Nos parágrafos 8-13, o Papa Francisco e o Patriarca Kirill lançaram um apelo dramático
em defesa dos cristãos perseguidos e assassinados no Médio Oriente e no Norte de
África, regiões mergulhadas em cruéis guerras civis.
Não podemos passar ao lado do parágrafo 14, onde se saúda o aumento da
religiosidade em países outrora oprimidos por regimes comunistas, nomeadamente a
Rússia (Declaração Conjunta, 2016). Um estudo realizado pelo Levada Center em
Novembro de 2012 na Federação da Rússia parece mostrar isso: 74% dos
respondentes afirmaram ser ortodoxos. Porém, é de sublinhar que apenas uma minoria
frequenta regularmente templos ou cumpre os deveres religiosos. Segundo a mesma
sondagem, 24% dos inquiridos “nunca frequentam um templo”, 29% só lá vão aquando
de “baptizados, casamentos e funerais” e apenas 7% para se confessar e comungar
(Levada Center, 2012). No fundo, a maioria considera-se ortodoxa tendo por base a
consciência nacional.
Na Declaração Conjunta, Francisco e Kirill chamam também a atenção para o perigo
que encerram em si processos que têm lugar no mundo moderno, como, por exemplo,
a secularização e o relativismo, a defesa do aborto e da eutanásia, os ataques contra o
conceito cristão de família. Nesta situação, apelam para que a Europa não se esqueça
das suas raízes cristãs (Declaração Conjunta, 2016).
Este é, sem dúvida, um dos campos onde a cooperação entre as duas Igrejas Cristãs
poderá desenvolver-se com maior intensidade, pois enfrentam os mesmos desafios,
mas, nalguns casos, sob diferente forma. Por exemplo, se, na questão do aborto, a
Igreja Católica luta contra a sua legalização, a Igreja Ortodoxa luta pela sua proibição.
Isto porque, na URSS e, mais tarde, na Rússia, o aborto foi quase sempre legal e,
devido à quase inexistência de anti-conceptivos, principalmente na União Soviética, o
seu número era muito alto. Nomeadamente, em 1980, foram registados 4 506 000
abortos legais (Rossiiskii Statistitcheskii ejegodnik, 2007). O número tem conhecido
uma redução muito significativa (1 186 100 em 2007, ou seja, 66,6 abortos para cada
100 nascimentos) (Federalnaia Slujba gossudarstvennoi statistiki, 2011), mas o
Patriarcado de Moscovo continua a considera-lo uma autêntica “matança de inocentes”
e tem-se empenhado em campanhas que visem proibir o aborto no país.
Guerra entre cristãos
Os dirigentes das duas Igrejas Cristãs não podiam deixar de abordam o conflito militar
na Ucrânia. Primeiro, porque aí vive a segunda maior comunidade ortodoxa depois da
Rússia e, segundo, porque na parte ocidental a maioria dos habitantes são greco-
católicos (uniatas), cristãos que seguem o rito litúrgico ortodoxo, mas que reconhece a
supremacia do Papa de Roma.
Quando a Ucrânia se tornou independente devido à desintegração da União Soviética,
em 1991, a elite política ucraniana necessitou também de criar uma «Igreja nacional» a
fim de se demarcar de Moscovo. Em 1992, parte do clero ortodoxo ucraniano separou-
se da Igreja Ortodoxa da Ucrânia do Patriarcado de Moscovo (IOUPM) e criou a Igreja
Ortodoxa da Ucrânia do Patriarcado de Kiev (IOUPK), dirigida, actualmente, por
Filarete, Patriarca de Kiev e de toda a Ucrânia, com cerca de 3000 paróquias no país. O
Patriarca de Moscovo cortou relações com a nova Igreja ucraniana, considerando-a
«cisionista».