OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 8, Nº. 2 (Novembro 2017-Abril 2018), pp. 32-41
A GUERRA SUBVERSIVA LIDA A PARTIR DA ESCOLA ESTRATÉGICA
PORTUGUESA E DA EXPERIÊNCIA PORTUGUESA NAS GUERRAS COLONIAIS EM
ÁFRICA
António Horta Fernandes
ahf@fcsh.unl.pt
Docente do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas/Universidade Nova de Lisboa (Portugal). Estrategista
Resumo
A guerra subversiva voltou hoje ter uma importância maior em diferentes cenários
internacionais onde estão envolvidas as principais potências ocidentais. Cenários esses
complexos, até porque, em alguns casos se veio juntar aos fenómenos de insurgência e
contra-insurgência um fenómeno muito distinto como é o terrorismo. Assim sendo, e dadas
as confusões conceptuais e nefastas consequências práticas de uma avaliação do que
significa uma guerra subversiva e concomitantes estratégias, impõe-se repassar pela doutrina
da Escola Estratégica Portuguesa e pela experiência portuguesa no terreno, porquanto
configuram ainda hoje os eixos mais atilados para compreender a natureza da tipologia de
conflito em causa.
Palavras-Chave
Estratégia; Guerra; Subversão; Contra-subversão; Portugal
Como citar este artigo
Fernandes, António Horta (2017). "A guerra subversiva lida a partir da escola estratégica
portuguesa e da experiência portuguesa nas guerras coloniais em África". JANUS.NET e-
journal of International Relations, Vol. 8, N.º 2, Novembro 2017-Abril 2018. Consultado
[online] em data da última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-7251.8.2.3
Artigo recebido em 26 de Abril de 2017 e aceite para publicação em 30 de Junho de 2017
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A guerra subversiva lida a partir da escola estratégica portuguesa e da experiência portuguesa nas guerras
coloniais em África
António Horta Fernandes
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A GUERRA SUBVERSIVA LIDA A PARTIR DA ESCOLA ESTRATÉGICA
PORTUGUESA E DA EXPERIÊNCIA PORTUGUESA NAS GUERRAS COLONIAIS EM
ÁFRICA
António Horta Fernandes
A reflexão sobre a guerra subversiva tem uma tradição assentada em Portugal, que
remonta ao período da Guerra Colonial, nos anos sessenta do século XX (Fernandes,
2004). Findo o período das guerras de emancipação das antigas colónias europeias em
África e na Ásia, a tipologia das guerras subversivas hibernou, em parte, até vir a
renascer em força no seio de algumas campanhas militares pós-11 de Setembro de 2001.
Todavia, o seu renascimento parece ter vindo a ser acompanhado por uma certa
indefinição, se não mesmo confusão, conceptual. Tem-se falado em guerras bridas
(Kilcullen, 2009), guerras do caos (Telo e Pires, 2013), guerras com várias gerações
(Kaldor, 2012 - uma nova edição onde responde aos seus críticos), tem-se mesclado
indevidamente a guerra subversiva com o terrorismo (Reis, 2016a)
1
, e em todos estes
casos, de alguma forma, se esqueceu a doutrina fundamentada decénios. Seria
normal que muitos autores não portugueses não tivessem em conta a conceptualização
realizada pelos polemologistas e pelos estrategistas de uma pequena potência. Já não é
tão habitual que eventualmente autores portugueses recentes não tomem como
referencial a referida doutrina portuguesa. Não por qualquer espécie de nacionalismo
serôdio, mas simplesmente porque essa doutrina, a par da antiga doutrina francesa,
continua a ser o que demais evoluído existe para compreender o fenómeno da guerra de
subversão e concomitantes acções de contra-subversão, ou das guerras insurrecionais,
evitando cair nalguns recuos conceptuais sérios. O maior dos quais está na importância
atribuída à vertente militar para combater os insurrectos e à separação entre operações
militares de contra-força e de estabilização por oposição às operações de reconstrução,
como se tratasse de duas fases completamente distintas da guerra, operando com
estratégias também heterogéneas, a primeira propriamente militar, a segunda
predominantemente civil, ainda que realizada em ambiente conflitual, dito erroneamente
(ao nível estratégico) permissivo ou semi-permissivo). Por detrás de uma tal
compreensão errónea da guerra subversiva parece estar uma visão, ela assim algo
serôdia da estratégia, segundo a qual a estratégia é algo como o aríete militar do poder
de um actor político com expressão colectiva, ou então, como um método de organização
e aplicação do poder, implicando hoje outras valências para além da militar, mas que
ultimamente se afere pela capacidade putativa do uso da força militar. Assim, as fases
1
Ao artigo de Bruno Cardoso Reis, replicou António Horta Fernandes (Fernandes, 2016), tendo por sua vez
Bruno Cardoso Reis retrucado (Reis, 2016b), voltando António Horta Fernandes a responder (Fernandes,
2017). Para uma perspectiva crítica das relações da guerra e da estratégia com o terrorismo, veja-se
(Fernandes, 2010).
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de pós-estabilização dos conflitos seriam de alguma maneira fases pós-conflituais ou de
conflito residual e, de certa forma, pós-estratégicas (Fernandes, 2014).
Porém, racionais desse nero desconhecem a natureza da estratégia e da guerra
contemporâneas, a prova de força não militar, as manifestações de conflitualidade hostil
que ainda não são guerra (nem guerra fria, nem tão-pouco guerra quente), a prevalência
da estratégia em todos os azimutes e a tempo inteiro. O resultado, conhecido, nem
sempre tem sido o melhor, incrementando, em vez de diminuir, a entropia da cena
internacional, como o mostram os casos do Iraque ou do Afeganistão. Impõe-se então,
uma vez mais, centrarmo-nos no essencial do significado da guerra subversiva.
1. A Natureza da Guerra Subversiva
Em primeiro lugar, e uma vez que o artigo se centrará na guerra subversiva e
concomitantes estratégia de subversão e de contra-subversão, torna-se necessário saber
que fenómeno é esse da guerra subversiva, A guerra subversiva pode definir-se como a
“luta conduzida no interior de um dado território, por uma parte dos
seus habitantes, ajudados e reforçados ou não do exterior, contra
as autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com a finalidade
de lhes retirar o controlo desse território ou, pelo menos, de
paralisar a sua acção” (O Exército na Guerra Subversiva, 1966:
cap.I, 1).
2
Para além da definição, é ainda importante precisar que sendo uma forma de guerra
interna, em teoria apoiada ou não no exterior (ma prática foi sempre apoiada do
exterior), a guerra subversiva evoluiu para uma tipologia genérica de guerra, fruto dos
avatares estratégicos da guerra fria. Quer isto dizer que face à impossibilidade das
superpotências usarem a força armada uma contra a outra, por causa do risco de uma
guerra nuclear cataclísmica, tiveram de desenvolver modalidades alternativas de guerra,
as quais, em boa verdade, estavam já in nuce. Esse desenvolvimento foi essencial para
a criação da guerra subversiva, visto que nela o fulcro da acção não passa pela luta
armada.
Na realidade, falamos em criação da guerra subversiva porquanto as chamadas pequenas
guerras, as guerras irregulares, as guerras populares, as lutas das diferentes resistências
durante o segundo conflito mundial, mais não foram que prolegómenos à guerra
subversiva propriamente dita. Por outro lado, a chamada guerra de guerrilha é apenas
uma metodologia de combate, baseada em pequenos grupos, emboscadas, contra-
emboscadas, flagelações e retiradas rápidas, em suma, contacto intermitente, que pode,
foi e é usado em diferentes tipos de guerra, incluindo a guerra convencional. Aquilo que
acontece é que os movimentos subversivos, nos estádios iniciais, não tem capacidade
armada para fazer outra coisa que não a guerrilha, e claro está, a contra-subversão, se
for inteligente, vê-se confrontada com a necessidade de responder na mesma medida.
2
Existem na doutrina estratégica portuguesa pequenas diferenças entre guerra subversiva e guerra
insurrecional, que para este efeito podem ser deixadas de lado.
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O fulcro subversiva não está na luta armada, o consiste em derrotar as forças militares
da subversão ou da contra-subversão, embora, como guerra gerada a partir de um
movimento interno, o seu gatilho tenha de ser sempre a luta armada, sob pena dos
subversores depressa acabarem presos, dominados pelas forças policiais e sujeitos ao
enquadramento jurídico-constitucional vigente para os tempos comuns. Assim, tanto a
subversão como a contra-subversão visam conquistar o coração e as mentes da maioria
da população dentro da qual se deu a revolta. Se for possível, convencer os adversários
militares directos de que a luta não faz sentido, e acessória mas firmemente, diga-se,
comprometer militarmente as forças adversas. Para tal, é nuclear, além da manobra
diplomática no tabuleiro externo, o apoio psico-social, sanitário, de desenvolvimento ou
de fomento em geral, isto é, um conjunto de manobras correspondentes às estratégias
gerais económica, comunicacional, psicológica, cultural, a que o esforço militar apoia
supletivamente. Este comprehensive approach não pode ser posterior às operações
militares de combate, ofensivas e defensivas, e às subsequentes operações de
estabilização. O esforço é um continuum onde desde o início, o que poderíamos designar
de forma apenas aproximada por state-building, respondendo aos anseios e reclamações
que geraram a revolta não só está presente como é o objectivo fundamental.
Através deste enquadramento teórico percebe-se melhor aquilo que distingue a guerra
subversiva dos seus embriões históricos. Aquilo que historicamente caracterizou as
acções proto-subversivas anteriores, até porque a guerra não tinha descolado do
monopólio quase exclusivo da luta armada e a estratégia da estratégia militar, foi o
predomínio do vector militar. O objectivo dessas acções era derrotar ou paralisar a
manobra militar das autoridades por meio de um levantamento armado de uma franja
da população, geralmente com recurso à guerra irregular. Como está bom de ver, não é
esse o objectivo de uma guerra subversiva. Atente-se, por exemplo, à Segunda Guerra
mundial, onde o objectivo da acção não era de todo conquistar a população mediante
forças concorrentes, antes oferecer resistência aos alemães por meio de operações
irregulares, visando infligir danos sicos e, sobretudo, morais às tropas ocupantes,
desgastando-as. Procurando com isso apoiar supletivamente o eixo decisivo,
convencional, da manobra realizada pelas forças aliadas.
No fundo, a guerra subversiva aproveita os elementos lançados em primeira mão pela
guerra total, que alarga o conceito de guerra a outras esferas que não a militar.
3
Todavia, na prática, no período onde a guerra total se consubstanciou, entre o fim da
Grande Guerra e o termo da Segunda Guerra, houve efectivamente uma mobilização
geral, mas quase em exclusivo em apoio dos aparelhos militares, aríetes dessa
mobilização. Apenas as constrições da era atómica e uma maior familiarização com as
restantes modalidades de guerra e de estratégia permitiram o desenvolvimento de uma
guerra em todos os azimutes, inclusive uma guerra em que o eixo central não fosse
derrotar militarmente o adversário.
3
O conceito de guerra total foi introduzido pelo político e jornalista francês Léon Daudet, em 1918, e depois
substancialmente desenvolvido e popularizado pelo general alemão Erich Ludendorff, em 1935, na obra A
Guerra Total (Der Totale Krieg). Daudet define a guerra total como a “extensão da luta nas fases mais
agudas e crónicas aos domínios político, económico, comercial, industrial, intelectual, jurídico e financeiro.
Não são os exércitos que se batem, são as tradições, costumes, códigos, espíritos e sobretudo os bancos”
(Daudet, 1918: 8). Ludendorff refere a guerra total à realidade total e omnipresente da relação entre
Estados, respeitante à luta pela conservação da vida (no seu todo, claro está) de um povo (Ludendorff,
1937: 22 e ss.).
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Porém, que falar com cautela nesta guerra em todos os azimutes. Porque a guerra
subversiva, embora tenha muitas vezes descambado numa espécie de guerra total, a
priori faz uma leitura da realidade oposta à da guerra total. Lembremo-nos que a guerra
total é a utilização, com a máxima intensidade, sem temperança, e simultaneamente de
todos os instrumentos à disposição de um actor político. A guerra total inverte a pirâmide
estratégica e praticamente reduz os objectivos políticos globais de uma entidade política
àqueles relativos à hostilidade, aqueles que caem debaixo da alçada da estratégia (por
exemplo, o objectivo de rendição incondicional das potências do eixo por parte dos
aliados na Segunda Guerra). Ora, o ambiente do s-guerra vai ser muito distinto, a
estratégia readquire o seu lugar subordinado relativamente à política e a partir de então,
se bem que se não volte atrás na possibilidade de usar todos os meios e não os
militares, o importante é usar esses meios de forma doseada, equilibrada, de acordo com
os objectivos políticos globais e não apenas com os objectivos estritamente estratégicos,
quando não tão-só de acordo com os objectivos estratégicos de teatro em dado
momento.
Convém, no entanto, resumir as razões pelas quais a guerra subversiva tendia, durante
a Guerra Fria (e continua a tender), a descambar numa guerra total, apesar de isso não
ter ocorrido, pelo menos de forma franca, nas guerras coloniais portuguesas, e em
particular para as forças portuguesas. É que para uma estratégia subversiva não havia
frentes nem retaguardas, o espaço tinha-se distendido enormemente; no limite, poderia
alcançar imensas parcelas do globo ou mesmo todo o globo. Levar a guerra ao coração
do inimigo era agora levá-lo a quebrar, não por intermédio de bombardeamentos, mas
por formas altamente subtis que dificilmente permitiriam a coragem do desespero que
caracterizou a reacção aos bombardeamentos a cidades durante a Segunda Guerra
Mundial. Era levar o inimigo a concluir que, mesmo os mais próximos, incluindo o vizinho,
o amigo, o familiar, poderiam não estar com ele e, no limite, era ele mesmo o próprio
inimigo de si mesmo e da comunidade e, portanto, deveria partir ou juntar-se às forças
subversivas. Porém, partir simplesmente também não era cil, porquanto a guerra
subversiva se jogava igualmente no tabuleiro internacional, na opinião pública
internacional e poderia parecer que em determinadas condições especialmente negativas
quem não estava com a subversão lá longe de modo algum era julgado com bons olhos
na nova ou nas novas comunidades onde intentava instalar-se.
“Com os desígnios de uma subversão mundial em grande escala,
pode compreender-se o poder de atracção, mas também de
repulsão e de comportamento psicótico que tais objectivos e
condutas poderiam originar e realmente originavam” (Fernandes,
2007: 34).
A citação reflecte a associação histórica da guerra subversiva à guerra revolucionária
durante a guerra fria, mas a guerra subversiva por si era capaz de originar tais
patologias no domínio psico-social. É que não se pode olvidar que a guerra subversiva
tende a ser uma guerra de longa duração, de saturação, até porque a subversão não
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consegue de todo desafiar a contra-subversão num confronto clássico nos estádios
iniciais do conflito, além de que a população não se ganha num repente.
4
A grande manobra de lassidão da subversão propicia, e realmente veio a ocorrer bastas
vezes, como dissemos, um prolongamento das hostilidades que introduz sub-
repticiamente os cios da guerra total. Se contabilizarmos o tempo inteiro em que a
guerra dura e caso leiamos o conflito como um instantâneo de longa duração, leitura
perfeitamente legítima- a hemorragia inercial que a contra-lassidão não conseguiu
estancar, ou apenas pôde entrecortar, sem quebrar todos os liames estruturais das
diversas sequências temporais -, deparamo-nos, na realidade, como que com uma acção
simultânea de todas formas de coacção, de todas as estratégias gerais disponíveis e
utilizáveis pela estratégia integral e com intensidade máxima. É que a própria lógica
interna do conflito, caso ele se prolongue, exige também ser lida assim. A lassidão e o
arrasto do tempo se concretizam em êxito exactamente na condição de unidade de
tempo.
2. O caso português breve resumo
No caso português, durante os anos das guerras coloniais em África (1961-1975),
Portugal parece ter tido uma estratégia exemplar de contra-subversão, não apenas do
ponto de vista do seu enquadramento conceptual o manual, citado, O Exército na
Guerra Subversiva, é provavelmente o documento doutrinário, que saibamos, mais bem
feito sobre a guerra subversivo e a melhor forma de nela combater mas igualmente no
terreno. É provável que as operações de guerra subversiva no Leste de Angola, entre
1967-1968 e 1973, usando de forma expedita e em proveito próprio as diferenças entre
os movimentos subversivos (FBL-UPA, MPLA, UNITA), e manobrando a preceito o
complexo xadrez externo, incluindo a geopolítica dos Estados vizinhos (uso de
catangueses e zambianos), sejam as mais modelares alguma vez executadas no âmbito
da contra-subversão. É claro que houve limitações, como um empenhamento excessivo
de forças militares na chamada quadrícula uma malha de cobertura do território,
consistindo na sua divisão quadriculada em zonas de acção e de responsabilidade
atribuídas às unidades militares, visando controlar o terreno e as populações - para
garantir a segurança, reabastecimento, transportes e manutenção da área controlada,
assim como (predominantemente) levar a cabo as acções de apoio psico-social, deixando
escassa margem de homens para realizar acções de combate efectivas contra as forças
insurgentes (o que levou à criação de uma reserva de unidades de intervenção libertas
desse ónus). Todavia, a quadrícula era essencial para garantir o êxito da luta, que não
era a derrota militar dos insurgentes, antes a conquista da população, que assim lhe
negaria o apoio logístico indispensável e as fontes de recrutamento. Secar e o
necessariamente eliminar o inimigo por via do seu isolamento era um desiderato
fundamental, e bem mais eficaz, e com menos efeitos destrutivos contraproducentes
(danos colaterais), como aconteceu no Vietname, daí que a própria doutrina previsse que
4
Os cinco estádios ou fases de evolução da acção subversiva geralmente apontados pela doutrina são os
seguintes: fase preparação da subversão; fase criação do ambiente subversivo, uma fase de
agitação; fase consolidação da organização subversiva, correspondente à fase dos golpes de mão,
atentados e demais acções de guerrilha; fase criação de bases e de forças pseudo-regulares, fase onde
existem áreas que a subversão controla montando um Estado paralelo; fase Insurreição geral, fase
final onde se um choque clássico entre forças (como aconteceu em 1975 no Vietname). Obviamente que
à contra-subversão será mais fácil combater a subversão contendo-a nos estádios ou fases mais primitivos
(O Exército na Guerra Subversiva, 1966: cap.I, 12).
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mesmo para as forças militares o objectivo prioritário eram as populações e não o
combate ao inimigo em si (O Exército na Guerra Subversiva, 1966: cap.II, 4-5).
5
Dessa
maneira não só se ganhavam as populações, como, dialecticamente, a subversão perdia
força, mais depressa que sendo apenas ou maioritariamente fustigada por operações de
contra-guerrilha, quando não por operações de maior alcance, uma vez que as operações
de contra-guerrilha, embora de contra-lassidão, são também operações de desgaste que
exigem um tempo longo, e pela sua própria natureza, os resultados dificilmente se
apresentam estruturalmente (estrategicamente) concentrados. Apesar de tudo,
poderiam ter sido mobilizados mais homens para as operações de combate, caso
houvesse quadros civis em quantidade suficiente para os substituir em algumas das
acções de segurança básica ou de fomento dentro do território quadriculado.
Infelizmente, tal não era o caso, porque o investimento maior nas colónias africanas dá-
se precisamente com o eclodir da guerra colonial e em resposta aos movimentos de
emancipação. Uma vez mais, seguindo na perfeição o enquadramento doutrinal.
Parece que até aqui não fizemos senão desvalorizar a acção militar, uma vez que se a
mesma não é a razão de ser da luta subversiva é inegável que sem acções armadas a
capacidade de intimidação e de sedução (a guerra subversiva articula acções de coacção,
com acções de constrangimento e ainda de sedução e acolhimento) da população pela
subversão e o concomitante esforço de contra-subversão o progrediriam. Isso é
evidente. Contudo, o que está em causa é que na guerra subversiva a estratégia é mais
subtil e o emprego de forças militares em acções de combate, se bem que imprescindível,
tem de ser extremamente ponderado, globalmente contido, atendendo ao todo da
estratégia militar e ao conjunto das diferentes estratégias gerais, mas ao mesmo tempo
resoluto e firme quando se justifica. Caso contrário, não não é remuneratório, como
pode deitar a perder o esforço estratégico integral e a manobra político de topo. A acção
estratégica portuguesa foi no geral muito acertada, como provam analistas
independentes, o caso do historiador norte-americano John Cann (Cann, 1998). A
combinação da estratégia operacional, com as estratégias genética, estrutural e
declaratória foi judiciosa, isto apesar do relativo isolamento internacional do país, que
tornava difícil uma estratégia declaratória proficiente junto dos diversos governos e da
opinião pública internacional.
6
5
Onde se diz que as forças militares não devem representar senão uma pequena parte dos meios a empregar.
Neste campo, as forças militares portuguesas tiveram sempre de suprir em excesso a falta recorrente de
técnicos civis. Todavia, o manual também acrescenta que no âmbito estritamente militar as forças armadas
não se devem restringir às acções contra as forças combatentes da população, mas devem colaborar na
luta nos outros campos, inclusive nas fases mais avançadas da subversão. Mais ainda, quando pormenoriza
as missões das forças militares da contra-subversão, os redactores do manual concluem que podem ter
maior importância as missões cujo efeito seja conservar ou reconquistar o apoio das populações, ou sejam,
as acções psico-sociais. Reconhecem que quando se atinge uma fase de implementação e consolidação da
luta armada a missão mais importante das forças armadas é o combate às forças rebeldes. Ainda assim,
finalizam referindo que a “experiência demonstra, sempre, que a medida mais eficaz para combater os
bandos armados e guerrilhas é negar-lhes o apoio das populações (informações, víveres, medicamentos,
recrutamento de pessoal, apoio moral, etc.), sem o qual não poderão subsistir” (O Exército na Guerra
Subversiva, 1966: cap.II, p.24). Portanto, mesmo combatendo, antes de mais trazer a si a população é o
cerne da acção e não o combate aos insurgentes por si mesmo. Ou dito de outra maneira: o combate aos
insurgentes é estrategicamente instrumental e depende da conquista da população; o combate é útil na
medida em que dialecticamente protege a população e faz cair nas boas graças dela. Enquanto noutros
tipos de conflito o combate ao inimigo, ao adversário armado, é um fim em si mesmo em termos da
estratégia militar e um dos fins interactivos da estratégia integral a usar pela síntese política superior.
6
Os quatro veis ou formas da estratégia, na charneira entre a estratégia integral (denominada grande
estratégia nos meios anglo-saxónicos, com escasso rigor) e as estratégias gerais são os seguintes, a saber:
estratégia operacional, que diz respeito à condução e operação dos meios; estratégia genética, respeitante
à geração e criação de meios; estratégia estrutural, respondendo à organização e articulação dos meios;
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Todavia, por fim, Portugal viria a perder a guerra nas diversas frentes: Angola,
Moçambique, Guiné. Quer dizer, tanto no teatro de guerra de maior êxito, o de Angola,
como o de êxito intermédio, o de Moçambique, como o de relativo fracasso, o da Guiné.
Dificilmente, no quadro internacional de então poderia Portugal vir a ter sucesso, dados
os ventos da história, ou para dizê-lo com mais propriedade, o Zeitgeist. Seja como for,
para além disso, contribuiu em muito para a derrota uma política que não esteve ao vel
da estratégia executada. A particular cegueira das autoridades políticas portuguesas não
permitiu integrar os objectivos estratégicos que iam sendo alcançados na ntese política
de fundo, que deveria ser dinâmica e não dogmática, capaz de acolher as retroacções
estratégicas que sobre ela incidiam. A política portuguesa deveria ter avaliado melhor a
evolução da opinião tanto da sua própria população quanto do tabuleiro externo, sabendo
compreender o Zeitgeist para poder acabar por dar autonomia às colónias numa posição
negocial mais forte, mais favorável para as populações europeias no território, que
tiveram de ser repatriadas à presa quase por inteiro, e capaz de encetar um conjunto de
relações com os novos Estados sem complexos de culpa ou de desconfiança parte a parte.
O que teria sido proveitoso não apenas para os interesses materiais de Portugal, mas
igualmente para o seu prestígio e posição simbólica no mundo e na futura comunidade
de países lusófonos.
Porém, não queríamos terminar sem fazer um balanço global, e não português, em
relação às guerras subversivas e revolucionárias ocorridas no período da guerra fria,
quase sempre associadas a processos de descolonização, incluindo, portanto, uma marca
de auto-determinação inerente a um nacionalismo mais ou menos incipiente nos casos
africanos, e mais robusto, nos casos asiáticos.
Do ponto de vista técnico, a longa duração de uma guerra subversiva, essencial à
subversão se pretende ter êxito, como atrás aludimos e desenvolvemos noutros lugares,
tende a chamar a si os vícios da guerra total e mesmo a aproximar-se, aqui ou ali, da
guerra absoluta. Ora, o preço a pagar por essa intensidade, a maioria das vezes insidiosa,
da violência, ademais, durante muito tempo, pode ser (e tem sido) muito elevado. A
guerra, como fenómeno singular, e na medida em que dura, tende a brutalizar as
sociedades, por via do ensimesmamento habitual da violência. Na guerra subversiva, a
intensidade da violência material não é tão óbvia, porém, a usura do tempo associada a
um combate psico-social, sem frentes nem retaguardas, onde os institutos da vida
comum se mascaram de guerra e a guerra se dissimula na paz, não deixa de acarretar
uma incapacidade relativa para armar a paz, fazendo transparecer ainda muito depois os
mesmos comportamentos psicóticos. Acresce que, na maioria dos casos estamos a falar
de sociedades a cimentar, quando não a criar, frágeis materialmente, frágeis
institucionalmente, frágeis ainda nos liames que ligam as pessoas, tanto mais que antes
se procurou tanto dividir como unir, e em cada gesto de serviço à comunidade parece
ter sempre havido uma segunda intenção, ainda que não declarada como tal. É evidente
que o mesmo vale, ainda que eventualmente de forma muito menos intensa para os
tecidos sociais nos quais se sustentam as forças de contra-subversão. Mas parece-nos
claro que nesta tipologia de guerra o sucesso franco pode acontecer se a contra-
subversão abafar de imediato a subversão, ou se, por sorte ou milagre, as autoridades
no terreno acharem por bem desistir logo no inicio. Tudo o resto, são sucessos limitados.
estratégia declaratória, tendo a ver com os efeitos retóricos dos actos ilocutórios de natureza expressiva na
sua relação com os meios, naturalmente em face do outro, como acontece numa demonstração de forças
ou num show the flag.
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Na verdade, no longo prazo, o domínio das relações internacionais continuou a residir
nas grandes potências, o seu ascendente nunca foi estruturalmente posto em causa por
estes pequenos poderes subversivos e revolucionários, mesmo quando tiveram êxito e
foram um estímulo para os demais. Face à sofisticação da guerra insidiosa que foram
desenvolvendo, responderam as sociedades tecnologicamente avançadas com mais
sofisticação, mantendo o ascendente na cena internacional, mesmo enfrentando
clamorosas derrotas recentes, como no Iraque ou no Afeganistão. A delapidação de
recursos humanos e materiais, muito significativa na longa duração apenas permitiu
curtas vitórias de Pirro, deixando as sociedades que encarnavam essa subversão à beira
do esgotamento e em situação de peonização na realidade internacional.
7
Outra coisa é saber, para além dos resultados incipientes em termos comparativos em
relação às potências com as quais os movimentos subversivos se bateram, e que tiveram
como consequência a manutenção do ascendente e do controlo (cada vez mais o
ascendente que propriamente um controlo franco) da cena internacional por parte destas
mesmas potências, se todas estas guerras subversivas acabaram por afectar os
equilíbrios internacionais, o prestígio das potências e, por conseguinte, o seu domínio
relativo. Isto é, convém verificar, independentemente das eventuais vitórias das forças
subversivas no imediato, ou do seu sucesso muito mais limitado a médio e longo prazo,
se estas lutas acabaram ou não por trazer modificações substantivas à cena internacional
e ao equilíbrio de poderes, à parte aquilo que os seus protagonistas julgaram terem ou
não obtido e aquilo que foi efectivamente conseguido. Quer dizer, as guerras subversivas
ajudaram a mudar o mundo, sim ou não?
Referências bibliográficas
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7
Mostra (pelo menos indirecta) disso parece ser a ausência de correspondência entre a expansão dos
membros da Assembleia-Geral da ONU, com as descolonizações, e a sua relevância. Como se as
descolonizações ao mesmo tempo que assinalavam o momento alto da ONU assinalassem também o seu
ponto de inflexão no sentido descendente (Mazower, 2017: 305) manejámos a edição portuguesa,
particularmente desastrada no respeitante à tradução e à revisão.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 8, Nº. 2 (Novembro 2017-Abril 2018), pp. 32-41
A guerra subversiva lida a partir da escola estratégica portuguesa e da experiência portuguesa nas guerras
coloniais em África
António Horta Fernandes
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