OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 8, Nº. 2 (Novembro 2017-Abril 2018), pp. 75-94
A PROMOÇÃO DOS DIREITOS LGBTI NO ESTRANGEIRO: UMA VISÃO GERAL
DAS EXPERIÊNCIAS DA UE E DOS EUA
Artem Patalakh
artem.patalakh@unimi.it
Doutorando em Estudos Políticos na Università degli Studi di Milano (Milão, Itália). Os seus
interesses de investigação incluem teoria das Relações Internacionais, a política externa da
Rússia e da UE, o poder suave, e a promoção de ideias de valores nas Relações Internacionais.
Tem uma licenciatura e um mestrado em Estudos Regionais pela Universidade MGIMO (Moscovo,
Rússia)
Resumo
O presente artigo problematiza a incorporação da promoção dos direitos LGBTI nas políticas
externas dos EUA e da UE. Em primeiro lugar, examina os principais documentos, discursos
e políticas dos dois atores sobre à promoção dos direitos LGBTI no estrangeiro, e as
semelhanças e diferenças entre as abordagens de ambos, atendendo às tendências da sua
evolução e desenvolvimento contínuo. Em segundo lugar, o artigo analisa as condições
internas nos países alvo que são propícias ao sucesso e ao fracasso do apoio internacional aos
direitos LGBTI. Finalmente, o estudo apresenta uma visão crítica das medidas que são
consideradas necessárias para aumentar a eficiência da promoção dos direitos LGBTI em
países com tendências atuais mais negativas e/ou com historiais mais pobres sobre os direitos
LGBTI.
Palavras-chave
Política externa da UE, promoção dos direitos humanos, homonacionalismo, homofobia,
direitos LGBTI, casamento entre pessoas do mesmo sexo, política externa dos EUA
Como citar este artigo
Patalakh, Artem (2017). "A Promoção dos direitos LGBTI no estrangeiro: uma visão geral das
experiências da UE e dos EUA ". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 8, N.º 2,
Novembro 2017-Abril 2018. Consultado [online] em data da última consulta, DOI:
https://doi.org/10.26619/1647-7251.8.2.6
Artigo recebido em 29 de Fevereiro de 2016 e aceite para publicação em 7 de Maio de
2017
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A promoção dos direitos LGBTI no estrangeiro: uma visão geral das experiências da EU e dos EUA
Artem Patalakh
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A PROMOÇÃO DOS DIREITOS LGBTI NO ESTRANGEIRO: UMA VISÃO GERAL
DAS EXPERIÊNCIAS DA UE E DOS EUA
1
Artem Patalakh
Introdução
2
“A Administração Obama defende os direitos humanos das pessoas LGBTI
como parte da nossa política de direitos humanos abrangente e como uma
prioridade da nossa política externa”.
Hillary Clinton, Secretária de Estado dos EUA, 12 de junho de 2011.
“Através de diálogo com países terceiros, o nosso trabalho em fóruns
multilaterais, declarações públicas e através do nosso apoio à sociedade
civil, a UE continuará a defender medidas para combater a discriminação e a
violência contra as pessoas LGBTI e promover ativamente os seus direitos”.
Federica Mogherini, Alta Representante da UE para os Assuntos Estrangeiros e a
Política de Segurança, 17 de maio de 2015.
Se fizermos uma análise retrospetiva do progresso dos direitos humanos nos últimos 20
a 30 anos, concluímos que os direitos LGBTI são os que se têm desenvolvido de forma
mais dinâmica. Nem sequer seria um exagero afirmar que atualmente a
"progressividade" de um país é, em certo sentido, determinada pela atitude do governo
em relação às pessoas LGBTI, o grau de reconhecimento dos seus direitos
3
, e o nível de
homofobia no dia-a-dia. Tal como com as batalhas do século XX relativamente aos
direitos das mulheres e dos negros, os direitos LGBTI estão atualmente na linha da frente
dos debates sobre direitos humanos; os seus padrões variam dramaticamente de país
para país, desde os casamentos legais entre pessoas do mesmo sexo até à pena de morte
por homossexualidade.
Alguns países ocidentais incorporaram a promoção dos direitos LGBTI nas suas
estratégias de política externa. Entre esses "ativistas" encontram-se a Austrália, o Brasil,
o Canadá, etc.; no entanto, como é evidente a partir das citações acima referidas, os
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2013, e tem como
objetivo a publicação na Janus.net. Texto traduzido por Carolina Peralta.
2
Estou grato a David Kharebov, Vanessa Melching e a dois revisores anónimos pelos seus comentários
perspicazes sobre versões anteriores deste artigo.
3
Esse fenómeno, comumente referido como "homonacionalismo", é conceptualizado como sendo "uma faceta
da modernidade e uma mudança histórica marcada pela entrada de (alguns) corpos homossexuais como
dignos de proteção pelos estados-nação, uma reorientação constitutiva e fundamental do relacionamento
entre o estado, o capitalismo e a sexualidade” (Puar 2013: 337).
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dois principais atores com políticas estabelecidas neste campo são os EUA e a UE. Refira-
se que certas peculiaridades dos direitos LGBTI tornam o seu avanço internacional mais
difícil do que outros direitos humanos. Para citar apenas alguns, a própria ideia dos
direitos LGBTI é tão fervorosamente contestada e encontra uma hostilidade tão feroz em
certas partes do mundo que a sua propagação requer um grau de cautela e determinação
especialmente elevado. Além disso, ao contrário dos direitos das outras minorias, a
proteção dos direitos LGBTI não depende diretamente de documentos legais universais,
o que confere aos seus adversários um argumento particularmente forte para desafiar a
sua universalidade, permitindo-lhes que eles culpabilizem o Ocidente por impor os seus
próprios valores em sociedades culturalmente diferentes.
Infelizmente, a literatura académica existente que compara a promoção dos direitos
humanos da UE e dos EUA (por exemplo, Wouters et al. 2014, Heras 2015) tende a
ignorar essas peculiaridades. Numa tentativa de preencher essa lacuna, este artigo faz
um levantamento da experiência da UE e dos EUA no apoio prestado aos direitos LGBTI
no estrangeiro. Além da literatura académica recente sobre a promoção internacional dos
direitos LGBTI, este estudo baseia-se principalmente em artigos não académicos,
entrevistas com especialistas, relatórios de agências de notícias, e em documentos e
declarações de políticos. A primeira parte centra-se nas características distintas das
abordagens da UE e dos EUA em termos de formas, métodos e estruturas jurídicas. A
segunda parte aborda as condições nos estados-alvo que são propícias ou prejudiciais à
promoção internacional dos direitos LGBTI. A terceira parte sugere formas possíveis de
promover os direitos LGBTI em países com historiais mais pobres e/ou com as tendências
mais negativas relativamente aos direitos LGBTI.
Estratégias da UE e dos EUA: uma análise comparativa
Conforme mencionado acima, os direitos humanos e a promoção da democracia em geral
estão no cerne da política externa da UE e dos EUA, e não existe praticamente nenhum
discurso de política externa dos seus funcionários que não o mencione. No entanto,
características que diferenciam os dois atores; essas características têm origem nos
papéis que desempenham no sistema internacional, nos seus processos de tomada de
decisão sobre política externa, bem como nas diferenças no seu desenvolvimento
histórico. Ao vel da base jurídica fundamental para o apoio aos direitos humanos, existe
uma diferença entre eles: a UE é obrigada a promover os direitos humanos no estrangeiro
pelo seu documento fundador, o Tratado da União Europeia (Versão consolidada 2012:
artigos 3 (5), 21 (1) e 21 (3)). Para os EUA, a promoção dos direitos humanos é uma
questão de imagem e não de obrigação: desde a sua fundação que os EUA se
posicionaram como "a terra das pessoas livres", com a promoção da liberdade e da
democracia nas suas políticas externas e internas permeando a retórica dos seus
políticos. A componente externa assumiu um significado especial após a Segunda Guerra
Mundial e, especialmente, após a assinatura dos Acordos de Helsínquia em 1975, quando
a universalidade da democracia e dos direitos humanos foi aceite como padrão
fundamental de conduta internacional (Osiatyński 2013: 17-18). Permitiu um ambiente
favorável para que os EUA apresentassem os seus objetivos de política externa baseados
em valores assentes na proteção de uma ordem universal e não nos seus próprios
interesses.
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Além disso, os dois atores historicamente priorizaram diversos aspetos da promoção de
valores: enquanto a abordagem dos EUA se concentrou na democracia, partidos políticos,
eleições e meios de comunicação gratuitos, a UE prestou mais atenção ao
desenvolvimento socioeconómico, educação e às ONGs. A UE enfatizou principalmente
os direitos humanos, enquanto os EUA se concentraram sobretudo na democracia (Haras
2015). Esta diferença parece refletir os pontos fortes e fracos dos dois atores,
particularmente o fato de os EUA serem considerados politicamente mais fortes do que
a UE: a promoção da democracia geralmente requer capacidade para exercer pressão
sobre as elites, enquanto o apoio ao avanço dos direitos humanos pressupõe
principalmente o apoio às ONGs e às iniciativas vindas de baixo para cima. É de salientar
que as duas abordagens se têm aproximado nos últimos anos. Por um lado, Obama
separou a promoção da democracia da "guerra contra o terror" do seu antecessor e aliou-
a ao desenvolvimento e aos direitos humanos. Paralelamente, a UE estabeleceu o Fundo
Europeu para a Democracia, que funciona de uma forma muito mais política do que os
instrumentos tradicionais do bloco, apresentando uma certa semelhança com o Fundo
Nacional para a Democracia dos EUA, conhecido pelas suas atividades consideravelmente
politizadas (ibid).
No que diz respeito aos princípios básicos para a promoção de direitos especificamente
LGBTI, tanto a UE como os EUA partem da sua universalidade e impossibilidade de usar
a retórica dos valores tradicionais e da cultura nacional para disfarçar as violações dos
mesmos (Departamento de Estado dos EUA 2011, Conselho da EU 2013). Recentemente,
os dois atores têm gradualmente alargado as áreas e aprofundado as suas atividades
nesta matéria. Em primeiro lugar, incluíram intersexuais nas políticas que anteriormente
visavam unicamente as pessoas LGBT
4
. Além disso, aumentaram progressivamente o
número de embaixadores homossexuais: os EUA, por exemplo, depois de nomear o
primeiro embaixador declaradamente homossexual em 1999, continuaram gradualmente
esta prática, até terem seis embaixadores homossexuais em agosto de 2016
5
(Bier
2017). Finalmente, os dois atores alargaram as suas atividades desde uma área
puramente legal para a vida social num sentido mais amplo, desde a promoção dos
direitos LGBTI em particular até a luta contra a homofobia em geral. A tulo de exemplo,
ao contrário do documento análogo de 2010, o atual documento chave da UE sobre a
proteção LGBTI no estrangeiro, Orientações para Promover e Proteger o Gozo de Todos
os Direitos Humanos das Pessoas Lésbicas, Gay, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais
(LGBTI)", menciona a luta contra a violência fóbica LGBTI como uma das áreas
prioritárias de ação (veja-se Conselho da UE 2010, 2013).
Ambos revelam claramente uma tendência para universalizar o reconhecimento legal das
relações do mesmo sexo num futuro previsível, seja na forma de união de fato ou de
casamento. Na Europa, por exemplo, a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos de 2015 que obriga a Itália a legalizar as uniões do mesmo sexo pode tornar-
se um precedente para outros Estados-membros do Conselho da Europa (Delman 2015),
4
Este fato pode verificar-se através da comparação de documentos e discursos anteriores e posteriores sobre
esta questão, por exemplo, Conselho da União Europeia (2010) e (2013), Departamento de Estado dos EUA
(2014) e (2016) etc.
5
Contudo, o presidente Trump posteriormente demitiu cinco desses seis embaixadores (Duffy 2017) e, em
junho de 2017, os EUA tinham apenas um embaixador declaradamente homossexual, ou seja, Ted Osius
no Vietnam; no entanto, Trump prometeu nomear o declaradamente homossexual Richard Grenell para ser
o embaixador dos EUA na NATO (Butterworth 2017). Aliás, em junho de 2014, o então Secretário de Estado
John Kerry anunciou a sua intenção de nomear também embaixadoras lésbicas, bissexuais e transgéneros;
contudo, esses planos não se concretizaram (Bier 2017).
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o que a UE pode usar como argumento na sua política externa. Vários políticos europeus
anunciaram intenções de "exportar" casamentos do mesmo sexo para o estrangeiro
(entre eles o ex-primeiro-ministro britânico David Cameron, veja-se Hope 2013), ou pelo
menos persuadir todos os Estados-membros da UE a legalizar o casamento entre pessoas
do mesmo sexo (entre eles, o Vice-Presidente da Comissão Europeia Frans Timmermans,
veja-se Timmermans 2015). No entanto, o primeiro ponto poderá não passar de uma
ilusão, pois afigura-se demasiado cedo para promover a universalidade dos casamentos
do mesmo sexo enquanto esta questão ainda está a ser debatida de forma acesa na UE
e nos EUA. Confere aos seus oponentes um argumento válido para os acusarem de se
regerem por padrões duplos, o que eventualmente enfraquece as capacidades de
promoção da norma dos dois atores.
Além disso, os deres da UE/EUA parecem subestimar os limites da política externa para
a promoção dos direitos humanos em geral, e esquecer que a promoção das normas tem
poucas hipóteses de sucesso na ausência de recompensas adequadas e/ou de valores
correspondentes internalizados nos governos e populações dos países alvo (por exemplo,
veja-se Schimmelfennig e Sedelmeier 2005: 10-25). Assim, declarações como a
promessa eleitoral de Hillary Clinton de erradicar totalmente a discriminação LGBTI no
estrangeiro (Brydum 2015) poderiam ser consideradas uma forma de atrair eleitores em
vez de refletirem intenções verdadeiramente viáveis.
Os dois poderes tendem a abordar os direitos LGBTI em termos geopolíticos, às vezes
trocando os problemas LGBTI por interesses estratégicos mais importantes, que, alguns
acreditam, representam mais um exemplo de padrões duplos. A tulo de exemplo, em
2014 os EUA condenaram fortemente o Uganda e a Gâmbia pela adoção de leis anti
LGBTI, ao mesmo tempo que teciam críticas muito mais suaves aos estados do Médio
Oriente - Irão, Iraque, Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Iémen
possivelmente devido aos interesses estratégicos que detêm naquela região relacionados
com o petróleo e o antiterrorismo (Peale 2015). A UE também é responsabilizada por ter
uma abordagem realpolitik relativamente aos direitos LGBTI, tendendo a sacrificá-los
para alcançar fins geopolíticos. Por exemplo, o bloco sem dúvida fechou os olhos ao
historial da Ucrânia relativamente aos direitos LGBTI, a fim de trazer o país para o seu
lado no seu confronto com a Rússia (Kozlowska 2014); A UE também cedeu aos
conservadores macedónios, deixando a discriminação contra os LGBTI fora da lista de
requisitos para a liberalização de vistos (Slootmaekers e Touquet 2016: 33-34). Além
disso, tal como os EUA, a UE é frequentemente responsabilizada pelo homonacionalismo,
usando a retórica LGBTI para promover a sua reputação, em vez de melhorar
genuinamente a vida das pessoas LGBTI. Por exemplo, um estudo sobre a europeização
do Kosovo conclui que
[...] a UE realmente o parece estar preocupada com os direitos
das comunidades LGBT ... em vez disso, está preocupada em
policiar as fronteiras simbólicas do espaço da UE, utilizando o seu
poder (ou seja, sua retórica sobre democracia e Estado de Direito)
para construir e manter uma imagem da Europa como sendo
multicultural, tolerante e secular (Rexhepo 2016: 49).
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Geralmente, parece razoável que certos interesses possam ser sacrificados para evitar
problemas mais graves, especialmente em condições extremas: por exemplo, poucos
culpariam os EUA e o Reino Unido pela cooperação que mantiveram com a União
Soviética totalitária durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, na ausência de
condições tão extremas, uma abordagem realpolitik dos direitos humanos tende a reduzir
a credibilidade do Ocidente aos olhos de minorias e ativistas nos países alvo (por
exemplo, Euractiv 2008).
Existe uma diferença clara entre as abordagens dos dois atores em termos da sua
evolução e continuidade. A abordagem dos EUA parece depender bastante das opiniões
pessoais de cada presidente. Durante a presidência de Bush, as atividades relacionadas
com os LGBTI no estrangeiro centraram-se principalmente na luta contra o VIH, em vez
de se esforçarem por promover a tolerância (Bromley, 2007). A presidência de Obama,
pelo contrário, caracterizou-se por desempenhar um papel importante relativamente aos
direitos LGBTI na política externa: Obama aumentou significativamente o apoio às ONGs
estrangeiras que promovem os direitos LGBTI (Romanovski 2015) e foi o primeiro der
no mundo a nomear um enviado especial para direitos LGBTI no exterior, Randy Berry,
em abril de 2015. Embora as atividades do enviado não sejam visíveis as suas
entrevistas demonstram que representa principalmente os EUA em questões LGBTI, em
vez de tomar medidas concretas (Embaixada dos EUA no Kosovo 2015, DeBarros 2016)
- o fato de o Departamento de Estado ter uma pessoa especial que trata especificamente
da proteção LGBTI no estrangeiro é um avanço sério da política externa de Obama e é
uma medida que a UE ainda não tomou. No entanto, a promoção dos direitos LGBTI de
Obama foi criticada pelas lacunas entre as palavras e os atos: um estudo descobriu que,
embora o memorando de Obama em 2011 associasse claramente a atribuição da ajuda
externa dos EUA às práticas de direitos LGBTI nos países beneficiários (veja-se Obama
2011), os EUA não diminuíram a ajuda externa ao Uganda e à Nigéria em 2011-2014,
apesar de estes países terem endurecido significativamente as leis anti LGBTI (Comstock
2016). Veremos o que a administração Trump fará relativamente à promoção
internacional dos direitos LGBTI, mas os primeiros meses da sua presidência foram
menos conservadores do que a maioria tinha antecipado: apesar de grande parte do seu
gabinete ser constituído por opositores LGBTI (veja-se Morse 2016) e ter demitido a
maioria dos embaixadores homossexuais nomeados por Obama, Trump inesperadamente
manteve Randy Berry em funções e prometeu nomear Richard Grenell, um homossexual
declarado, para ser o embaixador dos EUA junto da NATO (Butterworth 2017).
Contra o pano de fundo dos EUA, a abordagem da UE parece ser mais sistemática e
menos exposta a mudanças subjetivas. Em particular, não parece ser significativamente
afetada pelo estado que preside ao Conselho da UE ou pela personalidade do Alto
Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. A tulo de
exemplo, as acima mencionadas "Orientações para Promover e Proteger o Gozo de Todos
os Direitos Humanos das Pessoas Lésbicas, Gay, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais
(LGBTI)" foram adotadas em junho de 2013 durante a presidência da Irlanda. Todos os
Estados que presidiram posteriormente ao Conselho da UE, mesmo os relativamente
conservadores como a Lituânia ou a Letónia, embora não tendo feito melhorias nos
direitos LGBTI, não tentaram anular as "Orientações". Dois fatores parecem contribuir
para essa discrepância entre os dois atores. Primeiro, os EUA têm um sistema que confere
amplos poderes ao presidente, o que geralmente propicia a personalização do poder
(veja-se Linz, 1990), enquanto a tomada de decisões coletivas no Conselho Europeu faz
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do presidente uma figura representativa e não um der real. Em segundo lugar, ao
contrário dos presidentes dos EUA eleitos por um mandato de quatro anos, os Estados
membros da UE presidem ao Conselho da UE apenas por seis meses, o que
aparentemente não é suficiente para fazer mudanças substanciais. Outros fatores que
influenciam as políticas de promoção dos direitos LGBTI dos dois atores prendem-se com
as suas posições no sistema de RI: os EUA são mais um poder global com interesses em
todo o mundo, enquanto a UE está principalmente preocupada com a sua vizinhança. Por
exemplo, enquanto os EUA acompanham e emitem relatórios anuais sobre práticas de
direitos humanos em todo o mundo, a UE faz isso apenas relativamente aos países que
lhe são candidatos. O conteúdo das seções dos relatórios dedicados aos direitos LGBTI
também o diferentes: enquanto os EUA tentam descrever todos os casos de
discriminação com base na orientação sexual e identidade de género encontrados nas
notícias e nos relatórios das ONGs, os relatórios da UE o principalmente feitos de frases
gerais, bem como de recomendações aos governos nacionais (a tulo de comparação,
veja-se Departamento de Estado dos EUA 2014: 35-36 e Comissão Europeia 2015a: 20,
23, 25). Por seu lado, embora a EU não monitorize em grande escala a observância dos
direitos LGBTI fora da Europa, no entanto, para melhorar essa monitorização dentro da
Europa, coopera com organizações regionais, como a ILGA-Europe, uma ONG que emite
relatórios anuais detalhados sobre a situação dos direitos LGBTI (por exemplo, ILGA-
Europe 2016) e com a Comissão Europeia do Conselho da Europa contra o Racismo e a
Intolerância, cujos relatórios quadrienais sobre o racismo e intolerância nos Estados
membros do Conselho da Europa incluem direitos LGBTI desde 2015 (por exemplo, ECRI
2015). Por último, ambos aplicam igualmente métodos "suaves" de promoção de direitos
LGBTI, tais como o apoio a ativistas locais e a ONGs, aconselhando governos estrangeiros
a efetuar reformas nesta matéria, etc. No entanto, em comparação com a UE, os EUA
parecem ser muito mais propensos a tomar medidas punitivas contra os países que
violam os direitos LGBTI. Por exemplo, em 2014, depois do Uganda ter adotado a Lei
Anti-homossexualidade, o presidente Obama impôs sanções ao país que incluíram o corte
ou redireccionamento de fundos para programas específicos, proibindo alguns políticos
ugandeses de entrar nos EUA e anulando planos para a realização de um exercício militar,
etc. (Hayden 2014). A UE, por sua vez, decidiu não impor nenhuma sanção devido à
importância do Uganda como parceiro no Sudão do Sul e na Somália (Atuhaire 2014), e
apenas três Estados membros do bloco - Dinamarca, Países Baixos e Suécia - cortaram
ou suspenderam a ajuda ao governo ugandense. Este exemplo mais uma vez atesta a
lacuna existente entre os membros da UE em termos de atitude para com os direitos
LGBTI
6
, o que aparentemente limita a variedade de métodos disponíveis ao bloco,
enfraquecendo o seu potencial para promover os direitos LGBTI.
Sobre o Sucesso da Promoção: Condições nos Países Alvo
Apesar da crescente importância da promoção dos direitos LGBTI nas políticas externas
dos EUA e da UE, os resultados positivos alcançados até agora parecem tangíveis, mas
ainda limitados, devido às condições internas nos países alvo e aos mecanismos que os
dois atores usam para apoiar os direitos LGBTI. Podemos destacar dois grupos principais
6
Esta lacuna está aparentemente relacionada com as diferenças nos interesses, capacidades e identidades
da política externa dos membros da UE (veja-se Keukeleire e Delreux 2014: 116-134).
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de estados que revelaram avanços nos direitos LGBTI nos últimos 10-15 anos
7
. O
primeiro engloba os países candidatos à UE e os participantes de outras iniciativas
lideradas pela UE (por exemplo, a Parceria Oriental). Para esses estados, a melhoria das
legislações nacionais relacionadas com os LGBTI é um pré-requisito para adesão à UE ou
a uma área de comércio livre comum. Por esta razão, a maioria adotou regulamentos
que asseguram os requisitos mínimos da UE em relação aos direitos LGBTI, a saber,
descriminalização da homossexualidade, autorização de marchas de homossexuais,
proibição de discriminação com base na orientação sexual e identidade de género, etc.
Como mostram os estudos de caso (por exemplo, Bilić 2016, Kalezić e Brković 2016,
Rexhepi 2016, Vasilev 2016), as elites desses países tomam essas medidas não devido
a predisposição ideológica a favor dos direitos LGBTI propriamente ditos, mas
principalmente porque se identificam com a Europa, uma entidade moderna e civilizada,
e/ou simplesmente por razões instrumentais, a fim de cumprir formalmente um requisito
da UE. Colocando a questão do ponto de vista teórico, a maioria desses estados parece
ter socializado, mas não internalizado, os direitos LGBTI como uma norma
(Schimmelfennig, Engert e Knobel 2006: 3-5). Assim, as suas elites tendem a tratar as
questões LGBTI de maneira formal, principalmente com o objetivo de passar na "lista de
verificação" da EU, em vez de melhorarem a vida das pessoas LGBTI, e a alterar o regime
legal em particular, em vez de se debruçarem sobre a homofobia em geral.
Além disso, uma vez que a adesão desses Estados aos direitos LGBTI não tem
principalmente origem nos seus próprios valores, mas sim no ambiente externo, as suas
políticas sobre direitos LGBTI dependem fortemente da atração que a UE (instrumental
ou identidade) representa para eles. Uma possível diminuição futura nesta última
questão poderá ser prejudicial para a primeira.
Aliás, numa perspetiva de longo prazo, as diretivas da UE parecem apenas servir como
uma espécie de almofada de segurança, proporcionando um vel mínimo de direitos
LGBTI. As medidas mais profundas destinadas a conter a homofobia em geral que são
tomadas parecem depender da vontade dos governos nacionais e da força dos grupos
locais de defesa desses direitos. A experiência dos Estados aderentes em 2004 mostra
que dois cenários o possíveis. Em alguns casos, a influência da UE parece gerar
tolerância entre os cidadãos comuns: a República Checa, por exemplo, é hoje um dos
países mais tolerantes da UE em relação aos LGBTI, com uma aceitação da
homossexualidade de 80% (Pew Research Center 2013: 1). Em contraste, noutros
estados a situação parece estar a mover-se na direção oposta: por exemplo, os inquéritos
realizados em 2013 revelaram que apenas 35% dos lituanos aceitavam homossexuais
no local de trabalho e as atitudes em relação aos homossexuais pioraram 14% nos
últimos cinco anos (Valentinavičius 2013)
8
.
Outra região onde a promoção dos direitos LGBTI tem corrido bem é a América Latina,
onde os avanços nesta área nas últimas décadas deram-se em grande parte graças aos
ativistas locais, que se inspiraram num processo semelhante em Espanha, recebendo
7
Devido ao fato de ser complicado e por vezes praticamente impossível separar o impacto do avanço dos
direitos LGBTI dos atores internacionais do papel dos ativistas locais e de outros fatores, o presente estudo
pressupõe que qualquer melhoria nos direitos LGBTI no país A seja afetada de alguma forma pela UE/EUA,
se as suas atividades de promoção no país A tiverem sido tangíveis.
8
É interessante notar que, que a Lituânia demonstra ter um sentimento pró-europeu em crescimento
(Comissão Europeia 2015b: 8), a homofobia crescente naquele país parece contrariar o argumento teórico
de que quanto mais forte a identificação de um Estado com a UE, maior será a probabilidade de sucesso do
discurso LGBT da UE nesse país (veja-se Vasilev 2016).
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ajuda tática e financeira deste país (Díez 2015: 127, Encarnación 2016b: 37-38).
Encarnación (2016b: 49-74) refere várias condições internas que favoreceram o sucesso
da promoção dos direitos LGBTI nessa região. Em primeiro lugar, os sentimentos
homofóbicos na América Latina eram inicialmente fracos: ao contrário da Europa, a
homossexualidade na América Latina foi despenalizada no século XIX, o que lançou as
bases para uma diminuição da homofobia em geral. Em segundo lugar, tradicionalmente
a América Latina tem movimentos de direitos humanos fortes e boas ligações com
políticos de esquerda e grupos de defesa europeus. Além disso, na América Latina, são
principalmente os ativistas locais e não os atores internacionais que promovem a
legalização das uniões/casamentos do mesmo sexo; por esta razão, a sociedade
considera-os uma necessidade real das comunidades LGBTI locais, em vez de algo
imposto a partir do exterior. Finalmente, o forte poder judicial autónomo da América
Latina (especialmente no México, Brasil e Colômbia), que muitas vezes emitiu leis a favor
da comunidade LGBTI, tem beneficiado muito os direitos LGBTI.
O movimento a favor da liberalização, demonstrado por ambos os grupos de países acima
mencionados, destaca-se especialmente da situação dos estados onde as leis
relacionadas com os LGBTI endureceram nos últimos anos. Mais uma vez, existem dois
"polos" principais que evidenciam esta tendência. O primeiro é a Rússia, que proibiu a
adoção de crianças em países onde o casamento homossexual é legal, aprovou uma lei
criminalizando a "propaganda" homossexual e se esforçou por persuadir vários estados
pós-soviéticos a adotar leis semelhantes
9
. O segundo polo é a África subsaariana
10
, onde
três países - a Gâmbia, o Quénia e a Nigéria - endureceram significativamente as leis
criminais contra a homossexualidade nos últimos anos, existindo um certo risco de que
os outros estados do continente, especialmente a República Democrática do Congo, a
Libéria e o Uganda, possam seguir o mesmo caminho. Embora a UE e os EUA tenham
tomado várias medidas para reduzir a discriminação LGBTI, desde o patrocínio de
projetos LGBTI e apoio financeiro às ONGs até à expressão verbal da sua preocupação e
à imposição de sanções económicas, essas medidas não alcançaram os objetivos
pretendidos por uma série de razões. Um fator que se destaca é o consenso social
inicialmente forte sobre a inaceitabilidade da homossexualidade: nos estados acima
referidos, a tolerância para com os LGBTI varia entre 1% da população na Nigéria e 16%
na ssia (Pew Research Center 2013: 1). As raízes exatas desse consenso diferem caso
a caso. Em África, por exemplo, um fator importante prende-se com os grupos de
oposição religiosa que recebem apoio material de conservadores ocidentais (Ibrahim
2015: 269-270). No entanto, o fator comum a todos esses países é o forte anti-
ocidentalismo, que em África é principalmente um vestígio do seu passado colonial, e na
Rússia um remanescente da Guerra Fria. Em ambos os casos, o anti-ocidentalismo foi
recentemente "ativado" e galvanizado pelos líderes autocráticos desses países (Mole
2016: 114-116). O anti-ocidentalismo induz essas sociedades a conceber leis anti-LGBTI
9
Por exemplo, no Quirguistão, uma lei semelhante está pendente à consideração do Parlamento desde junho
de 2017; na Arménia, no Cazaquistão e na Ucrânia, os governos propuseram leis semelhantes, mas
posteriormente retiraram-nas. Uma lei semelhante foi aprovada na Moldávia em 2013, mas depois foi
revogada sob pressão da UE; na Letónia e na Lituânia, essas leis foram iniciadas por grupos conservadores,
mas nunca chegaram a ser discutidas nos Parlamentos.
10
Pode-se adicionar um terceiro "polo" a esse processo, a Índia, onde o Supremo Tribunal de Deli reconheceu
que a punição criminal da homossexualidade era inconstitucional em 2009, mas o Supremo Tribunal anulou
essa decisão em 2013. No entanto, em 2016, o Tribunal Supremo concordou em rever a decisão, afirmando
que o tribunal constitucional deveria realizar uma nova audiência da questão. À data de junho de 2017, é
difícil prever se a situação relativa aos direitos LGBTI na Índia vai piorar ou melhorar.
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em termos geopolíticos, como forma de contribuir para a luta contra o Ocidente que
supostamente impõe a sua cultura na sua vida tradicional (Encarnación 2016a: 220-
221). Para os promotores internacionais dos direitos LGBTI, esse fato cria um impasse:
quanto mais criticam as leis, mais essas leis são apoiadas pela maioria das populações
desses países. Nessas circunstâncias, a promoção internacional dos direitos LGBTI
apenas estimula a agressão contra as comunidades LGBTI locais que tendem a ser vistas
como espiões ocidentais nos seus próprios países. Além disso, a pressão da UE/EUA deixa
as elites nacionais encurraladas, uma vez que as pessoas provavelmente entenderão
qualquer mitigação das leis anti-LGBTI como covardia perante o Ocidente (Downie 2014:
9-10). Este fato levanta a questão dos métodos que a UE e os EUA devem empregar na
promoção dos direitos LGBTI nos estados "difíceis" (que será abordado na próxima
seção). No entanto, a homofobia generalizada não será a única razão para a regressão
dos direitos LGBTI nesses países: afinal de contas, na África do Sul, onde apenas 32%
da população considerou aceitável a homossexualidade em 2013 (Pew Research Center
2013: 1), os casamentos entre pessoas do mesmo sexo foram legalizados oito anos
antes, e na Hungria, 53% da população considerou a homossexualidade como
"moralmente errada" em 2017 (Pew Research Center 2017), e no entanto, legalizou as
parcerias do mesmo sexo em 2009. Outro fator é que nenhum desses países é uma
democracia, pelo menos que seja estável
11
. Argumenta-se que um sistema democrático
favorece o avanço dos direitos LGBTI de três maneiras, isto é, possibilitando uma
sociedade civil robusta, proporcionando a extensão da cidadania (entendida como o fazer
parte da sociedade) a minorias e grupos desfavorecidos e garantindo a independência
judicial (para mais detalhes, veja-se Encarnación 2014: 99-101). De fato, um sistema
judicial parcial torna praticamente impossível a defesa dos direitos humanos em tribunal:
por exemplo, um estudo recente sobre as tentativas dos ativistas LGBTI russos de
contestar a discriminação no tribunal concluiu que "[na] maioria dos casos de
discriminação - de forma explícita ou implícita - os tribunais não analisaram se a
discriminação ocorreu de forma significativa" (Equal Rights Trust 2016: 133)
12
. Além
disso, as sociedades civis desses países permanecem relativamente fracas, facilmente
suprimidas pelo governo e, como resultado, dificilmente podem tornar-se aliados de
confiança da UE e dos EUA na promoção dos direitos LGBTI: as organizações LGBTI locais
são escassas e fragmentadas e até mesmo os partidos políticos mais progressistas não
se esforçam ativamente pelos direitos LGBTI, quer devido ao medo de perder apoiantes
ao levantarem uma questão tão impopular, quer devido ao seu verdadeiro
conservadorismo em relação aos direitos LGBTI. Como exemplo disto, à data de junho
de 2017, nenhum dos principais partidos liberais da ssia - Iniciativa vica, Escolha
Democrática, Partido da Liberdade do Povo, ou o Yabloko - tem qualquer referência nos
seus programas sobre os direitos e liberdades LGBTI (Iniciativa vica 2015, Escolha
Democrática 2012, Parnas 2015, Yabloko 2012). Além disso, exceto em raras exceções,
os seus líderes demonstram, na melhor das hipóteses, indiferença para com as questões
LGBTI e, na pior das hipóteses, opiniões um pouco homofóbicas. Por exemplo, em junho
de 2013, Sergei Mitrokhin, então líder do Yabloko, disse numa entrevista:
11
Exemplo disso é o fato da Freedom House (2017: 20-24) não considerar nenhum desses estados "livre", ao
contrário da maioria dos países acima mencionados onde a promoção de direitos LGBTI foi bem-sucedida.
12
A bem dizer, todos esses estados tem uma classificação baixa no índice global do Estado de Direito (World
Justice Project 2016: 21).
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Eu não sou um defensor de marchas de homossexuais. As pessoas
que as organizam são agentes provocadores. Provocam uma contra
onda” na sociedade, e essas minorias que eles supostamente
defendem só pioram a sua situação (The Interpreter 2013).
Um mês depois, Mitrokhin apelidou os casamentos do mesmo sexo inaceitáveis; no
entanto, argumentou que os desfiles homossexuais não deviam ser banidos por
representarem o direito constitucional das pessoas de expressar a sua opinião de forma
pacífica (Baev, 2013). Tendo em conta que o Yabloko é membro do Partido Europeu
ALDE, um forte defensor dos direitos LGBTI, esta atitude pode atestar o considerável
conservadorismo dos políticos democráticos russos em comparação com os seus
homólogos da UE, a sua inconsistência relativamente às questões LGBTI e a falta de
importância que lhes atribuem
13
.
Alguma Possibilidade de Melhoria? Uma visão crítica das sugestões
Estará esta situação perante um completo impasse, ou existe uma maneira de a UE e os
EUA promoverem os direitos LGBTI nesses estados
14
? Intuitivamente, parece possível
conseguir uma internalização a vel da sociedade a longo prazo através do
fortalecimento dos grupos locais de defesa. Por esta razão, pode ser eficaz redirecionar
fundos dos governos para as ONGs de direitos humanos, como os EUA e três membros
da UE fizeram no Uganda (Downie 2014: 16). Uma estratégia de longo prazo requer
programas educativos que desmascaram declarações incompletas sobre as quais
assentam os sentimentos de anti-ocidentalismo e homofobia (Onishi 2015).
Especificamente, esses programas podem explicar que os direitos humanos não são
apenas um conceito ocidental: os estados africanos e a Rússia também estão atentos à
discriminação contra negros e falantes de língua russa, respetivamente. A educação
também pode ajudar a dissuadir as pessoas de uma falsa ideia que a homossexualidade
era historicamente inaceitável nas suas sociedades: os fatos históricos revelam que a
homossexualidade foi bem tolerada na África pré-colonial (Ibrahim 2015: 268-269) e na
Rússia medieval (Kon 2006: 321-322).
Contudo, prestar ajuda aos ativistas locais para a realização de programas educativos
normalmente é possível em democracias, onde os governos nacionais não impedem
essas atividades. O problema com as autocracias é que costumam evitar que as ONGs
que se dedicam à defesa dos direitos humanos recebam ajuda estrangeira: a Rússia, por
exemplo, expulsou recentemente a USAID do país e adotou uma lei que rotula as ONGs
que recebem ajuda estrangeira de "agentes estrangeiros" que, em russo, significa que
são "espiões".
13
Alguns observam, no entanto, que nos últimos anos os liberais russos têm demonstrado uma maior empatia
para com a comunidade LGBT no contexto das crescentes opressões anti-LGBTI (Healey 2014: 65-66).
Como exemplo, o líder de oposição russo mais influente, Alexei Navalny, recentemente falou a favor da
legalização do casamento homossexual (Navalny 2017), apesar de a maioria dos russos ter sentimentos
anti-LGBTI.
14
A discussão seguinte aplica-se não só a estados onde a situação relativa aos direitos LGBTI está a piorar,
mas também a outras autocracias onde a sociedade e a elite política são na sua maioria antiocidental e
homofóbica (por exemplo, o Irão).
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Assim, alguns defendem que as questões LGBTI nas autocracias só podem ser abordadas
após um processo de democratização (por exemplo, Encarnación 2014: 101-103) que
crie um ambiente favorável ao ativismo LGBTI. No entanto, a democracia não parece ser
uma panaceia para a discriminação LGBTI. Em primeiro lugar, a maioria das pessoas
pode estar a favor da ideia de igualdade matrimonial, mas não a considera uma
prioridade na hora de votar: aparentemente por esse motivo, os casamentos do mesmo
sexo não são legais na Austrália à data de junho de 2017, apesar de os inquéritos de
opinião terem revelado que a maioria dos australianos os apoia desde 2007 (Hutchens
2016). Em segundo lugar, nas sociedades conservadoras, um sistema democrático é
suscetível de ajudar os populistas homofóbicos a chegar ao poder através das eleições:
como diz Encarnación (2014: 97)
A democracia não é uma apólice de seguro contra a discriminação
contra os homossexuais, e muito menos uma garantia que os
direitos dos homossexuais serão protegidos, mesmo depois de esses
direitos terem sido consagrados na lei. A democracia pode ser o
facilmente usada pelos inimigos da comunidade homossexual que
prejudicam os direitos dos homossexuais como pelos defensores dos
direitos dos homossexuais para avançar esses mesmos direitos.
Outra forma de fazer avançar os direitos LGBTI a partir do estrangeiro é o uso de medidas
castigadoras, como sanções económicas e de descrédito, contra os governos de países
que discriminam as comunidades LGBTI. No que diz respeito a tais medidas, no entanto,
os analistas e os especialistas têm três opiniões diversas. Alguns são a favor, alegando
que provavelmente funcionarão se o país alvo for economicamente dependente do
Ocidente (por ex. DeCataldo 2015): De acordo com Jessica Stern, diretora executiva da
International Gay and Lesbian Human Rights Coalition, essa lógica impeliu o Uganda a
abolir a sua lei anti homossexual em 2014, após as sanções dos EUA (Peale 2015).
Contudo, enquanto os estudos académicos sobre a eficácia das sanções apoiam este
argumento, também mostram que as sanções económicas funcionam melhor em
condições que parecem estar ausentes nos países sob investigação: quando impostas às
democracias, quando aprovadas por uma instituição internacional e não apenas por um
país, e quando o assunto é uma questão de baixa relevância (para uma revisão da
literatura, veja-se Drezner 2011: 99). Da mesma forma, a investigação científica revela
que o descrédito é mais eficaz contra os governos que se preocupam com sua reputação
internacional (Risse, Ropp e Sikkink 2013), uma condição que normalmente não é válida
para os autocratas antiocidentais.
Outro grupo de analistas (por exemplo, Downie 2014: 9-10, Onishi 2015) opõem-se a
sanções económicas e de descrédito, argumentando que essas medidas agravam o anti-
ocidenatalismo e a agressão anti-LGBTI, servindo os interesses dos tradicionalistas que
podem usar pessoas LGBTI como bodes expiatórios, culpabilizando-os por problemas
sociais e económicos. Na verdade, uma série de artigos académicos (por exemplo,
Wachman 2001) apoiam o argumento que, dentro do estado alvo, as sanções
internacionais podem produzir raiva em vez de conformidade. No entanto, a investigação
também demonstra que as medidas punitivas podem ter efeitos positivos: mesmo que
as sanções económicas não melhorem a situação dos direitos humanos no país alvo,
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esses países tendem a temer os outros países da região e, portanto, a reduzir violações
dos direitos humanos (reais ou possíveis) no país alvo (Carneiro 2014). Além disso, as
medidas punitivas conferem apoio psicológico a ativistas e a timas de violações de
direitos humanos nos países alvo (Kinzelbach e Wolf 2015) e mostram que a UE e os EUA
encaram os seus valores não como meras declarações, mas como princípios pelos quais
realmente se regem. Assim, a terceira abordagem que apoia o uso de medidas punitivas
apenas se ou quando os ativistas LGBTI locais as solicitarem (Godfrey 2014) parece mais
equilibrada e, como revelam os estudos académicos (por exemplo, Murdie e Davis 2012),
especialmente eficientes.
Vários analistas creem que a UE e os EUA não devem acentuar especialmente os direitos
LGBTI para não criar a impressão de que priorizam certos direitos sobre outros. Nesta
linha, Downie (2014: 13) salienta o fato de os EUA terem imposto sanções ao Uganda
relativamente à Lei Anti-homossexualidade, mas quando vários candidatos presidenciais
foram presos nesse país numa manifestação pacífica em 2011, os EUA limitaram-se a
fazer críticas suaves.
Fazendo justiça aos EUA, a sua abordagem não parece assim tão desequilibrada. Em
primeiro lugar, podemos observar uma correlação entre a gravidade das violações dos
direitos humanos e o nível de medidas punitivas introduzidas pelos EUA: de fato, os
candidatos ugandeses presos acima mencionados foram libertados ao fim de alguns dias,
enquanto a Lei Anti-Homossexualidade estipulava até 14 anos de prisão. Em segundo
lugar, pode-se encontrar uma certa razoabilidade noutros casos em que as políticas dos
EUA são responsabilizadas por terem padrões duplos: a título de exemplo, a tendência
acima referida de criticar fortemente as leis anti-LGBTI em certos países (Uganda,
Gâmbia), ao mesmo tempo que negligencia leis idênticas noutros estados (Iraque, Arábia
Saudita) pode significar que os EUA aplicam medidas decisivas apenas em relação aos
estados que endurecem essas leis, censurando de maneira "mais suave" os países onde
a legislação anti-LGBTI, mesmo que dura, há muito que permanece inalterada.
Finalmente, para não desperdiçar recursos e não piorar a agressão anti-LGBTI, parece
razoável que a UE e os EUA deem prioridade à promoção dos direitos LGBTI nos países
onde os avanços aparentam ser passíveis de se realizar e não nos estados mais
homofóbicos do mundo, mesmo que isso possa dar origem a acusações de terem padrões
duplos. Como Stern observou, "não podemos apenas investir nos chamados "piores
lugares do mundo". Os Estados Unidos são capazes de ser mais úteis quando o historial
do governo dos Estados Unidos não é muito contestado... Caso contrário, o envolvimento
dos Estados Unidos pode voltar-se contra as comunidades locais" (Peale 2015).
Infelizmente, este fato tende a permanecer intuitivamente incompreendido pelos
formuladores de políticas, que preferem atribuir recursos onde a ajuda é mais necessária:
como a ativista LGBTI polaca Zofia Jablonska lamentou, "quando se trata de
financiamento de doadores americanos, a Polónia não é sua principal prioridade, porque
agora estamos na UE. Para eles, é um indicador de que a situação dos direitos das
minorias na Polónia não pode ser tão comparando, por exemplo, com os países do
Sul Global” (Romanovski 2015).
Conclusão
Enquanto os EUA e a UE, dois atores principais das relações internacionais que apoiam
os direitos LGBTI no estrangeiro, concordam com os princípios básicos do apoio prestado,
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as suas estratégias e métodos diferem em termos técnicos. Essas diferenças refletem as
suas abordagens gerais na formulação de políticas externas, ou seja, uma posição mais
forte e mais globalmente orientada dos EUA e uma atitude mais suave e regionalmente
alinhada da UE. O fato de ambos serem aliados estratégicos permite-lhes aproveitar os
pontos fortes das abordagens de cada um: a determinação da política externa americana
pode ajudar a UE a lidar com as elites dos países alvo, enquanto os EUA, por sua vez,
podem aproveitar a experiência da UE de cooperação com as ONGs e sociedades civis.
No entanto, a reputação dos dois poderes enquanto promotores dos direitos humanos
sofre de certas características que lhes estão constantemente associadas: a UE é
conhecida por ser excessivamente burocrática e por tratar os direitos humanos de forma
superficial e formal, enquanto os EUA são tradicionalmente conhecidos por lidarem com
os direitos humanos de forma politizada.
Até agora, a promoção dos direitos LGBTI por parte da UE e dos EUA tem sido
principalmente bem-sucedida nos estados que assumiram compromissos formais de
respeitar os direitos LGBTI e/ou em países onde as condições internas iniciais eram
favoráveis aos ativistas LGBTI. Por outro lado, em condições mais conservadoras, o
avanço dos direitos LGBTI a partir do estrangeiro, especialmente quando acoplado de
medidas punitivas contra os governos dos países alvo, tende a voltar-se contra os
ativistas LGBTI locais. Ironicamente, talvez contra um dos princípios básicos da
promoção dos direitos humanos, a saber, "ter em conta as realidades locais que os
defensores dos direitos humanos precisam para avançar na sua luta" (Conselho da União
Europeia 2013). Até à data, parece que os dois atores devem cooperar e coordenar as
suas atividades de forma a estabelecer uma estratégia detalhada e bem planeada a longo
prazo para efetivamente promover os direitos LGBTI no mundo.
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