OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 8, Nº. 1 (Maio-Outubro 2017), pp. 1-23
GENEALOGIA DA INVESTIGAÇÃO DA PAZ BEHAVIORISTA
Ricardo Real P. Sousa
ricardorps2000@yahoo.com
Professor Auxiliar na Universidade Autónoma de Lisboa (Portugal) e investigador integrado no
OBSERVARE. É doutorado pelo International Institute of Social Studies (ISS) da Erasmus
University of Rotterdam (EUR) na Holanda. Foi membro da Research School in Peace and Conflict
(PRIO/NTNU/UiO) na Noruega e é investigador de conflitos no Centro de Estudos Internacionais
(CEI) do Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. Tem um mestrado em Estudos sobre o
Desenvolvimento pela School of Oriental and African Studies (SOAS) da University of London,
assim como um diploma de pós-graduação em estudos avançados sobre África e uma licenciatura
em Gestão, ambos pelo Instituto Universitário de Lisboa.
Resumo
Este artigo apresenta a tradição de Investigagção da Paz behaviorista “não-normativa” com
dois objetivos. Um objetivo é posicionar esta área de investigação em relação a outras áreas
de investigação próximas. A especificidade da Investigação da Paz é: a variável dependente
de paz e conflito quando comparada com a Ciência Política e Relações Internacionais; a
preocupação normativa com as causas da guerra quando comparada com os Estudos
Estratégicos, e; a rejeição da “utilidade prática” e controlo da normatividade quando
comparada com os Estudos para a Paz (definido como investigação da paz, educação e acção
para a paz) e Resolução de Conflitos. Adicionalmente a Investigação da Paz é aqui considerada
como uma sub-área dos Estudos de Segurança Internacional. O segundo objetivo do artigo é
apresentar a história da Investigação da Paz. Desde a sua criação nos anos 1950s como uma
alternativa aos Estudos Estratégicos e um enfoque na guerra entre Estados, a Investigação
da Paz teve dois períodos de definição. Um período no final dos anos 1960 caraterizado como
a “revolução socialista” com a conceptualização da paz (positiva) como mais do que a ausência
da guerra e um desafio para a normatividade na investigação. Um segundo período nos anos
1980 com o alargamento do objeto de análise aos conflitos intra-Estado e a paz liberal e a
emergência de outras ciências sociais dedicada ao estudo de temáticas da, ou próximas da,
Investigação da Paz, de uma forma abrangente definidas como segurança, algumas
adoptando uma abordagem normativa na investigação. A comunidade epistemológica da
Investigação da Paz manteve a abordagem behaviorista apesar destes desafios normativos e
a sua especificidade e unidade é muito devido ao seu método de investigação.
Palavras-chave
Normatividade; Estudos para a Paz; Estudos da Paz e Conflito
Como citar este artigo
Sousa, Ricardo Real P. (2017). "Genealogia da investigação da paz behaviorista". JANUS.NET
e-journal of International Relations, Vol. 8, N.º 1, Maio-Outubro 2017. Consultado [online]
em data da última consulta, http://hdl.handle.net/11144/3030
Artigo recebido em 12 de Dezembro de 2016 e aceite para publicação em 26 de Fevereiro
de 2017
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 8, Nº. 1 (Maio-Outubro 2017), pp. 1-23
Genealogia da investigação da paz behaviorista
Ricardo Real P. Sousa
2
GENEALOGIA DA INVESTIGAÇÃO DA PAZ BEHAVIORISTA
Ricardo Real P. Sousa
Introdução
1
Este artigo apresenta mais de sessenta anos de evolução da Investigação da Paz com
dois objetivos. O primeiro é identificar mudanças significativas no que a Investigação da
Paz investiga e como é investigada. Para tal a Investigação da Paz é definida de acordo
com a abordagem behaviorista o que determina também a estrutura do artigo
2
.
Partilhamos a perspetiva de King et al. (1994) que carateriza a investigação como a
prática de inferências descritivas ou explicativas com base em informação empírica; o
uso de métodos explícitos, codificados e públicos para produzir e analisar dados cuja
fiabilidade pode ser verificada; que é incerta nas suas conclusões, no sentido em que
métodos quantitativos e qualitativos são necessariamente imperfeitos; e determinada
pelo seu método, em que “a unidade de todas as ciências consiste unicamente no seu
método, o no seu objeto de estudo” (Pearson, 1892, p. 16). Estas caraterísticas
minimizam o preconceito ou influências do investigador no conhecimento produzido.
Existem três períodos decisivos na Investigação da Paz
3
. Inicia-se no final da década de
50 do século XX em consequência da revolução behaviorista caraterizada por um enfoque
nas causas dos conflitos violentos entre Estados (conflito mortal normalmente associado
à guerra) investigado através de uma abordagem behaviorista com uma predominância
da Ciência Política.
No final dos anos 60 a paz é conceptualizada como sendo mais do que a ausência de
guerra, distinguindo a guerra (conflito violento) da paz negativa (a ausência de conflito
violento mas onde existe conflito não violento) e da paz positiva (a remoção da violência
cultural e estrutural, ausência de conflito violento e não violento e a existência de
mecanismo não violentos para a resolução de conflitos) (Galtung J. , 1969). Este é um
período em que se reclama o uso de abordagens normativas na investigação e que foi
1
Gostaria de agradecer comentários de Luís Moita, Carlos Branco e dois revisores anónimos, quaisquer erros
são da minha responsabilidade. O termo genealogia é aqui utilizado como o estudo da origem e
desenvolvimento da Investigação da Paz e não no sentido da análise geneológica de Michel Foucault que o
define como uma perspetiva histórica e método de investigação com uma subjacente crítica do presente
(Foucault, 1997).
2
Ver David Easton (1965) para uma definição clássica da abordagem behaviorista.
3
Gledistch (2008) identifica quatro períodos na Investigação da Paz: a pré-história antes de 1959; a
revolução behaviorista entre 1959 e 1968; a revolução socialista entre 1968 e 1978; os “anos selvagens”
(wilderness years) entre 1979 e 1989; os anos posteriores ao final da Guerra Fria como da paz liberal, e;
questiona se o “choque de civilizações” poderá definir a investigação desde 2001.
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3
identificado como a “revolução socialista” (entre 1968 e 1978) (Gleditsch N. P., 2008)
com uma predominância da Ciência Política e Economia.
No final dos anos 80 a Investigação da Paz alarga o seu focus para o conflito intra-Estado
e a paz liberal, e é desafiada por um conjunto de novas disciplinas que investigam a paz
e o conflito, ou de uma forma mais abrangente, a segurança, com distintas abordagens
ontológicas e epistemológicas. De uma forma geral, desde os anos 80 que se pode fazer
uma distinção entre a Investigação da Paz behaviorista, racionalista e positivista, e as
novas disciplinas refletivas e pós-positivistas. Nesta fase a Investigação da Paz é
multidisciplinar.
Tabela 1: Períodos da Investigação da Paz
Finais de 1960 a finais de
1980
Desde finais de
1980s
O que é
investigado
(variável
dependente)
Conflito
entre-Estados
Paz positiva e
negativa e
violência
estrutural
Conflito
entre e
intra
Estado
Paz liberal
Como é
investigado
(metodologia da
investigação)
Behaviorista
Behaviorista e
Normativo
Racionalista
Positivista
(behaviorista)
Disciplinas
Ciência Política e Economia
Multidisciplinar
O segundo objetivo do artigo é identificar as principais caraterísticas da Investigação da
Paz relativamente a outras áreas de investigação próximas. A Investigação da Paz é
distinta da Ciência Política e Relações Internacionais devido ao seu focus exclusivo da
variável dependente no conflito e paz
4
. O aspeto diferenciador entre a Investigação da
Paz e os Estudos Estratégicos é a normatividade
5
da Investigação da Paz no seu focus
nas causas da guerra. A distinção entre a Investigação da Paz e os Estudos para a Paz e
a Resolução de Conflitos é o seu controlo da “utilidade prática” e normatividade da
investigação. Finalmente é considerado que a Investigação da Paz é uma das áreas de
investigação dos Estudos de Segurança Internacional.
O artigo começa por apresentar com maior detalhe esta distinção entre a Investigação
da Paz em relação a outras áreas de investigação, apresentando em seguida cada um
dos três períodos da Investigação da Paz identificados na tabela 1 e conclcom uma
breve revisão do atual enfoque da Investigação da Paz.
Localizando a Investigação da Paz
As fronteiras académicas da Investigação da Paz são de difícil delimitação, principalmente
em relação a áreas muito próximas de investigação, como é caso da Ciência Política,
4
A variável dependente é o fenómeno que está a ser investigado que é “dependente” de outros fatores que
o explicam as variáveis independentes.
5
Esta normatividade (valores que o investigador traz para a investigação) é na escolha da pergunta de
investigação e não no método, que é neutro. Desta forma é distinta da normatividade da “revolução
socialista” ou do pós-positivismo e refletivismo, como veremos mais à frente, que são mais críticos e
refletivos onde o investigador assume os seus valores e preferências, tanto na pergunta de investigação
com no método.
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Relações Internacionais, Estudos Estratégicos, Estudos de Segurança Internacional,
Estudos para a Paz e Resolução de Conflitos.
Figura 1: Localização da Investigação da Paz
6
A Ciência Política é a disciplina central, com um enfoque na política: o exercício do poder
dentro e entre Estados. Mas é na sua sub-disciplina de Relações Internacionais, também
referida como Política Internacional, que a primeira disciplina académica é criada com o
objetivo de investigar sistematicamente o exercício do poder entre Estados, em particular
para identificar as causas do conflito e as possibidades da paz. A cátedra Woodrow Wilson
criada em 1919 é um marco de referência no estabelecimento das Relações
Internacionais como uma disciplina académica. A Investigação da Paz é uma sub-
disciplina das Relações Internacionais que surge nos anos 50 para ser um pensamento
alternativo à área de investigação dominante de Estudos Estratégicos
7
.
Tanto a Ciência Política, as Relações Internacionais e a Investigação da Paz são
multidisciplinares, têm abordagens epistemológicas semelhantes, reconhecem agência
tanto ao Estado como a atores não estatais, podem usar o mesmo leque de veis de
análise (níveis micro, macro e meso) e partilham os mesmos temas (economia, política,
governação global, terrorismo, organizações internacionais, entre outros).
O principal elemento diferenciador da Investigação da Paz em relação à Ciência Política
e Relações Internacionais é a variável dependente, mesmo que a Investigação da Paz
tenha variadas conceptualizações e indicadores (proxies) de paz e conflito. Em Ciência
Política e Relações Internacionais podem existir outras variáveis dependentes, tais como
finanças e economia, desenvolvimento, sustentabilidade, ambiente, justiça, ética,
sociedade civil ou democracia. Uma distinção adicional é o fato de a Ciência Política se
concentrar em processos intra-estatais e que as Relações Internacionais se concentrar
em processo inter-estatais enquanto a Investigação da Paz aborda ambos os processos
entre-Estados e intra-Estados.
O âmbito de temáticas de dois jornais de referência da Investigação da Paz são
ilustrativos deste enfoque. A chamada de trabalhos do Journal of Conflict Resolution
(JCR) sedeado nos Estados Unidos da América (EUA) procura artigos sobre “as causas e
6
Porque os Estudos para a Paz e a Resolução de Conflitos também são caraterizados pelas perguntas que
definem os Estudos de Segurança Internacional, estas duas áreas de investigação são representadas como
parte dos Estudos de Segurança Internacional.
7
Ver Viotti e Kauppi (2012) e Dunne et al. (2013) para uma revisão das teorias de Relações Internacionais.
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soluções para todo o espetro de conflito humano...[com um enfoque no] conflito entre
Estados e nos Estados, mas também que explorem a variedade de conflito inter-grupal
e inter-pessoal que possam ajudar a compreender o problema da guerra e da paz”
8
. A
chamada de trabalhos do Journal of Peace Research (JPR) com sede na Europa procura
artigos com “um enfoque global sobre conflito e pacificação [...e] encoraja alargadas
conceptualizações de paz mas com um enfoque nas causas da violência e resolução de
conflitos”
9
.
Os Estudos Estratégicos emergem no período posterior à Segunda Guerra Mundial
baseados numa abordagem clássica realista dos estudos da guerra, estratégia militar e
geopolítica. O principal ator é o Estado e o principal objetivo de um estadista é assegurar,
através da diplomacia ou dos meios militares, a sobrevivência do Estado a sua
soberania. A principal ameaça ao Estado não é interna mas externa e surge em resultado
dos Estados existirem num sistema anárquico onde não existe uma autoridade supra-
estatal para regular os interesses dos Estados quando estes estão em choque.
No início, a Investigação da Paz partilhava muitas das caraterísticas dos Estudos
Estratégicos, em particular o seu enfoque nos conflitos entre-Estados e a abordagem
behaviorista. A principal distinção entre os dois o os diferentes pressupostos
normativos. A preocupação dos Estudos Estratégicos é um Estado alcançar a vitória ou
evitar a derrota, se necessário através do uso da força militar, enquanto a preocupação
da Investigação da Paz é identificar as causas do conflito
10
. No início a componente da
Investigação da Paz que investiga a paz é influenciada pelo Marxismo e suas
preocupações com a injustiça social estrutural, que viria a ser substituída por uma
influência da tradição liberal com a teoria da paz democrática.
Tabela 2: Investigação da Paz e outras áreas de estudo próximas
Estudos
Estratégicos
(a partir dos anos
1950)
Investigação da
Paz
(a partir dos anos
1950)
Estudos para a Paz
(a partir dos anos
1970)
Outras ciências
sociais
(a partir dos anos
1980)
Teoria dos jogos,
modelos formais,
matemática
Principalmente
economia e política
mas igualmente
outras ciências
sociais
Construtivismo
convencional a partir
dos anos 1980
Sociologia, psicologia,
antropologia, política,
economia, resolução
de conflitos,
transdisciplinar
Construtivismo
crítico, Escola de
Copenhague, estudos
críticos, feminismo,
Segurança humana,
estudos estratégicos,
pós-colonialismo,
pós-estruturalismo
Como vencer ou não
perder a guerra?
Quais são as causas
da guerra?
Como transformar a
guerra em paz
positiva através da
investigação,
educação e ação?
Que formas de
relações de poder
existem (e como as
superar)?
Não normativo, positivista, racionalista
Normativo, pós-
positivista, refletivo,
investigação através
da ação participativa
Normativo, pós-
positivista, refletivo
Enfoque na explicação do fenómeno de forma
a poder prevê-lo e controlá-lo
Enfoque na compreensão e reconstrução do
fenómeno, sua crítica e transformação ou
restituição e emancipação
8
http://jcr.sagepub.com/ consultado a 5 de Setembro 2016.
9
http://jpr.sagepub.com/ consultado a 5 de Setembro 2016.
10
Por isso se pode referenciar esta área de “Investigação da Paz” em vez de Investigação da Paz e Conflito”.
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Estudos de Segurança Internacional (ou estudos de segurança) é uma das áreas de
reflexão das Relações Internacionais que surge após a Segunda Guerra Mundial,
caraterizado por três aspetos inovadores: uma mudança conceptual do enfoque na
guerra e defesa para a segurança (alargando o leque de assuntos políticos abordados);
uma preocupação com os assuntos da Guerra Fria e em particular as armas nucleares; e
a importância de outras ciências civis não-militares (física, economia, sociologia ou
psicologia) nos estudos da guerra agora definida como segurança.
Durante as primeiras décadas da Guerra Fria, os Estudos da Segurança Internacional são
distintos das Relações Internacionais pelo seu enfoque no uso da força tal como
configurado nos Estudos Estratégicos. Desde o final dos anos 1960 a agenda dos Estudos
de Segurança Internacionais é alargada e a segurança é crescentemente não uma
questão política e militar sobre o uso da força mas também relacionada com a economia,
o ambiente e a sociedade. Desde esta altura a principal distinção entre os Estudos de
Segurança Internacional e as Relações Internacionais é o seu enfoque no conceito de
segurança (Buzan e Hansen, 2009).
Buzan e Hansen (2009) identificam quatro questões estruturantes dos Estudos de
Segurança Internacional: privilegia-se o Estado como objeto de referência?; incluem-se
ameaças internas assim como ameaças externas?; alarga-se a segurança além do setor
militar e o uso da força?, e considera-se a segurança como indissociavelmente ligada às
dinâmicas de ameaça, perigos e urgência?
Todas estas questões estão alinhadas com as questões da Investigação da Paz. Definidos
desta forma os Estudos de Segurança Internacional são “um rótulo abrangente que incluí
trabalho de investigadores que se referenciam como fazendo [...] ‘investigação da paz’,
ou outros rótulos específicos” (Buzan e Hansen, 2009, p. 1).
Desta forma a Investigação da Paz é uma das áreas dos Estudos da Segurança
Internacional juntamente com outras abordagens ao tema da segurança.
A Investigação da Paz é também conceptualizada associada intrinsecamente com a acão
e a educação para a paz, uma tríade designada como Estudos para a Paz, definidos como
relacionados com
“a condição humana em geral, preocupada com a nossa satisfação
(fullfillment) (...) como seres humanos através da paz positiva, e a
redução do sofrimento (...) através da paz negativa,
indiferentemente de como as cadeias causais ou círculos e espirais,
ou outros aspetos (or what not), giram ou traçam as suas formas
através dos humanos multifacetados” (Galtung J. , 2010, p. 24).
Os Estudos para a Paz podem ser caraterizados por serem: transdisciplinares, ao integrar
diferentes disciplinas das ciências sociais (por exemplo sociologia, psicologia social,
ciência política, economia); trans-nível por relacionarem os níveis de análise micro,
meso, macro e mega; trans-fronteiras, por nenhuma região geográfica ou sistema dever
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ser dominante; empírico mas igualmente crítico e construtivo de soluções; e, prático,
implementado pelo investigador/praticante (Galtung J. , 2010; Galtung J. , 2008)
11
.
As origens dos Estudos para a Paz podem ser simbolicamente associadas com o pioneiro
trabalho de Johan Galtung iniciado em 1958, apesar de trabalho normativo sobre a paz
e sua promoção ter ocorrido anteriormente, em particular em trabalho académico e de
acção religiosa.
Investigadores e praticantes dos Estudos para a Paz podem realizar investigação
experimental participativa que “afirma o valor essencial do conhecimento prático ao
serviço da prosperidade humana” (Heron & Reason, 1997, p. 1) e têm um compromisso
com a emancipação transformativa para a realização do potencial humano. A ação
emancipativa é realizada através de uma abordagem não-violenta, quer seja com base
num pacifismo de princípio, tal como com Mahatma Gandhi ou Martin Luther King, como
assente num pacifismo pragmático tal como identificado por Gene Sharp (1971) (Oliveira,
2016).
Os objetivos e âmbito da revista Peace and Change (Paz e Mudança) são ilustrativos do
enfoque dos Estudos para a Paz.
“Peace and Change publica artigos académicos e interpretativos
sobre a realização de uma sociedade pacífica, justa e humana. Com
um enfoque internacional e interdisciplinar, a revista estabelece
uma ponte entre investigadores, educadores e ativistas da paz.
Publica artigos num alargado leque de assuntos relacionados com a
paz, incluindo movimentos e ativismo para a paz, resolução de
conflitos, não-violência, internacionalismo, assuntos de raça e
género, estudos inter-culturais, desenvolvimento económico, o
legado do imperialismo e a agitação pós-Guerra Fria
12
.
Alguns investigadores consideram a Resolução de Conflitos como uma sub-área dos
Estudos para a Paz. De uma maneira geral a Investigação da Paz, Estudos para a Paz e
Resolução de Conflitos partilham um compromisso normativo de que as soluções para as
causas de conflitos devem ser encontradas através de processos e meios não-violentos
“paz por meios pacíficios” (peace by peaceful means): o conflito, e o conflito violento
em particular, são considerados uma doença que deve ser curada, sendo que este
objectivo da paz deve ser atingido tanbém por meios não-violentos.
A Resolução de Conflitos começou aproximadamente no mesmo período dos Estudos de
Segurança Internacional e da Investigação da Paz. Nos anos 50 e 60 analisa-se o conflito
como sendo um fenómeno específico que ocorre nas relações internacionais, política
11
Algumas organizações que combinam pelo menos duas componentes da tríade de investigação, educação
e ação (consultoria) são o TRANSCEND, fundado por Johan Galtung, a Transnational Foundation for Peace
and Future Research e a INCORE.
12
http://onlinelibrary.wiley.com/journal/10.1111/(ISSN)1468-0130/homepage/ProductInformation.html
consultado a 27 de Setembro 2016.
A revista Peace and Conflict Studies (Estudos da Paz e Conflito) também se define com a mesma orientação
da definição aqui utilizada de Estudos para a Paz.
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8
doméstica, relações industriais, comunidades, famílias e indivíduos
13
. A investigação e
prática na Resolução de Conflitos é realizada pelos, ou muito mais próxima dos, atores
dos processos políticos, frequentemente em longas sessões de trabalho de resolução de
problemas ou iniciativas de mediação. Desde a sua origem que a Resolução de Conflitos
se define como multinível, multidisciplinar, multicultural, analítica e normativa, teórica e
prática (Ramsbotham, Woodhouse, & Miall, 2011).
Os fundamentos práticos e normativos dos Estudos para a Paz e Resolução de Conflitos,
com vista à transformação da guerra numa paz sustentável, estão em tensão com as
preocupações académicas behavioristas sobre o método de investigação científico.
Investigadores e ativistas da paz e conflito viriam a ficar divididos sobre estes assuntos
durante a “revolução socialista”. Investigadores behavioristas da Investigação da Paz
reconhecem que a investigação académica deve ser relevante para o mundo
contemporâneo mas ao mesmo tempo consideram que o conhecimento pode ser
alcançado seguindo procedimentos científicos muito específicos que garantam a
objetividade e que o podem ser comprometidos pela praticabilidade ou aplicabilidade
do conhecimento. De uma forma geral o enfoque destes investigadores é em identificar
as causas da guerra primeiramente como um contributo para o conhecimento e somente
depois com uma preocupação pelo seu uso subsequente em política pública. Nos
primeiros anos do JPR existia um requisito para que os artigos tivessem uma seção final
com recomendações políticas, mas esse requisito foi descartado pois essas
recomendações tinham pouca relevância na medida em que não eram o enfoque do artigo
mas um seu sub-produto (Wiberg, 2005). Adicionalmente os investigadores behavioristas
da Investigação da Paz consideram que considerações normativas sobre o que é bom ou
mau devem estar circunscritas, se existentes, à escolha do objeto de estudo a pergunta
de investigação e que o processo de investigação deve ser neutro de influências
políticas. Finalmente, os investigadores da Investigação da Paz optam por uma
multidisciplinaridade que segue os métodos de investigação científicos estabelecidos em
cada disciplina, em vez de adoptarem a transdisciplinariedade proposta pelos Estudos
para a Paz.
Investigadores (e praticantes) normativos dos Estudos para a Paz e Resolução de
Conflitos consideram que uma pessoa nunca pode ser politicamente neutra e que
julgamentos de valor sobre o que é bom ou mau estão subjacentes não na pergunta
de investigação mas também no processo de investigação. Adicionalmente, porque o
investigador necessariamente tem os seus próprios valores, este tem uma certa
responsabilidade pelas implicações práticas da sua investigação. Desta forma o
investigador é moralmente obrigado a ser prático, o que pode significar desenvolver
recomendações políticas e, em alguns casos, executar/implementar política.
É esta orientação normativa da investigação e a sua aplicabilidade ou praticabilidade que
mais distingue os Estudos para a Paz e Resolução de Conflito da Investigação da Paz.
Ver a tabela 3 para um sumário dos aspetos diferenciadores da Investigação da Paz.
13
Para uma apresentação da evolução da Resolução de Conflitos ver Kriesberg (2009) e Ramsbotham,
Woodhouse, e Miall (2011).
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Tabela 3: Aspetos diferenciadores da Investigação da Paz
Investigação
da Paz
Ciência
Política /
Relações
Internacionais
Estudos
Estratégicos
Estudos de
Segurança
Internacional
Estudos
para a
Paz
Resolução
de
Conflitos
O que é estudado
Paz e Conflito
Outro focus
Como é estudado
Neutro/objetivo
Normativo/subjetivo
Prática
Nota: Neutro/objetivo significa que o enfoque da investigação é “como é que as coisas são”.
Normativo/subjetivo significa que o enfoque da investigação é “como é que as coisas deviam ser”.
As cruzes sublinhadas identificam os aspetos diferenciadores em relação à Investigação da Paz.
Para os Estudos Estratégicos a cruz com um ponto em “Paz e Conflito” refere-se aos diferentes
pressupostos de investigação da mesma variável dependente. Seguimos a definição dos Estudos
de Segurança Internacional de Buzan e Hansen (2009).
Finais dos anos 1950 até aos finais dos anos 1960
O início da Investigação da Paz está associado ao desenvolvimento de uma comunidade
epistemológica de investigadores nos EUA e Europa que sistematicamente estudam a paz
e o conflito com uma abordagem behaviorista.
Nos anos 50 e 60 a abordagem behaviorista tem suficientes praticantes para que se
considere que um “segundo grande debate” ocorre nas Relações Internacionais opondo
as abordagens “tradicionalistas” às “behavioristas”
14
.
Investigadores tradicionalistas seguem uma abordagem da filosofia política clássica
baseada na interpretação histórica, filosofia jurídica ou teorias de causalidade baseadas
em dinâmicas não observáveis da natureza humana. O investigador é considerado
inevitavelmente normativo na sua investigação, utiliza essencialmente métodos
qualitativos e não existem requisitos para que as teorias sejam validadas empiricamente.
Investigadores behavioristas defendem uma investigação mais objetiva, neutral (não-
normativa) e empírica, que possa racionalmente explicar os comportamentos
observáveis dos Estados (ou outros atores). Defendem a adopção das metodologias de
investigação das ciências exatas, em particular o seu enfoque em teoria pura,
quantificação e identificação de causalidade. Esta é considerada a “revolução científica”
que teve expressão também nas correntes Realistas e Liberais das Relações
Internacionais assim como na Investigação da Paz.
Um dos desenvolvimentos teóricos da abordagem behaviorista foi conceptualizar três
níveis de análise na identificação das causas da guerra: o indivíduo, o Estado-nação e o
sistema internacional (Waltz K. N., 1959; Singer, 1961).
“O nível do indivíduo tem o enfoque principal na natureza humana e nos líderes
políticos individuais, seus sistemas de crenças, processos psicológicos, Estados
emocionais e personalidades. O nível do Estado-nação (ou nacional) inclui fatores
14
A principal referência deste debate são as críticas ao behaviorismo por Bull (1966) e a sua defesa por Kaplan
(1966).
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10
como o tipo de sistema político (autoritário ou democrático, e suas variantes), a
estrutura da economia, a natureza dos processos políticos, o papel da opinião
pública e grupos de interesse, etnicidade e nacionalismo, e a cultura política e
ideologia. O nível do sistema incluí a estrutura anárquica do sistema internacional,
a distribuição de poder económico e militar entre os Estados principais no sistema,
padrões de alianças militares e comércio internacional, e outros fatores que
constituem os ambiente externo de todos os Estados” (Levys, 2011, p. 14).
A comunidade epistemológica da Investigação da Paz é principalmente ocidental
(América do Norte, Europa Ocidental e Japão) com duas iniciativas de referência a
surgirem em Michigan, nos EUA, e em Oslo, na Noruega
15
.
Na Universidade de Michigan, em 1957, Kenneth Boulding e um grupo de académicos
fundam o Journal of Conflict Resolution (JCR) (Revista de Resolução de Conflitos)
16
com
um enfoque multidisciplinar e empírico; em 1959 criam o Center for Research on Conflict
Resolution (Centro para a Investigação da Resolução de Conflitos), e em 1964 iniciam o
projeto Correlates of War (COW) dirigido por J. David Singer e Melvin Small, com o
objetivo de sistematicamente recolher dados sobre conflitos entre-Estados e extra-
sistémicos
17
. O projeto COW seria uma referência para muito do trabalho empírico na
área de conflito que foi desenvolvido desde então.
Na Noruega, o Peace Research Institute Oslo (PRIO) (Instituto de Investigação da Paz
em Oslo) é fundado em 1959 e o Journal of Peace Research (JPR) (revista de Investigação
da Paz) é criado em 1962. Johan Galtung é um dos principais fundadores de ambas as
iniciativas e o seu trabalho a partir dos anos 60 iria reconceptualizar a “paz” de uma
forma que se pode considerar preconizadora do primeiro desafio à Investigação da Paz e
ao nascimento dos Estudos para a Paz.
A escolha de “Conflito” em Michigan e “Paz” em Oslo reflete uma controvérsia existente
relativamente à palavra “Paz”. Não movimentos para a “Paz” eram vistos na altura
como protegendo os interesses soviéticos, mas “Paz” era percepcionada como dissociada
da política pura dos conflitos. Institutos estabelecidos desde então irão optar por um
enfoque na paz e/ou conflito, frequentemente identificado no seu nome.
Finais dos anos 1960 até aos finais dos anos 1980
Em 1969 Johan Galtung redefine o conceito de paz positiva e paz negativa (propostos
em 1964) para apresentar o conceito distintivo de violência estrutural. A paz negativa é
definida como a cessação da violência direta (guerra que resulta do conflito violento
preconizado por atores), enquanto a paz positiva é definida como a remoção de violência
estrutural, um conceito próximo da injustiça social onde a violência não é preconizada
por atores mas resulta da estrutura do sistema social. Inicialmente aplicada à
15
Para uma mais detalhada revisão das iniciativas institucionais desta área ver Buzan e Hanse (2009).
16
Inicialmente baseado no Center for Advanced Studies in Behavioural Sciences (Centro para Estudos
Avançados em Ciências Comportamentais) estabelecido em Stanford em 1954. A partir de 1971 a revista é
domiciliada na Universidade de Yale.
17
A base de dados de conflitos entre-Estados é publicada pela primeira vez em 1972. Trabalho anterior de
recolha de dados quantitativos sobre conflito dependeu de iniciativas individuais, como foi o caso de Sorokin
(1937), Wright (1942) e Richardson (1960). Conflito extra-sistémico refere-se à guerras coloniais de
independência.
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desigualdade económica, a violência estrutural viria a ser associada também à violência
em sistemas sociais e culturais. Adicionalmente, concretizar a paz positiva não significa
unicamente a cessação do conflito mas também a gestão de conflito por meios não-
violentos.
Tabela 4: Paz Positiva, Paz Negativa e Guerra
Paz Positiva
Paz Negativa
Guerra
Conflito não-violento
Conflito violento
Justiça social
Violência estrutural
Violência direta
Fonte: adaptado de Pfetsch e Rohloff (2000, p. 382)
Existe uma importante alteração conceptual do tradicional enfoque no conflito para um
enfoque nas condições da paz. O objeto de referência é alterado para coletividades
humanas (em vez de Estados) permitindo uma análise de conflitos não só entre-Estados
mas igualmente ao vel intra-Estado e trans-estatais. Adicionalmente o enfoque não é
no setor militar mas também no setor económico como fontes de violência. Esta
conceptualização estabelece uma ligação entre a tradição Idealista do Liberalismo
clássico e a tradição Marxista (Buzan & Hansen, 2009) e foi rotulada como a “revolução
socialista” na Investigação da Paz (Gleditsch N. P., 2008).
O conceito da paz negativa é criticado por ainda ser definido em oposição ao conflito
(como a negação do conflito) e por ser de uma natureza menos urgente que a guerra,
enquanto o conceito de “violência estrutural” da paz positiva é criticado por ser
demasiado abrangente e vagamente definido (Boulding, 1977)
18
.
O conceito de violência estrutural foi “uma ferramenta académica para mudar o enfoque
da exclusiva atenção no conflito Este-Oeste para uma maior atenção ao conflito Norte-
Sul(Gleditsch, Nordkvelle, & Strand, 2014, p. 148). Esta mudança reflete o que eram
as preocupações Europeias na s-Segunda Guerra Mundial que se alteram da
reconstrução económica e crescimento para, nos anos 60, se focarem em questões de
justiça, autonomia e igualdade, também em relação ao mundo pós-colonial (Kriesberg L.
, 2009). Este período político é muitas vezes referido como “1968”, caraterizado pela
guerra americana no Vietname, a invasão da Checoslováquia pela União Soviética e
movimentos da sociedade civil, em particular os protestos estudantis nos EUA, Europa e
alguns países de Leste (Wiberg, 2005).
Os académicos que seguiram esta abordagem estão essencialmente localizados na
Europa, identificados como a abordagem maximalista ou estruturalista europeia, com
alguma investigação a procurar operacionalizar a “violência estrutural” de forma a poder
ser validada empiricamente, entre outros por Wallesteen (1973) na sua investigação
sobre as estruturas de comércio e estruturas de guerra (Wiberg, 2005). Na América do
Norte académicos mantêm um enfoque na investigação das (causas das) guerras,
identificados como a abordagem pragmática.
O alargamento do objeto de análise seria refletido no JCR e JPR. O JPR alarga o seu
âmbito em 1973 para não tratar os assuntos relativos à guerra entre-Estados e nuclear
(dissuasão e desarmamento) mas também justiça, desigualdade, dignidade humana,
18
O conceito de violência estrutural seria aplicado a diversas áreas: estudos do desenvolvimento,
imperialismo, conflito doméstico, ambiente, direitos humanos e exploração económica (Buzan & Hansen,
2009).
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equilíbrio ecológico e conflito intra-Estado (Russett & Kramer, 1973). Muitos dos artigos
do JPR nos anos 70 e 80 são sobre a violência estrutural e a paz positiva (Gleditsch,
Nordkvelle, & Strand, 2014).
A violência estrutural é também uma mudança epistemológica preconizada por Galtung,
abandonando a sua inicial orientação não-normativa, behaviorista e empírica que
“procura a invariância”, preocupada com “o que é a realidade” (que utiliza até 1958),
adoptando uma orientação normativa de “quebrar a invariância”, preocupada com a
procura de uma outra realidade “o potencial”. Em violência estrutural, a violência é
definida como a causa da diferença entre “o potencial e o atual, entre o que poderia ser
e o que é” (Galtung J. , 1969, p. 168). Este compromisso normativo é premonitório das
novas abordagens epistemológicas que surgem nos anos 80 com o refletivismo e pós-
positivismo, e em particular influencia diretamente os estudos femininistas e a teoria
crítica (Pureza, 2011).
Esta mudança epistemológica ocorre no contexto de um movimento pacifista plural, com
alguns grupos influenciados pelo Marxismo (principalmente com um pendor Maoísta),
que consideram o tom neutral das ciências behavioristas inaceitável (Gleditsch,
Nordkvelle, & Strand, 2014). No final dos anos 60, ativistas da paz e idealistas
reconhecem legitimidade às preocupações Soviéticas enquanto a escola tradicional de
Relações Internacionais e investigadores da Investigação da Paz se focam na
manutenção das democracias liberais. Tanto nos EUA como na Europa ocorre um debate
sobre a possibilidade do uso do conflito aberto violento para situações em que grupos
marginalizados desafiam o status quo na procura de uma paz mais justa e permanente,
inspirados no Marxismo-Leninismo revolucionário (Rogers & Ramsbotham, 1999). Para
alguns o uso da violência está em contradição com o que significa a Investigação da Paz,
a transformação da guerra em e por processos políticos não-violentos, mesmo que só
alcançando a paz negativa. A violência estrutural Norte-Sul foi o compromisso não-
violento proposto neste debate, caraterístico do Marxismo social-democrata evolutivo
19
.
O desafio normativo divide os investigadores sobre a paz e conflito até aos dias de hoje
em duas comunidades epistemológicas com pouca fertilização cruzada. Investigadores
positivistas não-normativos (que seguem a tradição behaviorista), neste artigo
pertencentes à Investigação da Paz, estão mais associados com a Peace Science Society
(Sociedade da Ciência da Paz) (criada por Walter Isard em 1963) nos EUA e a
International Studies Association (ISA) e revistas como a JPR e JCR.
Investigadores normativos e ativistas, neste artigo pertencentes aos Estudos para a Paz,
estão mais associados com a International Peace Research Association (IPRA)
(estabelecida em 1965) e revistas como Peace and Change, Peace Review ou Journal of
Social Justice
20
.
Apesar de ambas as abordagens terem desenvolvido programas de investigação e ensino
na academia, a orientação científica da abordagem behaviorista na Investigação da Paz
conduziu ao seu maior reconhecimento nos índices de avaliação de investigação
19
Para mais detalhes ver Schmid (1968).
20
O momento determinante desta cisão ocorre em relação às posições assumidas por investigadores
relativamente à Guerra no Vietname em duas conferências. Uma em 1968 nos EUA e outra em 1969 em
Copenhaga (Gleditsch, Nordkvelle, & Strand, 2014). A seção de Estudos da Paz é criada no ISA em 1972.
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científica, enquanto os Estudos para a Paz normativos são menos reconhecidos
cientificamente mas mais identificados ao nível das bases, no terreno
21
.
O desafio conceptual e normativo na revolução socialista” dos anos 70 conduz a um
período de alargamento conceptual excessivo. Gleditsch (2008) carateriza a Investigação
da Paz nos anos 80 como nos seus “anos na selva” (wilderness years), com uma fraca
metodologia e paz como qualquer coisa, um “buraco negro” onde “qualquer problema
social [...] encontra um lugar legítimo na investigação da paz...” (Tromp, 1981, p. xxvii).
A partir dos finais dos anos 1980
Com o fenómeno da Guerra-Fria interiorizado e a compreensão de que a humanidade
tinha aprendido a viver com a ameaça de uma guerra nuclear, nos anos 80 a Investigação
da Paz é novamente desafiada. A conceptualização dominante da Investigação da Paz na
Guerra Fria define os Estados como o principal objeto de referência, está principalmente
preocupada com o uso da força, e o seu enfoque é nas ameaças externas que devem ser
geridas através de medidas de emergência, investigado com métodos positivistas não-
normativos e epistemologias racionalistas (Buzan & Hansen, 2009).
O alargamento do enfoque na Investigação da Paz nos anos 80 ocorre principalmente na
natureza das ameaças, para considerar as ameaças internas juntamente às externas.
Outros tipos de violência interna são investigadas como, por exemplo, a morte de civis
pelas mãos dos governos, e o JPR alarga o seu âmbito para considerar o terrorismo, a
repressão policial e paramilitar e a injustiça na divisão do trabalho tanto nacional como
internacional. O JCR reflete o interesse nos conflitos intra-Estado para os incluir no
âmbito da revista e o projeto COW publica a sua primeira base de dados de conflitos
intra-Estado em 1982.
No pós-Guerra Fria o conflito intra-Estado torna-se no mais relevante tipo de conflito,
com um ximo de ocorrências em 1991. Dois debates são ilustrativos do enfoque da
investigação: um, sobre a iniciação da guerra civil e outro sobre a natureza da guerra.
O debate sobre a iniciação da guerra civil opõe a hipótese da viabilidade do conflito à
hipótese de ressentimento de grupos. A hitese da viabilidade sugere que as guerras
civis são mais prováveis se forem financeiramente e militarmente viáveis, com fatores
económicos de ganância também significativamente associados à iniciação da guerra civil
(Collier, Hoeffler, & Rohner, 2009). A hipótese de ressentimento sugere que as
desigualdades horizontais
22
são um fator significativo para prever uma rebelião (Buhaug,
Cederman, & Gleditsch, 2014), continuando uma linha de uma investigação antiga que
liga conflitos a grupos étnicos.
O debate sobre a natureza da guerra civil é centrado na distinção entre “velhas” e “novas”
guerras (Kaldor, 1999)
23
. As guerras velhas eram feitas por exércitos regulares,
relativamente a assuntos geopolíticos ou ideologia, através de batalhas que tinham como
21
Em 2015 o ranking de revistas da SCImago que mede a influência científica das revistas lista o JPR e JCR
no primeiro quartil do ranking enquanto das três revistas normativas referidas anteriormente a Peace
Review é identificada no quarto quartil.
22
Quando a desigualdade, exclusão social e pobreza ocorrem em simultâneo com identidade ou delimitações
regionais.
23
Outras classificações incluem: guerras entre pessoas (Smith, 2005), guerras de terceiro tipo (third kind)
(Holsti, 1996), guerras hibridas (Hoffman, 2007), privatização das guerras (Munkler, 2005) ou guerras pós-
modernas (Hables Gray, 1997).
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objetivo o controlo do território e eram financiadas pelo Estado. As novas guerras
envolvem mais atores estatais e não-estatais (forças armadas regulares, empresas de
segurança contratadas, mercenários, jihadistas, senhores da guerra, paramilitares), são
travadas por questões de identidade (étnicas, religiosas ou tribais), não são caraterizadas
por batalhas mas pelo controlo do território conseguido através do deslocamento das
populações e financiadas por um conjunto de diferentes fontes de receita assegurada
através do uso da violência (saque, pilhagem, “tributação“ da ajuda humanitária, apoio
das diásporas, sequestros ou contrabando de petróleo, diamantes, drogas ou pessoas)
(Kaldor, 1999; 2013).
Projetos de bases de dados acompanharam estas mudanças assim como os
desenvolvimentos tecnológicos de recolha de dados. Entre outros, o projeto de Minorias
em Risco (Minorities at Risk) iniciado em 1986 por Ted Gurr, contêm informação sobre
grupos étnicos politicamente ativos, e a Universidade de Uppsala na Suécia desenvolveu
as bases de dados de violência unilateral (one sided violence) em 2007
24
e violência não-
estatal em 2012
25
, ambas próximas das caraterísticas das “novas” guerras, juntando-se
à base de dados de violência baseada no Estado (intra-Estado)
26
lançada pela primeira
vez em 2002, mais próxima do conceito de “velhas” guerras. Apesar do conflito baseado
no Estado continuar a ser o mais mortífero, outros tipos de violência tornaram-se mais
recorrentes. Por exemplo, existe um crescimento continuado no número de conflitos não-
estatais ativos, com um rácio em relação aos conflitos baseados no Estado a crescer de
1,07 em 2011 para 1,4 em 2015 (Melander, Pettersson, & Themnér, 2016). Ver a figura
2 para uma tipologia de conflito armado
27
.
Em resultado de novas tecnologias a codificação dos dados torna-se cada vez mais
desagregada: na identificação dos atores envolvidos; geograficamente é desagregada
abaixo da unidade Estado para ter referenciação geográfica ao nível da vila, e;
temporalmente desagregando a unidade ano para o dia específico dos eventos, como é
um exemplo a base de dados UCDP Georeferenced Event Dataset (GED) (Sundberg &
Melander, 2013).
Figura 2: Tipologia de conflito armado
Fonte: Eck (2008, p. 35)
24
Em que a violência do Estado ou grupos não-estatais têm como alvo civis.
25
Em que a violência ocorre entre grupos não-estatais.
26
Em que a violência ocorre entre o Estado e grupos não-estatais.
27
Conflitos extra-estatais são guerras de independência colonial. Existe um conjunto de outros eventos
violentos que ocorrem em conflitos não identificados nesta figura: motins, demonstrações violentas,
repressão, violência indireta contra civis, crime organizado, guerras entre gangues, senhores da guerra,
banditismo, assassinatos (Eck, 2008).
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A agenda económica da Investigação da Paz proposta pela “revolução socialista” é
parcialmente integrada nos anos 70 na disciplina Estudos do Desenvolvimento e
Economia Política Internacional e a Investigação da Paz é predominantemente
caraterizada pela ciência política nos anos 80 (Gleditsch N. P., 1989)
28
.
O focus na paz na Investigação da Paz é principalmente representada pela investigação
da Paz Liberal, onde é proposto que a democracia e justiça são essenciais a uma paz
sustentável dentro e entre Estados. A ideia é que a democracia é mais controlada pelos
cidadãos que são menos predispostos a iniciar guerras entre-Estados do que os seus
líderes e que as democracias têm mecanismos pacíficos para lidar com o conflito intra-
Estado. O debate sobre a teoria da paz democrática foi iniciado com a proposta que os
Estados democráticos são menos propensos a entrarem em guerras uns com os outros
(Doyle M. W., 1983; 1986) mas passados vinte anos as suas proposições ainda são
debatidas (Doyle M. , 2005; Rosato, 2003).
De uma forma geral a Investigação da Paz sobrevive ao final da Guerra-Fria (associada
com o fim do muro de Berlim em 1989) e o seu enfoque adapta-se a uma nova realidade.
O JPR nos anos 90 e primeira década do século XXI foca-se nos assuntos clássicos de
redução do conflito armado, apresentando investigação mais sobre guerras intra-Estado
do que inter-Estados, sobre outras formas de conflito e sobre a possibilidade da paz
democrática. Na primeira década do século XXI, tanto no JPR como no JCR existe uma
crescente publicação de artigos sobre os temas dos direitos humanos, paz democrática
e pacificação/construção da paz, e ambas as revistas continuam a publicar artigos com
teoria de jogos e modelos formais. O principal enfoque continua a ser o conflito, com
artigos com a palavra “conflito” a terem mais do que a média de citações, e com a palavra
“paz” menos do que a média de citações dos artigos na revista JPR no ano 2000
(Gleditsch, Nordkvelle, & Strand, 2014).
Um novo debate deste período que atrai muita atenção, tanto na academia como no
público em geral, é se o final da Guerra Fria significa que a agenda da paz democrática
liberal se tornou no único sistema aceite (only game in town) ao ponto de ter sido
identificado como um “momento do fim da história” (Fukuyama, 1989) ou se as causas
do conflito seriam agora encontradas no “choque de civilizações (Huntington, 1993)
baseado em identidades religiosas ou culturais.
Um desenvolvimento dos anos 80 e do período pós-Guerra Fria em particular é o aumento
das abordagens epistemológicas nas ciências sociais. Duas dicotomias agrupam as
diferentes abordagens: os racionalistas versus refletivistas e os positivistas versus os
pós-positivistas.
Kehoane (1988) propõe a distinção entre abordagens racionalistas e refletivistas.
Abordagens racionalistas utilizam teorias de escolha racional para explicar o
comportamento dos atores baseado nas suas preferências individuais. Refletivistas
consideram que os racionalistas não identificam a importância do contexto nos processos
de decisão, e que o comportamento dos atores é o produto de uma “conjuntura”: a
combinação histórica dos constrangimentos materiais, padrões de pensamento social e
iniciativas individuais. A abordagem refletivista tem em consideração estes fatores e
28
Para uma revisão da literatura da ciência económica sobre a guerra civil ver Blattman e Miguel (2010).
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considera que a aprendizagem e reflexão individual e social conduzem a mudanças nas
preferências e podem mesmo determinar processos de causalidade
29
.
Ao contrário dos racionalistas as preferências não o consideradas fixas. Os valores,
normas e práticas variam no tempo e entre culturas. Desta forma é necessário ter em
consideração mudanças de “consciência”. “Reflexividade” na ação social significa que
existe uma relação bidirecional entre causa e efeito em que nenhum fator pode ser
considerado como causa ou efeito. Considera-se que existe uma necessidade não só de
explicar e medir o comportamento dos atores mas também compreender o significado
intersubjetivo e discursivo que influenciam as escolhas dos atores.
Lapid (1989) foca a sua análise no problema do sujeito-objeto nas ciências sociais, onde
a separação entre o investigador (sujeito) e o fenómeno (objeto) é menos clara do que
nas ciências exatas. Nas ciências sociais os seres humanos criam teorias sobre si mesmo
e a aspiração positivista behaviorista de um investigador neutral separado do fenómeno
analisado é considerada impossível de conseguir. Em alternativa Lapid destaca as
abordagens pós-positivistas nas ciências sociais onde a unidade de análise são
paradigmas constituídos por uma tríade do fenómeno (empírico), análise (teoria,
hipóteses e explicações) e a temática (os pressupostos e perspetiva epistemológica). No
centro da tríade está o cientista “social-inteletual-ético” (Hooker, 1987, p. 10; Lapid,
1989, p. 240).
Com base nestes papéis constituídos e constitutivos do cientista deve existir um enfoque
nos pressupostos subjacentes na investigação: as perspetivas que os cientistas adoptam
quando constroem o fenómeno. O empiricismo positivista (regularidades observáveis) é
assim desafiado a diferentes níveis pelo pós-positivismo no sentido em que: a) o
empiricismo deve estar subordinado às perspetivas adoptadas pelo investigador; b) as
perspetivas não devem ser limitadas pela sua possível verificação; e, c) as perspetivas
podem ter uma capacidade normativa de criar as realidades empíricas previstas pelas
perspetivas. Esta preponderância das perspetivas sobre o empiricismo significa que a
objetividade e verdade são relativas, dependentes dos paradigmas situados histórica e
socialmente, das perspetivas do investigador e das diversas abordagens metodológicas
que podem ser utilizadas
30
.
As abordagens racionalistas, que utilizam a teoria de escolha racional, têm normalmente
uma posição positivista procuram mecanismos objetivos de causa-efeito que podem
ser verificados empiricamente. Este é o caso dos investigadores behavioristas da
Investigação da Paz. Abordagens refletivistas têm normalmente uma posição pós-
positivista, mais próxima de investigadores normativos dos Estudos para a Paz.
As novas abordagens epistemológicas a partir dos anos 80 são aplicadas ao estudo da
paz e conflito conduzindo ao desenvolvimento de novas áreas de investigação dentro do
vasto rótulo dos Estudos de Segurança Internacional. Estudos linguísticos salientam a
importância da ngua e da representação discursiva do objeto em análise. O pós-
estruturalismo sublinha como todos os fenómenos existem somente através de uma
29
Abordagens refletivistas incluem: abordagens interpretativas baseadas na interpretação histórica e textual,
abordagens materialistas histórico-social na tradição Marxista, teoria política baseada na filosofia política
clássica e direito internacional.
30
Este pós-positivismo relativista e pluralismo metodológico colocam em questão a visão de progresso
científico de Thomas Kuhn (Kuhn, 1962) onde as revoluções científicas conduzem à adopção de novos
(melhores) paradigmas que substituem os paradigmas antigos. Em alternativa o pós-positivismo considera
a existência de uma diversidade de paradigmas igualmente legítimos.
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representação discursiva que é permeada por relações de poder. A teoria feminista, que
surge nos anos 80 inspirada nos movimentos de libertação femininos dos anos 60 e 70,
explora a dinâmica do patriarcado. A teoria crítica é herdeira da abordagem normativa
proposta por Galtung na “revolução socialista” (Pureza, 2011). Em particular, os estudos
críticos de segurança desafiam o entendimento da segurança dos realistas baseados no
setor militar, Estado e jogos de soma nula, que deve ser substituído por um projeto de
emancipação humana (Collective, 2006). O construtivismo (convencional e crítico)
sublinha o papel relevante das ideias, culturas, normas e identidades, e é adoptado pelos
Estudos Críticos de Segurança e pela Escola de Copenhague. Os pós-colonialistas
salientam as relações de poder entre o “Ocidente e o resto” e partilham a tradição
Marxista no conceito de “violência estrutural”. A segurança humana alarga o conceito de
“violência estruturalligando segurança ao desenvolvimento (Collective, 2006). A Escola
de Copenhague identifica a existência de um processo de “securitização” em que um ator
constitui através do discurso um determinado assunto, outro ator ou fenómeno em uma
ameaça para um determinado “objeto de referência” (referent object) (Estado,
sociedade, individuo). Com excepção do construtivismo convencional as novas
abordagens, em maior ou menor medida, têm em comum um compromisso normativo
na sua investigação: expor as relações de poder e identificar uma paz mais justa e
humana
31
.
Estes desenvolvimentos epistemológicos também tiveram uma influência na Investigação
da Paz, principalmente no que se refere à segurança do ser humano ao vel da
sociedade, grupos e indivíduos (não o Estado). Estas influências localizam-se no seu
focus no conflito intra-Estado e assuntos como etnicidade, a morte de civis pelas mãos
dos governos, violência não-estatal e, em alguns casos, o estudo da segurança dos
indivíduos, possibilitado pela existência de dados desagregados.
O mais significativo acontecimento desde o final da Guerra Fria são os ataques a 11 de
Setembro de 2001 que tiveram um impacto na agenda dos Estudos Estratégicos, Estudos
de Segurança Internacional e Investigação da Paz, mesmo que parte das suas agendas
de investigação tenha continuado inafetada. O impacto ocorre na centralidade do Estado
e pressupostos de racionalidade ao se questionar a relevância das redes de atores o-
estatais. Politicamente habilitou as perspetivas realistas Ocidentais de segurança
próximas às preocupações dos Estudos Estratégicos em detrimento de um liberalismo
internacional. Reabre também o debate sobre o uso da força, reforçando o debate dos
anos 90 sobre a transformação da guerra e das cnicas de combate, e conduz a maiores
preocupações com a proliferação nuclear. Em particular, a política externa dos EUA (e
dos países pertencentes à coligação envolvida na guerra no Iraque) foi escrutinizada
pelos investigadores pós-estruturalistas, feministas e pós-coloniais com um enfoque nas
conceptualizações discursivas da segurança e nas novas tecnologias militares Ocidentais.
Muitos dos assuntos da agenda de investigação continuam inalterados: as causas da
31
No construtivismo convencional a agência (agency) para a ordem e a paz está muito associada ao Estado
(o seu principal objeto de referência) com um reconhecimento limitado da agência de instituições ou
indivíduos, e adopta uma epistemologia de um positivismo suave” (soft-positivism). Desta forma o
construtivismo convencional é um caso excepcional de uma abordagem refletiva que é positivista. O
construtivismo convencional está preocupado com a explicação da ligação entre a construção social da
identidade (frequentemente associada com grupos etnolinguísticos), a mobilização política dessa identidade
e a violência civil (Sambanis, 2002). O construtivismo crítico coloca a agência em coletividades (o principal
objeto de referência) e adopta uma epistemologia narrativa e sociológica pós-positivista.
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guerra, segurança regional, política de grandes potências, tecnologia militar, ou assuntos
clássicos como a corrida ao armamento e dissuasão (Buzan & Hansen, 2009).
Nos anos 90 a institucionalização da Investigação da Paz continua e, de uma forma geral,
a maioria dos institutos sobrevive ao fim da Guerra Fria. A Investigação da Paz é agora
caraterizada por uma vasta rede de investigadores, escolas e revistas com um elevado
grau de especialização teórica e epistemológica.
Conclusão
A Investigação da Paz teve dois desafios epistemológicos, a “revolução socialista” e as
abordagens refletivistas e pós-positivistas, e perdura após o final da Guerra Fria. Nos
seus sessenta anos de existência a Investigação da Paz conserva a abordagem
behaviorista mas adapta o seu objeto de análise e evolui nos seus métodos de forma a
investigar desenvolvimentos no fenómeno de estudo e tecnológicos.
No início do novo século o conflito é essencialmente ao nível intra-estatal mas, de uma
forma geral, o mundo tem mais paz do que no século anterior, uma paz baseada no
modelo liberal (Gleditsch N. P., 2008).
A investigação behaviorista da Investigação da Paz, ilustrada pelo JPR, carateriza-se:
pela multidisciplinaridade (envolvendo ciências como a política, economia, sociologia ou
geografia); por unidades de análise mais desagregadas ao vel do tempo, espaço,
instituições, atores ou assuntos; por utilizar modelos de previsão; por ser
significativamente empírica, valorizando a quantificação; e, preocupada com a
transparência científica, utiliza políticas de replicação (Gates, 2014).
A análise de conflitos inter-Estado tem, em alguns casos, adoptado uma estratégia de
investigação com modelos múltiplos (teoria de jogos com estudos de caso e testes
quantitativos) e adicionou ao nível sistémico de análise o nível diádico da interação entre
Estados incorporando variáveis ao vel social (por exemplo tipos de regime, segurança
política de elites ou opinião pública) para explicar processos de decisão. Teorias de
conflito internacional tornaram-se mais complexas devido: às dificuldades em identificar
o nível de análise apropriado; aos desenvolvimentos em modelos da teoria dos jogos,
em particular os que incorporam informação incompleta; a utilizarem sequenciamento
nos processos de decisão que conduzem à guerra; e à necessidade de lidar com
problemas de endogeneidade (Levy J. S., 2000).
A investigação com a Paz como objeto de análise tem estado menos presente na
Investigação da Paz, com excepção dos estudos sobre a paz liberal, paz democrática e
paz capitalista. A investigação foca-se nas causas, duração e terminação das guerras
civis, reconstruçãos-conflito, golpes de Estado, violência setária, repressão política e
crime. Estas análises utilizam métodos de análise estatística mais sofisticados e veis
de análise mais desagregados.
A principal caraterística da Investigação da Paz é a sua abordagem behaviorista não-
normativa, juntamente com o seu enfoque na paz e conflito, caraterísticas que continuam
a congregar novos investigadores para a comunidade epistemológica.
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