abrangente, que Gandhi batiza de satyagraha, que vai além da resistência passiva e
coloca a desobediência civil dentro de um conjunto mais amplo de métodos que inclui
protestos, boicotes, greves, não-cooperação, usurpação de funções governamentais e
construção de instituições paralelas. Proveniente do sânscrito – “satya” (verdade) e
“agrah” (força, insistência) – a satyagraha (força da verdade) é concebida como uma
técnica de resolução de conflitos através do mecanismo de conversão. Isto significa que
a satyagraha não se limita à sua dimensão de resistência, mas pretende atuar na
autotransformação das partes envolvidas no conflito através da conversão dos seus
“corações e mentes” pela sinceridade e pela verdade. Trata-se, portanto, de uma técnica
não violenta de resolução de conflitos que busca a conversão das partes através da busca
da verdade (Jha 2003, p. 27), trazendo à tona o que parece “errado” ou permanece
invisível na situação (injustiças, desigualdades, opressões, restrições à liberdade, etc.).
Segundo Jha (2003, p. 25), o que é particularmente único na contribuição de Gandhi é
que princípios tradicionalmente restritos a uma esfera íntima e individual, como a busca
da verdade e a rejeição à violência, são transformados num instrumento de mobilização
de massas.
Há aí uma clara dimensão pragmática, mas há também um compromisso com a verdade
que, em Gandhi, tem uma forte dimensão espiritual. A satyagraha é literalmente fundada
na “força da verdade” e é através de uma noção espiritual de verdade – legada pelo
mosaico religioso que lhe serve de influência e percebida como um conceito absoluto e
divino – que Gandhi justifica a não-violência: a “Verdade talvez seja o mais importante
nome de Deus” e “onde há Verdade, há conhecimento” (Gandhi 2005, pp. 39-40); o
homem, porém, é incapaz de conhecer a verdade nesse estado de pureza, de atingir a
verdade em tal perfeição (Gandhi 1996, p. 37). Assim, “porque o homem não é capaz de
conhecer a verdade absoluta”, ele não é “competente para punir” (Gandhi 1996, p. 51),
ou seja, ele não pode justificar a violência em nome do que não consegue absolutamente
conhecer. Para Gandhi, portanto, a não-violência (ahimsa) e a verdade (satya) são tão
interligadas “que elas parecem ser as duas faces de uma mesma moeda”: a não-violência
é o meio e a verdade é o fim (1996: 46). Segundo a interpretação de Bondurant (1988,
pp. 16-17), o que Gandhi quer dizer é que, perante a incapacidade de conhecer a verdade
em seu estado de perfeição, as pessoas devem manter uma abertura permanente para
aqueles que pensam diferente; por esta razão, em vez de tentar resolver as diferenças
usando a violência contra o oponente, os homens devem tentar livrar-se do erro através
da prática da paciência e da compaixão. É através desse caminho que as pessoas se
aproximam da verdade (ou seja, de Deus). Em suma, a satyagraha é uma força na
direção da verdade, é um impulso para seguir a verdade como uma questão de princípio,
a fim de reduzir o impacto negativo dos erros e tentar chegar o mais próximo possível
da perfeição (Gandhi 1996, p. 37). Ainda que inatingível em seu sentido absoluto (ou
seja, divino), a verdade funciona como um princípio operativo, como uma norma
reguladora da conduta das partes envolvidas no conflito.
Se a abordagem de Gandhi se sustenta em alicerces fortemente cimentados em princípios
espirituais e morais, é interessante notar que as suas experimentações com a satyagraha
se desenvolvem dentro de um quadro igualmente pragmático e estratégico. A satyagraha
não surge pronta na obra e no ativismo de Gandhi. Ao contrário, ela é desenvolvida ao
longo de quase meio século através de progressos e retrocessos nas experiências de
resistência conduzidas na África do Sul e na Índia. O nascimento da satyagraha ocorre
na África do Sul, por volta de 1908, no contexto do movimento de resistência liderado