OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 7, Nº. 2 (Novembro 2016-Abril 2017), pp. 54-68
O DEBATE SOBRE A RELAÇÃO ENTRE GLOBALIZAÇÃO, POBREZA E
DESIGUALDADE: UMA VISÃO CRÍTICA
Vicente Valentim
vicentedinisvalentim@gmail.com
Mestrando em Ciência Política (ISCTE-IUL, Portugal). Licenciado em Piano Jazz pela Escola
Superior de Música de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa. Concluiu o Minor em Ciência Política
na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Resumo
Neste artigo teórico, apresento de forma crítica o debate em curso sobre a relação entre
globalização, pobreza e desigualdade, recorrendo à tipologia proposta por Held & McGrew
(2007), que divide os autores em duas abordagens principais: os globalistas e os céticos.
Na primeira abordagem, podemos fazer a distinção entre globalistas neoliberais e globalistas
transformacionalistas. Na segunda, fazemos a distinção entre os céticos realistas e os céticos
marxistas. Irei analisar os pensadores mais importantes de cada uma dessas quatro
abordagens, resumindo os argumentos mais influentes que avançam para sustentar os seus
pontos de vista. Ao agrupar os pontos de vista desses autores, indicarei as semelhanças e as
diferenças entre as quatro perspetivas para, assim, contribuir para tornar o debate mais claro.
Numa outra seção, examino criticamente esses argumentos, identificando alguns dos seus
pontos fortes e fracos.
Palavras-chave
Globalização; Desigualdade; Pobreza; Globalismo; Ceticismo.
Como citar este artigo
Valentim, Vicente (2016). "O debate sobre a relação entre globalização, pobreza e
desigualdade: uma visão crítica". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 7, N.º
2, Novembro 2016-Abril 2017. Consultado [online] em data da última consulta,
observare.autonoma.pt/janus.net/pt_vol7_n2_art4 (http://hdl.handle.net/11144/2783)
Artigo recebido em 5 de Fevereiro de 2016 e aceite para publicação em 19 de Setembro
de 2016
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O debate sobre a relação entre globalização, pobreza e desigualdade: uma visão crítica
Vicente Valentim
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O DEBATE SOBRE A RELAÇÃO ENTRE GLOBALIZAÇÃO, POBREZA E
DESIGUALDADE: UMA VISÃO CRÍTICA
1
Vicente Valentim
2
1. Introdução
Este artigo teórico visa introduzir os principais argumentos que polarizam o debate sobre
a relação entre globalização, pobreza e desigualdade, numa abordagem crítica.
Este debate é extremamente importante. Em primeiro lugar, a sua importância baseia-
se no facto de no seu cleo se encontrar uma preocupação com a miséria humana e a
maneira mais eficaz para lidar com ela. Além disso, nos últimos anos, as divergências
sobre esta questão provocaram uma intensa controvérsia, não só a nível académico,
como também a nível político, com os distintos lados a defenderem conjuntos divergentes
de propostas de políticas para combater a pobreza e a desigualdade. Esta discordância
gerou uma grande quantidade de literatura sobre este tema nos últimos anos.
Neste contexto, este artigo tem dois objetivos principais. O primeiro é apresentar os
principais pontos de vista relativamente a este relacionamento, referindo o pensamento
de alguns dos seus autores mais influentes. Nesse sentido, abordarei a posição defendida
por cada um desses pontos de vista relativamente aos seguintes três pontos: se a
globalização é um fenómeno empiricamente verificável, ou não; de que forma, se é que
existe, a globalização, a pobreza e a desigualdade interagem; e que tipo de políticas se
devem conduzir para combater a pobreza e a desigualdade. O foco temporal do artigo é
sobre a evolução pós-guerra fria, pois este foi o período em que os vários debates sobre
a globalização se intensificaram, incluindo aquele que artigo aborda. No entanto, far-se-
ão referências ocasionais a estudos anteriores cuja influência não nos permite deixa-los
de lado.
O segundo objetivo do artigo é analisar criticamente as respostas dadas a estas
perguntas pelas várias perspetivas apresentadas, focando alguns de seus pontos fortes
e fracos.
Realizarei estes dois objetivos dividindo os pontos de vista de estudiosos distintos de
acordo com duas opiniões, e cada uma das quais será posteriormente subdividida em
duas perspetivas. Tal divisão é extremamente útil, pois permite identificar semelhanças
e diferenças entre o pensamento de um grande número de estudiosos, tornando assim
o debate muito mais claro.
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2013, e tem como
objectivo a publicação na Janus.net. Texto traduzido por Carolina Peralta.
2
O autor gostaria de agradecer a Emmanouil Tsatsanis por toda a sua ajuda preciosa e sugestões, assim
como aos dois referees anónimos, cujos comentários melhoraram substancialmente o texto.
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Os critérios utilizados para dividir os estudiosos em diferentes perspetivas tiveram em
consideração que o debate compreende duas dimensões: uma analítica, ou empírica, e
uma normativa (Gilpin, 2001). A dimensão empírica tem a ver com a questão se os
estudiosos entendem a globalização como um processo real e poderoso, ou não. A
dimensão normativa analisa se os estudiosos acreditam, ou não, que as consequências
da globalização sobre os veis gerais de pobreza e desigualdade são, apesar de tudo,
positivas.
Os estudiosos apresentados neste artigo serão divididos de acordo com a sua posição
relativamente a estas duas dimensões, seguindo a tipologia apresentada por Held &
McGrew (2007). Segundo estes autores, em primeiro lugar podemos identificar uma
oposição em toda a dimensão empírica, entre estudiosos globalistas -
transformacionalistas e neoliberais -, que consideram a globalização como um fenómeno
observável, e estudiosos céticos - marxistas e realistas -, que não consideram. No que
respeita à dimensão normativa, podemos colocar os estudiosos neoliberais numa
extremidade, pois são altamente favoráveis a políticas que provocam uma maior
integração no mercado. No polo oposto situam-se os marxistas, que encaram a
globalização como um processo normativamente indesejável. Os transformacionalistas
encontram-se no meio, pois mesmo acreditando que a globalização trouxe muitas
consequências negativas, as suas prescrições políticas são geralmente no sentido de
mudar a maneira como a integração é feita, não no sentido de tentar pará-la. Os realistas
têm uma posição mais ambígua sobre esta questão, uma vez que encaram os resultados
gerais do processo de globalização como sendo positivos ou negativos. Em vez disso,
argumentam que esses resultados não são mais do que reflexos das interações entre
estados distintos com relações de poder desiguais, cada um perseguindo seus próprios
interesses nacionais.
Antes de entrarmos na discussão propriamente dita, é importante definir os três
principais conceitos que este artigo examina. O primeiro é o da globalização. Neste artigo,
adoto a definição de Steger (2003: 13), para quem esta é
"um conjunto multidimensional de processos sociais que criam,
multiplicam, prolongam, e intensificam interdependências e trocas
sociais em todo o mundo, ao mesmo tempo que promovem nas
pessoas uma consciência crescente do aprofundamento das
conexões entre o local e o distante".
Na mesma linha de pensamento deste autor, eu assumo que a globalização compreende
quatro dimensões principais: económica, política, cultural e ecológica. O debate aqui em
causa refere-se à primeira, à qual Steger (2003: 37) se refere como
"a intensificação e prolongamento de inter-relações económicas em
todo o mundo".
Central a esta dimensão é a extensão do alcance dos mercados em todo o mundo, que
cria novas ligações entre as economias nacionais.
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O segundo conceito central é o da desigualdade. Existem vários tipos de desigualdade:
as pessoas podem ser desiguais em termos de acesso à saúde, poder, segurança, ou
rendimentos, por exemplo. Este artigo refere-se a este último tipo. No entanto, mesmo
quando nos concentramos exclusivamente no rendimento, a desigualdade pode ser
medida de acordo com conceitos diferentes. É preciso distinguir a desigualdade entre os
países medida através das diferenças observadas nos rendimentos de cada um desses
países; a desigualdade entre os países medida através das diferenças observadas nos
seus rendimentos médios, ponderada pela sua população; e a desigualdade entre os
indivíduos do mundo, independentemente do país em que vivem (Milanovic, 2006: 1).
Em terceiro lugar, a respeito da pobreza, confio na definição avançada pela UNESCO
(2016: 1), segundo a qual
"a pobreza de rendimentos é quando o rendimento de uma família
não consegue cumprir um limite estabelecido federalmente que
difere entre países".
Um padrão normalmente utilizado para a definição da pobreza extrema é o limiar de $1
por dia (paridade de poder de aquisição dos EUA).
Uma vez definidos estes três conceitos, o resto do artigo estrutura-se da seguinte forma:
a segunda e terceira secções abordam o primeiro objetivo do artigo - apresentar as
quatro principais perspetivas que polarizam o debate sobre a globalização, pobreza e
desigualdade. Começo por apresentar as duas perspetivas globalistas e continuo com a
apresentação das abordagens céticas. Em cada perspetiva, examino as três questões
mencionadas acima: se os estudiosos acreditam, ou não, que a globalização é um
fenómeno empiricamente observável; qual é a natureza da relação entre globalização,
pobreza e desigualdade, se é que essa relação de facto existe; e quais as políticas que
devem ser seguidas para combater a pobreza e a desigualdade. Posteriormente, a quarta
seção analisa o segundo objetivo: o de avaliar criticamente as quatro perspetivas
apresentadas nas seções anteriores. Finalmente, a quinta seção conclui o artigo,
referindo-se às suas principais contribuições.
2. Os globalistas: transformacionalistas e liberais
Quanto ao primeiro ponto que irei abordar - se a globalização é um fenómeno
empiricamente observável ou não - concordância nas duas perspetivas globalistas em
discussão. Tanto os autores transformacionalistas como os neoliberais consideram o
processo de globalização como algo significativamente diferente de todos os outros
processos que a humanidade tem testemunhado. Assim, a discussão entre essas
perspetivas incide sobre os restantes dois pontos aqui em discussão: a maneira como a
globalização interage tanto com a pobreza como com a desigualdade; e o tipo de políticas
que devem ser seguidas para combater a pobreza e a desigualdade. Posto de forma clara,
as suas discordâncias giram em torno da dimensão normativa de Gilpin (2001).
Relativamente ao facto de a globalização ter uma relação com a pobreza e a desigualdade
ou não, os neoliberais afirmam que tem, e que o resultado dessa relação é
maioritariamente positivo. De acordo com este ponto de vista, a globalização conduz a
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níveis de pobreza e desigualdade mais reduzidos porque permite que empresas
estrangeiras invistam nos países pobres, criando assim novos empregos e promovendo
o crescimento económico que tira as pessoas da pobreza (Stiglitz, 2001).
Além disso, a remoção de tarifas de comércio permite a criação de um mercado
competitivo a nível global, onde o protecionismo é desencorajado, o que significa que os
países pobres têm mais facilidade em exportar os seus produtos (Martell, 2010). Mais
uma vez, isso conduz a melhores oportunidades comerciais, à criação de emprego e ao
crescimento económico, bem como à criação de uma divisão de trabalho mundial, o que
aumenta as hipóteses de desenvolvimento dos países pobres (Held & McGrew, 2007).
Além disso, a globalização provoca níveis mais elevados de partilha de conhecimentos
que podem beneficiar as atividades económicas dos países pobres (Friedman, 2005),
bem como a liberalização das finanças, o que incentiva o investimento estrangeiro nessas
nações (Martell, 2010). E o facto de os países estarem abertos à ajuda externa tem
permitido um grande número de programas de desenvolvimento que lidam com
problemas como a SIDA, a educação, e muitos outros (Stiglitz, 2001).
Por outro lado, os transformacionalistas também veem uma relação entre globalização,
pobreza e desigualdade, mas, em tido contraste com a perspetiva neoliberal,
consideram que o resultado dessa relação é maioritariamente negativo. De acordo com
este ponto de vista, o processo contemporâneo da globalização empurra para veis mais
altos de pobreza e desigualdade.
Os autores transformacionalistas criticam vários pontos do argumento neoliberal. A
primeira crítica é que um alto nível de hipocrisia por parte dos Estados desenvolvidos:
mesmo que exerçam pressão sobre os países pobres para que eliminem as restrições
sobre o comércio, a maioria deles não remove as suas próprias restrições (Held &
McGrew, 2007). Mas, mesmo que não houvesse essa hipocrisia, a liberalização do
comércio quando os países estão em fases de desenvolvimento desigual deixa os países
pobres sem hipótese de competir com produtos provenientes de pses mais ricos
(Martell, 2010). Além disso, a nova divisão do trabalho que os neoliberais elogiam não
está realmente a reduzir os veis de desigualdade e pobreza. Em vez disso, apenas
remodela os seus padrões: em vez de uma divisão Norte-Sul, agora temos vencedores
da globalização versus perdedores da globalização (Hoogvelt, 2001). Além disso, a
desregulamentação financeira traz consigo saídas abruptas de dinheiro, o que torna as
economias dos países em desenvolvimento muito instáveis (Stiglitz, 2001). E, na medida
em que a ajuda externa é vista, força os países pobres a realizarem ajustamentos
estruturais que conduzem a maiores veis de pobreza e desigualdade (Martell, 2010).
Por causa disso, até mesmo os programas de assistência estrangeiros que conduziram a
resultados positivos acabaram por deixar o país ajudado com grandes vidas para pagar
(Stiglitz, 2001).
As razões acima mencionadas fizeram com que os transformacionalistas tivessem
problemas com a ideia neoliberal que a globalização conduz a veis mais baixos de
pobreza e desigualdade. Enquanto para os neoliberais são os veis insuficientes de
abertura comercial e financeira os responsáveis pelos níveis persistentes de desigualdade
e pobreza, para os transformacionalistas é o próprio processo de globalização que deve
ser visto como a principal explicação para tais níveis.
Para ilustrar esta discussão sobre como a globalização, a pobreza e a desigualdade
interagem, é importante olhar para os resultados de alguns estudos empíricos influentes.
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Debrucemo-nos primeiro sobre a desigualdade dentro de cada país. Kuznet é autor de
um estudo famoso publicado muito antes do fim da guerra fria (1955), onde analisa as
economias dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, concluindo que a evolução da
desigualdade dentro de cada país segue o que ficou conhecido por Curva de Kuznet:
inicialmente no início da industrialização e da urbanização - a desigualdade dos
rendimentos tende a aumentar. Mas, num segundo período,
"uma variedade de forças convergiu para reforçar a posição
económica dos grupos com rendimentos mais baixos" (Kuznet,
1955: 17),
reduzindo assim a desigualdade.
No entanto, tem havido algumas objeções a essa ideia. Um autor famoso que a desafiou
é Piketty de (2014), que estudou a distribuição da riqueza em França, Estados Unidos e
Grã-Bretanha, através de um intervalo de tempo longo de um século - no caso dos dois
países anglo-saxões - e de mais de dois séculos - no caso da França. A partir desta
análise, Piketty conclui que, historicamente, a desigualdade dentro dos países tem
assumido a forma de Curva em U: após os grandes níveis de desigualdade registados
antes da Primeira Guerra Mundial, o período do pós-guerra assistiu a uma diminuição
destes níveis. No entanto, desde a década de 1980 tem havido um novo aumento dos
níveis de desigualdade, uma descoberta que levou o autor a argumentar que poderíamos
estar a entrar numa nova Belle Époque.
Estes dois estudos são um primeiro sinal de que tanto os globalistas como os neoliberais
têm dados empíricos que sustentam as suas reivindicações. Também encontramos essa
controvérsia quando nos concentramos sobre a desigualdade entre países. Por exemplo,
os dados de Milanovic (2011: 4) sugerem que em meados do século XIX,
"a relação entre a parte superior e a parte inferior (do rendimento
médio do país) teve um rácio inferior a 4 para 1".
Mas esse rácio aumentou significativamente de 100 para 1 em 2007, o que significa,
portanto, que a maioria das atuais diferenças de rendimentos a nível global dependem
da localização.
Por outro lado, os autores neoliberais assumem que o crescimento é a distribuição
neutra, o que significa que mudanças na desigualdade de rendimentos ao longo do tempo
não estão correlacionadas com os níveis de crescimento económico. Assim, se o nível de
crescimento económico não conduz, por si , a uma maior desigualdade de rendimentos,
então os veis mais elevados de crescimento levarão a uma diminuição nos veis
absolutos de pobreza (Ravallion, 2004).
O famoso estudo de Dollar & Kraay’s (2004) faz uma afirmação semelhante. Além disso,
estes autores desenham um nexo de causalidade entre abertura comercial e crescimento:
a subida dos veis de crescimento que acompanham a integração no mercado traduz-
se num aumento proporcional do rendimento dos pobres, o que explica a diminuição dos
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níveis de pobreza absoluta que esses autores têm encontrado nos países globalizantes.
Além disso, sustentam que os chamados "globalizadores" (isto é, países em
desenvolvimento que abriram as suas economias ao comércio mundial) estão a alcançar
os países ricos, enquanto os países que não se abriram à economia mundial estão a ficar
para trás. No entanto, os autores reconhecem que a globalização produz vencedores e
perdedores, especialmente no curto prazo, e alertam para a necessidade de adotar
políticas sociais como complemento à abertura do mercado. Contudo, sustentam que,
devido ao facto da integração no mercado produzir riqueza, os estados globalizantes
estarão mais bem posicionados para implementar essas políticas.
Examinemos agora a última definição de desigualdade, a que é medida entre indivíduos,
sem olhar ao país em que vivem. Alguns autores (por exemplo, Fischer, 2003) defendem
que não se pode encontrar uma tendência para veis mais elevados deste tipo de
desigualdade em todo o mundo, porque os países com grandes populações, como a Índia
e a China, estão a ficar mais ricos. Da mesma forma, Sala-i-Martin (2006) escreve que,
após o pico no final dos anos setenta, a desigualdade mundial diminuiu consistentemente
ao longo dos anos oitenta e noventa - o período de maior integração no mercado.
No entanto, também existe alguma controvérsia sobre este ponto. Alguns estudiosos
transformacionalistas discordam do ponto de vista segundo o qual o enorme crescimento
da China e da Índia nas últimas décadas comprova que a integração no mercado deve
ser encarada como um caminho para a expansão económica. Pelo contrário, de acordo
com autores como Martell (2010), o sucesso destes países deveu-se, em parte, ao facto
de que foram, por vezes, capazes de restringir a globalização e proteger as suas
indústrias da concorrência feroz da economia global.
Os casos da Índia e da China também chamam a nossa atenção para uma questão
metodológica que poderá explicar a razão pela qual os vários estudos produzem
resultados diferentes: a necessidade de ter em conta as características específicas de
cada país, a fim de chegar a conclusões sólidas sobre os efeitos da globalização em
relação aos níveis de pobreza e desigualdade. Alguns autores (por exemplo, Srinivasan
& Bhagwati, 1999) argumentam que se deviam seguir estudos de caso em profundidade,
em vez de estudos regressivos entre países, pois estes últimos o incapazes de apreciar
adequadamente algumas diferenças relevantes entre casos. Caso contrário, pode
acontecer que os resultados de um estudo dependam dos países específicos incluídos na
amostra.
Antes de avançarmos para o último ponto a ser discutido o que diz respeito às políticas
propostas por cada perspetiva - deve referir-se que alguns autores neoliberais
argumentam que a discussão em torno dos veis de desigualdade é realmente
irrelevante enquanto a pobreza em termos absolutos estiver a diminuir. Se os pobres
estão a melhorar os seus rendimentos, será que realmente importa que as diferenças
entre eles e os mais ricos estejam a aumentar?
Este ponto de vista é bem expresso por autores como Lucas (2004) e Feldstein (1999).
O primeiro afirma que o potencial para elevar os padrões de vida das populações mais
pobres do mundo é muito maior se nos concentrarmos na melhoria dos níveis de pobreza
do que nos centrarmos na promoção da igualdade. Feldstein defende que o foco na
desigualdade, em vez de na pobreza, é uma violação do princípio de Pareto, que afirma
que todas as políticas que trazem uma melhoria para alguns, sem piorar a condição de
ninguém, devem ser postas em prática.
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No entanto, este ponto de vista também está sujeito a debate. Por exemplo, Milanovic
(2007) argumenta que o rendimento de outras pessoas também entra na nossa função
de utilidade pessoal. Isto porque em todo mundo toda gente inevitavelmente compara o
seu vel de rendimento com o dos outros, e terá um sentimento de injustiça quando
confrontado com o facto de a diferença em relação aos outros estar a aumentar.
Tendo em conta os dois pontos de vista teóricos divergentes e os resultados
contrastantes dos estudos empíricos mencionados, não constitui surpresa que os
estudiosos destas duas perspetivas também discordem em relação ao último ponto que
pretendo discutir aqui: quais as prescrições políticas com melhor hipótese de reduzir os
níveis de pobreza e desigualdade. Por um lado, como mencionado acima, a visão
neoliberal sustenta que a remoção de barreiras ao comércio internacional leva a maiores
níveis de crescimento económico, que por sua vez melhora a condição dos mais pobres.
De acordo com esta perspetiva, a globalização é uma força que conduz a menos pobreza,
e deve, portanto, ser prescrita (por exemplo, Dollar e Kraay, 2004). O efeito da
globalização sobre a pobreza é considerado benigno e, assim, mais globalização, através
de uma maior integração no mercado global, é o caminho para a erradicação da pobreza
que ainda persiste.
Por outro lado, conforme também mencionado acima, os estudiosos
transformacionalistas defendem que a globalização está a conduzir ao aumento dos veis
de desigualdade, e que devem ser tomadas medidas para neutralizar esse efeito. Esta
escola propôs uma série de modelos ambiciosos de regulação do mundo, através da
criação de organismos políticos democráticos supranacionais, que seriam tanto
representativos como responsáveis perante a população do mundo (por exemplo, Held &
McGrew 2007; Rodrik, 2011). Seja qual for a configuração específica desse governo
mundial, seria capaz de implementar políticas de combate à desigualdade e à pobreza.
Alguns exemplos concretos de políticas mundiais para combater a desigualdade são as
propostas por Piketty (2014), que defende impostos progressivos globais sobre o capital,
em articulação com um elevado vel de transparência das finanças; ou a proposta
avançada por Milanovic (2006) de transferências de rendimentos a nível nacional, tendo
em conta a desigualdade dentro do país, bem como entre países.
3. Os céticos: realistas e marxistas
Esta terceira seção tem como objetivo discutir duas abordagens céticas à globalização:
a realista e a marxista. Quanto ao primeiro ponto em análise neste artigo, tanto os céticos
realistas como os marxistas argumentam que os globalistas tendem a exagerar a
relevância empírica do processo de globalização, bem como o seu carácter inovador. No
entanto, existem diferenças importantes entre estes dois pontos de vista.
Comecemos com a escola realista, que se concentra principalmente na relação entre os
estados. Para esses estudiosos, não podemos falar de um verdadeiro processo de
globalização económica, pois isso exigiria uma verdadeira economia integrada, algo que
verdadeiramente não existe. Em vez disso, o que podemos encontrar é a
interdependência: nada mais do que uma relação de mutualismo entre estados (Waltz,
1999). As relações de poder entre estados ainda são importantes, e sem compreendê-
las, não podemos apreciar plenamente as interações que ocorrem a nível mundial (Wolf,
2002). A visão realista do cenário internacional é a de anarquia, com cada estado a tentar
defender os seus próprios interesses. Na definição desses interesses, grupos sub-estatais
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desempenham um papel importante. Portanto, nos seus assuntos externos os estados
comportam-se de maneiras que são determinadas em grande parte pela pressão exercida
sobre eles pelos seus grupos internos (Gilpin, 2001).
Devido a este ponto de vista, os realistas são também céticos em relação à segunda
questão em análise: a existência de uma relação entre a globalização, a desigualdade e
a pobreza. Na verdade, um dos pensadores realistas mais proeminentes, Krasner (1985),
argumenta que a maioria dos estudiosos tende a exagerar a importância das questões
económicas, ignorando outras condições importantes, especialmente as políticas. A
divisão entre os estados poderosos do Norte e os estados menos poderosos do Sul não
constitui nada de novo. Na verdade, é
"uma das características que definem o atual sistema internacional"
(ibidem: 267).
Com uma visão um pouco diferente, Gilpin (2001) reconhece o facto que desde o fim da
Guerra Fria, as questões económicas têm tido uma importância que não tinham antes.
Este autor realista defende a necessidade de tomar as questões económicas em
consideração quando se estuda a situação da desigualdade atual. Mas reafirma que
devemos ter cuidado para não nos concentrarmos excessivamente na economia. Fazer
uma distinção muito clara entre os assuntos económicos e os relacionados com a
segurança pode induzir em erro, porque
"o sistema político e de segurança internacional fornece a estrutura
essencial dentro da qual a economia internacional funciona"
(ibidem: 22-23).
A distinção entre economia e política deve ficar clara se considerarmos os diferentes
objetivos de cada uma. A primeira supostamente explica a forma como as interações
entre mercado e os agentes económicos têm lugar. Mas é tarefa da última decidir quais
as políticas que devem ser tomadas. Até o regulamentar o mercado é uma escolha
política - que é feita pelos estados. Portanto, longe de ser verdadeiramente global e
ingovernável, os realistas sustentam que a economia mundial contemporânea é
realmente dominada pelos estados mais poderosos:
"a Tríade formada pela Europa, Japão e América do Norte" (Hirst,
1997: 410).
Em suma, os realistas sustentam que colocar o foco na relação entre globalização,
pobreza e desigualdade é não perceber a questão. São os estados, e não o processo de
globalização, que são os culpados pelos sucessos ou fracassos subjacentes a estes
problemas. Assim, em relação ao último ponto em análise quais as políticas mais
adequadas para lidar com a pobreza e a desigualdade -, os realistas defenderiam a
adoção de medidas específicas estatais, aquelas que permitem que os países em
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desenvolvimento possam alcançar os mais desenvolvidos economicamente. Na sua
opinião, e apesar de alguns países em desenvolvimento estarem atrasados, o facto de
alguns países da América Latina e do Leste Asiático estarem a alcançar os mais
desenvolvidos economicamente prova que as diferenças entre países são produto das
diferentes estratégias desenvolvidas por cada um deles (Held & McGrew, 2007).
O segundo grupo de pensadores céticos a ser apresentado aqui é o marxista. Como
mencionado acima, os marxistas e os realistas compartilham o mesmo ponto de vista
quanto ao facto dos globalistas tenderem a exagerar a relevância empírica do processo
de globalização. A diferença é que para os estudiosos da globalização marxistas (por
exemplo, Cammack, 2014), os textos de Marx e Engels são a melhor forma de entender
o atual processo de globalização. Isso porque o mundo do qual estes autores falavam -
aquele onde o capitalismo se tornaria uma força dominante em todo o mundo
apareceu na recente ascensão da economia globalizada.
No entanto, deve notar-se que existem algumas diferenças importantes entre o
pensamento de Marx e os desenvolvimentos recentes da abordagem marxista. Enquanto
o primeiro argumentou que a expansão do capitalismo ao mundo inteiro conduziria à
formação de sociedades capitalistas com características semelhantes às das sociedades
capitalistas ocidentais, os últimos consideram esse processo de globalização como um
processo de imperialismo conduzido pelo Ocidente, mais concretamente pelos Estados
Unidos (por exemplo, Kumbamu, 2010). De acordo com a visão contemporânea, a
globalização levou à criação de uma relação de dependência dos países periféricos em
relação aos centrais, em vez de conduzir ao desenvolvimento dos países do Terceiro
Mundo e transformá-los em sociedades capitalistas avançadas.
Os estudiosos marxistas suspeitam da verificabilidade empírica da globalização,
principalmente porque consideram a globalização mais como uma questão retórica do
que uma empírica. Ao associar a globalização ao imperialismo, estes autores
argumentam que o discurso neoliberal hegemónico - segundo o qual os resultados da
integração nos mercados reforçada para as condições materiais da população mundial
são, apesar de tudo, benignos - não é mais do que atirar poeira aos olhos do público
para impedi-lo de realizar os veis crescentes de desigualdade de classe em todo o
mundo, tornando o objetivo imperialista neoliberal mais viável (Berberoglu, 2010). E
porque
"o domínio imperial evidente resulta em guerras dispendiosas e
perturbação, especialmente entre uma ampla gama de classes
afetadas negativamente pela presença imperial" (Petras &
Veltmeyer, 2011: 136),
este tipo de camuflagem é necessário para conquistar o apoio das classes dominantes,
bem como o da população em geral, em países dominados pelas forças imperialistas.
Outra grande diferença entre esta abordagem e a dos estudiosos realistas diz respeito
ao papel crucial que os últimos atribuem ao estado para determinar o estado atual das
coisas. Isto é ilustrado pelo facto de um dos mais famosos estudiosos da globalização
marxista, Wallerstein (2004), ter elaborado a sua bem conhecida análise dos sistemas
mundiais em grande parte por causa da sua insatisfação com a centralidade que os
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debates sobre a globalização atribuem ao estado. Segundo este autor, em vez disso
deve-se olhar para o mundo em que vivemos como um sistema único, cujas raízes
remontam ao século XVI, e para o desenvolvimento do capitalismo. Desde então, o
crescimento do capitalismo e a expansão do sistema mundial moderno têm sido
concomitantes, com o primeiro a atuar como a força unificadora deste último, que carece
de um modelo político ou de uma cultura comum capaz de agir como tal. Mesmo se o
estado pudesse ter um papel importante neste processo, o é o seu principal ator
assim como o indivíduo não o é. A principal força motriz da natureza imperialista da
globalização contemporânea é, em vez disso, o mercado (Cammack, 2014).
Deste ângulo, a perspetiva marxista alinha-se com a neoliberal na sua visão da economia
como elemento central no processo de globalização. No entanto, a primeira apresenta
um quadro muito mais sombrio das consequências das forças económicas, assim como
das razões que lhe estão subjacentes, do que a última.
Dado que na visão marxista do processo de globalização os estados periféricos têm uma
relação de dependência para com os centrais, é difícil falar sobre receitas políticas para
lidar com a pobreza e a desigualdade. A globalização é considerada como um processo
no qual surgem novas formas de divisão do trabalho, levando à criação de uma luta de
classes em todo o mundo. Assim, a luta contra as consequências da globalização não é
algo que pode ser feito de uma forma de cima para baixo ao nível de estado. Dito isto,
os autores marxistas não pensam na globalização como algo que não possa ser parado.
Pelo contrário, sustentam que o seu desenvolvimento foi desencadeado por decisões
conscientes tomadas por atores humanos. Portanto, poderiam ter sido tomadas
diferentes decisões, e ainda há tempo para mudar o curso atual da globalização. Assim,
estes estudiosos pedem uma organização das forças de trabalho sob uma liderança
competente, permitindo assim que a classe operária enfrente as forças do capitalismo,
colocando um ponto final à sua exploração (por exemplo, Berberoglu, 2010). Sem esse
tipo de reação não pode haver uma maneira de parar o imperialismo. E, enquanto o
imperialismo persistir, o mesmo acontecerá à pobreza e à desigualdade global.
4. Uma discussão crítica da perspetiva transformacionalista, neoliberal,
realista, e marxista
A última seção apresentou os principais argumentos avançados pelas quatro teorias em
análise neste artigo. Esta secção analisa-las brevemente de forma crítica.
Relativamente à dimensão empírica, parece ser cada vez mais difícil argumentar que o
processo de globalização contemporâneo não é algo fundamentalmente novo, como os
céticos dizem. Certamente que tem os seus antecedentes. Mas poucos, se os houver,
são os fenómenos humanos cujo início é tão radical e imprevisto que não tenham
antecedentes. Na maioria das vezes, os fenómenos desenvolvem-se como uma
acentuação das tendências anteriores que, a partir de um certo ponto, tornam-se algo
novo. Isto é, eu diria que o que aconteceu com o processo de globalização, como as
últimas décadas testemunharam, foi uma série de desenvolvimentos que constituem um
salto qualitativo para algo que não existia antes.
No entanto, isso não nos deve levar a perder de vista alguns dos pontos fortes das
perspetivas dos céticos. Por exemplo, a visão marxista segundo a qual a globalização
levou à construção de relações desiguais entre países é, até certo ponto, partilhada por
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alguns estudiosos não-marxistas (por exemplo, Steger, 2003). Além disso, em relação à
perspetiva realista, deve-se reconhecer que cada estado ainda tenta defender os seus
próprios interesses, e que a sua capacidade de fazê-lo é uma função de seu poder relativo
em relação aos outros. Mais uma vez, esta é uma posição que é mantida até mesmo por
estudiosos o-realistas. Por exemplo, Rodrik (2011) argumenta que sempre que houver
conflito entre os interesses nacionais e os supranacionais, os estados tendem a favorecer
os primeiros em detrimento dos últimos. No entanto, a defesa de um estado dos seus
próprios interesses tem lugar no seio de uma teia complexa e em constante mudança de
outras relações que ocorrem simultaneamente. Muitas vezes, essas relações têm
resultados conflituantes e imprevisíveis. A prossecução dos interesses próprios de um
estado é, assim, influenciada por uma série de fatores que não controla, a maioria dos
quais trazidos pela globalização contemporânea.
As razões acima expostas levam-me a alinhar com a perspetiva globalista no que respeita
à dimensão empírica. Em relação à dimensão normativa, no entanto, sou incapaz de
concordar com a perspetiva neoliberal, porque algumas das provas que atestam os
crescentes níveis de desigualdade causados pela globalização ilimitada são difíceis de
refutar. Não se deve ignorar tal facto, mesmo que os veis absolutos de pobreza
estejam, na verdade, a diminuir. Porquanto os benefícios da globalização devem ser
repartidos de forma equitativa, a desigualdade é um problema em si e deve ser abordado
como tal.
Para além das questões económicas, uma das maiores preocupações relativamente aos
altos veis de desigualdade está relacionada com as suas consequências políticas. O
discurso neoliberal tende a associar liberdade de mercado a benefícios que vão além da
esfera económica, como a promoção da democracia. No entanto, embora o capitalismo
e a democracia possam efetivamente conviver, os altos níveis de desigualdade de
rendimentos ameaçam algumas das premissas básicas da democracia, como a da
influência política de igualdade. Sob contextos altamente desiguais, os mais ricos tendem
a ter uma capacidade de promover as suas agendas que pode bloquear eficazmente o
potencial da restante população de fazer ouvir a sua voz (para um estudo clássico sobre
este assunto, consulte-se Schattschneider, 1960).
Por mais bem-sucedida que a perspetiva neoliberal possa ter sido no seu discurso sobre
a inevitabilidade, a verdade é que a globalização o precisa de ser acompanhada por
um laissez faire económico. Aqui, é importante relembrar a distinção de Steger (2003)
entre globalização e globalismo: a primeira define um processo de maior integração e
interdependência entre os estados em todo o mundo, enquanto o último se refere a um
discurso específico que faz com que a natureza da globalização seja inevitavelmente
neoliberal. Ao ter em conta a distinção entre estes dois conceitos, podemos apreciar a
forma como o processo de globalização não precisa de ser acompanhadp pelo
neoliberalismo.
As considerações feitas até agora parecem empurrar-me em direção à abordagem
transformacionalista. Na verdade, essa perspetiva tem feito críticas importantes para o
processo de globalização contemporâneo. No entanto, nas políticas de reforma propostas
pelos estudiosos falta certamente algum realismo. As propostas relativas à construção
de uma espécie de governo mundial parecem muito improváveis numa altura em que a
confiança nos organismos supranacionais se encontra contaminada pelo défice
democrático desses órgãos. É verdade que os transformacionalistas têm alertado para o
perigo de um défice esse tipo. Ainda assim, torna-se cada vez mais difícil acreditar que
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esses órgãos possam ser reformulados de forma a permitir que o público os considere
totalmente legítimos, até porque esses próprios órgãos parecem resistir à reforma. Além
disso, parece altamente improvável conceber um edifício dessa ordem num período em
que o apoio eleitoral aos discursos nacionalistas em todo o mundo está em ascensão.
As considerações expostas tornam difícil imaginar como é que podemos encorajar um
tipo de globalização que conduz a níveis mais baixos de desigualdade e pobreza. No
entanto, à luz dos desenvolvimentos recentes, parece que o Estado-nação ainda pode
ter um papel a desempenhar, que é provavelmente mais importante do que muitos de
nós teríamos imaginado alguns anos. À medida que um número crescente de eleitores
adere à retórica nacionalista, importa reconhecer o quão importante é para cada estado
ser capaz de escolher seu próprio nível de abertura ao comércio e investimentos
externos, bem como as suas próprias políticas de combate à pobreza e à desigualdade.
5. Conclusão
Este artigo propõe apresentar e avaliar de forma crítica as principais perspetivas sobre a
relação entre globalização, pobreza e desigualdade. Para tal, os autores mais importantes
relacionados com esta questão foram divididos de acordo com os seus pontos de vista
sobre duas dimensões (empírica, e normativa). As suas posições foram posteriormente
discutidas de forma crítica, fazendo referência a alguns dos pontos fortes mais
importantes e às deficiências de cada uma delas. Ao fazê-lo, este artigo prestou uma
dupla contribuição para a nossa compreensão e pensamento sobre essa relação. Por um
lado, sintetizou um debate muito intenso, que tem tido um grande número de publicações
nos últimos anos, através da apresentação de um número de estudos influentes relativos
à perspetiva mais ampla à qual se referem, tornando assim o debate muito mais claro e
permitindo uma melhor compreensão das principais questões em jogo. Por outro lado,
através da avaliação crítica das quatro perspetivas aqui apresentadas, o artigo contribui
para a identificação de alguns dos pontos fortes das rias abordagens, alertando ao
mesmo tempo para a necessidade de tomar em consideração rios argumentos, mesmo
que originalmente partam de perspetivas distintas.
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