Todavia, por fim, Portugal viria a perder a guerra nas diversas frentes: Angola,
Moçambique, Guiné. Quer dizer, tanto no teatro de guerra de maior êxito, o de Angola,
como o de êxito intermédio, o de Moçambique, como o de relativo fracasso, o da Guiné.
Dificilmente, no quadro internacional de então poderia Portugal vir a ter sucesso, dados
os ventos da história, ou para dizê-lo com mais propriedade, o Zeitgeist. Seja como for,
para além disso, contribuiu em muito para a derrota uma política que não esteve ao nível
da estratégia executada. A particular cegueira das autoridades políticas portuguesas não
permitiu integrar os objectivos estratégicos que iam sendo alcançados na síntese política
de fundo, que deveria ser dinâmica e não dogmática, capaz de acolher as retroacções
estratégicas que sobre ela incidiam. A política portuguesa deveria ter avaliado melhor a
evolução da opinião tanto da sua própria população quanto do tabuleiro externo, sabendo
compreender o Zeitgeist para poder acabar por dar autonomia às colónias numa posição
negocial mais forte, mais favorável para as populações europeias no território, que
tiveram de ser repatriadas à presa quase por inteiro, e capaz de encetar um conjunto de
relações com os novos Estados sem complexos de culpa ou de desconfiança parte a parte.
O que teria sido proveitoso não apenas para os interesses materiais de Portugal, mas
igualmente para o seu prestígio e posição simbólica no mundo e na futura comunidade
de países lusófonos.
Porém, não queríamos terminar sem fazer um balanço global, e não só português, em
relação às guerras subversivas e revolucionárias ocorridas no período da guerra fria,
quase sempre associadas a processos de descolonização, incluindo, portanto, uma marca
de auto-determinação inerente a um nacionalismo mais ou menos incipiente nos casos
africanos, e mais robusto, nos casos asiáticos.
Do ponto de vista técnico, a longa duração de uma guerra subversiva, essencial à
subversão se pretende ter êxito, como atrás aludimos e desenvolvemos noutros lugares,
tende a chamar a si os vícios da guerra total e mesmo a aproximar-se, aqui ou ali, da
guerra absoluta. Ora, o preço a pagar por essa intensidade, a maioria das vezes insidiosa,
da violência, ademais, durante muito tempo, pode ser (e tem sido) muito elevado. A
guerra, como fenómeno singular, e na medida em que dura, tende a brutalizar as
sociedades, por via do ensimesmamento habitual da violência. Na guerra subversiva, a
intensidade da violência material não é tão óbvia, porém, a usura do tempo associada a
um combate psico-social, sem frentes nem retaguardas, onde os institutos da vida
comum se mascaram de guerra e a guerra se dissimula na paz, não deixa de acarretar
uma incapacidade relativa para armar a paz, fazendo transparecer ainda muito depois os
mesmos comportamentos psicóticos. Acresce que, na maioria dos casos estamos a falar
de sociedades a cimentar, quando não a criar, frágeis materialmente, frágeis
institucionalmente, frágeis ainda nos liames que ligam as pessoas, tanto mais que antes
se procurou tanto dividir como unir, e em cada gesto de serviço à comunidade parece
ter sempre havido uma segunda intenção, ainda que não declarada como tal. É evidente
que o mesmo vale, ainda que eventualmente de forma muito menos intensa para os
tecidos sociais nos quais se sustentam as forças de contra-subversão. Mas parece-nos
claro que nesta tipologia de guerra o sucesso franco só pode acontecer se a contra-
subversão abafar de imediato a subversão, ou se, por sorte ou milagre, as autoridades
no terreno acharem por bem desistir logo no inicio. Tudo o resto, são sucessos limitados.