(0,28)***
2,10(0,28)***
1,11(0,39)***
0,03(0,34)
LCOCA
0,18(0,04)***
0,19(0,03)***
0,17(0,03)***
0,06(0,03)**
LGINIT
2,64(0,36)***
3,13(0,38)***
1,63(0,32)***
LDISTANCIA
0,22(0,06)***
0,10(0,16)**
JUSTICIA
-0,57(0,14)***
LFFMM
0,66(0,06)***
N
288
246
246
245
R2
0,07
0,24
0,27
0,58
F
22,47***
38,48***
31,16***
64,91**
DW
1,79
1,70
1,83
1,97
Fonte. Cálculos preparados pelos autores. *p<0,10; **p<0,05; ***p< 0,01
Tabela 3. Regressões dos Conflitos (Logit) (variável dependente FARCD)
Variável
Modelo 9
Modelo 10
Modelo 11
Modelo 12
C
0,64(0,21)***
0,55(0,58)
-0,18(0,71)
-0,79(0,84)
DCOCA
0,79(0,26)***
1,11(0,44)**
1,46(0,49)***
2,07(0,62)***
RECTRIPC
-
0,005(0,003)*
-0,02(0,006)***
-0,01(0,006)**
PIBRPC
0,00(0,00)***
0,00(0,00)
MINERO
2,01(1,74)
MINERO*PIBRPC
0,00(0,00)
N
372
124
124
124
R2 (Mc Fadden)
0,02
0,08
0,20
0,29
LR
8,72***
12,35***
31,13***
45,58***
Fonte. Cálculos preparados pelos autores. *p<0,10; **p<0,05; ***p< 0,01
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 141-158
Determinantes quantitativos da violência da guerrilha FARC-EP na Colômbia
Jerónimo Rios Sierra, Camilo Vargas, Paula Bula, Amalia Novoa Hoyos
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157
!
Tabela 4. Regressões dos Conflitos (Logit) (variável dependente FARCD)
Variável
Modelo 13
Modelo 14
Modelo 15
Modelo 16
C
0,64(0,21)***
-2,00(0,83)**
-2,46(0,89)***
0,02(1,05)
DCOCA
0,79(0,26)***
1,31(0,31)***
1,29(0,31)***
0,40(0,39)
GINIT
3,61(1,07)***
4,13(1,12)***
0,65(1,36)
DISTANCIA
0,0001(0,00)
-0,00(0,00)*
JUSTICIA
-1,13(0,38)***
FFMM
0,07(0,01)***
N
372
323
323
323
R2
0,02
0,08
0,08
0,35
LR
8,72***
24,5***
26,65***
64,91**
Fonte. Cálculos preparados pelos autores. *p<0,10; **p<0,05; ***p< 0,01
Tabela 5. Regressões dos Conflitos (Tobit) (variável dependente LFARC)
Variável
Modelo 17
Modelo 18
Modelo 19
Modelo 20
C
0,62(0,21)***
4,07(2,77)
-30,66(6,70)***
-15,60(8,55)*
LCOCA
0,21(0,03)***
0,33(0,07)***
0,38(0,07)***
0,41(0,07)***
LRECTRIPC
-0,96(0,55)*
-3,03(0,65)***
-2,15(0,67)***
LPIBRPC
2,82(0,51)***
1,55(0,62)**
MINERO
-11,01(11,84)
MINERO*LPIBRPC
0,80(0,75)
N
360
120
120
120
Criterio de Akaike
3,65
3,44
3,21
3,13
Fonte. Cálculos preparados pelos autores. *p<0,10; **p<0,05; ***p< 0,01
Tabela 6. Regressões dos Conflitos (Tobit) (variável dependente LFARC)
Variável
Modelo 21
Modelo 22
Modelo 23
Modelo 24
C
0,62(0,21)***
1,92(0,23)***
1,07(0,43)**
-0,54(0,35)
LCOCA
0,21(0,03)***
0,24(0,03)***
0,24(0,03)***
0,04(0,02)
LGINIT
3,67(0,47)***
4,07(0,50)***
1,75(0,38)***
LDISTANCIA
0,17(0,08)**
0,07(0,05)
JUSTICIA
-0,71(0,14)***
LFFMM
0,91(0,06)***
N
360
312
312
312
Criterio de Akaike
3,65
3,45
3,44
2,76
Fonte. Cálculos preparados pelos autores. *p<0,10; **p<0,05; ***p< 0,01
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº. 1 (Maio-Outubro 2018), pp. 141-158
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Jerónimo Rios Sierra, Camilo Vargas, Paula Bula, Amalia Novoa Hoyos
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Tabela 7. Estatísticas descritivas
Variável
Média
Desvio padrão
Máximo
Mínimo
ANDINO
0,34
0,47
1
0
COCA
3.472
5.252
47.120
0
DENS
119,09
256,58
1.433
0,45
DISTANCIA
719,9
1.565
9.281
0
FARC
30,1
33,6
169
1
FFMM
50,87
71,79
506
0
FRONTERA
0,31
0,46
1
0
GINI T
0,73
0,13
0,94
0,20
HOMI
47,48
35,46
195,4
0
JUSTICIA
0,58
0,49
1
0
MAR
0,30
0,50
1
0
MATE
43,49
2,62
52,28
37,91
MINERO
0,28
0,45
1
0
MINORIAS
0,31
0,46
1
0
MOR INF
19,61
7,00
11
44,7
PAZ
0,60
0,50
1
0
PIBRPC
6.846.656
4.571.636
38.439.912
2.168.265
RECTRIPC
126,24
68,84
446
43
SANTOS
0,16
0,37
1
0
SUPER
35.631
28.522
109.665
52
Fonte. Cálculos preparados pelos autores.
OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9 Nº.1 (Maio-Outubro 2018), pp. 183-198
!
Notas
A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA EM CABO VERDE: DO CONDICIONALISMO
COLONIAL PORTUGUÊS AO RECONHECIMENTO INTERNACIONAL
João Paulo Madeira
joao.madeira@docente.unicv.edu.cv
Doutor em Ciências Sociais Universidade de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e
Políticas (ISCSP). Professor auxiliar da Universidade de Cabo Verde (Cabo Verde).
Investigador do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP-ISCSP-UL) e Centro de
Investigação em Ciências Sociais e Políticas (CICSP-Uni-CV). Membro do Núcleo de Investigação
de Práticas e Competências Mediáticas e Digitais da Universidade Autónoma de Lisboa
(NIP@COM/UAL).
!
Bruno Carriço Reis
breis@autonoma.pt!
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Pontifícia de São Paulo e doutor em Ciências da
Comunicação pela Universidad Rey Juan Carlos de Madrid. É professor auxiliar na Universidade
Autónoma de Lisboa (Portugal) e professor convidado no mestrado de Culturas Digitales da
Universidad Autónoma de Querétaro no xico. Colabora com a Universidade de Cabo Verde,
onde foi coordenador do curso de Ciências Sociais entre 2010 e 2012. É membro do Núcleo de
Estudos em Arte, Media e Política (NEAMP/PUC-SP). Membro do Núcleo de Investigação de
Práticas e Competências Mediáticas e Digitais da Universidade Autónoma de Lisboa
(NIP@COM/UAL).
Introdução ao processo de consolidação democrática em Cabo Verde
Cabo Verde conquistou a sua independência de Portugal no dia 5 de julho de 1975. O
presente artigo visa analisar as principais configurações institucionais desde o momento
da independência a às eleições legislativas de 2016. Começa-se por debater a
importância política dos movimentos anticolonialistas para a autodeterminação de Cabo
Verde como Nação soberana.
No período pós-independência discutir-se-á o processo de instauração do “Estado
Leviatã” (Correia e Silva, 2001), momento charneira da política cabo-verdiana onde o
Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) se constitui
aparelho estatal.
De seguida, explicaremos a reforma política e modernização do Estado perante a
mudança do regime, momento de transição de uma democracia revolucionária para
uma democracia liberal (Koudawo, 2001; Silveira, 2005). Serão detalhados os passos
da democratização do poder (Almada, 2011; Madeira, 2016a) que mais do que uma
necessidade constituiu uma exigência das instituições internacionais (Évora, 2013a).
De forma complementar, o artigo revisita o profuso debate sobre a democracia em
Cabo Verde, em particular a reformatação dos órgãos Estatais (Sanches, 2011 e 2013).
As mudanças significativas que foram operadas na Presidência da República (Lima,
2004), assim como no sistema eleitoral e partidário permitiram, por um lado, imprimir
outras dinâmicas no que concerne à organização da sociedade civil, que vinha sendo
alvo de açambarcamento dos partidos políticos (Costa, 2013) e, por outro, redefinir o
debate sobre o género e representação política (Monteiro, 2015).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº.1 (Maio-Outubro 2018), pp. 183-198
A construção da democracia em Cabo Verde:
Do condicionalismo colonial português ao reconhecimento internacional
João Paulo Madeira, Bruno Carriço Reis
!
184
!
Descolonização e transição política em Cabo Verde: rumo à
autodeterminação
É imprescindível compreender, analisar e explicar o período colonial como um
condicionalismo político importante no processo da construção do Estado-Nação em
Cabo Verde (Silveira 2005). À semelhança de alguns Estados africanos, Cabo Verde
esteve quase cinco séculos (1460-1975) sob a administração do Estado português,
herdando o modelo de administração portuguesa (Martins, 2010). O Império Português
procurava, com a instalação de colónias no continente africano, criar entrepostos
comerciais e ocupar zonas estratégicas através da celebração de acordos com
dirigentes africanos, no sentido de ampliar a sua área de influência (Valles 1974). O
Estado colonial criou estruturas de poder e de decisão, investindo nos quadros oriundos
da metrópole com a intenção de expandir a sua esfera no domínio político-económico
(Marques, 1999).
Em Cabo Verde, além de se ter investido em quadros da metrópole, o Estado apostou
na “velha elite cabo-verdiana” para que fosse possível a efetivação do projeto de
dominação colonial (Hofbauer, 2011). Anjos (2002) chegou a caraterizar esta elite
como “mediadora”, que em finais do século XIX procurou reivindicar “um estatuto
especial no esquema colonial português” (Madeira, 2014: 9).
O advento do Estado Novo ou da segunda República (1926-1974) em Portugal marca
um novo período na história das colónias portuguesas em África. O regime do Estado
Novo (1933-1974) via-se confrontado nos anos cinquenta com problemas referentes às
suas possessões em África, sobretudo pelo facto de Portugal pretender entrar em abril
de 1949 na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e aderir à Organização
da Nações Unidas (ONU), o que veio a acontecer em dezembro de 1955 com o forte
apoio dos Estados Unidos da América, uma vez que este permanecia com as suas bases
aéreas e navais no arquipélago dos Açores (Antunes, 2013). Como forma de contornar
as exigências da ONU, Salazar considerava que Portugal era uma Nação multirracial,
pluricontinental, una e indivisível, que se estendia de Minho a Timor, na perspetiva de
que todas as Províncias Ultramarinas formavam um corpo, unido e indissociável
(Henriques 2004).
Apesar de o Estado Novo ter permanecido até 1961 sob este “disfarce”, que foi apoiado
pelos EUA ao se abster constantemente nas resoluções da ONU que condenava a
política de Portugal em África (Antunes, 2013), a situação torna-se insustentável, na
medida em que avançavam os movimentos de libertação em África e eclodem as
guerras coloniais, de fevereiro de 1961 até à queda do regime em 1974 (Almada,
2011; Graça, 2004; Pereira, 2003).
No que concerne a Cabo Verde, em meados da década de cinquenta Amílcar Cabral
viajou para Bissau e no ano de 1956 funda, em colaboração com Aristides Pereira,
Elisée Turpin, Fernando Fortes, Júlio de Almeida e Luís Cabral, as primeiras células
clandestinas do PAIGC (Cabral, 1974a: 91). No partido “cada militante tomaria, pois, o
compromisso solene de dar tudo, incluindo a própria vida, para a realização integral do
programa” (Pereira, 2003: 87) de “unidade nacional na Guiné, unidade nacional em
Cabo Verde” (Cabral, 1979: 4). Para atingir este objetivo foi preciso, além de reforçar o
espírito socialista, trabalhar com afinco para que estes dois povos pudessem despertar
para a luta de libertação e, assim se inicia “a fase final de liquidação do imperialismo”
(Cabral, 1974b: 12).
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 9, Nº.1 (Maio-Outubro 2018), pp. 183-198
A construção da democracia em Cabo Verde:
Do condicionalismo colonial português ao reconhecimento internacional
João Paulo Madeira, Bruno Carriço Reis
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185
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Em Cabo Verde, as atividades clandestinas do PAIGC começaram a surgir na década de
1960. Criadas as condições, a 23 de janeiro 1963 inicia-se a ação armada no território
da Guiné-Bissau, tendo o PAIGC declarado guerra a Portugal (Coutinho, 2015). Tal
aconteceu porque para Cabral, as propostas do partido não tiveram aceitação
favorável, nem da parte do Governo português, nem da parte da ONU e, por esse
motivo as forças patrióticas “passaram a uma acção generalizada contra as forças
colonialistas em janeiro de 1963” (Cabral, 1974c: 15).
Passados dez anos, mais concretamente a 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral é
assassinado em Conacri, vítima de uma conspiração no seio do PAIGC, com o apoio da
Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), que pretendia fomentar a divisão do
partido (Pereira 2003). A luta pela autodeterminação continuou e, no mesmo ano,
elegeu-se a primeira Assembleia Nacional Popular (ANP) nas regiões libertadas da
Guiné, que, a 20 de setembro, declarou a independência da nova República da Guiné-
Bissau, reconhecida pela ONU e por mais de setenta Estados soberanos, que
legitimaram o PAIGC como único e autêntico representante do povo e, que de imediato
propôs a Portugal a retirada das suas forças militares do território da Guiné (Almada,
2011).
Contudo, a independência de Cabo Verde não foi oficializada no mesmo ano, isto
porque segundo o relatório do PAIGC acerca da situação do país, a luta encontrava-se
ainda no plano de ação política clandestina e os dois países encontravam-se
submetidos a um estatuto distinto, resultado de uma dinâmica diferente da ação
perpetrada pelo partido em cada um dos dois territórios, pois na Guiné-Bissau havia
sido instituída livremente uma Assembleia que teria proclamado um Estado soberano
(PAIGC 1974). A revolução de 25 de abril acelerou o processo da independência de
Cabo Verde, pois a 17 de outubro de 1974 o general Francisco Costa Gomes que
substituiu na presidência da República portuguesa o general António de Spínola,
discursou na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, assegurando que a
descolonização portuguesa era uma necessidade e que, de facto, decorreria para que a
autodeterminação e a independência
1
se adequassem como soluções às necessidades
dos novos Estados (Lopes, 2002).
Face a estes acontecimentos, o PAIGC procurou negociar com Portugal a independência
de Cabo Verde. Após várias tentativas fracassadas, o governo português comprometeu-
se em dezembro de 1974 a que, no prazo de seis meses, outorgaria a independência de
Cabo Verde, ficando ainda acordado que, neste mesmo período, nomear-se-ia um
Governo de Transição, constituído por um Alto-Comissário e cinco ministros
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1
Ver a este respeito a Lei 7/74, de 27 de julho - Direito das Colónias à Independência, Diário do
Governo nº 174/1974, 1º Suplemento, Série I. - que consagra a aquisição do princípio do reconhecimento
por Portugal do direito dos povos à autodeterminação, nomeadamente o art.º 6 “O Governo Português
reafirma o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência e garante a efectivação
desse direito de acordo com as resoluções pertinentes das Nações Unidas, tendo também em conta a
vontade expressa da Organização da Unidade Africana” e o art.º 7 “O Governo Português e o PAIGC
consideram que o acesso de Cabo Verde à independência, no quadro geral da descolonização dos
territórios africanos sob dominação portuguesa, constitui factor necessário para uma paz duradoura e
uma cooperação sincera entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau”. O acordo assinado
em Argel teve a participação de duas delegações: a do Comité Executivo da Luta (CEL) do PAIGC
composta por Pedro Pires, membro do CEL, comandante, Umarú Djalo membro do CEL, comandante, José
Araújo, membro do CEL, Otto Schacht, membro do CEL, Lúcio Soares, membro do CEL, comandante, Luís
Oliveira Sanca, embaixador e a Delegação do Governo Português por Mário Soares, Ministro dos Negócios
Estrangeiros, António de Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial, Vicente Almeida d'Eça,
capitão-de-mar-e-guerra e Hugo Manuel Rodrigues Santos, major de infantaria.
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Vol. 9, Nº.1 (Maio-Outubro 2018), pp. 183-198
A construção da democracia em Cabo Verde:
Do condicionalismo colonial português ao reconhecimento internacional
João Paulo Madeira, Bruno Carriço Reis
!
186
!
encarregados de um ou mais departamentos, no qual o Alto-Comissário e mais dois
ministros seriam nomeados pelo Governo português, e os restantes pelo PAIGC (Lopes,
2002; Silva, 2015). Este Governo tinha por missão criar as condições institucionais e
legislativas para o recenseamento eleitoral e, por conseguinte, permitir a eleição por
sufrágio direto e universal da primeira Assembleia Constituinte que teve lugar a 30 de
junho de 1975, na qual Abílio Duarte foi indigitado como Presidente.
A rutura de Cabo Verde com a Guiné-Bissau e a solução política do
Partido Único
A Assembleia Constituinte tinha a incumbência de declarar a independência de Cabo
Verde, como veio a acontecer a 5 de julho de 1975 e de, no prazo de noventa dias,
aprovar a primeira Constituição da República de Cabo Verde (CRCV) (Silva, 2015).
Entretanto, a primeira Constituição foi aprovada em setembro de 1980, notando o
incumprimento do acordo, em virtude de que foi a Lei sobre a Organização Política do
Estado (LOPE), considerada como uma pré-constituição que viria a preencher o vazio
constitucional no período de cinco anos (Silva, 2015).
Para a Constituição da Assembleia Nacional Popular (ANP) foram eleitos cinquenta e
seis deputados, tendo o PAIGC, através de uma lista apresentada por um grupo de
cidadãos, sido o único partido a participar nestas eleições, visto este ser considerado
como a única força partidária capaz de representar a vontade popular, e também
porque os outros partidos políticos como a União Democrática de Cabo Verde (UDC) e a
União do Povo das Ilhas de Cabo Verde (UPICV)
e os grupos de cidadãos não
dispunham de forças e estruturas suficientes para enfrentar o PAIGC nas referidas
eleições. A ANP eleita tinha o poder de eleger o Presidente da República que, na altura,
foi Aristides Pereira enquanto Secretário-geral do PAIGC, e Pedro Pires como Primeiro-
Ministro (Cardoso, 2015; Coutinho, 2015; Lopes, 2002).
Ante este cenário, o PAIGC dispunha de todas as condições para iniciar a sua liderança
binacional. Independentemente de se verificar que os dois países, ou seja, Cabo Verde
e Guiné-Bissau, tinham Chefes de Estado distintos, eles mantinham, no entanto, a
mesma ideologia e um sistema político idêntico. Embora, constitucionalmente o regime
político adotado pelo PAIGC em Cabo Verde se caraterizasse por uma Democracia
Nacional Revolucionária, não obstante, diferenciava-se das democracias liberais e dos
antigos países socialistas, cujos órgãos representativos eram eleitos ou constituídos
com a participação da sociedade através do mecanismo de sufrágio direto (Lima,
1992). Na prática, configurava-se como um regime de partido único, monopartidário,
cuja caraterística central se encontrava no facto de não consentir “a circulação da sede
do Poder nem a alternância ideológica” (Fernandes, 2010: 149).
O Estado de Cabo Verde revelava-se como um instrumento ao serviço do PAIGC,
contando que o poder do partido modelava todo o aparelho estatal, materializando a
ideia de que este decide, “o parlamento ratifica, e força legal às decisões, o governo
executa sob o controlo do partido” (Lopes, 2002: 652). Assim sendo, faria sentido o
facto de que estabelecida a configuração do exercício do poder, o PAICG acabaria por
ser confundido com o próprio Estado, caraterizando a ideia de um Partido-Estado
(Silveira, 1998). Ademais, o partido foi consagrado pela CRCV de 1980, no seu art4,
como a única força política dirigente da sociedade civil e do Estado (Koudawo, 2001).
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Perante os momentos conturbados que assolavam a Guiné-Bissau, nomeadamente o
golpe de Estado ocorrido a 14 de novembro de 1980, que levou à destituição do
presidente Luís Cabral, o governo cabo-verdiano para salvaguardar a sua integridade,
acabou por romper com o projeto de unidade, procedendo com a mudança no status
quo do Estado cabo-verdiano (Lopes 2002). A rutura “consubstanciou-se quando os
políticos da Praia, numa atitude qualificada de ‘traição’ pela Guiné, procederam à
desvinculação binacional do Partido, criando o PAICV e pondo cobro à união utópica de
um mesmo povo, em dois territórios separados” (Nóbrega, 2003: 229).
É de ressaltar que este acontecimento foi o corolário de um processo que se arrastava
desde a época colonial, num agudizar de desconfiança e de competitividade entre
ambos países. Para tal situação terá contribuído uma assimétrica distribuição de
lugares de poder. Os postos administrativos eram geralmente ocupados por cabo-
verdianos, visto possuírem maiores níveis de instrução, de participação e de acesso ao
mercado de trabalho e pelo facto de falarem corretamente o português (Mateus, 1999).
Mesmo no interior do PAIGC, cedo se notaram incompatibilidades entre a ala guineense
e a ala cabo-verdiana; a primeira formada por membros da classe popular que
obedecia à hierarquia partidária militar. A segunda composta por uma elite burguesa,
mais instruída e informada, com uma liderança mais coesa (Coutinho, 2015; Lopes,
2002).
Contudo, o “sentimento anti-caboverdiano ultrapassou rapidamente o âmbito restrito
da luta pelo poder no PAIGC, transformando-se numa atitude de repúdio mais ou
generalizado na sociedade guineense” (Nóbrega, 2003: 126-127). Todo este processo
desencadeou uma onda generalizada de descontentamento, dado que se considera que
os dois países, pouco ou nada teriam feito para colocar em prática esta unidade, que
realmente não passava de meras declarações de intenção, apesar de ter decorrido de
diversas assinaturas de protocolo de cooperação na tentava unir institucionalmente
ambos os países (Medeiros, 2012).
Cabo Verde procurou, a partir deste momento, caminhar por uma nova etapa que foi
sobretudo marcada por uma política de paz e de diálogo, apesar de se verificarem
divergências ideológicas no seio do PAIGC/CV e de se estar num contexto internacional
conturbado, sobretudo pelo fenómeno da Guerra Fria (Madeira, 2016b). No que
respeita às divergências político-ideológicas, constatava-se que, no seio do partido,
surgia uma nova ala denominada “trotskistas” que defendia um regime mais aberto e
pluralista (Évora, 2004).
Esta nova ala, composta, na sua maioria, por antigos estudantes que tinham atuado de
forma clandestina em Portugal e que, as o 25 de abril, regressaram a Cabo Verde, só
poderiam fazer a oposição no seio do partido de forma discreta
2
.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2
Segundo Cardoso (2015: 84), aquela data destacaram-se os seguintes membros: Manuel Faustino com
27 anos de idade; Ministro do Governo de Transição, Ministro da Educação (1974-1975). José Luís
Fernandes com 27 anos de idade, membro do CNCV e da delegação do PAIGC às negociações em Lisboa e
Ministro das Finanças (1975-76). Amaro da Luz com 41 anos de idade, membro do CNCV, Ministro da
Coordenação Económica do Governo de Transição (1975). António Gualberto do Rosário com 27 anos de
idade, membro da Direção Regional do PAIGC por São Nicolau e Sal. Cândido Santana com 24 anos de
idade, membro do CNCV e responsável político de Santiago. Euclides Fontes (24 anos de idade). Eugénio
Inocêncio com 25 anos de idade, membro do CNCV e responsável político de Santo Antão, São Vicente e
Sal. Carlos Lima (Calú), 22 anos de idade, responsável político da Brava. Carlos Moniz (Polampa, 27 anos
de idade). Emídio Lima com 22 anos de idade, membro da Direção Regional do PAIGC em São Vicente.
Eurico Monteiro (21 anos de idade). Érico Veríssimo com 27 anos de idade, Diretor-Nacional de
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Vários investigadores têm-se debruçado acerca desta temática, recolhendo informações
sobre este grupo. Os depoimentos de Pedro Martins em Testemunho de um combatente
(1995) e as narrativas a respeito do processo da independência e construção do Estado
cabo-verdiano em Os bastidores da Independência (2002) e Cabo Verde. As causas da
independência (2003) de José Vicente Lopes ajudam na compreensão deste fenómeno
que foi, particularmente destacado em Jorge Querido no livro publicado em 1989, Cabo
Verde: subsídios para a história da nossa luta de libertação e a contra-argumentação
apresentada no ano seguinte por Manuel Faustino em Jorge Querido: Subsídios sob
suspeita. O autor procura desmontar o discurso apresentado por Querido, considerando
que “nessa epopeia existem episódios muito mal contados” (1990: 23), em especial as
responsabilidades que atribuem ao próprio, particularmente no que concerne à
“liderança do grupo trotskista” (Furtado, 2016: 880). Manuel Faustino considera que
existiam modos diferentes de estar na política, entre eles e a ala mais conservadora do
partido (Lopes, 2002).
Em 1979, com a exclusão ou desvinculação desta ala no seio do PAIGC, em especial,
Manuel Faustino, Eugénio Inocêncio, José Tomás Veiga e Jorge Carlos Fonseca, o grupo
funda em 1980, sob a liderança deste último, os Círculos Cabo-Verdianos para a
Democracia (CCPD) e outras associações como a Liga Cabo-Verdiana dos Direitos
Humanos, cujas pretensões consistiam, essencialmente, na defesa contra a repressão
política. Ambas as instituições foram essenciais na criação do Movimento para a
Democracia (MpD) em março de 1990, que pretendia fazer oposição ao regime de
PAICV e corporizar “a vontade da sociedade cabo-verdiana em se libertar dos sistemas
não democráticos e suas sequelas, nomeadamente da omnipotência e omnipresença do
Estado providência e do subdesenvolvimento” (MpD, 1993: 3). A transição política foi
desencadeada pela conjugação de um conjunto de fatores internos e externos que
permitiram a adoção em Cabo Verde de um regime democrático, pondo fim ao regime
monopartidário.
Abertura Política e configuração do Regime Democrático
Multipartidário
A queda do Muro de Berlim em novembro de 1989 desencadeou a “terceira onda de
democratização” (Huntington, 2012). Em Cabo Verde este acontecimento ditou uma
forte contestação ao regime do PAICV, clima que ajudou a proporcionar as condições
necessárias para a abertura política. Com o colapso do socialismo, os regimes africanos
“perderam a capacidade de usar a rivalidade Este-Oeste que, até então, mantivera
ininterrupto o fluxo de fundos internacionais ao dispor das suas elites” (Nóbrega, 2010:
130). A nível institucional o primeiro passo foi a queda do art.º 4 que, por conseguinte,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Informação (1975-1976). Jacinto Santos com 21 anos, responsável nas Cooperativas de Cabo Verde. José
Tomás da Veiga com 24 anos de idade, membro do CNCV, Secretário de Estado das Finanças (1977-
1979). Jorge Carlos Fonseca com 23 anos de idade, Diretor-Geral da Emigração e Serviços Consulares e
Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros (1975-1979). José Eduardo Barbosa com 23
anos de idade, responsável político de São Nicolau e Fogo. Luís Leite (27 anos). Manuel Tolentino com 25
anos de idade, responsável de informação. Renato Cardoso com 24 anos de idade, Conselheiro do
Primeiro-Ministro e Secretário da Administração Pública. Foi músico e compositor de mornas e baladas
como Porton d'Nos Ilha, Tanha e Tera bo Sabe. É o autor do livro Cabo Verde - Opção por uma política de
paz (1986). Sérgio Augusto Cardoso Centeio com 26 anos de idade, membro do CNCV e Ministro da
Agricultura e Águas (1975-1976). Terêncio Alves (membro do CNCV) e Victor Fidalgo (membro da Direção
Regional do PAIGC em São Vicente).
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originou a abertura para que outras forças partidárias pudessem disputar as eleições
em Cabo Verde (Évora 2013a).
Além do MpD, ressurgiram outros partidos como a União do Povo das Ilhas de Cabo
Verde (UPICV)
e a União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID)
que, por
estarem sediados fora de Cabo Verde e não cumprirem as mínimas exigências para a
legalização, não puderam disputar as eleições legislativas (Sanches, 2011). As
primeiras eleições multipartidárias, livres e pluralistas ocorreram a 13 de janeiro de
1991, após a abertura política em 1990. O PAICV e o MpD foram os únicos partidos a
disputá-las, com o território nacional dividido em vinte e dois círculos eleitorais e mais
três no estrangeiro (África, América, Europa e Resto do Mundo), que procuram eleger
setenta e nove deputados, setenta e seis a nível nacional e três no estrangeiro, um em
cada círculo eleitoral (Évora, 2013b). A participação dos eleitores rondava os 76%, o
que foi bastante expressivo e que demonstrou a vontade do povo caboverdiano na
mudança do regime, uma vez que o MpD conseguiu eleger cinquenta e seis deputados,
e o PAICV vinte e três deputados (Évora, 2013b). O líder do MpD na altura, Carlos
Veiga, substitui como Primeiro-Ministro Pedro Pires e, nas eleições presidências de 17
de fevereiro de 1991, António Mascarenhas, que avançou com uma candidatura
independente e apoiada pelo MpD, substitui Aristides Pereira. Nas eleições autárquicas
realizadas no dia 15 de dezembro do mesmo ano, os candidatos do MpD vencem oito
das catorze Câmaras Municipais (Sanches, 2013).
Cabo Verde passou a apresentar caraterísticas de um Estado de Direito Democrático,
onde vigora a interdependência e o respeito pela separação de poderes. Esta
configuração ocorre com a promulgação em 1992 da nova CRCV e de um conjunto
volumoso de leis abrangendo a área social e económica, que passaram a garantir no
plano jurídico “a transição do sistema de Partido Único para o sistema pluripartidário”
(Silveira, 1998: 156). A par de um Estado de Direito Democrático institui-se em Cabo
Verde um sistema de Governo Semipresidencial que é, ainda hoje, objeto de discussão
entre investigadores. Assiste-se de igual modo à implementação de um sistema
eleitoral de representação proporcional de Hondt nas eleições legislativas e autárquicas
e um sistema eleitoral maioritário de dois turnos para as eleições presidenciais (Costa,
2009). O sistema político é segundo a CRCV multipartidário, mas face ao surgimento de
vários partidos políticos (Partido de Convergência Democrática (PCD); Partido do
Trabalho e da Solidariedade (PTS); Partido da Renovação Democrática (PRD); UCID),
os atos eleitorais realizados até ao momento (1991-2016) acabaram por cristalizar um
sistema de bipartidarismo, com o domínio do MpD e o PAICV.
Desafios Atuais à Consolidação da Democracia em Cabo Verde
A democracia cabo-verdiana é uma das mais jovens do continente africano (Évora,
2013a) e a sua consolidação depende da eficiência das instituições, que se devem reger
pelo cumprimento das regras democráticas, criando todos os requisitos que tornem a
democracia possível e que a fazem efetivamente funcionar (Rustow, 1970). É possível
constatar, partindo de uma breve análise etno-sociológica, que o carácter atípico da
democracia cabo-verdiana se deve a diversos fatores entre os quais se evidenciam: A
construção da Nação decorreu de processos históricos, de movimentos culturais e da
formação de uma consciência nacional (Baleno 2001; Fonseca, 2012; Góis, 2006;
Lopes, 2001; Madeira, 2016d; Pereira, 2011; Silveira, 2005), num movimento de longa
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duração que teve início com o povoamento no século XV. A génese da elite moderna
cabo-verdiana desponta a partir da segunda metade do século XIX em que os naturais
das ilhas passaram a ocupar cargos na administração, uma vez que possuíam maiores
níveis de instrução em relação a outros países africanos de expressão portuguesa. Este
fenómeno ocorreu graças ao contributo da igreja católica e da presença do Estado
colonial com a institucionalização do ensino primário em 1817, nomeadamente com a
criação da primeira Escola Primária na Vila da Praia e pelo surgimento das primeiras
aulas na Escola Principal de Instrução Primária em 1848 na ilha da Brava, assim como,
com a criação do primeiro Liceu Nacional em 1861 na cidade da Praia. Este aspeto
trouxe uma importância significativa na escolarização elite que foi, entretanto, utilizada
como mediadora na gestão da administração colonial (Barros, 2013; Fernandes, 2006).
Cabo Verde nunca esteve sujeito ao estatuto de indigenato, o que aconteceu em outros
países africanos de expressão portuguesa. O diploma legislativo n.º 956, de 4 de
novembro de 1947, declara, no seu preâmbulo, a não aplicabilidade do Estatuto do
Indigenato aos naturais de Cabo Verde, considerando que as populações do
arquipélago, não estão sujeitas nem à classificação de indígena.
Um outro aspeto relaciona-se com o modo como Cabo Verde chegou à independência,
pois conseguiu, sob a égide de um projeto de unidade entre a Guiné-Bissau e Cabo
Verde, lutar pela libertação contra a opressão colonial e a injustiça social. Apesar da
base da formação da identidade cabo-verdiana estar intrinsecamente ligada ao passado
da formação social engendrada nas ilhas, esta tem vindo a afirmar-se com a sua
singularidade e correlativos padrões socioculturais
3
.
Perante a insularidade e as condições climáticas, o cabo-verdiano procurou sobreviver e
um dos procedimentos utilizados foi o da hospitalidade e boa convivência dos seus
habitantes, o que tem contribuído para a estabilidade política. Esta pré-disposição
reflete-se no modo como os cabo-verdianos interiorizam as regras democráticas, o que
se traduz na consolidação democrática, uma vez que esta constitui efetivamente uma
realidade, sobretudo na fase de pós-conflito, cujo comportamento dos seus habitantes
constitui uma referência na região africana (Madeira, 2016d: 55).
A consolidação democrática pressupõe um processo de conversão dos regimes frágeis e
debilitados, aparentemente incompletos e instáveis num regime mais forte, coeso e
sólido, no qual as regras democráticas se tornam referências dos comportamentos
políticos (Schmitter, 1995). Para os teóricos das transições políticas (Collier e Levitsky,
1997; Linz, 1990a, 1990b, 1994; Przeworski, Alvarez e Limongi, 1996; Schmitter,
1995), a mudança de regime político, com consequente estabilização institucional,
acaba por paulatinamente sedimentar regras democráticas. As novas configurações
políticas decorrentes da mudança de regime vão estabelecendo rotinas, na medida em
que a democracia se vai impondo como o único jogo possível para essa sociedade (Linz,
1990b).
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3
Ver a este este respeito; Madeira, João Paulo (2015a). Nação e Identidade a Singularidade de Cabo
Verde. Tese de doutoramento não publicada. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas,
Universidade de Lisboa. A formação da identidade sucedeu de uma forma especificamente cabo-verdiana,
a qual tem sido alvo de um recorrente debate, nomeadamente pelas elites culturais, tendencialmente
agregadas em africanistas, europeístas e singularistas. Se por um lado, após o povoamento das ilhas do
arquipélago, se começou a arquitetar uma identidade ainda que de forma incipiente, por outro, esta
mesma identidade permitiu, ao longo do tempo, a construção de um Estado-Nação efetivamente singular
no conjunto dos restantes Estados africanos pós-coloniais.
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No caso de Cabo Verde, a consolidação democrática foi alicerçada num sistema
institucional (Przeworski, Alvarez e Limongi, 1996) em que os atores políticos puseram
em prática os requisitos normativos necessários para o funcionamento de uma
democracia, entre os quais os elementos institucionais que permitem compreender o
processo de consolidação democrática em Cabo Verde, que muito contribuíram para a
credibilidade do país internacionalmente
4
:
[i] Transição política: em comparação com alguns países africanos, sobretudo os da
língua oficial portuguesa, Cabo Verde apresenta um modelo de transição política
consolidada. Primeiro, o MpD venceu as primeiras eleições legislativas livres e
multipartidárias, derrotando o PAICV e, segundo, o novo regime multipartidário
não apresentou quaisquer sinais de retrocesso político, como aconteceu por
exemplo em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, onde se registaram um clima
de pessimismo e incerteza com relação ao futuro da democracia (Évora, 2013a);
[ii] Sistema de Governo e separação de poderes: a institucionalização do sistema de
governo pós-transição, que se carateriza a nível teórico, político e constitucional
como semipresidencialismo (Canas e Fonseca, 2007; Lima, 2004), permitiu que
os diferentes órgãos do poder do Estado passassem a usufruir de um novo
estatuto, na perspetiva de que os poderes devem ser atribuídos de forma a
prevenir a sua concentração, não prejudicando os seus funcionamentos
5
.
Contudo, tendo em conta a maioria parlamentar, a disciplina partidária e a
competência legislativa do Governo relativamente às matérias não reservadas ao
parlamento, tem-se verificado na prática uma supremacia do poder executivo
sobre o legislativo (Madeira, 2015b). Contudo, o atual sistema semipresidencial
cabo-verdiano, por reunir as virtudes dos sistemas puros (parlamentarismo e
presidencialismo), tem apresentado resultados positivos quanto à
governabilidade, eficiência e capacidade de superar as crises políticas
6
(Elgie,
2011).
[iii] Sociedade civil e cultura política: a ausência de uma sociedade civil ativa e
participativa têm sido, na óptica de Bratton, (1998) um dos entraves à
consolidação da democracia no continente africano. Ao estabelecer a interligação
entre os fatores que devem promover a consolidação deste regime, Linz e Stepan
(1998) consideram que, em primeiro lugar, é preciso ter uma sociedade civil livre,
ativa, com a existência de grupos auto-organizados como sejam as associações
civis, os sindicatos e os movimentos sociais que defendem os seus interesses e
opiniões. A consolidação requer, de facto, que a população deposite a sua
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4
Ver para o efeito a Comunicação da Comissão ao Conselho e Parlamento Europeu sobre o Futuro das
Relações entre a União Europeia e a República de Cabo Verde, que data do ano de 2007.
5
Os politólogos mencionados defendem que o sistema parlamentar é o mais adequado à estabilidade
democrática e, por conseguinte, à sua consolidação. Para Linz (1990a), com o sistema parlamentar, os
países vivem mais tempo na democracia, porque o governo é responsável perante o parlamento, pelo
facto de se encontrar sob ameaça de uma eventual moção de censura. Em Cabo Verde, este modelo
teórico não se adequa, uma vez que o sistema parlamentar no regime de partido único provou ter
fracassado, na medida em que houve uma sobreposição do Parlamento, no qual os interesses do partido
hiper-representado ultrapassaram o dos deputados e, as regras democráticas em quase nada se
aplicavam.
6
Verifica-se que no modelo de análise proposto pelos teóricos das transições políticas por nós
mencionados, que o sistema partidário, a configuração dos círculos eleitorais, as relações inter e
intrapartidárias, a divisão dos poderes e as formas jurídicas do Estado (Monclaire, 2001) são questões
relegadas para segundo plano. No nosso entender, e olhando especificamente para o processo de
consolidação democrático de Cabo Verde, fica evidente que a eficiência da democracia depende das
relações inter e intrainstituições.
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confiança nas instituições e nas relações inter e intrainstitucionais com base “nos
‘valores de ordem que nelas reconhecem” (Monclaire, 2001: 69). Um bom
governo é aquele capaz de garantir as ações dos atores privados e os cidadãos
devem ser capazes de controlar o governo, através de vários instrumentos como
seja, por exemplo, a accountability (Przeworski, Alvarez e Limongi, 1996).
No caso de Cabo Verde, embora o ideário da boa governação primasse pelo
reforço do diálogo e da participação da sociedade civil na vida política do país,
Costa (2013) é da opinião que face a “omnipresença” do Estado e das agendas
eleitorais, a sociedade civil tem sido atrofiada, enfrentando um cenário de
“letargia cívica dominante” e as elites culturais e intelectuais o têm tido
espaços para uma ação autónoma. O regime de partido único impedia que a
sociedade civil cabo-verdiana tivesse acesso a um vasto conjunto de direitos
essenciais, em particular o de participação política.
O silêncio da sociedade civil, como aconteceu nos regimes autoritários, segundo
Mainwaring e Share (1989), relaciona-se com o facto de não existirem canais
legais e institucionais para a sua expressão e contestação; com isso os líderes
políticos interpretaram-no como um sinal de aprovação do regime tendo, muitos
deles, optado pela abertura política, acreditando que assim permaneceriam no
poder. Ademais, o desinteresse da sociedade civil cabo-verdiana tem os seus
reflexos no atual sistema político, cuja cultura política corporiza ainda um habitus
político autoritário (Costa, 2013).
Com o surgimento nos últimos três anos (2012 a 2015) de alguns movimentos
cívicos em Cabo Verde, em particular o Movimento de Ação Cívica (MAC#114) em
abril de 2015, reabriu-se o debate sobre a cultura política e a esfera pública,
considerando que a sociedade civil despertou, ainda que de forma tímida e, com
os recursos à sua disposição como sejam o acesso às novas tecnologias, para
uma participação mais ativa na vida política.
[iv] Género e representação política: não obstante ter-se verificado que, nas últimas
décadas, as organizações internacionais têm vindo a insistir na promoção da
paridade de género na organização política, contribuindo assim para legitimar as
lutas feministas que têm sido empreendidas constata-se que a participação das
mulheres na tomada das decisões políticas é relativamente baixa. Um dos
indicadores para medir e analisar a qualidade das democracias é a taxa de
participação das mulheres na política, sobretudo nos órgãos dos poderes do
Estado, destacando-se o Parlamento (Lijphart, 1999). Para se avaliar as
vantagens comparativas do regime democrático, como a relação a outros, deve-
se insistir na centralidade fundamental do princípio de igualdade política
(Diamond e Morlino, 2005; O’Donnell, Cullel e Iazzetta 2004).
Em Cabo Verde, verifica-se que, particularmente após a independência e a abertura
política, as mulheres têm vindo a conquistar, de forma progressiva, posições
importantes em termos legais e profissionais tendo, pela primeira vez, alcançado a
paridade de género no executivo, fazendo do país o primeiro e único no continente
africano a partilhar igualitariamente os cargos ministeriais entre homens e mulheres
(Monteiro, 2013). Embora se tenham registado melhorias pontuais relativamente à
promoção da igualdade e equidade de género em Cabo Verde, verifica-se que ainda
falta muito por fazer no que se refere ao poder legislativo e órgãos eletivos, neste caso
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os partidos políticos (Monteiro, 2013). Para promover a igualdade de género,
aprofundar a democracia e melhorar as formas de responsabilização/accountability dos
agentes políticos é preciso aumentar a presença das mulheres nos órgãos de decisão
política, e alguns países têm vindo a apostar na política de quotas. Accountability é a
designação que traduz a responsabilidade objetiva de uma pessoa ou organização no
sentido de responder perante outras pessoas ou organizações, envolvendo dois
elementos: o primeiro delega responsabilidade para que o segundo “proceda à gestão
dos recursos, gerando a obrigação para o gestor de prestar contas da sua gestão, de
maneira que demonstre o bom uso desses recursos” (Campos, 1990:33).
Pedro Borges Graça (2008: 418), partindo de uma perspetiva afro-realista, própria do
ambiente académico e cientificamente objetivo, sem preocupações de caráter político,
alerta para o facto da questão da transparência e responsabilização de pessoas e
instituições em África ser complexa, uma vez que geralmente o que se verifica é um
enquadramento pessoal das instituições, ao invés de um enquadramento institucional
das pessoas. Graça alerta para o facto de não existir “atalhos para a transparência e
responsabilização de pessoas e instituições em África. O caminho é longo e geracional.
Mas o caminho começa com passos, e faz-se caminhando” (2008: 420).
Sabendo que a vida política das sociedades se encontra dominada pelas máquinas
partidárias (Bessa, 2002), estas constituem peças fundamentais para a articulação dos
interesses políticos das mulheres, devido aos seus poderes de recrutar pessoas para a
vida política e legitimar os seus líderes (Goetz e Sacchet 2008). Em Cabo Verde, “as
mulheres são discriminadas de forma direta ou imputado nos processos de
recrutamento político sendo preteridas em favor dos homens pelos órgãos partidários
responsáveis pela seleção dos candidatos e pela ordenação das listas” (Monteiro 2008:
116).
Apesar de se verificar que se deve direcionar uma atenção especial a uns e outros
elementos institucionais, confirma-se que Cabo Verde é um caso de referência no
continente africano, sobretudo porque as regras do jogo democrático têm sidos
respeitadas e o Estado de Direito tem funcionado de forma normal e sem sobressaltos
de maiores preocupações (Évora, 2013b).
Considerações finais: desafios para a democracia cabo-verdiana
O percurso democrático de Cabo Verde mostra alguma atipicidade se comparado ao
contexto africano, sobretudo quando se procura analisar e compreender o processo de
independência e de institucionalização democrática (Carriço Reis, 2016).
Este artigo arranca historicamente no período da luta colonial, sem o qual, acredita-se,
não ser possível compreender o processo da abertura política e as configurações
institucionais registadas a partir da década de noventa. O amplo debate em torno desta
problemática, debruça-se em particular nos fatores institucionais e constitucionais para
se poder compreender a importância dos atores políticos, sociais e culturais na
construção do Estado e na consolidação da democracia em Cabo Verde.
Os aspetos acima aduzidos reforçam a ideia de uma consolidação política realizada
numa lógica subscrita a uma prática assente numa intensificada tónica de elitismo
institucional, aspeto que acentua a falta de confiança da sociedade civil cabo-verdiana
relativamente às instituições políticas (Afrosondagem, 2015). Numa sociedade em
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crescente processo de capacitação inteletual
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, a
cidadania parece demandar as instituições democráticas mecanismos que permitam
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Como citar esta Nota
Madeira, João Paulo; Reis, Bruno Carriço (2018). "A construção da democracia em Cabo
Verde: do condicionalismo colonial português ao reconhecimento internacional". Notas,
JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 9, N.º 1, Maio-Outubro 2018.
Consultado [online] data da última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-
7251.9.1.02