OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 8, Nº. 1 (Maio-Outubro 2017), pp. 92-125
DIPLOMACIA ECONÓMICA, GEOECONOMIA E A ESTRATÉGIA EXTERNA DE
PORTUGAL
Miguel Santos Neves
msneves1@gmail.com
Professor Geoeconomia e Análise Politicas Externas, Universidade Autónoma de Lisboa
(Portugal), Investigador Observare, Presidente Network of Strategic and International Studies
(NSIS)
Resumo
O texto analisa os desafios que a glocalização coloca aos Estados e às sociedades e as
estratégias de resposta ensaiadas, em especial a reestruturação da ação externa, assente na
abordagem da diplomacia económica que se consolidou no período pós-Guerra Fria no quadro
da nova relevância da geoeconomia, e desenvolve uma reflexão sobre a reforma da acção
externa de Portugal. A evolução do quadro conceptual demonstra que a diplomacia económica
implica uma inovação significativa e uma mudança de paradigma na acção externa assente
numa abordagem holística que articule os 3 Ms multidisciplinaridade (cruzando as dimensões
económica, política e de segurança) multi-actor e multinível. O texto aborda o caso de
Portugal analisando aspectos marcantes da dinâmica das relações económicas externas no
período 2002-2015, as vulnerabilidades estruturais e as diversas tentativas falhadas para
estruturar uma nova abordagem durante a última década, no essencial centradas no Estado
e marcadas pela visão tradicional da diplomacia comercial. Neste contexto, e tendo em conta
as experiências e boas práticas de outros Estados, são discutidas linhas estratégicas para a
estruturação de uma efetiva diplomacia económica em Portugal que articule três eixos
fundamentais, organizacional, operacional e de inovação.
Palavras-chave
Geoeconomia; Globalização; Diplomacia económica; Relações económicas externas; Acção
externa de Portugal
Como citar este artigo
Neves, Miguel Santos (2017). "Diplomacia económica, geoeconomia e a estratégia externa de
Portugal". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 8, N.º 1, Maio-Outubro 2017.
Consultado [online] em data da última consulta, http://hdl.handle.net/11144/3035
Artigo recebido em 13 de Fevereiro de 2017 e aceite para publicação em 20 de Março de
2017
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Diplomacia económica, geoeconomia e a estratégia externa de Portugal
Miguel Santos Neves
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DIPLOMACIA ECONÓMICA, GEOECONOMIA E A ESTRATÉGIA EXTERNA DE
PORTUGAL
Miguel Santos Neves
Introdução
O processo de globalização e a sua aceleração no pós Guerra Fria tem gerado um
conjunto de efeitos complexos e difusos com um impacto estrutural significativo sobre
os Estados soberanos vestefalianos que, de um modo geral, os enfraqueceram ainda que
de forma assimétrica, reduzindo a respetiva margem de manobra num sistema
internacional marcado por uma crescente complexidade e elevado vel de risco
1
. Esta
tendência é o resultado da interação entre diferentes mecanismos que se reforçam
mutuamente.
O crescente poder e influência dos atores não-estatais, em especial dos grandes
conglomerados económicos e financeiros transnacionais, e o seu impacto na
desestruturação da regulação, quer no plano doméstico quer internacional, contribui para
o enfraquecimento dos Estados soberanos. A globalização reforçou a lógica das
economias de escala desencadeando processos de fusões e aquisições que se traduzem
na formação de grandes conglomerados económicos e financeiros em diferentes sectores,
com um enorme poder de mercado e que abusam do mesmo conduzindo a uma
oligopolização da economia global. Estes conglomerados possuem uma capacidade sem
precedentes para se oporem e resistirem aos mecanismos de hetero-regulação pública e
frustrarem a ação regulatória do Estado através de uma combinação de estratégias de
captura regulatória e de “too big to fail
2
. No plano internacional a situação é ainda mais
problemática face à inexistência de um quadro de regulação global do comportamento
dos grupos multinacionais e de outros atores não-estatais que tiram partido da enorme
liberdade de movimentos associada a este deficit regulatório.
Para este declínio da soberania também contribui de forma decisiva a tendência
estrutural para a erosão da base fiscal dos Estados a qual limita severamente a respectiva
capacidade de ação e implementação de politicas blicas. Esta erosão resulta
fundamentalmente da crescente capacidade de evasão fiscal dos grandes conglomerados
multinacionais
3
- através de transfer pricing , operações transnacionais cruzadas de sub-
e sobre-faturação com recurso a off shores ou de arbitragem fiscal e manipulação
1
Strange, Susan, The Retreat of the State the diffusion of Power in the World Economy, Cambridge
University Press, Cambridge, 1996, pg.14.
2
Stiglitz, 2010, Freefall: America, Free Markets and the Sinking of the World Economy, Norton & Company,
New York.
3
Henry, James, 2012, The Price of offshore revisited, Tax Justice Network, July 2012.
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fraudulenta das contas e resultados exatamente quando o seu peso na atividade
económica é crescente e detêm quotas cada vez mais significativas do mercado pelo que
deveriam proporcionalmente pagar mais impostos
4
. A deterioração das contas públicas e
aumento dos deficits públicos é ainda agravada pelo facto de esta erosão da base fiscal
ocorrer no mesmo momento em que o Estado é forçado a aumentar a despesa pública
para compensar os custos sociais da globalização, aumentando as despesas sociais para
apoiar os excluídos da globalização, mas também para responder aos novos desafios à
segurança e fazer face às novas ameaças não-tradicionais e difusas que se intensificaram
com a globalização.
Os constrangimentos ao nível das politicas públicas assumem particular relevância num
contexto marcado por uma crescente vulnerabilidade dos Estados face ao crescimento
das ameaças não-tradicionais, não-militares e difusas à segurança. Esta é uma dimensão
central do processo de globalização, envolvendo essencialmente o crime organizado
transnacional e as mafias internacionais, o crescimento dos diferentes tipos de tráfico
(armas, droga e pessoas) e do terrorismo internacional cujo modus operandi se torna
cada vez mais sofisticado com recurso às novas tecnologias de informação e comunicação
e ao sistema financeiro internacional. A nova ameaça do ciberespaço, em permanente
mutação, onde o crime organizado transnacional tem posição relevante, e os novos
desafios da cibersegurança face aos riscos do cibercrime ou até da ciberguerra criaram
maiores vulnerabilidades para os Estados
5
.
Por outro lado, a qualidade e eficácia das politicas públicas e das decisões dos Estados
tendem a diminuir face à pressão associada ao aumento do número e da complexidade
das questões gerado pela globalização e às crescentes exigências da gestão da multilevel
governance. Neste contexto, os Estados e as respectivas burocracias centrais para além
de um deficit de know how para responder aos novos problemas, padecem também do
síndroma da fragmentação e rígida divisão de competências que prejudica uma maior
cooperação interdepartamental bem como com os sectores privado e social,
inviabilizando uma abordagem holística e integrada das questões.
Por último, a erosão da legitimidade do Estado e dos Governos afecta o exercício do
poder em consequência não só da emergência de novas fontes de lealdade dos cidadãos,
que concorrem com a nacionalidade e que fomenta múltiplas identidades associadas às
diferentes redes sociais transnacionais em que estes estão envolvidos, mas também da
incapacidade de o poder político controlar o poder económico, ou do agravamento da
crise das democracias representativas.
4
O processo BEPS (Base Erosion Profit Shifting package) desenvolvido no âmbito da OCDE/G-20 é um
processo de soft law que pretende reforçar a coordenação entre os Estados para combater a evasão fiscal
via arbitragem fiscal que permite a transferência artificial dos lucros para jurisdições com baixa carga fiscal
onde não se regista atividade económica efetiva (cfr. http://www.oecd.org/tax/beps/beps-about.htm,
consultado em 10.8 2015).
5
Os Estados, em especial os mais dependentes do ciberespaço, não estão preparados para controlar e
minimizar os riscos vd. sobre a vulnerabilidade e falta de preparação dos Estados, no caso dos EUA, Richard
Clarke and Robert Knake, 2010, CyberWar: the next threat to national security and what to do about it,
HarperCollins Publishers.
Sobre os aspectos de regulação ver a interessante reflexão sobre a aplicação das regras de direito
internacional, designadamente de jus ad bellum e de jus in bello, à guerra cibernética Michael Schmitt (ed.),
2013, The Tallinn Manual on the International Law applicable to Cyber Warfare, Cambridge University Press,
elaborado por um grupo de peritos por iniciativa do Cyber Defence Centre of Excellence da NATO
(www.motherjones.com/politics/2013/03/can-nato-drone-computer-hackers).
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Os Estados soberanos têm procurado responder aos desafios decorrentes da perda de
poder e da posição monopolista como atores do sistema internacional, através de um
conjunto de estratégias muito diversificadas que envolvem:
(i) a participação em processos de integração macro-regional, combinando recursos
e esforços com outros Estados para minimizar as vulnerabilidades e melhor
responder aos desafios da globalização;
(ii) a exploração de novos modelos de cooperação e alianças com os atores não-
estatais, adoptando modelos de co-regulação que coexistem com os modelos
tradicionais de hetero-regulação que reforcem a efetividade das normas;
(iii) a reforma e melhoria do sistema de governance, promovendo a descentralização
no plano interno no sentido de criar vários centros de decisão tirando partido do
dinamismo e inovação regional e local e consolidando as redes de conhecimento
regionais; promovendo a reforma da estrutura do Estado e reforçando a sua
flexibilidade na resposta à mudança, a transparência e responsabilização;
(iv) a aceleração de reformas estruturais que permitam uma transição mais robusta
para a sociedade/economia do conhecimento e um reforço da competitividade na
economia global;
(v) a reforma do sistema político procurando desenvolver mecanismos de democracia
participativa que estimulem o envolvimento dos cidadãos e contribuam para o
reforço da legitimidade.
O desenvolvimento da diplomacia económica e de um novo paradigma a partir dos anos
90 constituiu uma outra estratégia de resposta dos Estados no contexto de uma economia
global que, por detrás de uma aparência de reforço da lógica de mercado e da
concorrência, tem sido marcada paradoxalmente por tendências precisamente opostas.
Por um lado, uma crescente concentração de poder económico e a oligopolização de
muitos sectores com conglomerados e empresas transnacionais que abusam do seu
crescente poder de mercado, limitando e distorcendo a concorrência. Por outro, uma
interferência crescente de factores políticos nas questões económicas e da influência das
potências, incluindo dos novos poderes emergentes, com o caso extremo do modelo de
capitalismo de Estado da China.
Neste contexto, e contrariamente ao discurso optimista sobre a globalização, não basta
ser eficiente e competitivo nem solucionar os problemas estruturais internos para poder
ter sucesso na economia global. É necessário também ter as conexões, ligações
institucionais e participar nas coligações relevantes. Ser competitivo e ter uma economia
inovadora é apenas uma condição necessária, mas não suficiente para responder aos
desafios da globalização e da sociedade do conhecimento. A diplomacia económica pode
ser vista em boa medida como uma estratégia para responder a este paradoxo e á
crescente integração entre as dimensões económica, política e securitária.
O artigo está estruturado em quatro partes. A primeira parte aborda o conceito de
diplomacia económica e a mudança de paradigma que o mesmo implica em termos de
abordagem do espaço internacional. A segunda parte desenvolve uma análise parcial das
relações económicas externas de Portugal no período 2002-2015, procurando identificar
as tendências marcantes da evolução do comércio externo de bens e serviços e dos fluxos
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de investimento estrangeiro, e a sua interligação com uma verdadeira diplomacia
económica. A terceira parte, analisa as diversas tentativas para estruturar uma
diplomacia económica durante a última década e as razões do seu insucesso. Finalmente,
são propostas e discutidas linhas estratégicas para a estruturação de uma diplomacia
económica em Portugal, numa lógica de contributo para o debate e mobilização para uma
ação urgente e de abordagem holística da questão.
1. Diplomacia económica: conceito e mudança de paradigma
O desenvolvimento da diplomacia económica constitui uma das manifestações do novo
papel e relevância da geoeconomia
6
no sistema internacional pós-Guerra Fria, em
contraste com a era do mundo bipolar em que a perspectiva da geopolítica predominava.
As novas bases do poder geo-económico a capacidade de gerar conhecimento e os
recursos humanos; transformação sector agrícola e controlo sobre recursos; consolidação
de uma classe média urbana e inovações de governance; capacidade fiscal dos Estados
para financiar infra-estruturas e capacidades militares sustentaram a emergência dos
dois casos paradigmáticos de potências geoeconómicas no pós-Guerra Fria, a China e a
Alemanha, que conseguiram transformar o seu poder económico em poder e influência
política e militar
7
.
O movimento de reforma da ação externa dos Estados iniciou-se a partir de finais dos
anos 90 liderado pelos Estados mais ativos e competitivos na economia global, em
especial os EUA, a China, a India, o Brasil, o Reino Unido, a Suécia ou a Alemanha
8
. Em
causa estava a necessidade de reformar e adaptar um modelo de diplomacia dominado
pelas questões politicas e militares, e marcado pela tensão entre a prossecução de
interesses económicos e objectivos estratégicos como salienta Gertz
9
, que prevaleceu
durante a Guerra Fria, e promover a transição para um modelo que atribui maior
relevância às questões económicas promovendo um novo equilíbrio com as questões
politicas. O novo ênfase na diplomacia económica não significa a exclusividade ou
predomínio do económico, mas sim um maior equilíbrio e articulação entre as dimensões
política e económica da ação externa, não a emergência de uma política externa
mercantilista.
O conceito de diplomacia económica, que o se confunde e vai muito para além do
conceito tradicional de diplomacia comercial centrado na promoção das exportações e
6
Luttwak, Edward. (1990) ‘From Geopolitical to Geo-economics, Logic of Conflict, Grammar of Commerce’,
The National Interest, no 20, p. 17-24; Mark P. Thirlwell, ‘The Return of Geo-economics: Globalisation and
national Security’, Lowy Institute for International Policy, September 2010. Available at:
http://www.lowyinstitute.org/Publication.asp?pid=1388.; Sanjaya Baru, 2012, A New Era of Geo-
economics: Assessing the Interplay of Economic and Political Risk, IISS Geo-economics and strategic
programme, Paper IISS Seminar.
7
Sanjaya Baru, ibidem.
8
Para uma análise comparativa destes modelos ver Miguel Santos Neves (2007) O Triângulo Diplomacia-
Cooperação-Negócios, in Fernando Jorge Cardoso (coord.) Diplomacia, Cooperação e Negócios: o papel dos
actores externos em Angola e Moçambique, IEEI/IPAD, Lisboa, 2007.
9
Geoffrey Gertz, Commercial Diplomacy and American Foreign Policy, GEG Working Paper 119, August 2016,
que argumenta que a diplomacia comercial reemergiu como prioridade na politica externa dos EUA a partir
de 1990, designadamente na intervenção diplomática do Departamento de Estado na solução de conflitos
sobre investimento em que estão envolvidas empresas americanas, em contraste com o período da Guerra
Fria em que esta acção de diplomacia comercial era vista como disfuncional criando sérios riscos de conflitos
nas relações bilaterais, desviando da prioridade das questões politico-estratégicas e contribuindo para
alienar e empurrar países para a órbita de influência da União Soviética.
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subalternizado à diplomacia política, tem sido analisado por diferentes autores com
perspectivas distintas.
Berridge and James
10
encaram a diplomacia económica como o trabalho diplomático
para apoiar os sectores empresarial e financeiro de um determinado país” ... através da
utilização de recursos económicos, como recompensas ou como sanções, na
prossecução de um objectivo específico de política externa”. O pressuposto de base é o
papel exclusivo dos Estados e estruturas públicas não incluindo a nova dimensão da ação
dos atores não-estatais. Por outro lado, a essência da diplomacia económica residiria na
utilização de instrumentos económicos, positivos e negativos, para fins políticos.
Outros autores como Bayne e Woolcock identificam a diplomacia económica com o
processo de decisão-económica internacional
11
, defendendo que a sua caracterização o
se baseia nos instrumentos, mas sim no seu conteúdo e nas diversas questões
económicas que o integram. Por outro lado, salientam que o conceito envolve uma
mudança qualitativa face à diplomacia tradicional, cujos estereótipos não lhe são
aplicáveis, pondo em evidência a interação entre as dimensões doméstica e internacional
do processo, as ligações entre as dimensões política e económica e a crescente relevância
da participação dos atores o-soberanos e sua interação com os Estados, que são
encarados como atores não unitários. Na perspectiva destes autores a diplomacia
económica tenta gerir três tipos de tensões fundamentais (i) entre política e economia;
(ii) entre Estado e atores o-estatais (iii) entre pressões internacionais e pressões
domésticas, processo negocial internacional e processo negocial doméstico
12
.
Kishan Rana reforça esta visão salientando que se trata de um processo, e não de
estruturas, orientado para a resposta aos desafios externos e a maximização das
vantagens comparativas
The process through which countries tackle the outside world, to
maximize their national gain in all the fields of activity, including
trade, investment and other forms of economically beneficial
exchanges, where they enjoy comparative advantage... it has
bilateral, regional and multilateral dimensions, each of which is
important
13
.
Esta última referência remete para a dimensão multinível da diplomacia económica que
se aproxima da posição de Bayne e Woolcock que a associam à interligação entre 4
níveis: bilateral, regional, plurilateral e multilateral.
10
Berridge, Geoff R. Alan James, A Dictionary of Diplomacy, Ed. Palgrave Macmillan, Basingstoke, 2005, p.
38.
11
Bayne, Nicholas e Woolcock, Stephen (eds), 2007 The New Economic Diplomacy decision-making and
negotiation in international economic relations, Ashgate, 2nd edition.
12
Bayne, Nicholas e Woolcock, Stephen (eds), 2007 The New Economic Diplomacy decision-making and
negotiation in international economic relations, Ashgate, 2nd edition, pp.10.
13
Kishan S. Rana, 2007, Economic diplomacy: the experience of Developing Countries in Bayne, Nicholas,
Stephen Woolcock, The New Economic Diplomacy-decision-making and negotiation in international
economic relations, Ashgate, 2nd ed., pp.201-220.
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A perspectiva de Okano-Heijmans
14
põe em evidência o facto de a diplomacia económica
não estar limitada nem à economia nem à diplomacia, implicando um conceito amplo que
tem de ser entendido à luz de uma pluralidade de disciplinas científicas, as relações
internacionais, a economia, a economia política internacional e os estudos diplomáticos.
Em suma, apesar do consenso sobre a mudança de paradigma existem divergências
sobre o âmbito e objectivos da diplomacia económica na literatura. A perspectiva que
melhor capta a complexidade e a mudança de paradigma é a proposta por Bayne e
Woolcock que implica não apenas uma ampliação do objecto, mas também uma nova
lógica e formas de conceber e implementar a ação externa. Com efeito, a diplomacia
económica ampliou de forma significativa o conjunto de questões que tradicionalmente
eram tratadas no plano da promoção dos interesses externos de um país, comércio e
investimento, combinando sete dimensões distintas
15
:
(i) Promoção comercial, em especial das exportações, mas também a correção dos
deficits comerciais crónicos e gestão das negociações comerciais multilaterais.
(ii) Promoção do investimento, quer na perspectiva da captação de investimento direto
estrangeiro inward FDI quer do apoio à expansão do investimento do país no
exterior outward FDI.
(iii) Promoção do turismo
(iv) Gestão dos fluxos migratórios e atração de quadros qualificados.
(v) Promoção da ciência e tecnologia procurando captar novas tecnologias e
estabelecer laços fortes com centros de inovação de referência.
(vi) Gestão da ajuda ao desenvolvimento
(vii) Promoção da imagem país
No entanto, o conceito implica para além desta ampliação do objecto uma mudança
qualitativa e uma maior complexidade que decorre de três transformações fundamentais
que marcam a diplomacia económica do pós-Guerra Fria, os 3Ms: multidisciplinaridade;
multi-ator; multinível.
Em primeiro lugar, a multidisciplinaridade decorre de uma visão mais holística sobre a
relação entre as diferentes questões económicas e da interação entre economia, política
e segurança refletindo um novo equilíbrio entre geoeconomia e geopolítica. Em segundo
lugar, a natureza multi-ator que a diplomacia económica não é mais uma atividade
exclusiva dos Estados, mas antes de uma multiplicidade de atores estatais e não-estatais
que agem através de duas vias: por um lado influenciando o processo de decisão da
política pública; por outro, atuando diretamente no plano internacional agindo como
atores autónomos. A nova diplomacia económica requer a adopção de uma abordagem
de multitrack diplomacy uma combinação inteligente e flexível entre track I diplomacy
(plano formal oficial), track II diplomacy (plano não-oficial, não-estruturado, informal
14
Maaike Okano-Heijmans, 2011, Conceptualizing Economic Diplomacy: the crossroads of International
Relations, Economics, IPE and Diplomatic Studies, in The Hague Journal of Diplomacy, vol.6, nºs 1-2, 2011,
pp.7-35.
15
A articulação entre os sete pilares amplia a visão mais restrita proposta por Rana, Kishan, 2002 Bilateral
Diplomacy, DiploHandbooks, DiploFoundation, ch.4.
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com participação de atores não-estatais, ONGs, académicos) e track III diplomacy
(informal, iniciativas ao nível das comunidades, people to people).
Em terceiro lugar a dimensão multinível, porque a ação decorre em simultâneo nos planos
internacional, macro-regional, nacional e sub-nacional, incluindo a nova dinâmica da
paradiplomacia, implicando uma compreensão, coordenação e exploração das
interligações entre os diferentes níveis. Por outro lado, põe em causa a visão tradicional
da separação e dicotomia entre os planos externo e interno, considerando que as
dimensões da política interna e da ação externa têm de ser encaradas como uma unidade
e um contínuo.
Importa sublinhar que a diplomacia económica não é uma realidade homogénea e com
um padrão uniforme, tratando-se de um processo está sujeita a uma evolução gradual e
a uma diversidade de padrões. O contributo de Rana
16
é particularmente relevante na
caracterização desta diversidade ao considerar que existem distintas fases de
desenvolvimento da diplomacia económica e identificando quatro fases fundamentais,
por ordem crescente de complexidade:
(i) Primeira fase de “promotion”, centrada na expansão do comércio, promoção de
exportações e na atração de investimento estrangeiro;
(ii) Segunda fase de “networking”, que envolve a mobilização de clusters de apoiantes
e participantes quer no país quer no estrangeiro (empresas, universidades, think
tanks, câmaras de comércio) nas áreas comércio, investimento e aquisição de
tecnologias;
(iii) A terceira fase de “country promotion” está centrada no reforço da imagem e da
reputação do país assim como das suas empresas por forma a atrair fluxos de
investimento e fluxos de turistas;
(iv) A quarta fase “regulatory phase” , que se centra na conclusão e gestão dos acordos
de comércio bilaterais e multilaterais e de tratados bilaterais de investimento.
Embora estas fases tenham uma lógica sequencial e a consolidação de uma seja
fundamental para o arranque e consolidação da seguinte, tendem a co-existir no tempo
e no espaço sendo o sentido de evolução de crescente complexidade e impacto sistémico.
Assim, em geral não se verifica um cenário puro mas sim misto, marcado pela
coexistência e sobreposição parcial entre as diferentes fases embora em diferentes
proporções dependendo do grau de maturação do sistema.
Neste contexto, e na linha de Bayne e Woolcock, podem ser identificados três vectores
estratégicos para pensar a ação externa, profundamente interligados, cuja estruturação
constitui um desafio central para os Estados.
Em primeiro lugar a continuidade das dimensões interna e externa. Os fenómenos
transnacionais aboliram as barreiras entre os planos interno e externo e colocam em
causa as divisões tradicionais entre politicas domésticas prosseguidas por instituições
especificas e política externa desenvolvida por estruturas especializadas com elevados
16
Rana, Kishan e Bipul Chatterjee, 2011, Economic Diplomacy: India’s experience, CUTS International, Japuir.
Anteriormente Rana defendeu a existência de um sistema ligeiramente diferente com três fases (i)
Salesmanship, (ii) Network and Advocacy e (iii) Regulatory management.
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níveis de descoordenação e deficit de coerência. O novo contexto implica pensar o interno
e externo como um continuum de modo a reforçar a coerência das intervenções
Em segundo lugar, a visão holística dos problemas e abordagem multi-actor. A
complexidade das questões suscitadas pela sociedade do conhecimento e pela
competitividade sistémica no plano global, implica a abordagem dos problemas de forma
integrada e holística, o que não é facilitado pela lógica sectorial e fragmentada como o
Estado organiza a sua máquina e planeia as politicas blicas. Por outro lado, implica
conceber o processo decisório como um processo multi-actor, participado, em que os
atores não-estatais interagem e cooperam com o Estado numa lógica de parceria por
forma a maximizar a eficácia da ação externa, abandonando a ideia tradicional de que a
política externa é área reservada dos Estados.
Em terceiro lugar, a abordagem multinível, numa perspectiva diferente da de Bayne e
Woolcock. reconhecendo a legitimidade de diferentes veis de ação externa - global,
macro-regional, nacional, micro-regional e local - e a necessidade de gestão das
complexas relações entre os mesmos por oposição a uma visão centralista baseada no
predomínio do Governo central e do nível nacional. O crescimento do fenómeno da
paradiplomacia dos governos sub-nacionais, particularmente ativos no caso dos Estados
que melhor souberam responder aos desafios da globalização, é uma das tendências
mais significativas no atual sistema internacional e que complementa e reforça, não
fragiliza, a ação externa dos Estados
17
.
2. Relações Económicas Externas de Portugal 2002-2015
As relações económicas externas envolvem uma dupla dimensão, não apenas um
conjunto de fluxos económicos, comerciais, de bens e serviços, financeiros, de turismo,
de investimento direto, de tecnologia, migratórios, mas também uma rede de relações
interpessoais, entre indivíduos e organizações com diferentes culturas, que geram e
sustentam estes fluxos. A interconexão entre as diferentes dimensões política,
económica, de segurança e cultural é cada vez mais densa, mas a abordagem dominante
continua a ser fragmentada e simplificadora, arrumando a realidade em compartimentos
estanques e o adoptando uma perspectiva holística. A análise das relações económicas
externas implica abordar não apenas as interações no plano do comércio externo, do
investimento e dos fluxos financeiros, mas também os fluxos migratórios, os fluxos de
tecnologia, aspectos da cultura associados às trocas económicas e questões relacionadas
com a segurança económica que é um objectivo de grande relevância, mas distinto da,
e por vezes em conflito com a prosperidade económica. A abordagem aqui desenvolvida
centra-se nas dimensões sobre as quais existem mais dados consistentes em particular
o comércio externo, o investimento direto estrangeiro, os fluxos turísticos e os fluxos
migratórios.
17
Sobre o fenómeno da paradiplomacia, Brian Hocking, Localizing foreign policy non-central governments
and multilayered diplomacy, London, St. Martin’s Press 1993; Hans Michelmann, and Soldatos (ed)
Federalism and international relations the role of subnational units, Clarendon Press, 1990; Francisco
Aldecoa and Michael Keating (eds.), Paradiplomacy in Action: The Foreign Relations of Subnational
Governments, Routledge, 2013; Miguel Santos Neves "Paradiplomacy, knowledge regions and the
consolidation of «Soft Power»" in Janus.net e-journal of International Relations, nº 1, Autumn 2010.
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Comércio externo
No período 2002-2015 o comércio externo total (importações e exportações) de Portugal,
incluindo bens e serviços, aumentou de 90,2 mil milhões de euros para 145,7 mil milhões,
embora com uma evolução irregular registando um declínio significativo em 2009, em
resultado da crise internacional, para recuperar em 2010 e atingir em 2011-2012 valores
idênticos aos de 2008 (vd. Quadro 1).
A evolução das importações e exportações de bens e serviços registou um crescimento
contínuo, quer das importações quer das exportações, entre 2002 e 2008 e uma quebra
significativa em 2009 com uma redução de -18,2% das importações e de -15,5% das
exportações.
Quadro 1 Comércio externo bens e serviços 2002-2015, Mil milhões de euros
ANO
Importações
Exportações
Saldo
Comércio total
2002
50,8
39,4
- 11,4
90,2
2003
50
40,2
- 9,8
90,2
2004
55
42,7
- 12,3
97,7
2005
57,7
43,4
- 14,3
101,1
2006
63.9
50,5
- 13,4
114,4
2007
68,2
55,5
- 12,7
123,7
2008
73,4
57,1
- 16,4
130,5
2009
60,1
48,3
- 11,8
108,4
2010
67,5
55
- 12,5
122,5
2011
68,7
62,2
- 6,5
130,9
2012
64,2
64,4
+ 0,2
129,1
2013
65,4
68,6
+ 3,2
134,0
2014
68,8
70,8
+ 2,0
139,6
2015
71,2
74,5
+ 3,3
145,7
Fonte: Banco de Portugal, Estatísticas de Balança de Pagamentos; AICEP “Comércio Internacional
Português de Bens e Serviços 1996-2011”, Dezembro 2012 e “Comércio Internacional Português,
evolução das exportações portuguesas de bens e serviços em 2012 Jan/Dez”, Fevereiro 2013,
2014,2015. Cálculos do autor
A queda das exportações em 2008 e 2009 resultou do efeito combinado da diminuição
da procura nos principais mercados, em especial o espanhol, e de um euro forte que
afectou negativamente a competitividade das exportações para mercados extra-
comunitários
18
. A recuperação iniciou-se logo em 2010: as exportações recuperaram para
níveis de 2007, crescendo significativa e continuamente entre 2011 e 2015 para
atingirem os valores mais elevados do período em 2015 com 74,5 mil milhões de euros.
Este aumento tem como motor essencial a performance positiva do sector do turismo e
o aumento das respectivas receitas, sobretudo a partir de 2012 aumentando de 8,6 mil
18
A evolução da taxa de câmbio do euro face ao dolar tem registado uma evolução errática sendo possível
distinguir três períodos distintos: (i) fase inicial do euro fraco entre 1999-2002, com o declinio da taxa
inicial de 1.2 para 0.85 em 2001 e 0.9 em 2002 ; (ii) fase do euro forte no período 2002-2008, registando
uma forte tendência de valorização de 0.9 em 2002 para o pico de 1.6 em final de Julho de 2008, ainda
que com flutuações e períodos de desvalorização entre 2005-2006; (iii) fase do euro instável e
moderadamente forte entre finais de 2008-2013, caracterizada por maior instabilidade do euro com
sucessivas valorizações e desvalorizações, variando numa banda entre 1.5. e 1.2 face ao US dólar, desde
inicio da crise financeira: movimentos valorização entre Nov 2008 Dez 2009; Junho 2010 (1.2) - Abril
2011 (1.46); Julho 2012 (1.2) e Fevereiro 2013 (1.33); movimentos desvalorização entre Dez 2009 - Jun
2010; Abril 2011 (1.46) -Jul 2012 (1.2) - ver European Central Bank, ECB Statistical Data Wharehouse
(http://sdw.ecb.europa.eu/quickview.do?SERIES_KEY=120.EXR.D.USD.EUR.SP00.A#top, consultado em
10.9.2013) e http://www.ecb.europa.eu/stats/exchange/eurofxref/html/eurofxref-graph-usd.en.html,
consultado em 11.9.2013)j
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milhões para 11,5 mil milhões em 2015 o que representa 15,4% das exportações totais
de bens e serviços
19
.
No que toca às importações, depois da recuperação em 2010 cresceram de forma lenta
em 2011 e registaram um declínio em 2012, refletindo os efeitos da recessão económica
doméstica e do impacto do programa de ajustamento, estabilizando em 2013 para
voltarem a crescer em 2014-2015.
As relações comerciais externas foram marcadas no período 2002-2015 por
desequilíbrios com duas fases distintas. A primeira fase entre 2002-2011 registou um
deficit persistente com um saldo negativo sempre superior a 10 mil milhões de euros,
tendo atingido o valor mais elevado em 2008 com - 16,4 mil milhões de euros. Embora
se tenha registado uma ligeira redução do deficit externo em 2009, resultado de uma
quebra quer das importações (-18,2%) quer das exportações (-15,5%) de bens e
serviços, mas mais acentuada nas importações, em 2011 se regista uma correção
significativa com uma redução para metade do valor do deficit em relação ao ano
anterior, resultado de um crescimento assimétrico marginal das importações (1,8%) e
vigoroso das exportações (13%).
A segunda fase, entre 2012-2015, registou um superavit que se consolidou atingindo em
2015 um excedente de 3,3 mil milhões de euros. Este valor é explicado pelo superavit
da balança de serviços, o qual mais do que compensa o deficit persistente da balança de
bens (-10.5 mil milhões em 2015), em especial a balança turística cujo superavit de 7,8
mil milhões em 2015 representava 56,6% do montante total do superavit dos serviços.
Em 2012, pela primeira vez, registou-se um superavit marginal de 229 milhões de euros,
que resultou da conjugação entre uma quebra das importações (-6,2%) e um
crescimento das exportações (3,8%), o qual se consolidou em 2013-2015, embora em
níveis baixos, atingindo um valor médio de 3 mil milhões de euros.
A desvalorização do euro face ao dólar a partir de 2011 e que se acentuou em 2015 e
2016
20
e o crescimento dos fluxos turísticos, como resultado conjugado da crescente
insegurança em destinos alternativos no Maghreb, da redução do preço do petróleo e da
projeção de uma imagem positiva de Portugal como destino turístico, foram dois dos
factores que contribuiram positivamente para esta evolução.
Fluxos turísticos
Os fluxos turísticos para Portugal
21
(inbound flows) cresceram de forma rápida desde
finais da década de 2000 e em particular no período entre 2012 e 2015 com um
crescimento de mais de 30%, aumentando de 7,5 milhões em 2012 para cerca de 10
milhões de turistas em 2015 com taxas de crescimento de 13% em 2014 e 10% em
19
Segundo estatísticas da Organização Mundial de Turismo UNWTO, Portugal registou um total de 10,2
milhões de chegadas em 2015 e reforçou a sua posição em termos globais sendo o 26º maior mercado de
turismo e o 33º em termos de receitas (UNWTO World Tourism Barometer, May 2016).
20
A taxa de câmbio anual média do Euro relativamente ao US dólar desvalorizou-se de 1.39 em 2011 para
1.11 em 2015 com algumas flutuações neste período: desvalorização para 1.28 em 2012 com ligeira
recuperação estabilizando em 1.33 em 2013 e 2014 e nova desvalorização em 2015 para 1.11 vd. Statista
ECB data (disponível em https://www.statista.com/statistics/412794/euro-to-u-s-dollar-annual-average-
exchange-rate/).
21
UNWTO Statistics Portugal: Country-specific: Basic indicators (Compendium) 2011 - 2015 (09.2016),
UNWTO e-library. Disponível em
http://www.eunwto.org/doi/abs/10.5555/unwtotfb0620010020112015201609.
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2015. Esta evolução positiva teve também reflexos significativos no crescimento das
receitas de turismo que aumentaram de forma ainda mais intensa 33% neste período
passando de 8,6 mil milhões para 11,5 mil milhões de euros em 2015 (ver quadro 2).
Quadro 2. Fluxos turísticos para Portugal (inbound) e receitas, 2011-2015
2011
2012
2013
2014
2015
Nº Turistas (milhões)
7,3
7,5
8,1
9,1
9,9
Dormidas (milhões)
27,9
29
31,1
34
36,4
Receitas (€ million)
8.146
8.606
9.250
10.394
11.451
Pour memoire
Total turistas a nível global (milhões)
994
1.040
1.086
1.134
1.186
Fonte: UNWTO Statistics e Banco Portugal (receitas turismo)
Esta evolução positiva insere-se numa tendência generalizada de aumento dos fluxos
turísticos globais que têm crescido a uma taxa média de 5% ao ano ultrapassando a
meta dos mil milhões de turistas em 2012 e registando em 2015 o valor de 1.186
milhões, dinamismo que se explica em parte pela redução do preço do petróleo e pela
expansão da classe média nas economias emergentes. A diferença é que a taxa média
de crescimento de Portugal tem sido desde 2012 o dobro da taxa média global e da
Europa o que se explica desde logo por factores de contexto regional já que Portugal se
insere na região Southern Mediterranean Europe que é aquela que atrai mais turistas a
nível global sendo responsável por 19% dos fluxos totais tendo atraído 225 milhões de
turistas em 2015. Existem ainda factores específicos que favorecem o perfil de Portugal
como destino turístico, designadamente a crescente preocupação com questões de
segurança sendo Portugal percepcionado como país seguro e alternativa ao destino
Maghreb; a forte dimensão cultural na imagem-país; reforço da percepção positiva sobre
a qualidade e diversidade da oferta turística alicerçada em prémios internacionais e feed
back positivo no espaço digital.
No entanto, o crescimento dos fluxos turísticos não foi acompanhado por uma
diversificação da sua origem que continua fortemente concentrada nos mercados
tradicionais da Europa. Estes representavam 82% dos turistas em 2012 e continuam a
representar 80,5% em 2015, seguido dos EUA e da Ásia Oriental e Pacífico que aumentou
o seu peso de 4% em 2012 para 6% em 2015 mercê de um ligeiro crescimento dos fluxos
de turistas chineses e sul-coreanos. Neste plano não tem existido uma estratégia
proactiva efetiva de diversificação para captar mais fluxos de turistas chineses, o maior
mercado emissor do mundo, e para explorar uma maior complementaridade com
Espanha, o segundo maior mercado de turismo da Europa.
Em termos gerais, uma das características da estrutura do comércio externo português
é o elevado vel de concentração das exportações, tal como das importações, num
reduzido número de mercados, o que envolve um baixo grau de diversificação e,
consequentemente, um maior vel de risco de choques externos de maior amplitude
relacionados com quebras na procura externa. O elevado grau de concentração é
demonstrado pelos dados do quadro 3.
Os três maiores mercados, Espanha, França e Alemanha, absorveram ao longo do período
considerado quase metade das exportações portuguesas, 49% em 2002, subindo para
49,7% em 2005 e reduzindo ligeiramente a partir de 2008 mas mantendo em 2012 um
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valor muito idêntico 46,6%
22
. Em 2013 e 2014 registou-se uma ligeira redução do nível
de concentração para 42.8% mas esta tendência não se consolidou voltando a subir em
2015 par 44.1%. Esta elevada concentração verifica-se quer relativamente às
exportações de bens quer às exportações de serviços. No caso do turismo os três maiores
mercados de origem de turistas, Reino Unido, França e Espanha, representavam 49,4%
do total de dormidas (34,4 milhões) e 47% das receitas totais (11,5 mil milhões euros)
em 2015
23
.
Quadro 3 - Nível concentração das exportações portuguesas nos maiores mercados de
exportação, % percentagem
ANO
10 maiores mercados a)
% Exportações Totais
3 maiores mercados b)
% Exportações Totais
2002
83,1
49
2003
82,8
49,1
2004
82,9
49,3
2005
81,7
49,7
2006
81,1
49,6
2007
79,9
49,5
2008
77,7
48,1
2009
78,3
47,8
2010
77,5
47,6
2011
77,1
46,4
2012
75,3
46,6
2013
74.7
42.8
2014
75.4
42.9
2015
75.4
44.1
Fonte: Cálculos do autor a partir de estatísticas Banco de Portugal e AICEP 2002-2015
a) Os 10 maiores mercados de exportação incluem por ordem decrescente Espanha,
França, Alemanha, Reino Unido, Angola, Holanda, EUA, Itália, Bélgica, Brasil
b) Os 3 maiores mercados são por ordem Espanha, França e Alemanha
Se analisarmos os dados relativos aos 10 maiores mercados de destino das exportações
durante o período selecionado Espanha, França, Alemanha, Reino Unido, Angola,
Holanda, EUA, Itália, Bélgica, Brasil - também se detecta um elevado vel de
concentração nestes mercados que absorveram cerca de 4/5 das exportações na primeira
parte do período até 2007 (83% em 2002 e 80% em 2007), diminuindo ligeiramente a
partir de 2008 para ¾ em 2012 (75,3%) valor que se manteve estável em 2014 e 2015
(75,4%). Registou-se, assim, uma ligeira diversificação de mercados de exportação a
partir de 2009 que se detecta mais ao vel do grupo dos 10 maiores mercados e o
tanto ao nível dos três maiores mercados de destino, apesar de o quadro de fundo ser
um índice de concentração muito elevado.
Investimento
No plano do investimento direto estrangeiro (IDE) em Portugal, a evolução entre 2002-
2015 foi errática e pouco favorável, os fluxos tiveram reduzida expressão em função quer
da dimensão da economia portuguesa quer da performance de outras economias
concorrentes. Com referência ao IDE líquido, os fluxos caracterizaram-se por uma grande
22
Para medir o grau de concentração das exportações em mercados de destino são usados normalmente 3
indicadores, o ‘Herfindahl Hirschman Index’, o ‘Gini Hirschman Index’ e o ‘entropy coefficient’.
23
AICEP, Estatisticas, Portugal Ficha País, Set 2016.
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instabilidade e flutuações, como ilustra o quadro 4, com um nível relativamente modesto
em 2002 de 1,9 mil milhões de euros mais do que triplicando em 2003 para 6,3 mil
milhões para voltar a cair nos anos seguintes e crescer novamente em 2006, ano em que
atingiu o pico do período com 8,7 mil milhões de euros. A fase entre 2007-2010 foi de
quebra do vel de investimento a que se seguiu uma fase de recuperação em 2011 e
2012 para 8 mil milhões e 7 mil milhões respetivamente. Os anos seguintes foram
caracterizados por um novo declínio nos fluxos de IDE para 2 mil milhões em 2013 e 2,2
mil milhões em 2014 aumentando novamente em 2015 para 6,2 mil milhões.
Quadro 4 - Investimento Direto em Portugal principais investidores (% do total IDE);
stocks e Investimento Líquido (mil milhões de euros)2002-2012
Países
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
Holanda
14,8
14
13,5
13,2
14,6
14,3
16,3
17,7
12,5
22,5
8,5
Espanha
8,4
11
16,4
14,6
12,8
16,5
15,6
13
14,4
17,7
22,9
França
18,9
11,5
11,4
14,1
13,1
10,4
12,7
17,5
16,8
16,4
18,2
Reino
Unido
14,5
13,4
15,2
12,6
14
16
15,8
20,5
10,8
13,8
15,7
Alemanha
12,8
8,9
12,6
16,8
15,8
19,7
15,1
13,1
16,1
10,1
13,6
Total 5
69,4
58,8
69,1
71,3
70,3
76,9
75,5
81,8
70,6
80,5
78,9
IDE.
Líquido
(€ mil
milhões)
1,9
6,3
1,5
3,2
8,7
2,2
3,2
1,9
1,9
8
6,9
2.0
2.2
6.2
Stocks
(€ mil
milhões)
71,8
79,8
83,5
86,4
86.8
90.4
98.1
105.5
Fonte: Banco de Portugal; AICEP
É interessante notar que, no contexto da crise das dívidas soberanas na zona euro, os
fluxos de investimento aumentaram precisamente nos anos de mais acentuada recessão
económica em Portugal, tendo os inflows quadriplicado em 2011 quando comparado com
2010, fenómeno que se registou também na Grécia e em Itália
24
. Este é um fato
paradoxal, mas que pode ser explicado pela interação entre dois fatores, privatizações e
“round-trip investment”.
Em primeiro lugar, a implementação do plano de privatizações, componente do programa
de ajustamento no contexto do Memorando de Entendimento celebrado com a Troika,
que atraiu investidores estrangeiros como foi o caso da privatização em 2011 da
participação de 21,35% do Estado no capital da EDP adquirida pela empresa estatal
chinesa China Three Gorges por 2,7 mil milhões euros. De acordo com dados do Fundo
Monetário Internacional, a receita global das privatizações entre 2010 e 2013 foi de 7,2
mil milhões de euros
25
.
O aumento significativo dos fluxos de IDE em 2011 e 2012 e parte nos anos seguintes é
fundamentalmente explicado pelo novo fenómeno do investimento chinês de grande
escala em Portugal tal como sucedeu noutros países da UE, em especial na Europa do
Sul. Este investimento concretizado através de M&A foi realizado essencialmente por
empresas estatais chinesas, com a exceção da Fosun, que aproveitaram a oportunidade
de adquirir activos a baixo preço num contexto de uma economia fortemente fragilizada
e vulnerável. Regista-se também um padrão de forte concentração em sectores
24
World Investment Report 2012, pp. 62-63.
25
Vd. IMF 2013, Portugal: Seventh Review under the Extended Arrangement, Country Report 13/160, June
2013, table 4.
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estratégicos com consolidação de posições dominantes, em especial no sector da energia
(participações na EDP, EDP Renováveis e REN) e sector financeiro (BES Investimento,
Caixa Seguros Saúde/Fidelidade, mais recentemente BCP) e num segundo plano no
sector da saúde (BES saúde), imobiliário e utilities (água), atingindo até 2014 um
montante total de 5.5 mil milhões de euros. Tal corresponde a um padrão de
investimento com características peculiares: grande carga política, sem valor
acrescentado em termos de tecnologia e criação de emprego, mas com impacto
significativo em termos de restrição da concorrência e de desafios regulatórios
26
.
Em segundo lugar, um efeito de distorção associado ao processo de “round-trip
investment”, através do qual os grandes grupos multinacionais portugueses têm vindo
crescentemente a investir em Portugal a partir do exterior por razões fiscais e estratégias
de evasão fiscal, o que cria um efeito ilusório que não se trata de investimento
estrangeiro real
27
.
Importa sublinhar o elevado grau de concentração do IDE num número muito reduzido
de países de origem, Holanda, Espanha, França, Reino Unido e Alemanha que já
representavam em conjunto cerca de 70% do IDE em Portugal em 2002 e cujo peso
cresceu ainda mais a partir de 2007 atingindo no final da década 80% do total (quadro
4). Em suma, até 2011 não se registou uma tendência de diversificação, mas antes um
reforço da concentração e do papel dos investidores tradicionais, num quadro de quebra
significativa do valor dos investimentos.
Esta situação alterou-se na medida em que a recuperação dos fluxos de IDE em 2011
está associada a um processo de diversificação com a entrada do investimento chinês
atenuando a relevância do efeito “round-trip investment”. No entanto, a fase mais
intensa do investimento chinês mostra sinais de se ter esgotado, o obstante novos
investimentos de menor dimensão possam vir a concretizar-se nos próximos anos, o que
volta a dar maior peso ao efeito round-trip investment como é visível nos dados de
investimento de 2015-2016 em que a Holanda volta a surgir como primeiro investidor
(24,3%) seguido da Espanha (23%) e do Luxemburgo (19,3%)
28
. Esta nova e
surpreendente posição do Luxemburgo que nunca foi um investidor tradicional, parece
explicar-se pela intensificação do fenómeno do round-trip investment surgindo agora dois
centros off-shore como as principais origens do IDE em Portugal representando quase
metade dos fluxos totais (43,6%).
Esta quebra é explicada por uma conjugação de fatores externos e internos. No plano
externo está em causa o reforço da concorrência internacional de outros destinos e o
consequente redireccionamento destes investidores para outros polos de atração (Europa
de Leste futuros membros com reforço após adesão em 2005, e as economias
emergentes em especial a China, a Turquia, a India, o Brasil). Os fatores internos estão
sobretudo relacionados com a instabilidade do quadro legal e do sistema fiscal sujeitos a
26
Sobre o padrão do investimento chinês em Portugal ver Annette Bongardt e Miguel Neves, 2014,The Chinese
Business Community at a crossroads between crisis response and China’s assertive global strategy - The
case of Portugal, MPC Research Report 2014/02, Robert Schuman Migration Policy Centre, European
University Institute.
27
Rodrigo Fernandez, Katrin MaGauran & Jesse Frederik, 2013, Avoiding Tax in Times of Austerity - Energias
de Portugal (EDP) and the Role of the Netherlands in Tax Avoidance in Europe, Centre for Research on
Multinational Corporations SOMO, the Netherlands, September 2013. Sobre o processo e mecanismos da
evasão fiscal dos grandes conglomerados e seu impacto ver James S. Henry, 2012, The Price of offshore
revisited, Tax Justice Network, July 2012.
28
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Diplomacia económica, geoeconomia e a estratégia externa de Portugal
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constantes mudanças que prejudicam o planeamento a longo prazo, a que se juntam os
problemas sistémicos da justiça portuguesa que agrava a incerteza e os custos de
transação das empresas, e não tanto com a conjuntura económica como se viu acima.
Contudo, não obstante estes factores, é possível argumentar que a inexistência de uma
estratégia de ação externa e de uma diplomacia económica estruturada também acabou
por agravar esta evolução negativa que não permitiu proactivamente contrariar, ou
pelo menos atenuar, estas tendências e desenvolver uma ação eficaz de captação de
novos investidores.
Relativamente ao investimento direto português no exterior (IDPE) depois do pico
atingido no final dos anos 90, que constituiu o período dos grandes investimentos
especialmente no Brasil, em boa medida para participar no programa de privatizações, e
em Espanha, o IDPE caiu para níveis mais modestos com o investimento bruto a variar
entre um mínimo de 7,7 mil milhões euros em 2007 e o máximo de 19,6 mil milhões em
2011, e o investimento líquido a registar níveis modestos e mesmo uma evolução
negativa com fortes reduções, em especial a partir de 2008 com valores entre 1 e 2 mil
milhões, uma queda acentuada em 2010 de -5,6 mil milhões em resultado de um forte
desinvestimento. A evolução positiva em 2011 tem uma natureza excecional, explicada
pelo grande aumento do investimento direto português na Holanda, que cresceu cerca
de 800%, relacionado com o processo de reestruturação das operações dos grandes
grupos multinacionais portugueses, não alterando, contudo, o padrão dominante de
declínio que marca particularmente a segunda metade da década e que foi confirmado
em 2012.
Esta evolução não resulta apenas da crise económica, uma vez que existiam sinais da
redução do IDPE na primeira metade da cada, mas é consequência da interação
entre outros factores, em particular o movimento de retração de muitos investidores
portugueses afectados pelo impacto da crise e o facto de os grupos multinacionais
portugueses terem passado a investir no exterior a partir de centros offshore.
Quadro 5 - Investimento Direto de Portugal no Estrangeiroprincipais países de destino
(% do total IDPE) ; stocks e Investimento Líquido (mil milhões de euros)2002-2012
Países
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Holanda
51,1
11,2
21,7
25,6
37,5
38,7
32,2
31,1
21,0
73,2
59,4
Espanha
23,8
9,4
22,5
17,7
11
13,1
19,6
16,2
7,9
9,2
12,6
Brasil
9,4
1,9
4,3
3,6
4,3
4,5
4,7
6,7
17,2
3,6
7,3
Angola
0,4
0,4
0,9
2,7
2,8
,0
6,8
8,9
6,8
1,6
3,5
Dinamarca
,02
25,6
23
3,6
1,2
3,0
1,2
6,8
0,1
0,5
1,0
Total %
84,7
48,5
72,4
53,2
56,8
62,3
64,5
69,7
53
88,1
83,8
Investimento
Líquido
(€ mil
milhoes)
4
1,8
0,6
-5,6
10,7
1,5
Stocks
(€ mil
milhões)
11,6
10
11,9
9,7
9,8
14,8
11,3
7,7
9.8
15,6
Fonte: Banco de Portugal; AICEP e cálculos do autor
Também ao nível do investimento direto português no estrangeiro se verifica um
fenómeno de concentração significativa num reduzido número de países de destino
representando os três principais, Holanda, Espanha e Brasil, em média 2/3 do total e
com tendência de agravamento no final da década representando em 2011 cerca de 86%
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e em 2012 cerca de 80% do total de IDPE. As alterações mais significativas relativamente
à década anterior têm a ver com a quebra significativa do investimento no Brasil e com
uma redução do peso da Espanha como destino do IDPE.
Por outro lado, verifica-se um reforço da relevância da Holanda, em especial na segunda
metade da década, como o maior destino do investimento direto português no exterior,
em média representando mais de 1/3, tendência que se acentuou no final da década em
2011-2012 em que passou a representar 73% e 60% do total. Este fenómeno,
juntamente com o facto de ser também um dos maiores investidores estrangeiros em
Portugal, traduz a intensificação do processo de “round-trip investment” , através do qual
os maiores grupos económicos portugueses investem em Portugal a partir da Holanda
motivados pela exploração de mecanismos de evasão fiscal, o que justifica primeiro o
movimento de saída de capitais para investimento na Holanda e num segundo momento
a reentrada de capitais sob a forma de IDE em Portugal
29
. Tal é consistente com o facto
de o IDE em Portugal se concentrar em termos de sectores no comércio por grosso e
retalho que absorvia 38,9% dos stocks em 2011 (contra 31,9% em 2002), seguido das
Actividades Financeiras com 22,3% (contra 19% em 2002) e das Industrias
Transformadoras com 21% (contra 32,1% em 2002). Este último sector, que ocupava o
primeiro lugar em 2002 com 32,1% dos stocks, foi aquele que registou a maior quebra
dos stocks de IDE ilustrando o processo de desindustrialização da economia portuguesa.
Por seu turno a distribuição do IDPE por sectores revela uma esmagadora concentração
no sector financeiro (atividades financeiras e seguros), que em 2012 representava 75,8%
do total, mais de ¾, seguida a grande distância pela Indústria transformadora com 8,2%
e das atividades de consultadoria, científicas e técnicas com 5,1%.
Fluxos migratórios
A gestão dos fluxos migratórios e a mobilidade do capital humano, em especial a
capacidade de atração de fluxos de quadros altamente qualificados, assume relevância
critica na perspectiva da geoeconomia e da consolidação da capacidade científica,
tecnológica e de inovação de um país no quadro da economia do conhecimento. No
contexto de Portugal o aspecto marcante da evolução dos fluxos migratórios foi a
conjugação entre a quebra dos fluxos de imigração a partir de 2009 e a expansão dos
fluxos de emigração que aceleraram a partir de 2011 de que resultou um saldo migratório
negativo com impacto demográfico disfuncional.
Ao crescimento da imigração até 2009 seguiu-se uma fase de declínio contínuo da
população estrangeira residente que caiu cerca de 15 % de 451.754 em 2009 para
388.731 em 2015 que se explica pelo efeito conjugado da perda de atratividade de novos
fluxos e retorno/re-emigração de imigrantes associado ao agravamento das condições
do mercado de trabalho e pelo aumento dos casos de concessão da nacionalidade
30
. No
plano de emigração depois do pico de 2007 e da redução das saídas até 2010, assistiu-
se a um aumento dos fluxos anuais a partir de 2011 que cresceram de 80,00 para
29
Ver o estudo sobre a evasão fiscal dos grandes grupos multinacionais Rodrigo Fernandez, Katrin MaGauran
& Jesse Frederik, 2013, Avoiding Tax in Times of Austerity - Energias de Portugal (EDP) and the Role of the
Netherlands in Tax Avoidance in Europe, Centre for Research on Multinational Corporations SOMO, the
Netherlands, September 2013.
30
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras SEF, Relatórios Imigração, Fronteiras e Asilo, 2010 a 2015.
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110.000 em 2013 e 2014 perfazendo um total de cerca de 400.000 saídas entre 2011-
2014 com uma forte incidência de jovens quadros qualificados
31
.
Estas tendências são explicadas quer pelo impacto da recessão económica em Portugal,
com os seus efeitos sobre o mercado de trabalho quer em termos de desemprego quer
de redução dos veis salariais, quer por uma ausência de estratégia para a valorização
de quadros qualificados na dupla perspectiva da atração de quadros do exterior e da
retenção de quadros portugueses.
Não existindo dados consistentes sobre os fluxos de quadros qualificados para Portugal
existem alguns dados dispersos indicativos, designadamente a percentagem de vistos de
residência e de estadia temporária para imigrantes altamente qualificados a qual tem
uma expressão marginal representando em 2011 apenas 3,3% do total de vistos de
residência e 9,5% do total de vistos para estadias temporárias concedidos. De uma forma
geral não existe uma política proactiva e consistente de recrutamento de quadros
estrangeiros qualificados sendo que os dois instrumentos existentes (i) o regime de
investigação científica no âmbito da Lei de Imigração de 2007 (arts. 61º e 90º); (ii) e o
Cartão Azul com a transposição da Directiva Blue Card de 2009 apenas concretizada em
2012 e originando o novo art. 61-A introduzido pela Lei 29/2012 de 9 de Agosto, por
serem recentes ou implementados de forma pontual não têm produzido resultados
significativos.
Existem alguns casos excepcionais de sectores que têm sido objecto de politicas de
recrutamento de quadros qualificados, em especial a medicina com a contratação de
médicos estrangeiros para colmatar necessidades no Serviço Nacional de Saúde, o
existindo acordos bilaterais de migração laboral de imigrantes altamente qualificados
noutros sectores
32
. Por outro lado, algumas instituições de investigação científica de
referência têm também procurado ativamente recrutar quadros estrangeiros altamente
qualificados para o desenvolvimento dos seus projectos
33
.
Relativamente aos quadros qualificados que emigraram, particularmente jovens com
elevados níveis de formação, de forma mais intensa desde 2011 tal foi encarado
exclusivamente de forma negativa como uma perda para a economia e sociedade
portuguesas na lógica tradicional da abordagem do brain drain. Contudo, numa sociedade
de conhecimento marcada por alta mobilidade e migrações circulares, é possível a ligação
simultânea a, e a circulação por diversas redes de conhecimento pelo que a saída para
outro espaço territorial não deve ser mais encarada como uma perda definitiva e
irreversível mas antes deve ser vista como uma oportunidade de envolvimento desta
diáspora qualificada em redes de conhecimento mais internacionalizadas e densas, o que
reforça a sua capacidade de contribuir para a dinamização de redes de conhecimento em
Portugal.
Por outras palavras, mesmo à distância estes quadros portugueses continuam a poder
dar um contributo relevante ao país de origem sendo a estratégia mais adequada não o
incentivo ao retorno imediato, aliás com poucas probabilidades de sucesso, mas sim os
incentivos para a ligação a instituições em Portugal e participação em projectos. Assim,
31
Observatório da Emigração, Relatório Estatístico 2015.
32
SEF 2013, A Atração de Nacionais de Países Terceiros qualificados e altamente qualificados: o caso
português, 2013.
33
Um dos exemplos é a Fundação Champalimaud a qual para o Centre for the Unknow que investiga na área
das neurociências, cancro e biomedicina, tem uma politica activa de atração de cientistas altamente
qualificados recrutados de forma competitiva em todo o mundo.
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a estratégia definida no Plano Estratégico para as Migrações 2015-2020
34
parece
disfuncional não porque coloca o acento tónico no incentivo ao regresso a curto prazo
e reintegração de emigrantes portugueses, em especial os que saíram depois de 2011,
mas também porque não atribui qualquer prioridade à estratégia de atração de recursos
humanos estrangeiros qualificados.
Tendências dominantes
A evolução das diversas dimensões das relações económicas externas de Portugal no
período 2002-2015 revela três tendências fundamentais que importa sublinhar pelas suas
implicações para a estruturação e implementação da diplomacia económica.
Em primeiro lugar, uma excessiva concentração das relações económicas externas num
reduzido número de parceiros, mesmo no seio da UE, e com um peso marginal de países
extra-comunitários, o que gera um contexto desfavorável de forte dependência e elevado
risco que só pode ser diminuído e controlado mediante uma eficaz estratégia de
diversificação. Mais grave, a evolução deste indicador não foi favorável e agravou-se em
algumas dimensões, o que põe em causa as políticas seguidas: no caso do comércio
externo detecta-se um vel muito elevado de concentração e uma redução muito
marginal do nível de concentração das exportações nos 10 maiores mercados de
exportação mas sem alteração ao nível dos 3 maiores mercados; no plano do
investimento, quer do IDE quer do IDPE, a tendência é mesmo de reforço da
concentração que a diversificação transitória introduzida pelo novo fenómeno do
investimento chinês na economia portuguesa não conseguiu inverter. Por outro lado, a
evolução positiva associada a alguma diversificação dos produtos de exportação
(turismo, indústria alimentar, agricultura) não é suficiente para compensar o aumento
de risco associado ao persistente elevado grau de concentração num reduzido mero
de mercados.
Em segundo lugar, uma forte financiarização das relações económicas externas quer
através das operações de importação e exportação que em muitos casos são realizadas
via offshores, quer dos fluxos de investimento nos dois sentidos que estão
fundamentalmente ligados a operações financeiras que visam a evasão fiscal, em especial
o fenómeno do “round trip investment” em que os conglomerados e empresas
multinacionais portuguesas estão envolvidos. Este processo de financiarização não só
debilita o Estado agravando a erosão da sua base fiscal e reduzindo a sua capacidade
para implementar políticas públicas, designadamente a diplomacia económica, como
acentuam a natureza especulativa dos fluxos e reforçam a natureza ilusória dos mesmos.
Em terceiro lugar, a oligopolização dos fluxos económicos, na sua maioria associados à
atividade de grandes grupos económicos com posições dominantes no mercado, quer em
termos de exportações quer de investimento. Nas exportações de bens e serviços os
principais bens/serviços, com a exceção do turismo que ocupa o primeiro lugar, são
sectores com forte peso dos grandes grupos máquinas e aparelhos, veículos e material
de transporte, combustíveis refinados e metais - que em conjunto representaram em
2015 quase 50% do total de exportações de bens e serviços. Tal é bem ilustrado pelo
significativo crescimento do peso das exportações de combustíveis refinados da
34
Aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros 12-B/2015 (disponível em
http://jrsportugal.pt/images/memos/20150125-madr-pem-consulta-publica%20(1).pdf).
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responsabilidade da GALP e queda do peso de outros sectores como o vestuário (cujo
peso nas exportações de bens caiu para metade de 11% em 2001 para 5,4% em 2012)
e calçado, em que a participação de PMEs tem maior significado. Esta oligopolização e o
crescimento de rendas de monopólio, gera condições adversas para as PMEs e o
crescimento do empreendedorismo essencial para o reforço do processo de inovação na
economia, ao mesmo tempo que desvaloriza os recursos humanos qualificados
alimentando fluxos migratórios indesejáveis.
Esta tendência reflete o facto de o nível de internacionalização das PMEs ser ainda muito
baixo, e ter mesmo registado um declínio no final da década, que as empresas
exportadoras são uma minoria envolvendo apenas 9,7% do total em 2009
35
. No plano
europeu, um estudo baseado em inquérito em relação a 2006-2008 revela um dado
contraditório apontando para que a percentagem de PMEs portuguesas que exportam ou
exportaram nos 3 anos anteriores seja três vezes superior com 31%, acima da média da
UE de 25%
36
. Contudo, considerando que no estudo da UE os dados se referem a anos
anteriores e inclui empresas que tendo exportado deixaram de o fazer, o estudo do INE
traduz uma imagem mais rigorosa da situação em 2009, sendo possível considerar que
a discrepância seja em parte explicada pelo desfasamento temporal e pelo facto de nos
últimos anos se ter registado uma tendência para diminuição do vel de
internacionalização das PMEs em Portugal.
Importa sublinhar que o reduzido nível de internacionalização das PMEs constitui
precisamente uma consequência da inexistência de uma diplomacia económica, que deve
prioritariamente mobilizar e envolver este sector, bem como de uma estratégia de
clusterização ativa. Por outro lado, esta tendência de oligopolização gera obstáculos para
a estruturação de redes ativas e participadas dado existir uma significativa divergência
de interesses e objectivos entre as PMEs e os grandes conglomerados multinacionais,
que continuam a ter grande influência na definição de políticas públicas, colocando
desafios significativos para promover a cooperação e ações complementares.
3. Modelo de ação externa em Portugal
O modelo de ação externa em Portugal tem sido marcado por quatro traços
fundamentais: dualismo, centralização, estatização e reduzida inovação.
Em primeiro lugar o dualismo envolvendo uma intervenção simultânea de dois sectores
governamentais e uma competição aberta e descoordenação entre o Ministério dos
Negócios Estrangeiros e o Ministério da Economia. O modelo corresponde, no essencial,
ao modelo de “competição” identificado por Rana
37
e que existe igualmente em países
como a França e a India, associado a um elevado nível de descoordenação,
desresponsabilização e reduzida eficácia. A partir da análise de experiências concretas
Rana identificou 5 tipos de modelos organizacionais distintos:
35
De acordo com o estudo de INE, Estudos sobre Estatisticas Estruturais das Empresas 2007-2009, Junho de
2011, só 9.7% das PMEs eram exportadoras embora fossem as empresas mais dinâmicas, sendo
responsáveis por 40% do volume de negócios total das PMEs.
36
European Commission, Internationalisation of European SMEs, 2010, um estudo sobre o nível de
internacionalização das PMEs nos 27 Estados Membros que concluiu que em média 25% das PME na UE-27
exportam ou exportaram nos últimos 3 anos no periodo abrangido pelo inquérito (disponível em
http://ec.europa.eu/enterprise/policies/sme/market-access/internationalisation/index_en.htm#h2-3,
consultado em 10.10.2013). São consideradas diversas formas de internacionalização.
37
Rana, Kishan, 2002 Bilateral Diplomacy, DiploHandbooks, DiploFoundation, pp.70-71.
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(i) Unificados: unificação de foreign affairs e foreign trade, como o que vigora na Suécia
depois da reforma de 2001, no Canadá e na Austrália em que a unificação é feita sob
a liderança do MNE;
(ii) Parcialmente unificado: envolve a criação de uma instituição operacional conjunta
entre o MNE e o Ministério do Comércio como é o caso do UK Trade and Investment
(UKTI)
38
no Reino Unido, criado conjuntamente pelo Foreign and Commonwealth
Office e pelo Ministry of Trade and Industry e preenchido com quadros provenientes
de ambos os Ministérios.
(iii) Terceira Agência: o MNE tem pouco envolvimento na diplomacia económica excepto
na definição das grandes orientações como no caso de Singapura, sem intervenção
no plano operacional que está atribuído a duas instituições especiais Singapore Trade
Board e Singapore Economic Development Board sob a supervisão do Ministério do
Comércio e Indústria.
(iv) Competição: modelo marcado pela competição entre o MNE e o Ministério da
Economia/Comércio ambos com intervenção no plano da diplomacia económica
marcado por elevado vel de descoordenação, desresponsabilização e reduzida
eficácia (casos da França, de Portugal, India)
(v) Renuncia: o MNE não tem papel ativo na diplomacia económica, em especial no plano
bilateral, servindo apenas como apoio predominando o Ministério do Comércio que
tem um estatuto e peso político superior ao do MNE, como sucede nos casos da China
e da Alemanha.
Portugal está atualmente numa fase de indefinição depois de ensaiar uma transição do
modelo de competição para um modelo unificado na sequência da iniciativa de reforma
de 2011, adiante analisada, em que a diplomacia económica passou a ser liderada pelo
MNE. Contudo, em 2013 verificou-se um retrocesso neste processo com o esvaziamento
do papel do MNE e um retorno parcial ao modelo de competição.
Em segundo lugar, é um modelo muito centralizado com reduzida autonomia dos centros
operacionais no terreno, designadamente embaixadas, e quase inexistência de estruturas
descentralizados de associações empresariais, com pouco input na formulação das
politicas, em especial bilaterais.
Em terceiro lugar, um sistema fortemente estatizado, dominado pelo Estado, state-
centric, com uma participação muito reduzida dos atores não-estatais, designadamente
das empresas, ONGs, think tanks e universidades, quer na formulação de politicas quer
na sua implementação e uma ausência de cultura de parcerias multi-actor na promoção
externa dos interesses do país.
Finalmente, um sistema conservador com grande aversão ao risco e à inovação, sem
cultura de avaliação de eficácia e claramente sobredimensionado face aos recursos e
capacidades do país, com uma rede constituída por um total de 79 embaixadas (71
bilaterais e 8 multilaterais) e 51 consulados, com uma estrutura de custos pesada, que
38
Sobre a avaliação de alguns dos programas ver o relatório do Parlamento Britânico (disponível em
http://www.publications.parliament.uk/pa/cm200910/cmselect/cmbis/266/26607.htm).
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em boa parte resulta de custos elevados com património imobiliário e uma estrutura de
recursos humanos assente em pessoal expatriado.
Ao longo da última década foram propostas e aprovadas, embora muitas vezes não
implementadas, mudanças tendentes a ultrapassar algumas destas limitações e melhorar
a eficácia do sistema de ação externa sendo utilizado o conceito de diplomacia
económica. Contudo, a essência do sistema tradicional não foi alterada nem ocorreu
ainda uma mudança de paradigma, essencial para lidar com os novos desafios da
globalização e da sociedade do conhecimento.
A primeira tentativa falhada de reforma do sistema e de criação das bases de uma
diplomacia económica foi ensaiada no âmbito do XV Governo Constitucional 2002-2004,
cujo programa de governo incluía como objectivo “promover uma diplomacia económica
activa”
39
. A orientação adoptada apesar de se referir ao conceito de diplomacia
económica estava mais próxima do modelo tradicional de diplomacia comercial, em que
o Estado é ator exclusivo da ação externa sem qualquer envolvimento dos atores não-
estatais e as questões económicas são abordadas de forma fragmentada e não numa
lógica interdisciplinar holística. A abordagem era no essencial minimalista uma vez que
a questão central se resumia a uma tentativa de reforço de coordenação entre os
Ministérios dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Economia, “coordenando a ação
dos organismos do Ministério da Economia com a atividade das embaixadas” no contexto
de um sistema que permanecia, no essencial, dualista e dominado por uma lógica
concorrencial entre departamentos do Estado. Importa salientar que, não obstante a
preocupação com a coordenação e a coerência, no mesmo período foram adoptadas
medidas contraditórias que iam num sentido oposto, designadamente a criação em 2002
da Agência Portuguesa para o Investimento (API) que contribuiu para uma ainda maior
fragmentação do sistema, consequentemente aumentando os problemas de
coordenação.
A implementação das novas orientações viria a iniciar-se em 2004 na sequência do
despacho conjunto da ministra dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades
Portuguesas e do Ministro da Economia
40
e centrou-se numa solução de coordenação
formal de topo ao nível ministerial e na adopção de um sistema de dupla tutela em que
os embaixadores podiam receber indistintamente instruções de qualquer um dos dois
ministros sobre questões económicas (ponto 1 do despacho conjunto), o que gerou
ambiguidade e incerteza. Por outro lado, deveriam implementar um plano de negócios
para a ação comercial, elaborado por país, que incluiria objectivos quantificados sobre
exportações para esse país e receitas de turismo originadas por cada mercado (pontos 7
e 9). Em paralelo deveria existir uma articulação entre os embaixadores e o presidente
do ICEP (ponto14) prevista de modo vago e sem mecanismos operacionais. Esta
iniciativa, inspirada no modelo francês, traduz uma lógica correspondente à primeira fase
de promoção da diplomacia económica de acordo com a classificação de Rana. Era uma
abordagem formal a qual acabou por não ser concretizada não produzindo resultados
concretos. Ao nível das exportações, por exemplo, os dados estatísticos referentes a
2004 e 2005 não revelam qualquer tendência nem de crescimento nem de diversificação
39
Programa do XV Governo Constitucional, pp.21.
40
Despacho Conjunto nº 39/2004 de 6 de Janeiro, da Ministra dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades
Portuguesas, Teresa Gouveia, e do Ministro da Economia, Carlos Tavares da Silva.
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dos mercados de exportação, mantendo-se os mesmos níveis elevados de concentração
num número reduzido de mercados.
A estratégia no período 2005-2010 foi dominada pela racionalização da máquina estatal
de ação externa exclusivamente na área económica, reduzindo marginalmente a sua
fragmentação com a fusão do Instituto de Comércio Externo de Portugal (ICEP) com a
Agência Portuguesa para o Investimento (API) dando origem à criação em 2007 da
Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, a AICEP Portugal Global
E.P.E., dotada de uma natureza empresarial, mais flexível e com uma lógica orientada
para o serviço ao cliente. Contudo, o AICEP permaneceu na tutela exclusiva do Ministério
da Economia pelo que esta reforma não alterou a essência do sistema dualista nem pôs
fim à competição entre o MNE e o Ministério da Economia na área das relações
económicas externas.
A segunda tentativa de implementação de uma estratégia de diplomacia económica
verificou-se a partir de 2011 no contexto do XIX Governo, cujo programa de governo
incluía o reforço da diplomacia económica como uma nova prioridade estratégica
nacional
41
. Com o objectivo de definir um plano operacional para implementar a nova
aposta na diplomacia económica e ponderar diversas soluções alternativas, foi criado um
grupo de trabalho coordenado pelo Prof. Jorge Braga de Macedo, que produziu uma
reflexão sobre um novo modelo de organização e articulação dos serviços e organismos
do Estado envolvidos na ação externa, tendo elaborado um relatório com propostas de
reforma
42
. A identificação da necessidade de reforma tendente ao reforço da eficácia do
sistema, a racionalização da articulação de competências entre o MNE e o Ministério da
Economia e a unificação das redes externas são aspectos positivos que representam um
esforço de racionalização num contexto difícil que exige pragmatismo.
No entanto, este documento apresentava diversas limitações que condicionam a
implementação de uma verdadeira diplomacia económica. Desde logo porque se
concentra quase exclusivamente nas questões do formato institucional das estruturas
dos atores públicos, excessivamente centrado no Estado e nos canais formais, relegando
para segundo plano o papel de outros atores e das redes e canais informais na ação
externa. o se afigura suficiente uma referência marginal à participação de grandes
organizações empresariais num Conselho Consultivo, tanto mais quando estas não
representam os interesses das PMEs. A participação ativa destas no processo decisório,
numa lógica de verdadeira parceria e assunção direta de responsabilidades operacionais
pela promoção externa e a divisão de trabalho com o Estado, parece uma via a explorar
de forma mais sistemática.
Por outro lado, o documento não consagrava uma verdadeira estratégia para a ação
externa com a definição de objectivos e prioridades já que não é possível prosseguir em
simultâneo uma tão grande quantidade de objectivos, acabando por não definir de forma
clara a articulação entre todos os pilares e o estádio de diplomacia económica a
desenvolver. Com efeito não é suficiente a mera ação ao nível do salesmanship, como o
documento sugere ao referir-se à promoção de exportações e atracção de IDE, é
igualmente importante articular este vel com o desenvolvimento do “regulatory
41
Programa do XIX Governo Constitucional pp. 104, com detalhe em termos de objetivos operacionais pp.105-
106.
42
Grupo de Trabalho criado pelo Despacho do Primeiro Ministro 9224/2011, cujo relatório datado de 19
Setembro 2011 foi apresentado publicamente em 26 Setembro.
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Diplomacia económica, geoeconomia e a estratégia externa de Portugal
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management” mais complexo, envolvendo por exemplo a negociação dos tratados de
investimento bilaterais que Portugal tem negligenciado.
Em terceiro lugar, existe um claro deficit de referencia a boas práticas e às experiências
de outros países que iniciaram há vários anos este processo de reforma (por ex há uma
referência meramente marginal de um dos membros à experiência da Suécia e da
Dinamarca em apoio da opção C) as quais numa lógica de benchmarking podem
contribuir positivamente para a reflexão sobre potenciais soluções.
Finalmente, o documento continha uma mera definição de um modelo institucional sem
ponderação de aspectos operacionais fundamentais e questões práticas da ação externa
que condicionam a sua eficácia, designadamente o vel de descentralização e autonomia
das estruturas locais, o perfil e formação dos recursos humanos ou a exploração dos
canais informais nem pondera as implicações da adopção de uma “multitrack diplomacy”.
Tão importante como o modelo organizacional é a filosofia de acção, as práticas
informais, os actores envolvidos, o nível de capital social, a capacidade de inovação ou a
qualidade e formação dos recursos humanos.
Na sequência deste processo o Governo introduziu duas alterações fundamentais. A
primeira alteração consistiu na adopção de um modelo unificado na organização
institucional do Estado, inspirado na reforma da Suécia de 2001, assumindo o Ministério
dos Negócios Estrangeiros a liderança do processo, o que encontra plena justificação no
facto de este assegurar uma ponderação da dimensão política e de coordenar o principal
instrumento de ação externa, a rede de embaixadas e consulados. Em termos potenciais
tal poderia contribuir para eliminar a disfuncionalidade e desperdício de recursos
resultante da competição entre diferentes atores públicos, ao mesmo tempo que cria
condições para uma abordagem mais holística integrando as dimensões económica e
política.
No entanto, aquilo que parecia ser uma linha estratégica clara para o futuro no que
respeita ao modelo organizacional do Estado acabou por ser, surpreendentemente, posta
em causa quando em Julho de 2013 foi adoptada uma orientação contrária à assumida
em 2011 com o regresso do AICEP à tutela única do Ministério da Economia e a atribuição
ao vice-primeiro ministro da coordenação da diplomacia económica, esvaziando o papel
do MNE. Esta evolução errática e o regresso a um modelo dualista concorrencial agora
ainda mais complexo, sem que o modelo unificado tivesse sequer tido tempo para ser
testado e avaliado, não cria condições favoráveis para a consolidação de uma diplomacia
económica eficaz ao recuar naquela que foi, provavelmente, a primeira medida estrutural
que criou uma ruptura com o modelo tradicional.
A segunda alteração, envolveu o processo de alegada racionalização da rede de
representação externa, embaixadas e consulados e representações permanentes, de
modo a redimensioná-la e adaptá-la aos novos objectivos de promoção das exportações
portuguesas, com diversificação de mercados, de atração de IDE e de fluxos turísticos.
Desta iniciativa resultou o encerramento de 7 embaixadas - uma em África (Quénia) e 6
na Europa (Andorra, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia, Malta) - de 5 vice-consulados
(dois na Alemanha e três em França) e na eliminação de representação autónoma em
dois postos multilaterais, a UNESCO em que a representação passou a ser assegurada
pelo embaixador de Portugal em Paris, e a OSCE, em que a representação passou a ser
assegurada pelo Embaixador em Viena. Foi ainda criada uma nova embaixada no Qatar.
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Como resultado o mero de embaixadas bilaterais que era de 77 em 2011 diminuiu
para 71 em 2012.
No entanto, esta racionalização acabou por ser um exercício marginal, sem alterações
substantivas com impacto duradouro, parecendo ter sido mais determinada por
considerações financeiras de curto prazo no sentido da redução da despesa blica, do
que pelo objectivo de implementação de uma nova estratégia de ação externa de longo
prazo que traduza uma mudança de paradigma. rios argumentos apoiam esta
perspectiva. Em primeiro lugar, a ausência de uma maior aposta na Ásia, região decisiva
para a economia global, o que teria implicado a criação de algumas novas embaixadas
tendo em conta que é a região que em termos relativos apresenta um maior deficit com
apenas oito embaixadas (Japão, China, India, Coreia do Sul, Indonésia, Tailândia,
Singapura, Timor-Leste) e, em compensação, o encerramento de mais embaixadas
noutras regiões.
Em segundo lugar, a alteração da lista de representações diplomáticas é apenas um
aspecto formal que não garante por si maior eficácia que tem de ser complementada
com uma mudança na filosofia de ação operacional no terreno. Ora não existiu qualquer
definição de um novo modelo de funcionamento operacional das embaixadas, que
responda aos problemas do reduzido vel de autonomia local, do perfil inadequado do
staff, que deve incluir mais quadros locais e menos expatriados, ou da reduzida
articulação operacional local com empresários e outros sectores da diáspora.
Importa igualmente salientar que a tentativa de reforma de 2011 apresenta outras
lacunas essenciais, detectadas em iniciativas anteriores, uma vez que assume como
premissa essencial que a diplomacia económica é uma atividade essencialmente do
Estado. De facto, ainda que admita uma colaboração marginal das empresas e outros
atores não-estatais, está longe de adoptar uma abordagem multi-actor. As empresas
portuguesas são vistas mais como clientes do Estado e do AICEP e não tanto como
parceiras. Em consequência, a atenção centrou-se apenas na reforma da máquina do
Estado e nas relações entre departamentos públicos, excluindo o plano das relações entre
o Estado e os atores não-estatais no planeamento e desenvolvimento da ação externa e
a perspectiva de desenvolver parcerias ativas. Tal significa que Portugal regista um
atraso e um claro deficit na implementação da segunda fase da diplomacia económica, a
fase de “networking” orientada para a criação de redes consistentes de apoio quer no
país quer no estrangeiro. Tal cria riscos de os esforços de projeção da imagem-país que
têm sido desenvolvidos, integrados na terceira fase, possam ter a sua sustentabilidade
comprometida por não serem suportados por coligações amigáveis nem por um trabalho
em rede robusto e continuado.
Apesar da essencialidade do desenvolvimento de uma nova diplomacia económica para
Portugal de modo a poder responder aos desafios e ameaças da globalização, tirar partido
das oportunidades e projetar os seus interesses numa economia global crescentemente
complexa, a verdade é que a última década foi uma década perdida em termos de
estruturação e efetiva implementação da diplomacia económica com consequências
negativas para a economia e sociedade portuguesas.
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4. Desafios para o reforço da eficácia da ação externa e linhas
estratégicas de uma diplomacia económica
A reforma da ação externa e da diplomacia em Portugal é na sua essência uma questão
de Governance e deve ser pensada e planeada tendo em conta não apenas os factores
condicionantes supra referenciados, mas também os eixos estratégicos para o futuro no
contexto do aprofundamento da glocalização.
A análise envolve três áreas distintas, mas complementares: a dimensão organizacional;
dimensão operacional; dimensão inovação.
4.1. Dimensão organizacional
A dimensão organizacional tem uma natureza estrutural e passa por um conjunto de
mudanças essenciais para responder aos novos desafios a três níveis distintos.
Em primeiro lugar a opção pelo modelo da unificação das estruturas da ação externa no
seio do Estado, desejavelmente no formato do modelo rdico em especial da Suécia
43
e
Dinamarca, que unifica negócios estrangeiros e comércio internacional/investimento sob
a liderança do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tem de ser definitivamente
consolidada. Tal garante não uma abordagem mais holística, que maximiza as
interligações entre economia, política, segurança e cultura, mas também que o mesmo
grupo de pessoas possa gerir de forma coerente e explorando sinergias a promoção de
exportações, o investimento direto no exterior e atração do IDE e a ajuda ao
desenvolvimento. Esta opção evita os efeitos disfuncionais de uma competição
institucional e elevados custos de descoordenação, ao mesmo tempo que reduz o risco
de um MNE marginalizado pelo ascendente de outros Ministérios sectoriais no plano
externo gerar uma sub-utilização da rede de representação diplomática que constitui um
dos instrumentos fundamentais e absorve recursos muito consideráveis.
Em segundo lugar, o desafio da adopção de uma verdadeira abordagem multi-actor
envolvendo uma maior abertura à participação dos atores não-estatais, empresas, ONGs,
universidades, think tanks, câmaras de comércio, na definição da estratégia e a formação
de parcerias ativas para a ação externa, combinando know hows e recursos financeiros
e humanos. Revela-se fundamental a atribuição de responsabilidade direta a estes atores
pela execução de ações concretas (organização de feiras, estudos de mercado, missões
comerciais) de acordo com as suas vantagens comparativas, contribuindo assim para
diluir um excesso de ão estatal, que pode até gerar resistências no exterior, e para
melhor chegar aos atores não-estatais e à sociedade civil do país-alvo. O envolvimento
destes atores não-estatais permite explorar canais mais informais e as dimensões de
track II e track III.
Neste contexto, e por forma a facilitar a lógica de equipa/parceria seria fundamental
promover a circulação de recursos humanos entre as empresas/ONGs e o
MNE/embaixadas, com períodos de estadia limitados de diplomatas em departamentos
internacionais de empresas e de quadros de empresas nas representações diplomáticas.
A promoção da rotatividade é essencial.
43
Swedish Policy for Global Development (2003).
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Em terceiro lugar, o desafio da requalificação dos recursos humanos, envolvendo o
recrutamento de uma maior quota de diplomatas com formação económica e de gestão,
por um lado, e com níveis mais elevados de experiência profissional adequada à
intervenção na área da diplomacia económica, por outro. Neste sentido afigura-se
essencial flexibilizar um sistema demasiado rígido e tradicional e admitir a possibilidade
de entrada de quadros mais qualificados em níveis mais avançados da carreira, sem
passarem pela fase inicial da carreira diplomática tradicional, podendo, assim, de forma
rápida aumentar a capacidade de intervenção e estimular a inovação. Para além do
recrutamento, o reforço da formação on the job é essencial quer inicial quer contínua ao
longo da carreira. A possibilidade de o período de formação inicial dos diplomatas
envolver estágios em empresas portuguesas internacionalizadas, em empresas
multinacionais ou em ministérios sectoriais contribuiria certamente para reforçar a
formação e as parcerias. A criação de equipas de formadores itinerantes que possam
formar os quadros quando colocados no exterior nas representações diplomáticas,
tomando como ponto de partida situações concretas, deveria também ser ponderada.
Por outro lado, o sistema de “rotatividade in-out” através do qual quadros superiores da
Administração Pública se envolvem durante um período determinado na representação
externa, tratando de dossiers na sua área de especialidade técnica, regressando
posteriormente ao país para desempenharem funções no Estado, permite articular
melhor os planos interno e externo com vantagens significativas a dois níveis: o reforço
da qualidade da ação externa em áreas cada vez mais técnicas em que a sua experiência
na gestão de dossiers nacionais lhes permite dar um input fundamental para aumentar
a credibilidade da nossa participação internacional e consequentemente a influência; por
outro lado, a experiência internacional e de negociação -lhes uma perspectiva mais
abrangente e de interligação entre os rios veis de Governance quando gerem os
dossiers nacionais em Portugal.
De igual modo as instituições devem integrar a dimensão interna e a dimensão
internacional, reconhecendo que as barreiras foram abolidas e que têm de ser pensados
de forma integrada como um todo, pondo fim à divisão artificial que ainda predomina em
Portugal. Uma das implicações práticas é que na vertente empresarial e de promoção de
exportações e investimento não faz sentido existir o IAPMEI, orientado para o plano
interno, e o AICEP, orientado para o plano externo, mas sim uma única estrutura que
combine as iniciativas onshore e offshore partindo de um sistema de apoio à consolidação
da competitividade das empresas, que no caso das PMEs muito depende dos esforços de
promoção da clusterização que o Estado não tem estimulado, e encare a
internacionalização como uma etapa do processo. Esta é a experiência positiva do Reino
Unido com a criação do UK Trade and Investment em 2003 que promoveu a integração
das iniciativas onshore e offshore de apoio à internacionalização
44
.
Assim, a ação no plano externo deverá ser construída a partir da rede de relações interna
criada com as empresas e as associações empresariais sectoriais. A ação externa é, pois,
uma extensão natural da ação no plano interno dependendo da consolidação desta. A
rede interna descentralizada montada para o acompanhamento de proximidade das
empresas planeia com elas o projeto de internacionalização. Tal evita duplicação de
44
Outra das inovações foi a aposta numa estratégia de sectores com a identificação dos sectores prioritários
a partir da qual de decide então sobre os mercados em alternativa à estratégia tradicional de focagem nos
mercados. Vd. https://www.gov.uk/government/organisations/uk-trade-investment, consultado em
5.12.2015.
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esforços e incoerências nas politicas públicas para o empreendedorismo e o reforço da
competitividade das PMEs.
4.2. Dimensão operacional
Em termos operacionais colocam-se também desafios complexos para promover uma
diplomacia económica eficaz.
A redução e racionalização da rede de embaixadas e consulados, orientação que começou
a ser implementada em 2012 mas de forma marginal, tem de ser aprofundada não
apenas numa perspectiva quantitativa mas sobretudo qualitativa. A ideia da criação da
figura de embaixadores itinerantes permitiria introduzir flexibilidade e substituir
parcialmente estruturas permanentes. Não é suficiente reduzir a rede, é preciso alterá-
la qualitativamente fazendo diferente. Com efeito, tão importante quanto a estrutura da
rede é saber como ela funciona e agir sobre pontos de estrangulamento que reduzem a
sua eficácia, sobre o que deve ser a missão e como deve ser desempenhada.
Neste plano duas questões operacionais assumem especial relevância. Em primeiro lugar,
o desafio do reforço da descentralização no sistema de representação externa, reforçando
o poder de decisão local das embaixadas e missões, após a definição prévia pelo centro
de parâmetros de enquadramento, objectivos e da aprovação de um plano anual. Tal
permite maior agilidade e timing mais adequado na resposta perante uma realidade em
rápida mutação, mas também um aumento da qualidade da decisão atento o input
fundamental que as Embaixadas e outras estruturas de representação externa devem
dar para a formulação da política bilateral. Um dos problemas estruturais do nosso
sistema externo é o seu elevado grau de centralização sendo Lisboa chamada a decidir
tanto sobre questões de fundo como sobre questões de pormenor o que se torna
disfuncional criando uma enorme sobrecarga que a reduzida estrutura central do MNE
tem dificuldade em gerir.
O reforço da descentralização foi uma das opções tomadas no âmbito das reformas do
Reino Unido e da Suécia no seu sistema de ação externa. No caso da Suécia e em relação
à ajuda ao desenvolvimento, alguns escritórios de representação externa passaram a ter
um sistema de “delegação plena” com competências para preparar o “plano anual do
país” aprovado pelo centro, monitorizar e avaliar os resultados obtidos, garantir a gestão
financeira e de recursos humanos e dar inputs para a definição da estratégia de
cooperação bilateral com o país em causa.
Em segundo lugar, o reforço do recrutamento local de quadros qualificados, quer
estrangeiros quer membros da diáspora portuguesa, alterando a opção atual de
estruturas de representação com grande peso de expatriados, com vantagens claras a
três níveis: (i) redução de custos designadamente dos associados à movimentação de
expatriados; (ii) estabilidade no exercício das funções reduzindo o problema da
rotatividade dos expatriados; (iii) maior conhecimento da realidade e língua locais e
capacidade para ativar as ligações às redes de conhecimento locais contribuindo para
maior profundidade de ação. Em muitos casos as embaixadas e consulados necessitam
apenas de ter o número um e dois como nacionais, diplomatas de carreira ou técnicos
de outras áreas sectoriais, podendo os restantes quadros ser recrutados localmente.
Neste plano, e na medida em que pode contribuir também para a dinamização das
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relações com a diáspora portuguesa em diversos países, o recrutamento de membros
qualificados da diáspora reveste-se de especial interesse.
4.3. Dimensão Inovação
A terceira dimensão é a inovação, em especial na utilização e dinamização de canais
informais essenciais no contexto do quadro de funcionamento da economia global e da
sociedade do conhecimento, a qual constitui um vector estratégico fundamental. No caso
de Portugal três dimensões afiguram-se prioritárias: diáspora portuguesa; a
paradiplomacia; a inteligência económica.
A mobilização da diáspora portuguesa de mais de 5 milhões de pessoas
45
em especial de
dois sub-sectores, a comunidade empresarial e a comunidade científica nas universidades
e centros de investigação, constitui um factor estratégico da diplomacia económica e da
política externa em geral. O paradigma neste capítulo tem sido a mobilização da diáspora
chinesa que é um dos factores informais decisivos, porventura menos visível, da
integração e sucesso da China na economia global
46
. Esta tem sido uma das falhas mais
significativas da estratégia de ação externa portuguesa, desperdiçando o potencial
contributo da diáspora para a promoção da imagem e interesses do ps numa lógica de
benefícios mútuos, designadamente a quatro níveis: (i) portas de entrada das
exportações portuguesas, sobretudo se considerarmos que muitos empresários de
origem portuguesa estão ligados ao sector da distribuição; (ii) fonte de investimento
direto em Portugal quer diretamente quer mobilizando investidores estrangeiros; (iii)
disponibilização de inteligência económica para Portugal; (iv) ligação às redes de
conhecimento mais dinâmicas no país e articulação com redes em Portugal.
Exemplos de medidas práticas para dinamizar este envolvimento incluiriam: (i)
envolvimento de empresários portugueses da diáspora num conselho consultivo das
embaixadas em cada país numa lógica descentralizada; (ii) envolvimento maior com a
comunidade científica através de encomendas de trabalhos de consultadoria e de análise
prospectiva sobre as relações de Portugal com o país em questão e as oportunidades a
explorar; (iii) recrutamento de quadros locais qualificados oriundos da diáspora para as
estruturas da representação diplomática; (iv) maior articulação com as associações
portuguesas da diáspora tendo em vista um reforço da participação dos membros da
diáspora na vida política do país de destino. A criação recente de um Conselho da
Diáspora Portuguesa a vel global, composto por 300 notáveis e assumindo uma lógica
centralizada, não parece ser a resposta mais adequada nem um substituto para um
mecanismo de articulação local, tendo em conta a necessidade de criação de redes de
apoio locais, essencial para a implementação da segunda fase da diplomacia económica.
O desenvolvimento da paradiplomacia é uma outra dimensão informal essencial, em
especial nas áreas da “low politics” envolvendo uma ação mais descentralizada no país
45
A diáspora portuguesa tem crescido nos últimos anos e atingirá atualmente uma dimensão global estimada
superior a 5.5 milhões de pessoas (portugueses e de origem portuguesa) repartido por diferentes países
sendo as principais comunidades localizadas nos EUA (1.380.837), França (1.190.798), Brasil (612.203),
Canadá (429.850), Suiça (288.465), Venezuela (268.500), África do Sul (200.000), Reino Unido (171.497),
Alemanha (171.166), Espanha (148.789), Angola (113.194), Luxemburgo (99.730) e Austrália (50.157)
dados oficiais do Observatório da Emigração 2012.
(http://www.observatorioemigracao.secomunidades.pt/np4/11, consultado em 15.9.2013).
46
Miguel Santos Neves e Annette Bongardt, 2006, The role of Overseas Chinese in Europe in Making China
Global: the case of Portugal, INA Papers, nº 29.
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alvo, com uma estratégia proactiva e resposta eficaz à paradiplomacia dos governos
regionais e locais estrangeiros, muitos deles associados às regiões de conhecimento mais
dinâmicas no mundo. Nesta perspectiva deve ser atribuída maior prioridade à
promoção das relações diretas com autonomias espanholas, com algumas províncias
chinesas que têm uma paradiplomacia muito ativa, com alguns Estados brasileiros, com
Estados norte-americanos, com Estados indianos e seleção de um ou dois parceiros
privilegiados nas economias emergentes
47
.
Esta mudança estratégica permitirá inverter a tendência de primazia das relações
governo central a governo central que Portugal tem seguido, num efeito de espelho como
resultado de um sistema marcado por excessiva centralização. O síndrome da absorção
nas relações com o Governo central tem produzido escassos resultados uma vez que as
economias mais dinâmicas têm um elevado nível de descentralização política e
económica e os respectivos governos centrais têm cada vez menos poder de decisão em
matérias económicas assim como de cultura, ensino e investigação. Tal implica apostar
na celebração de acordos internacionais com governos sub-nacionais e no
desenvolvimento de relações de proximidade institucional.
A inexistência de regiões de conhecimento organizadas e com lideranças proactivas em
Portugal, em parte resultado da não-regionalização, implica algumas limitações na nossa
capacidade de competir no mercado global e tirar maior partido da participação neste
fenómeno da paradiplomacia. Contudo, mesmo no quadro atual de um modelo
centralizado, existem oportunidades uma vez que esses governos sub-nacionais têm
interesse significativo no relacionamento direto com governos centrais estrangeiros.
Existem evidentes sinergias entre estes dois canais informais, uma vez que a diáspora
portuguesa em alguns países está fortemente integrada em comunidades locais, em
alguns casos membros da diáspora integram governos regionais ou locais, e pode, por
conseguinte, ter um papel ativo no acesso e no reforço de laços institucionais
descentralizados. Por outro lado, mantêm em muitos casos ligações ás regiões de origem
em Portugal o que permite funcionar também no sentido inverso.
A terceira dimensão envolve a aposta na criação e gestão de um sistema de inteligência
económica eficaz
48
, envolvendo a recolha, processamento e análise prospectiva e uso de
informação e conhecimento para melhorar a eficiência de atores económicos
49
. Este é
um elemento decisivo para apoiar a decisão e a definição de uma estratégia de diplomacia
económica como demonstram as experiências dos EUA, Reino Unido, França, Alemanha
ou China. Um aspecto critico é o conhecimento tácito, de qualidade, que implica relações
“face to face” e relações de confiança, que permitem melhor analisar os comportamentos
de atores em mercados externos, identificar e explorar oportunidades e prever
antecipadamente ameaças. Nestes termos, esta dimensão depende do funcionamento
eficaz das redes e da capacidade de articulação com a diáspora, das relações com
governos sub-nacionais e empresários estrangeiros, fontes alternativas à informação
acessível que permitem escapar à armadilha do ciberespaço.
47
Sobre a paradiplomacia e regiões do conhecimento ver Miguel Santos Neves, 2010 Paradiplomacy,
Knowledge Regions and Consolidation of Soft Power, in Janus.net, E-Journal of International Relations, nº1.
48
Ver com interesse IEEE, 2013, La inteligencia económica en un mundo globalizado, Cuadernos de Estrategia
162, Instituto Español de Estudios Estratégicos, Ministério de la Defensa.
49
Baulant, C. 2004, Les outils de l’intelligence économique face aux défis de la mondialisation, colloque du 28
septembre 2004 à Angers, 54 pages, disponible sur www.master-iesc-angers.com.
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Finalmente, o desenvolvimento de mecanismos de regulação quer de soft law quer de
hard law, instrumentos jurídicos fundamentais que garantem os direitos dos atores
nacionais e contribuem para a redução do risco e incerteza. Um caso paradigmático de
instrumentos de hard law são os tratados bilaterais de promoção e proteção do
investimento (BITs) que devem enquadrar os processos de investimento direto portugs
no exterior, protegendo os investidores contra riscos políticos designadamente a
expropriação. Contudo, Portugal descurou esta dimensão durante bastante tempo e
recentemente se registou algum progresso. Atualmente existem 39 tratados em vigor e
11 celebrados, mas ainda não em vigor, embora a maioria tenha sido celebrada
recentemente depois de 2005 tendo a maioria ficado operacional a partir de
2009/2010. A celebração de acordos internacionais com governos sub-nacionais em
áreas tão diversificadas como o comércio, turismo, ciência e tecnologia, ensino, constitui
uma dimensão essencial da paradiplomacia, tal como os instrumentos de soft law que
envolvam os atores o-estatais. Em suma, está em causa o desenvolvimento da
terceira fase mais complexa da diplomacia económica que Rana designa de “regulatory
phase” de natureza sistémica.
5. Conclusões
A diplomacia económica desenvolveu-se na década de 90 no pós-Guerra Fria como uma
das estratégias de resposta aos desafios interligados da globalização e da
sociedade/economia do conhecimento e à emergência da geoeconomia. O processo de
globalização, multidimensional e assimétrico, coloca crescentes desafios aos Estados
soberanos e às respectivas sociedades que são confrontados com um processo de
concentração do poder económico e a formação de conglomerados que consolidam
posições dominantes em vários sectores da economia global e interferem crescentemente
na esfera política. Esta oligopolização da economia global limita a concorrência
internacional, gera ineficiências e crescente desigualdade e pobreza que ameaçam a paz
e a coesão social. Os Estados enfraquecidos, em primeira linha pela erosão da sua base
fiscal em resultado de um processo concertado de evasão fiscal de grande escala, são
impotentes para exercer uma regulação eficaz, controlar o abuso de poder e salvaguardar
os interesses da maioria protegendo-a do síndroma do “too big to fail”. Numa economia
global distorcida e sujeita a crescentes restrições às regras da concorrência, não basta a
um país e às suas empresas serem competitivos e eficientes para terem sucesso, existem
factores não-económicos fundamentais que requerem articular e implementar uma
diplomacia económica que não se limita nem à economia nem à diplomacia.
Contrariamente à visão tradicional, o conceito de diplomacia económica implica um novo
paradigma de ação externa, o apenas retoques numa diplomacia tradicional dominada
pela dimensão política, para responder aos desafios da geoeconomia. Esta mudança
implica três vectores essenciais: uma abordagem holística multidisciplinar articulando
economia, política, cultura, segurança, considerando as interligações e os efeitos
cruzados; uma abordagem multi-actor rejeitando a ideia de que se trata de um processo
exclusivo ou dominado pelos Estados, pelo contrário pressupõe uma parceria cooperativa
entre os Estados e os atores não-estatais com crescente influência e domínio de canais
informais, operando em rede; uma abordagem multinível capaz de articular diferentes
níveis geográficos de ação e jurisdição, incorporando de forma ativa o nível sub-nacional.
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A análise desenvolvida permite fundamentar três conclusões fundamentais relativamente
à construção de uma diplomacia económica em Portugal. Em primeiro lugar, o argumento
central é o de que não existe ainda uma diplomacia económica consolidada em Portugal,
não obstante a utilização frequente e pouco rigorosa do conceito, prevalecendo ainda um
modelo tradicional de diplomacia comercial. Embora na última década tenham sido
ensaiadas tentativas de reformar o sistema de ação externa, orientadas para a criação
de uma diplomacia económica, a verdade é que algumas não chegaram a ser
implementadas e a mais recente, em 2011, não atingiu o limiar da mudança de
paradigma estando ainda longe de adoptar uma abordagem multi-actor, mantendo a
visão state-centric, e de dinamizar redes internas e externas ou explorar uma abordagem
multitrack.
Contudo, e no domínio restrito da organização institucional dos atores públicos foi
adoptada uma orientação correta em 2011 no sentido de promover uma transição de um
modelo de competição, de inspiração francesa, para um modelo unificado sob liderança
do MNE, a qual foi recentemente revertida confirmando a tendência de evolução errática,
hesitações e a falta de continuidade das políticas públicas nesta área durante a última
década. Em suma, o momento atual é marcado pela transição de uma diplomacia
comercial para uma diplomacia económica, mas para aquilo que se pode designar como
a primeira fase de desenvolvimento da diplomacia económica, a de “promotion”.
Em segundo lugar, as análises de algumas dimensões das relações económicas externas
de Portugal na última década demonstram que a evolução menos positiva quer do
comércio externo quer do investimento estrangeiro, tem causas estruturais e resulta da
não adaptação ás novas condições de funcionamento da economia global e não de
factores meramente conjunturais como o impacto recessivo da crise da vida soberana
em que o país tem estado envolvido. Não sendo o único factor ou o determinante, a
ausência de uma diplomacia económica ativa foi certamente um dos factores relevantes
na medida em que impediu o controlo dos riscos, a minimização dos impactos negativos
e o aproveitamento de oportunidades.
O elevado grau de concentração de mercados de exportação e um reduzido número de
parceiros, a financiarização dos fluxos económicos e a oligopolização dos mesmos,
tornam por um lado a diplomacia económica urgente, mas levantam também obstáculos
à sua efetiva implementação. Esses obstáculos são mais políticos do que financeiros.
Resultam muito mais da falta de vontade política, da ausência de uma ideia clara sobre
os objectivos ou da resistência da burocracia envolvida na ação externa à mudança, ou
da continuada exclusão das PMEs, do que da falta de meios financeiros do Estado na
exata medida em que a ativação de redes e a participação de atores não-estatais também
permite a partilha de recursos.
Em terceiro lugar, o avanço do processo de transição para uma efetiva diplomacia
económica e a realização das diversas fases do seu desenvolvimento implica parcerias
ativas entre o Estado, empresas, ONGs, think tanks universidades, maras de comércio
e opções fundamentais a três níveis: organizacional; operacional e de ação prática no
terreno e; inovação, especialmente orientada para os aspectos informais relacionados
com o envolvimento estratégico da diáspora portuguesa, a gestão da paradiplomacia e a
consolidação de um sistema de inteligência económica, dimensões que se articulam e
reforçam mutuamente.
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O desafio da diplomacia económica é um dos mais significativos e prementes para o
futuro do país e exige uma significativa mobilização da sociedade portuguesa bem como
a reforma do Estado, que continua a ter um papel central embora não exclusivo neste
processo, em especial na forma como se relaciona com a sociedade e, sobretudo, um
aumento do vel de capital social que permita consolidar níveis de confiança e
capacidade de cooperar para atingir objectivos comuns entre os diferentes atores
relevantes.
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