OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 7, Nº. 1 (Maio-Outubro de 2016), pp. 77-101
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GANÂNCIA, RESSENTIMENTO, LIDERANÇA E INTERVENÇÕES EXTERNAS NO
INÍCIO E NA INTENSIFICAÇÃO DA GUERRA CIVIL EM ANGOLA
Ricardo Sousa
ricardorps2000@yahoo.com
Professor Auxiliar na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL, Portugal) e investigador integrado
no OBSERVARE. É doutorado pelo International Institute of Social Studies (ISS) da Erasmus
University of Rotterdam (EUR) na Holanda. Foi membro da Research School in Peace and Conflict
(PRIO/NTNU/UiO) na Noruega e é investigador de conflitos no Centro de Estudos Internacionais
(CEI) do Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. Tem um mestrado em Estudos sobre o
Desenvolvimento pela School of Oriental and African Studies (SOAS) da University of London,
assim como um diploma de pós-graduação em estudos avançados sobre África e uma licenciatura
em Gestão, ambos pelo Instituto Universitário de Lisboa.
Resumo
Compreender a iniciação do conflito é fundamental para o sucesso dos esforços de
prevenção de conflitos. A validade dos mecanismos do modelo "Ganância e Ressentimento",
assim como a liderança e intervenções externas são testados em quatro períodos de início e
intensificação do conflito em Angola. Todos os mecanismos estão presentes, mas a sua
relevância relativa varia ao longo do conflito. Entre os mecanismos identificados em cada
período, os mais relevantes no período da Guerra Fria são as intervenções internacionais e
regionais em 1961 e 1975, e no período pós-Guerra Fria, são os factores "ganância" em
1992 (petróleo e diamantes, pobreza e capital de guerra) e a liderança da UNITA de Jonas
Savimbi em 1998. O estudo de caso demonstra que a "ganância" e o "ressentimento"
podem estar interligados (como em 1992) e confirma a relevância dos mecanismos de
liderança e de intervenções externas.
Palavras-chave
África, Angola, Conflito, Ganância, Ressentimento, Liderança, Intervenções Externas
Como citar este artigo
Sousa, Ricardo Real P. (2016). "Ganância, ressentimento, liderança e intervenções externas
no início e na intensificação da Guerra Civil em Angola. JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 7,1, Maio-Outubro de 2016. Consultado [em linha] na data
da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol7_n1_art5
(http://hdl.handle.net/11144/2623)
Artigo recebido em 16 de Fevereiro de 2016 e aceite para publicação em 12 de Abril de
2016
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Ganância, ressentimento, liderança e intervenções externas no início e
intensificação da guerra civil em Angola
Ricardo Real P. Sousa
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GANÂNCIA, RESSENTIMENTO, LIDERANÇA E INTERVENÇÕES EXTERNAS NO
INÍCIO E NA INTENSIFICAÇÃO DA GUERRA CIVIL EM ANGOLA
1
Ricardo de Sousa
Introdução
Várias abordagens têm sido desenvolvidas para explicar o início da Guerra Civil. O
modelo "Ganância e Ressentimento", popularizado por Paul Collier, foi alvo de intenso
escrutínio por parte dos investigadores.
O modelo baseia-se numa abordagem de escolha racional e contrasta as oportunidades
económicas que permitem que as pessoas sejam capazes de organizar e financiar uma
rebelião ("ganância"), ou seja, a rebelião enquanto ato criminoso, com motivos
políticos e sociais através dos quais pessoas querem revoltar-se ("ressentimento"),
como as injustiças socioeconómicas sentidas por um grupo social. O modelo é
operacionalizado através de uma série de variáveis proxy. As oportunidades para os
potenciais rebeldes são: a1) possibilidades de financiamento disponíveis, que podem
ser receitas provenientes dos recursos naturais, remessas da diáspora ou o apoio de
governos hostis; a2) custos de recrutamento de rebeldes, determinados pelos veis de
rendimentos alternativos; 3) o capital de guerra acumulado; A4) a capacidade do
governo de controlar o território, medido em termos do terreno ser adequado para os
rebeldes (floresta e montanhas), e o grau de dispersão das populações, e; a5) a coesão
social da sociedade e de que forma os factores étnicos e religiosos podem facilitar o
estabelecimento e manutenção de grupos de conflito. Os ressentimentos dos potenciais
rebeldes são: b1) ódio religioso e étnico entre grupos; b2) nível de repressão política;
b3) exclusão política dos grupos, e; b4) desigualdade de rendimentos no país (Collier e
Hoeffler, 2004).
A aplicação deste modelo às Guerras Civis entre 1960 e 1999 conclui que o principal
mecanismo no início da Guerra Civil é a "ganância", e o desejo de adquirir benefícios
económicos e, portanto, a capacidade percebida de organizar e manter uma rebelião.
Os principais factores de "ganância" são a existência de recursos naturais
(especialmente petróleo), as remessas da diáspora, os baixos custos de recrutamento
de combatentes, a vantagem militar em termos de populações dispersas, e o capital de
guerra existente no país (desde o último conflito) (Collier e Hoeffler, 2004). O único
factor de ressentimento significativo é a exclusão política com dominação étnica, ao
mesmo tempo que a diversidade étnica e religiosa diminui as hipóteses de conflito se a
dominação étnica for evitada. Por último, o tamanho da população está positivamente
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2013, e tem como
objectivo a publicação na Janus.net. Texto traduzido por Carolina Peralta.
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associado com o despoletar do conflito
2
(estes resultados encontram-se resumidos na
coluna "resultados" na Tabela 1). Fearon e Laitin (2003) chegaram a resultados
semelhantes relativamente à relevância dos factores "ganância” para explicar o início
de Guerras Civis. Mas consideram que a variável do rendimento baixo é um proxy da
menor capacidade do Estado de reprimir a rebelião e, consequentemente, custos mais
baixos para os rebeldes poderem manter uma rebelião, em vez de um proxy da
redução dos custos no recrutamento de combatentes, como consideram Collier e
Hoeffler (2004). Na opinião de Fearon (2005), se o petróleo for um factor preditor de
Guerras Civis, não o será tanto por ser um mecanismo empresarial (como um "prémio"
tentador para aqueles que controlam o estado), mas principalmente porque os
produtores de petróleo têm um Estado com baixa capacidade para reprimir a rebelião
relativamente aos seus veis de rendimento per capita. Os países ricos em petróleo
têm menos incentivos para desenvolver o aparelho de Estado necessário para a
cobrança de receitas.
Na sequência de abordagens racionalistas-positivistas semelhantes, a validade do
modelo foi testada com recurso a avaliação quantitativa e qualitativa. A análise
quantitativa de Hegre e Sambanis (2006) confirmou vários resultados do modelo,
incluindo o empresarial (Collier e Hoeffler, 2004) e capacidade de repressão do Estado
(Fearon e Laitin, 2003).
O modelo foi posteriormente revisto, considerando que é a viabilidade financeira e
militar do conflito que aumenta a probabilidade de iniciação de uma Guerra Civil. A
viabilidade é medida principalmente em termos de: o país ser uma ex-colónia francesa
e, portanto, sob a égide de segurança da França, o que faz com que a rebelião tenha
menor probabilidade de sucesso e seja menos provável; a proporção de jovens do sexo
masculino no país que são potenciais combatentes, e; a presença de terreno
montanhoso que viabilize a ação militar rebelde (Collier, Hoeffler e Rohner, 2009).
Portanto, a questão não é tanto se há um motivo associado a "ressentimento" ou se há
uma oportunidade relacionada com a "ganância", mas se a insurreição é viável.
Neste artigo testamos o modelo original de "ganância" e "ressentimento" por três
razões. Uma delas é porque os factores de viabilidade são difíceis de testar num único
estudo de caso, pois não variam significativamente ao longo do tempo. Uma segunda
razão é porque os resultados do modelo de viabilidade reconfirmam os resultados do
modelo original, no sentido que os factores de "ganância" o ainda significativos,
enquanto os de "ressentimento" o o são (Collier, Hoeffler e Rohner, 2009). Uma
terceira razão é que não acordo no debate sobre a "ganância" e o "ressentimento" e
este debate ainda não foi substituído por um sobre a "viabilidade".
O atual debate sobre a "ganância" e o "ressentimento" centra-se em qual dos
mecanismos explica o início das Guerras Civis, nos fundamentos epistemológicos dos
estudos e nas implicações políticas dos resultados.
O argumento do "ressentimento" remonta à teoria da "privação relativa", que propunha
que os mecanismos psicológicos associados à frustração de não satisfazer as
expectativas materiais estão na raiz da iniciação dos conflitos (Davies, 1962; Gurr,
1970). Tilly (1978) contestou este argumento, considerando que os factores de
ressentimento se encontram disseminados na sociedade e o conflito não está presente
2
Isto é interpretado mais como um factor de ganância por aumentar a probabilidade de haver subgrupos
populacionais que querem uma secessão.
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em todas as sociedades. Em vez disso, é a capacidade de organizar uma rebelião,
determinada pelo acesso a recursos materiais e organizacionais, que diferencia as
sociedades onde a Guerra Civil tem início ou o. Com o trabalho de Gurr (1970, 2000)
sobre o conflito étnico, os ressentimentos ao vel do grupo adquirem outra capacidade
para explicar o início do conflito.
Na tradição do argumento do "ressentimento", tem sido sugerido que a rebelião ocorre
nos casos de desigualdades horizontais multidimensionais (Stewart, 2002). As
desigualdades horizontais acontecem quando a exclusão social e a pobreza ocorrem
simultaneamente com a identidade ou fronteiras regionais. Buhaug, Cederman e
Gleditsch (2014) usaram as desigualdades horizontais como uma variável proxy para a
desigualdade, em vez de recorrerem ao coeficiente de GINI utlizado por Collier e
Hoeffler (2004) e Fearon e Laitin (2003), que reflete as desigualdades verticais -
desigualdade entre os valores de uma distribuição de frequência do rendimento, a
desigualdade económica interpessoal. Concluíram que as desigualdades horizontais
constituem um factor importante nas rebeliões e o melhor preditor de insurreição do
que as desigualdades verticais
3
.
A análise qualitativa do modelo de “Ganância e Ressentimento” através de uma série
de estudos de caso (Collier e Sambanis, 2005) confirma os seus principais resultados.
No entanto, também identifica uma série de limitações e reflexões, algumas das quais o
presente estudo de caso sobre Angola se revela particularmente adequado para
investigar.
Uma limitação do modelo é a ausência de liderança enquanto factor. Isto deve-se
principalmente ao facto de a liderança ser difícil de quantificar. duas teorias sobre o
papel da liderança na mobilização de grupos étnicos. Uma delas, assente em
pressupostos racionalistas e construtivistas, sugere que há uma construção social da
identidade por parte das elites políticas, a fim de mobilizar e manipular grupos étnicos
para o combate (Gurr, 2000). Esta teoria difere da perspetiva primordial, que considera
que há uma propensão inata ao conflito na identidade étnica (Brubaker, 1995).
Outra limitação é a ausência de uma descrição do papel desempenhado pelas
intervenções externas. Collier e Hoeffler (2004) recorrem à variável dicotómica da
Guerra Fria como substituto, não tendo encontrando nenhuma relação estatisticamente
significativa
4
. Contudo, esta variável não capta o efeito diferenciado das variáveis
exógenas sobre a Guerra Civil. A Guerra Fria teve diferentes períodos de intensidade,
entre o pós-Segunda Guerra Mundial e 1991, quando terminou e com diferentes veis
de envolvimento dos atores externos. Também teve diferentes expressões a vel
internacional e regional. A nível regional, podem haver efeitos de difusão e de contágio.
A difusão ocorre através das demonstrações, onde os eventos políticos num país
servem de inspiração à ação política num outro. O contágio ocorre através de: grupos
étnicos comuns transfronteiriços; acumulação de capital guerra (por exemplo, armas de
pequeno porte) em regiões específicas; movimentos de refugiados, ou intervenções
externas (Sambanis, 2005). O efeito de intervenções externas na Guerra Civil é uma
das relações menos estudadas na literatura (Sambanis, 2002). As intervenções
externas apoiam as partes beligerantes, afetando a sua propensão para lutar. As
3
Cederman, Weidmann e Gleditsch (2011) e Østby (2008) obtiveram resultados semelhantes.
4
A outra variável exógena utilizada foi as remessas enviadas pela diáspora, mas, por motivos de dados,
limita-se às remessas enviadas a partir dos EUA.
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intervenções militares aumentam diretamente a capacidade militar de lutar e as
intervenções económicas diminuem os custos de coordenação e de manutenção de uma
rebelião ao aumentarem a probabilidade de sucesso (Elbadawi e Sambanis, 2000).
As intervenções diplomáticas são normalmente utilizadas para encontrar uma solução
não violenta para o conflito, e a partilha de informações pode aumentar as hipóteses de
se chegar a uma solução política. De uma forma geral, existe evidência de que as
intervenções militares têm um efeito de escalada do conflito, enquanto as intervenções
económicas e diplomáticas nas Guerras Civis têm um efeito oposto (Regan e Meachum
2014, Sousa, 2015).
As limitações do modelo podem ser contextualizadas recorrendo a considerações
epistemológicas mais amplas. Tem sido argumentado que a abordagem assente na
escolha racional e o individualismo metodológico destes estudos não contemplam os
aspetos sociais, relacionais e históricos (Cramer, 2002). Além disso, a inferência
estatística é distinta da causalidade, e o positivismo pode cair em explicações
tautológicas do fenómeno com base em conjuntos de dados desarticulados dos
significados que os eventos têm no terreno (Korf, 2006).
Uma das principais reflexões de Sambanis (2005) é que se deve considerar a
"ganância" e o "ressentimento" como matizes alternativos dos mesmos fenómenos, e
não como explicações concorrentes. Existem alguns mecanismos que ilustram esta
hipótese. Por exemplo, as instituições políticas funcionais podem fazer diminuir os
ressentimentos políticos, mas, ao mesmo tempo, um bom desempenho económico
pode encorajar a estabilidade das instituições e, desta forma, afetar os ressentimentos.
Também o fracasso do Estado ou a ilegitimidade do governo conduz à anarquia interna,
e nesse caso a "ganância" pode ser considerada a procura de sobrevivência pelos
grupos da sociedade.
Por último, a relevância deste debate pode ser compreendida relativamente às suas
implicações políticas sobre como prevenir a Guerra Civil. A explicação da "ganância"
conduz a medidas como o: crescimento e diversificação económica; controlo e gestão
dos recursos naturais, e; a força do Estado com intervenções externas orientadas a
melhorar a sua capacidade. As explicações que colocam a tónica no "ressentimento"
destacam: a indivisibilidade de algumas questões, tais como a identidade, etnia ou
religião; a necessidade de inclusão étnica e distribuição mais justa da riqueza no país;
soluções mediadas entre as partes, e intervenções externas a fim de garantir um
compromisso face aos acordos de paz.
Inspirado no trabalho qualitativo de Collier e Sambanis (2005), este artigo tem um
duplo objetivo: o primeiro é testar a hipótese da "ganância" e do "ressentimento" como
explicações alternativas, mas também complementares, da Guerra Civil, paralelamente
às variáveis, normalmente omitidas, da liderança e efeitos exógenos a nível
internacional e regional, na forma de intervenções externas (ou processos de difusão).
O segundo é aplicar o modelo a um estudo de caso histórico em Angola, algo que não
foi feito antes. A Guerra Civil em Angola decorreu entre a guerra da independência, e
prolongou-se pela Guerra Fria até ao pós-Guerra Fria. Causou mais de 500,000 mortes,
dezenas de milhares de pessoas mutiladas por minas antipessoais e o deslocamento de
aproximadamente 4,1 milhões de pessoas.
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O presente estudo adota a definição de Guerra Civil proposta por Gleditsch et al
(2002), que consiste numa incompatibilidade beligerante relativamente a um governo
e/ou território com recurso ao uso da força pelas partes, em que pelo menos uma delas
é o estado ou o governo, resultando em pelo menos 25 mortes em combate
5
.
A conceptualização das variáveis, neste caso a variável dependente da Guerra Civil, é
um dos desafios que se colocam nos estudos quantitativos (Sambanis, 2004). De um
modo geral, no caso de Angola existiram dois tipos de guerra: a guerra da
independência colonial iniciada em 1961, também apelidada de guerra extra-sistémica
e uma Guerra Civil internacionalizada desde a independência, entre 1975 e 2002.
A guerra da independência colonial tem particularidades que a diferenciam da guerra
que se lhe sucedeu (no que respeita às questões e às partes envolvidas) que poderia
merecer uma análise separada. Mas devido ao facto de a análise original de Collier e
Hoeffler (2004) incluir estes tipos de guerra, será igualmente considerada. A Guerra
Civil iniciada após a independência internacionalizou-se porque teve o envolvimento
militar de atores externos. A questão a considerar aqui é se as recaídas no conflito após
períodos de paz na sequência de um acordo de paz devem ser consideradas uma nova
Guerra Civil ou não. Em Angola, as recaídas tinham por protagonistas as mesmas
partes beligerantes que lutavam sobre a mesma questão e, portanto, não se
encaixavam completamente na classificação de uma nova Guerra Civil. Além disso, o
modelo do "início" de guerras civis tem como objetivo identificar os principais
mecanismos associados a uma mudança qualitativa dos processos políticos num país,
onde os atores decidem passar de conflitos não-violentos a uma situação de conflito
violento. Os mecanismos nestes casos o são necessariamente os mesmos que
encontramos nas situações de recaída. Nas recaídas, o grupo de combatentes e o
capital de guerra existem e este facto pode ter um efeito decisivo sobre os factores
que explicam o início da Guerra Civil. Esta dependência histórica é difícil de analisar e
também está presente na transição da guerra de independência para a Guerra Civil
internacionalizada, onde podemos encontrar algumas das mesmas partes beligerantes,
ainda que lutem contra uma parte diferente (díades distintas).
Por este motivo, a análise irá considerar dois inícios, a guerra da independência e a
Guerra Civil internacionalizada, e nesta última, duas intensificações do conflito.
Identificam-se quatro períodos na Guerra Civil em Angola entre 1961 e 2002
6
. O
primeiro período começou em Fevereiro de 1961 com o início da guerra de
independência contra Portugal e estendeu-se até Julho de 1974, com a assinatura de
um cessar-fogo entre Portugal e os movimentos nacionalistas. O segundo período
iniciou-se em Novembro de 1975 com o começo da Guerra Civil internacionalizada e
terminou com os Acordos de Bicesse em Maio de 1991. O terceiro período começou
5
Todas as classificações utilizadas neste artigo e as datas de início/intensificação do conflito são retiradas
desta fonte, a menos que seja dito o contrário. Os períodos e subperíodos utilizados neste trabalho
correspondem significativamente aos propostos por Sambanis (2004) e Collier e Hoeffler (2004), com
pequenas diferenças de um ano devido ao nível de violência tido em consideração: Sambanis (2004) e
Collier e Hoeffler (2004) consideram que o segundo período termina em Maio de 1991, ano dos acordos
de paz em Bicesse, ainda que Gleditsch et al (2002) considerem que, tecnicamente, tanto 1991 como
1992 foram anos de conflito; Sambanis (2004) considera que o terceiro período termina em 1994 e que
1995 foi um ano com muito baixos níveis de violência, não atingindo os limiares para ser considerado de
conflito, enquanto para Collier e Hoeffler (2004), o conflito que se iniciou em 1992 só terminou em 2002;
Sambanis (2004) considera que o quarto período teve início em 1997, devido à escalada da violência
nesse ano.
6
Este artigo não analisa o conflito de Cabinda, que ocorre ao mesmo tempo e apresenta dinâmicas
semelhantes, mas em muitos casos específicas.
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com a intensificação do conflito após as eleições de Setembro de 1992 e terminou em
1995, quando a intensidade do conflito diminuiu significativamente. O período final
decorreu entre Março de 1998, quando o conflito se reiniciou, e Abril de 2002, quando
terminou
7
.
A Tabela 1 utiliza os valores das variáveis proxy do modelo de Collier e Hoeffler (2004)
para os anos mais próximos do início do conflito no período entre 1960 e 1995,
comparando os valores para Angola com as médias para todos os países, para os
países onde a Guerra Civil não começou e países onde uma Guerra Civil se iniciou. No
caso de Angola, os principais indicadores de ganância são propícios à iniciação do
conflito: em termos de financiamento, os recursos naturais encontram-se acima da
média, e os custos de recrutamento estão abaixo da média
8
dos valores dos países
onde se iniciou uma Guerra Civil; simultaneamente, as possibilidades de controlo por
parte do Estado o reduzidas, pois tanto a dispersão geográfica como a população são
mais elevados do que a média dos países onde a Guerra Civil começou, e; os
indicadores de ressentimento são menos favoráveis à iniciação de conflito pois o
fracionamento social é elevado em todo o país mas sem que haja dominação étnica.
A análise histórica neste trabalho identifica tanto os factores de "ganância" como os de
"ressentimento" em momentos do início ou de intensificação da Guerra Civil em
Angola
9
, sugerindo que as variáveis exógenas para as dimensões internacionais e
regionais e a variável endógena de liderança melhoram o poder explicativo do modelo.
O artigo segue uma ordem cronológica dos quatro momentos de iniciação ou
intensificação da Guerra Civil, descrevendo e analisando a "ganância", o
"ressentimento" e as dinâmicas exógenas. Posteriormente, examina a dinâmica de
liderança, que é melhor compreendida transversalmente ao longo dos períodos.
7
Collier e Hoeffler (2004) consideram que a Guerra Civil em Angola começou em 1961, 1975 e 1992 e que
continuava em 1999, o último ano da base de dados. Devido ao facto de os anos de 1996 e 1997 não
terem sido classificados como sendo de conflito por Gleditsch et al (2002), aqui acrescenta-se o ano de
1998 como o de outra intensificação do conflito.
8
Exceto para um maior crescimento económico em 1965 (não apresentado na tabela) e 1998.
9
Devido ao facto de não haver dados sobre o GINI para Angola e os indicadores de desigualdades
horizontais não variarem no período em questão, as evidências do ressentimento baseiam-se em estudos
de caso.
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Tabela 1: Factores do modelo de Ganância e Ressentimento 1960, 1975, 1990 e 1995
Notas: os dados são de Collier e Hoeffler (2004) e seguem o intervalo de 5 anos da base de dados. Os anos relatados são os mais próximos do início ou intensificação
dos conflitos de 1961, 1975, 1991 e 1998. As células vazias correspondem a dados em falta na base de dados e a coluna "Resultados" indica se a proxy é
estatisticamente significativa (SIG) (ao nível de 1%, 5% ou 10%) e a direção do efeito: aumentando (+) ou diminuindo (-) a probabilidade de início de Guerra Civil.
SS significa Sem Significância estatistica e num dos casos o valor p é reportado. A definição das variáveis encontra-se no artigo original. O principal objetivo da tabela
é comparar Angola com outros países e não os valores individuais. Por exemplo, a população é reportada como um logaritmo natural, tal como no artigo original, e a
variável emigrante é aqui multiplicada por 1000, de modo a ter um valor mais legível. “SGC In” significa países onde não se iniciou qualquer Guerra Civil no período
(nos cinco anos seguintes ao ano identificado) e “GC In” significa países onde uma Guerra Civil se iniciou nesse período. *1 Resultados da maioria dos modelos
testados, mas não de todos; *2 Significativo num modelo combinado; e *3 As variáveis identificadas são as reportadas nos modelos independentes. Algumas das
variáveis do modelo o foram reportadas nas tabelas de Collier e Hoeffler (2004) devido à ausência de significância, e são: a4) proporção de florestas, densidade
populacional e população nas áreas urbanas; b2) abertura política, e; b4) rácio top-to-bottom dos quintis de rendimento.
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O início da guerra da independência em 1961
No início dos anos sessenta, a estrutura socioeconómica de Angola era tipicamente
colonial, com a produção industrial representando apenas uma pequena proporção do
seu Produto Interno Bruto (PIB). Havia uma pequena minoria branca que vivia
principalmente na capital e que controlava a esfera política local, mas que era
dependente da metrópole
10
. Uma outra minoria era constituída por crioulos e negros
assimilados com direitos de cidadania, que trabalhavam principalmente no setor público
e no comércio
11
. O resto da população de quatro milhões e setecentos mil era toda de
origem Bantu e pertencia principalmente a um dos três grupos etnolinguísticos
dominantes, os Mbundu, os Ovimbundu e os Bakongo.
Os Mbundu, predominantemente do centro e da região norte
12
, juntamente com os
crioulos das cidades, tornaram-se a principal base de apoio do MPLA - Movimento
Popular para a Libertação de Angola. O grupo está associado à religião metodista e à
economia urbana de emprego estatal. Os Ovimbundu, oriundos principalmente do
planalto central
13
, estão associados à UNITA União Nacional para a Independência
Total de Angola e pertencem principalmente à igreja Congregacional, estando ligados
ao comércio associado com o caminho-de-ferro. Por último os Bakongo
14
, da região
norte, estão igualmente presentes no Congo (Congo-Brazzaville) e na República
Democrática do Congo (RDC). O grupo está associado à FNLA - Frente Nacional para a
Libertação de Angola , pertence principalmente à igreja Batista e está ligado à
produção de ca (Birmingham, 2006). O principal e às vezes único denominador
político comum destes três grupos era a independência de Angola.
Apesar de ter havido sublevações na história de Angola, não surgiram novos
ressentimentos sociais e económicos ou oportunidades económicas neste período que
pudessem explicar o início do conflito. Em vez disso, o que é específico a este período
foram as mudanças que ocorreram no contexto internacional da Guerra Fria,
nomeadamente: o pró-nacionalismo inicial da administração Kennedy nos Estados
Unidos da América (EUA)
15
, e, no âmbito regional, o ano da independência africana em
1960, em particular a independência do Congo (posteriormente chamado RDC)
16
.
Neste ambiente internacional e regional propício, no início de 1961 uma sequência de
eventos conduziu ao início do conflito. O primeiro evento, em Janeiro, ocorreu quando
os Mbundu atacaram principalmente os representantes e os edifícios da indústria do
algodão, tirando partido das queixas sobre trabalho forçado e as políticas de produção
10
173.000 em 1960.
11
Cerca de 54.000 em 1960 e 30.000 em 1950, respetivamente.
12
Cerca de 24 por cento da população.
13
Cerca de 32 por cento da população.
14
Cerca de 32 por cento da população.
15
Até 1962, quando a tese pró-europeia ganha à posição africanista na Casa Branca (Rodrigues, 2004).
16
Alguns dos acontecimentos contemporâneos incluíram: a independência do Egito em 1951, a Conferência
de Bandung para a autodeterminação e governo autónomo de povos colonizados em 1955, a Conferência
de Todos os Povos Africanos, que reuniu delegados dos movimentos independentistas e teve lugar em
Acra em 1958 e em Tunes em 1960, e, de forma significativa, a independência de 17 países africanos em
1960.
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de algodão, que envolvia a produção forçada de algodão, o controlo estatal do mercado
e a apropriação de terras (Birmingham, 2006)
17
.
No mês de Fevereiro, na capital Luanda, um grupo falhou uma tentativa de libertação
de presos políticos nacionalistas, sendo que alguns dos membros do grupo viriam
futuramente a pertencer ao MPLA. No rescaldo, seguiu-se uma severa repressão na
cidade por parte da polícia e civis armados. Esta revolta pode ser associada às queixas
dos crioulos e mestiços entre a população urbana, especialmente em relação às
políticas públicas discriminatórias implementadas desde a década de 1950 devido ao
aumento do afluxo de colonos portugueses
18
(Hodges, 2001, Birmingham, 2006).
O terceiro evento ocorreu em Março de 1961 nas áreas de produção de café no
Bakongo do Norte (Uíge), de onde a rebelião se espalhou violentamente. Neste caso,
não foram os agricultores brancos e as suas famílias que foram atacados, mas
também os mestiços e trabalhadores negros migrantes - Ovimbundu originários do sul
(Spikes, 1993). Estes últimos eram vistos tanto como colaboradores dos colonizadores
(Birmingham, 1999) como a razão para os baixos salários que prevaleciam na região
(Cramer, 2006), onde se fazia sentir uma frustração significativa devido à expropriação
de fazendeiros de café angolanos no Norte (Cramer, 2002). Holden Roberto, líder do
então UPA - União do Povo de Angola
19
, viria a reivindicar responsabilidade pela
insurreição rural, que ocorreu ao mesmo tempo que ele viajava para Nova Iorque para
discutir a autodeterminação de Angola nas Nações Unidas (Spikes, 1993).
Em contraste tanto com os belgas (os colonizadores do país vizinho, de onde vieram os
rebeldes da UPA, que ganhara a sua própria independência apenas alguns meses
antes) e com a paisagem política da época, a administração portuguesa não negociou
e, apesar de a ditadura estar a enfrentar um de seus períodos mais difíceis, o regime
reforçou a sua política colonial e aumentou as suas capacidades repressivas na colónia.
Ao mesmo tempo, iniciou-se uma política de "conquista dos corações" dos povos
governados e, a vel internacional, jogou-se a "cartada" das Lajes (bases militares
estratégicas localizadas nas ilhas dos Açores, de grande importância para os EUA) a fim
de aliviar a pressão internacional para a descolonização.
O modelo e o início do conflito em 1961
A maioria dos factores de oportunidade económica não se verificava em 1961, quando
a guerra de independência começou. Os recursos naturais tinham um peso significativo
no volume das exportações, embora o petróleo não fosse o principal recurso. O café era
o principal produto de exportação, com 36 por cento, o que em conjunto com outros
produtos agrícolas não transformados, ascendia a 56 por cento do valor total das
exportações em 1961, enquanto as exportações de petróleo representavam 20 por
cento das exportações (Ferreira, 2006).
17
Estas queixas tinham sido associadas a revoltas em 1915 e 1945, embora nessa altura o regime
português tivesse tido a capacidade de controlá-las. O único outro período com revoltas ocorreu no início
do século, no período de consolidação do controlo português sobre o território, e estavam associadas à
resistência oferecida pelos reinos dos Ovimbundu (1902 e 1904) e dos Bakongo (1913 e 1916) (Spikes,
1993).
18
De 80.000 em 1950, a população de colonos aumentou para 170.000 em 1960 e cerca de 300.000 à
época da independência em 1975 (Pereira, 1994).
19
Que mais tarde se tornou na FNLA.
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Não existem dados sobre a diáspora nos EUA para qualquer um dos quatro períodos
analisados. Contudo, a literatura qualitativa raramente se refere ao papel da diáspora
angolana no financiamento da rebelião, limitando-se a fazer referências individuais aos
exilados políticos em Lisboa, Brazzaville e Conacri na década de 1960. Para além disso,
Angola não dispunha de capital de guerra e não havia um grande grupo étnico
dominante no país. Em vez disso, havia uma minoria de colonos dominantes, portanto,
um caso de ressentimento político por parte da população Bantu.
A primeira tentativa de insurreição em Luanda não foi bem-sucedida devido
principalmente à capacidade do Estado de controlar uma área com uma alta
concentração de população, e levou a que os insurgentes procurassem refúgio na densa
floresta do Dembo no nordeste de Luanda (George, 2005). O conflito iniciou-se
principalmente no ambiente rural de uma vasta região com uma população dispersa,
pelas mãos de um grupo que partilha a identidade Bakongo. Os insurgentes também
tinham problemas económicos semelhantes relativamente à política agrícola e laboral
no setor do café, que se traduziam no baixo rendimento per capita e fraca matrícula no
ensino secundário por parte do sexo masculino. Devido à estrutura económica, o
prémio associado à tomada do Estado era pequeno porque estava diretamente
dependente dos mesmos salários baixos no sector agrícola, em comparação com uma
situação em que o rendimento proviria principalmente do petróleo off shore. Portanto, o
incentivo financeiro para a rebelião pode ser encontrado no exterior.
O facto da liderança da UPA estar baseada em Leopoldville e da RDC se ter tornado
independente recentemente contribuiu significativamente para a tese da difusão e
contágio. A difusão estava relacionada com o efeito de demonstração da independência
da RDC. O contágio estava associado às origens dos insurgentes e agitadores, muito
provavelmente Bakongo, que viviam tanto no norte de Angola como no país vizinho. A
consciência política nacionalista de uma elite emigrada era apoiada por um ambiente
regional e internacional favorável aos movimentos independentistas, com a RDC e os
EUA a apoiarem a UPA
20
.
Em suma, o contexto colonial com os ressentimentos políticos da população, os
ressentimentos étnicos devido às desigualdades económicas, população dispersa, que
dificultava o controlo Estatal das revoltas, e a coesão dos grupos insurgentes, que
diminuía os custos de coordenação de uma rebelião, foram factores importantes para
explicar o início do conflito. Mas esses factores tinham estado presentes durante algum
tempo em Angola e, portanto, não são suficientes para explicar os acontecimentos em
1961. Em vez disso, o período favorável da Guerra Fria e o contexto regional, com a
independência da RDC, poderão ter sido os factores decisivos que conduziram ao início
do conflito em 1961.
O início da Guerra Civil internacional em 1975
Apesar da melhoria económica da população local na década de 1960
21
e dos
ressentimentos políticos terem sido resolvidos através da independência de Angola, o
cenário da Guerra Fria não permitia o desenvolvimento de uma solução pacífica
independente. Também o capital de guerra (na forma de grupos de combate e
20
Desde 1961 que o Conselho de Segurança Nacional dos EUA (CSN) apoiava oficialmente a UPA (Wright,
2001).
21
Entre 1962 e 1973 o crescimento médio real do PIB foi de 5 por cento (Ferreira, 2006).
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equipamento militar) resultante da anterior guerra da independência foram um
desincentivo para os grupos nacionais encontrarem um compromisso político. Esta
Guerra Civil que começou em 1975 duraria até Abril de 2002, com uma breve pausa no
conflito em 1991/1992 e em 1996/1997.
Dois processos são importantes para entender o início da Guerra Civil: a configuração
socioeconómica de Angola antes da independência, e; o processo de transição para a
independência, em particular o período entre a data da revolução portuguesa no dia 25
de Abril de 1974 e o primeiro trimestre de 1976.
No período de pré-independência, o crescimento económico e políticas coloniais
atenderam aos ressentimentos das populações locais, ao mesmo tempo que uma série
de táticas militares provaram ser fundamentais no controlo com sucesso da rebelião.
Um certo grau de industrialização e o aparecimento do petróleo como principal produto
de exportação constituíram os desenvolvimentos socioeconómicos mais significativos
neste período (Ferreira, 2006).
Os três principais movimentos nacionalistas desenvolveram-se de forma distinta, cada
um com apoio internacional específico. A FNLA era liderada por Holden Roberto com o
apoio de Mobutu Sese Seko e fazia parte dos grupos antissoviéticos, apoiados pelos
Estados Unidos (EUA), República Democrática do Congo e República Popular da China.
No entanto, o apoio prestado foi simbólico e nunca suficiente para permitir à FNLA
conduzir um processo independente capaz de desafiar o governo colonial de uma forma
decisiva. Nesta fase, o MPLA encontrava-se ameaçado pela fragmentação, com a
"Revolta de Leste" liderada por Daniel Chipenda e a "Revolta Ativa" dirigida pelos
irmãos Andrade desafiando a liderança.
Agostinho Neto acabaria por assegurar a sua posição em 1974 assim como o apoio
soviético e cubano ao MPLA. Na UNITA, a liderança de Jonas Savimbi estava firme e a
presença do movimento fazia-se sentir principalmente nas regiões do sul. A UNITA era
o movimento que detinha menos apoio estrangeiro nesta fase. Aparentemente, todos
os movimentos independentistas foram tomados de surpresa quando no dia 25 de Abril
de 1974 se deu o golpe militar em Portugal para derrubar o "Estado Novo", e que tinha
como objetivo fundamental acabar com as guerras coloniais.
Este período em que se o início da internacionalização da Guerra Civil apresenta
duas características principais: por um lado, a aparente inevitabilidade de cada
movimento nacionalista procurar adquirir poder exclusivo em Angola e, por outro, não
a falta de cooperação e coordenação de cada ator externo para conter o ímpeto
conflituoso, mas também o aumento gradual do seu envolvimento num processo
competitivo.
Inicialmente, Portugal desempenhou um papel de liderança no processo de
descolonização, conseguindo assegurar um acordo de cessar-fogo e a assinatura dos
Acordos de Alvor pelos três movimentos em Janeiro de 1975. O acordo estipulava um
plano de transição e a data de 11 de Novembro de 1975 para a independência. Na
prática, Portugal não tinha nem capacidade nem disponibilidade para gerir o processo,
e em Agosto de 1975 entregou o processo de transição à sorte dos partidos no terreno.
No princípio, os três movimentos receberam o apoio limitado dos seus apoiantes
externos da Guerra Fria. Mas nos meses que antecederam o dia da independência,
tanto o MPLA em Luanda como a FNLA no norte de Angola (apoiado pela RDC)
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aumentaram progressivamente a intensidade do conflito. Este facto levaria a uma
dimensão internacional decisiva em Outubro/Novembro, quando a África do Sul decidiu
enviar uma força de invasão de apoio à UNITA, e Cuba aumentou o seu apoio ao MPLA
(Operações Savana e Carlota, respetivamente).
Holden Roberto tentou conquistar Luanda com um confronto decisivo na batalha de
Quifangondo, que terminou a 10 de Novembro de 1975. Esta batalha opôs o MPLA
apoiado pelos cubanos à FNLA apoiada pela RDC. As tropas sul-africanas não estiveram
envolvidas porque foram detidas no Lobito (uma cidade no sul de Angola) a caminho da
capital. Ao vencer esta batalha e tendo o controlo da capital, o MPLA declarou a
independência de Angola a 11 de Novembro de 1975 e reivindicou o direito de governar
a sua soberania.
Esta data marca o início da Guerra Civil internacionalizada em Angola e que opôs o
MPLA à UNITA e à FNLA. Após a independência de Angola, o congresso americano
decidiu, através da emenda Clark, acabar com o envolvimento americano direto em
Angola, o que contribuiria, alguns meses mais tarde, para a retirada das forças
militares sul-africanas do sul de Angola. A emenda Clark esteve em vigor entre 1976 e
1985, limitando significativamente o apoio americano à FNLA e à UNITA.
O modelo e o início do conflito em 1975
O início da Guerra Civil foi o resultado do acumular de oportunidades. O MPLA e a FNLA
tinham a intenção de reivindicar o governo segurando a capital de Luanda no dia de
independência, e a UNITA pretendia dominar o sul, com todos os grupos respeitando a
integridade territorial do Estado angolano.
As oportunidades derivadas dos ganhos com o conflito estão relacionadas com os
recursos naturais e o apoio internacional. O petróleo tinha-se tornado o principal
produto de exportação, constituindo um "prémio" importante para o grupo que
controlava o governo
22
. Ao mesmo tempo, embora as condições económicas tivessem
melhorado desde 1961, os custos de recrutamento de potenciais rebeldes continuavam
baixos em comparação com outros países
23
.
O período específico da Guerra Fria foi relevante para determinar a falta de interesse -
ou incapacidade das superpotências em chegar a acordo sobre uma solução de baixa
intensidade para o conflito. A fase específica da Guerra Fria, após a guerra árabe-
israelense, onde os soviéticos tinham perdido terreno no Médio Oriente e os americanos
sido vencidos no Vietname, era propícia aos soviéticos para testar a determinação
americana no caso de Angola. Esta decisão foi facilitada pela disponibilidade e
"idealismo" dos cubanos, que forneciam o recurso mais complicado de obter - tropas.
A disponibilidade da África do Sul para assumir um papel regional de contrapeso
também foi relevante, controlando o fervor nacionalista africano e respetivas
tendências soviéticas, em linha com a sua própria necessidade em manter o sistema de
apartheid.
22
Representava 36 por cento do PIB em 1975.
23
O rendimento per capita e a matrícula no ensino secundário era inferior à média dos países onde a Guerra
Civil começou entre 1975 e 1980.
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Além disso, o capital de guerra
24
conferiu aos grupos a capacidade organizacional para
fazer a guerra, mas também o reconhecimento internacional consubstanciado nos três
grupos signatários dos Acordos de Alvor. Neste caso, o capital de guerra não está
ligado à acumulação de ódios entre os grupos porque o principal inimigo comum tinha
sido os portugueses
25
.
Outro factor foi o vazio de poder no governo nacional. A vel simbólico, nenhuma das
partes beligerantes conseguiu conquistar o poder colonial, mas antes foi o poder
estabelecido que proclamou a sua própria extinção. Não havia nenhuma foça legítima
para assumir o poder e, portanto, requeresse um processo de transição propicio à
concorrência. Ao mesmo tempo, como Portugal se encontrava incapaz de assegurar o
papel de mediador em todo o processo de transição, o monopólio do poder foi, na
prática, abandonado aos atores que o disputavam, com alguma vantagem para o MPLA,
pois estava baseado em Luanda.
Finalmente, e inversamente à previsão do modelo
26
, a elevada fragmentação social no
país
27
e a falta de dominação étnica poderão ter contribuído para o início do conflito.
Em Angola existiam três partidos políticos formados com base em identidades étnicas
de importância semelhante e nenhum tinha uma presença hegemónica. Para além de
outros factores, poderá ter sido precisamente esta falta de hegemonia de qualquer um
dos três grupos que conduziu às condições políticas de cada um dos grupos e às suas
ambições hegemónicas de poder num processo de transição de regime.
Em suma, as potenciais receitas do petróleo provenientes do controlo do estado (e os
baixos custos de recrutamento de combatentes) foram importantes neste período,
juntamente com o capital de guerra, mas precisam de ser analisados juntamente com
as dinâmicas regionais e internacionais da Guerra Fria que contribuíram para a
escalada do conflito. As intervenções externas internacionais e regionais explicam
significativamente o processo de escalada do conflito. Ao mesmo tempo, a
fragmentação social sem hegemonia foi a condição que conduziu a um processo
concorrencial conflituoso para ocupar o vazio de poder deixado pelos portugueses, que
não foram derrotados, tendo-se retirado do conflito.
O fracasso das eleições de 1992
A assinatura dos Acordos de Nova Iorque em 1988 marcou o fim da influência da
Guerra Fria na Guerra Civil em Angola. Os acordos implementaram a resolução 435 do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, que concedeu a independência à Namíbia,
acordou a retirada das tropas cubanas de Angola e, indiretamente, o fim das incursões
sul-africanas no sul de Angola.
Três anos depois, em Maio de 1991, os Acordos de Bicesse foram assinados entre o
MPLA e a UNITA, e incluíam um plano para a realização de eleições. Os Acordos de
Bicesse trouxeram um período de paz relativa a Angola, que se manteve até às eleições
de Setembro de 1992, quando o conflito recomeçou após o anúncio dos resultados das
eleições.
24
Resultante dos 14 anos de insurreição.
25
Mesmo que os três grupos raramente estivessem envolvidos em operações conjuntas.
26
De acordo com o modelo, quando uma maior fragmentação social e a hegemonia é evitada, a
probabilidade de início de conflitos diminui significativamente.
27
Quase o dobro dos níveis identificados nos países quando se iniciam Guerras Civis.
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O fracasso em assegurar a paz neste processo esteve em parte relacionado com as
características organizacionais, económicas e políticas específicas das duas partes em
conflito.
O partido do MPLA passou por uma reorganização significativa após a presidência de
Agostinho Neto ter sido contestada dentro do partido num golpe de Estado falhado
liderado por Nito Alves em 1977
28
. Com a morte de Agostinho Neto em 1979, José
Eduardo dos Santos assumiu a presidência do partido e do Estado. O MPLA foi um
projeto de estado inspirado na ideia marxista-leninista durante a maior parte do final
dos anos setenta e oitenta. Mas reformas tiveram que ser iniciadas na década de
noventa como resultado de uma série de constrangimentos estruturais,
nomeadamente: a dependência excessiva da economia no petróleo torna-a suscetível
às flutuações dos preços do mesmo; um sistema económico desacreditado e em dívida;
o fim do apoio dos seus hábeis parceiros estratégicos
29
; o colapso do aparelho de
Estado em termos de educação, saúde, água, esgotos, lixo, eletricidade e transportes
(Pereira, 1994), e; um impasse militar no conflito
30
.
Neste contexto, o MPLA iniciou um processo de reformas político-económicas: abriu o
estado ao sistema multipartidário; abriu ainda mais a economia; promoveu a
participação da sociedade civil, e; introduziu a liberdade de imprensa. Estas mudanças
foram inspiradas nos modelos propostos pela comunidade internacional e estavam em
conformidade com as exigências da UNITA (Hodges, 2001). Do ponto de vista
económico, a reforma foi parcial no que toca à missão impossível de fundir mecanismos
de mercado regulados por um plano numa economia centralizada e planificada
(Ferreira, 2002). Politicamente, a Constituição foi modificada em 1991 e 1992, com
uma série de leis aprovadas no espírito dos Acordos de Bicesse. A incapacidade de
implementar as disposições de descentralização e de governo local previstas na
Constituição, juntamente com o refoo do sistema presidencial, significou o
estabelecimento de um sistema de pirâmide formal sob o presidente. Significou
igualmente que se decidia "tudo ou nada" nas eleições. A ideologia da UNITA, o outro
partido principal, era uma mistura de Maoísmo com nacionalismo
31
e regionalismo
32
Ovimbundu. Ao longo da década de 1970, a UNITA transformou-se numa organização
estruturada e hierárquica dentro das exigências de um movimento nacionalista,
exercendo o monopólio da violência dentro das áreas controladas e operando um
aparelho administrativo, que incluía a prestação de serviços sociais (Bakonyi e Stuvøy,
2005). Durante a década de oitenta, a UNITA expandiu o seu controlo territorial
33
,
desenvolveu a economia assente nos diamantes e melhorou a estrutura de
governança
34
.
A coesão organizacional interna da UNITA foi mérito da sua liderança e de um sistema
patrimonial eficaz, mesmo que dependente do financiamento da CIA e do apoio militar
da África do Sul (Stuvøy, 2002).
28
De acordo com Hodges (2001, p.46), as iniciativas tomadas no período após a tentativa de golpe
resultaram numa cultura caracterizada por "medo, conformismo, dependência do Estado, falta de
iniciativa e submissão", num processo que ele refere como a "perda da inocência" em Angola (ibid,
p.161).
29
Politicamente e economicamente a União Soviética, e Cuba do ponto de vista militar.
30
Incapaz de vencer militarmente a UNITA, mesmo após o fim do apoio direto da África do Sul.
31
Diferente do nacionalismo da FNLA ou do MPLA.
32
Por oposição às perspetivas marxista, pan-africanista e socialista, que prevaleciam na altura.
33
O território controlado pela UNITA era o planalto central, o seu principal bastião.
34
Alguns analistas consideram-na um quase-Estado.
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Em contraste com o MPLA, a UNITA estava intimamente ligada às estruturas de poder
tradicionais locais. No final da década de 1980, um número estimado de 8.000 a
10.000 pessoas vivia sob o domínio da UNITA na Jamba, cerca de 80.000 a 100.000
nos seus arredores e tinha cerca de 30.000 soldados em 1984 (George, 2005). A
UNITA considerava que uma solução eleitoral lhe daria uma vitória sobre o seu principal
concorrente na altura, o MPLA, e estava unida em torno da liderança de Jonas Savimbi.
Relativamente ao bem-estar geral da população, a partir de 1987 Angola foi
classificada como estando em estado de calamidade e em 1991 recebeu 6 milhões de
dólares de assistência, parte de um pacote de 40 milhões de dólares de ajuda
humanitária canalizada para Organizações Não-Governamentais. Além disso, a
Organização das Nações Unidas (ONU) forneceu 165 milhões de dólares para os
refugiados e para combater as secas.
Os angolanos tiveram que escolher um desses dois partidos e os seus deres nos dias
29 e 30 de Setembro de 1992, nas primeiras eleições livres e justas em Angola. Um
total de 4,8 milhões de angolanos votou, com uma taxa de participação de 92 por cento
dos eleitores registados
35
(Pereira, 1994). O resultado das eleições para a presidência
não concedeu a maioria necessária a qualquer um dos concorrentes, mas José Eduardo
dos Santos, com 49,7 por cento, tinha conseguido mais votos do que Jonas Savimbi,
com 40 por cento. A segunda volta das eleições nunca se realizou porque o conflito
recomeçou
36
.
A derrota eleitoral da UNITA refletia o caráter étnico do partido. Das quatro províncias
onde ganhou
37
, numa é que os Ovimbundu não constituíam a maioria - a de Kuando
Kubango, onde a UNITA operava desde os anos 1970. Em contraste, o MPLA foi capaz
de atrair grupos além dos Mbundu (Hodges, 2001). Este padrão eleitoral reflete o que
Pereira (1994) identifica como a visão de choque dos partidos, ambos patrióticos e
centralizadores do estado, o MPLA inclinando-se para um nacionalismo inclusivo,
enquanto a UNITA tinha um cariz particular de nacionalismo étnico. Embora os
observadores tivessem considerado as eleições justas, a UNITA não aceitou os
resultados anunciados no dia 17 de Outubro de 1992 e intensificou o conflito. Desta
vez, o conflito ocorreu não no campo, mas também nas cidades, incluindo Luanda
(Wright, 2001), e teve como alvo o próprio sistema estatal. Em Dezembro de 1992, o
governo de Angola lançou uma contraofensiva militar (Wright, 2001) e a Guerra Civil
recomeçou.
O modelo e a intensificação da guerra civil em 1992
Embora a década de 1990 tivesse começado com uma série de factores favoráveis à
paz, como o fim da Guerra Fria, o compromisso internacional e regional de paz e o
anseio da população pela paz (tal como atesta a participação da população no ato
eleitoral), o reinício do conflito em 1992 está principalmente relacionado com as
oportunidades económicas proporcionadas pelos recursos do país (diamantes e
petróleo), combinado com os ressentimentos políticos gerados por um modelo de
governo onde o "vencedor ganha tudo".
35
90 por cento da população adulta estava registada.
36
O Parlamento foi ganho pelo MPLA com 54 por cento dos votos contra os 34 por cento da UNITA, com os
outros pequenos partidos vencedores detendo 12 por cento dos votos.
37
Benguela, Bié, Huambo e Kuando Kubango.
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As oportunidades de financiamento do MPLA através do petróleo, e dos diamantes no
caso da UNITA
38
determinaram substancialmente a predisposição para o conflito,
principalmente no caso da UNITA, mas também indiretamente no do MPLA. Para a
UNITA, esta predisposição foi mais direta no sentido em que tinha perdido as eleições
e, portanto, estava prestes a perder o controlo sobre o seu território
39
e a sua fonte de
receitas (diamantes).
No caso do MPLA, não evidência contrafactual para a sua eventual reação caso
tivesse perdido as eleições. Contudo, o facto de haver um modelo presidencial do "tudo
ou nada" permite supor que o MPLA não tinha a intenção de partilhar ou abandonar o
poder executivo estatal que controlava as receitas do petróleo. Os recursos naturais
foram um factor-chave nesta fase e a melhor comparação para o papel que
desempenharam reside no caso de Moçambique, que teve uma história da Guerra Civil
semelhante, mas que, sem recursos naturais, conseguiu alcançar a paz em 1992.
Juntamente com os recursos naturais, o sistema de governo em vigor na altura das
eleições, um modelo presidencial não descentralizado, contribuiu para um factor
essencial: ressentimento devido a exclusão política de um grupo
40
, tanto a nível central
como local da governação. Este ressentimento seria inaceitável para uma UNITA
autoritária endurecida pela guerra, que, juntamente com o histórico baixo nível de
unidade nacional e as limitações dos Acordos de Bicesse, contribuiu de forma decisiva
para o fracasso do plano de paz
41
(Pereira, 1994). De um modo geral, a
responsabilidade da liderança no conflito pode ser atribuída a ambas as partes (Anstee,
1996), mesmo se nesta fase em particular a UNITA e o presidente Jonas Savimbi
tivessem sido identificados como "saqueadores gananciosos" do processo de paz
(Stedman, 1997).
Além das principais dinâmicas descritas anteriormente, uma série de outros factores
contribuíram para o conflito ou foram favoráveis à paz. Por um lado, houve factores de
oportunidade que contribuíram para o conflito, tais como: os custos baixos atípicos de
recrutamento, com milhares de pessoas que não conheciam outro tipo de trabalho além
de lutar ou viver numa economia de guerra; a destruição da economia e a pobreza
generalizada, que não ofereciam grandes alternativas de rendimento aos jovens
desempregados ou aos soldados desmobilizados, e; a acumulação de equipamento de
guerra de onde se podia extrair retornos rápidos e fáceis. Por outro lado, os factores
que contribuíram para a paz foram: a dinâmica internacional e regional com apoio ativo
da ONU e a decisão das grandes potências de proibir o apoio militar às partes em
conflito; a concentração da população em áreas urbanas devido à guerra, e; a
legitimação nacional do governo por se terem realizado eleições.
38
A proporção de exportação de produtos básicos primários em relação ao PIB foi de 47% em 1990.
39
Porque a legislação de descentralização ainda não tinha sido aprovada.
40
Considerando a economia assente nos recursos, poder-se-ia argumentar que a exclusão política também
significava exclusão económica.
41
As limitações dos Acordos de Bicesse foram os recursos limitados da ONU para o mandato, o curto espaço
de tempo do processo, a execução das eleições sem o cumprimento integral das cláusulas do acordo
(principalmente em relação à componente militar), e a inexistência de uma solução de partilha de poder
(Hodges, 2001).
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A intensificação da Guerra Civil em 1998
Após o recomeço da Guerra Civil em 1992, o conflito diminuiu em 1996 e 1997,
representando dois anos de quase paz no país. Contudo, a Guerra Civil eclodiu
novamente em 1998 e duraria até 2002.
Entre 1992 e 1998 fizeram-se avanços significativos na implementação de um modelo
multipartidário, com um sistema de governo mais inclusivo, ao mesmo tempo que o
governo angolano adquiriu legitimidade com as eleições de 1992 e com o
reconhecimento dos EUA em 1993. A UNITA voltaria à mesa de negociações em 1993,
como resultado de perdas territoriais para o MPLA
42
e das sanções das Nações Unidas
em 1993 visando a liderança da UNITA. No ano seguinte, a 20 de Novembro de 1994,
Jonas Savimbi assinou o protocolo de Lusaka.
O protocolo baseava-se no de Bicesse, mas continha disposições significativas para a
maior partilha do poder executivo entre as partes e a realização de eleições após o
fim das atividades militares. Estipulava ainda o respeito pela legislação nacional por
parte da UNITA, que os representantes eleitos da UNITA deveriam assumir os seus
mandatos no parlamento, a devolução de todos os bens aos membros da UNITA e
garantias de alojamento para os deres da UNITA (Wright, 2001). A responsabilidade
pela monitorização do acordo foi confiada à ONU, e uma força de paz significativa foi
instaurada em Fevereiro de 1995.
Do ponto de vista da economia, a década de 1990 caracterizou-se pela incapacidade do
governo em implementar um programa económico coerente. Para Ferreira (2006), a
guerra certamente condicionou a economia angolana, mas os principais obstáculos
foram as políticas inadequadas e o sistema político que promoveu uma elite rentista.
Como Oliveira (2007) referre, é a receita do petróleo nos petro-estados que permite
que um sistema insustentável dure muito tempo para além do seu período normal de
vida e, juntamente com ele, a elite que o administra.
Para a UNITA, esta década foi marcada pelo processo malsucedido de transformação de
uma força de guerrilha em partido político com representação parlamentar e
responsabilidades executivas. Deu-se assim um duplo processo de desintegração: o do
"sistema social" estabelecido no "quase-Estado", e; outro relativo à liderança do partido
com o aparecimento de fações separatistas
43
. As dificuldades em fazer com que a
UNITA cumprisse o protocolo de Lusaka levaria a comunidade internacional a continuar
com uma política de sanções. Em 1997 e 1998, as sanções das Nações Unidas tiveram
como alvo a liderança da UNITA, o partido da UNITA e em particular o negócio dos
diamantes. Estima-se que as receitas de diamantes da UNITA andavam na ordem dos 2
a 3,5 milhões de dólares entre 1992 e 1998 (Cramer, 2006).
Devido à falta de implementação dos protocolos de Lusaka pela UNITA, em Dezembro
de 1998, no IV Congresso do MPLA, o Presidente José Eduardo dos Santos declarou que
o único caminho para a paz era a guerra, pedindo o fim do processo de paz de Lusaka e
o fim da missão da ONU
44
(Hodges, 2001). Em Janeiro de 1999, José Eduardo dos
42
Em 1992, a UNITA controlava cerca de 60 a 70 por cento do território, enquanto em 1994 controlava 40
por cento. Em Novembro de 1994 perdeu as áreas chave de Huambo e Uige.
43
Por exemplo a UNITA Renovada em 1998.
44
Saiu em Fevereiro de 1999.
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Santos reuniu um gabinete de guerra para alcançar a vitória total (James, 2004) e em
Julho desse ano, o governo de Angola, através do seu Departamento de Investigação
Criminal, emitiu um mandato em nome de Jonas Malheiro Sidónio Savimbi por crimes
de "rebelião armada, sabotagem e assassínio" (James, 2004, p.xxxv). A guerra tinha-
se reiniciado e desta vez terminaria após a morte em combate de Jonas Savimbi a
12 de Março de 2002.
O modelo e a intensificação do conflito em 1998
O contexto de uma contínua falta de cumprimento das disposições dos acordos por
parte da UNITA levou o MPLA a optar por uma solução bélica para o conflito, dentro de
um contexto socioeconómico específico.
Por um lado, a UNITA parecia nunca aceitar qualquer solução de paz. A incapacidade de
atrair a plena cooperação da UNITA, ampliando a fórmula de paz de partilha do poder
levou a uma maior pressão da comunidade internacional, o que intensificou a
desintegração do partido, em curso. Embora alguns membros da UNITA assumissem
funções legislativas e executivas, a fação de Jonas Savimbi não aceitou o processo,
continuando a desafiar a constitucionalidade do Estado.
Por outro lado, o MPLA estava a ser pressionado internacionalmente e internamente.
Não conseguia implementar processos de reforma económica numa fase em que a
economia estava extremamente debilitada. Embora as receitas do petróleo fossem
fundamentais e suficientes para a manutenção do sistema patrimonial em torno do
presidente, as iniciativas sucessivas de inspiração populista e restrições às liberdades
civis revelam preocupações com a crise económica e ressentimentos populares (MRP,
2005)
45
. Numa altura em que o MPLA poderia ser mais responsabilizado pela sua
governação, a comunidade internacional passou a década de 1990 a criticar e
pressionar o MPLA para aumentar a transparência, ter maior respeito pelos direitos
humanos e pela justiça. O envolvimento militar do MPLA nos conflitos na República do
Congo em 1997 e na RDC em 1998 permitiu-lhe fechar bases estrangeiras da UNITA.
Desta forma, e especificamente para o MPLA, os factores identificados para o início do
conflito em 1992 ainda se mantêm, em particular as oportunidades de financiamento a
partir do petróleo, o baixo vel de fontes alternativas de rendimento para potenciais
soldados, o alto vel de capital guerra acumulado, juntamente com um certo ódio
dirigido aos Ovimbundu que se tinha desenvolvido, entretanto (de que a violência
étnica pós-eleitoral é um exemplo). No entanto, nesta fase, também poderão ter
havido outros factores que contribuíram para o início da Guerra Civil relacionados com
a sobrevivência política da elite do MPLA e uma perspetiva de que a debilidade da
UNITA
46
, juntamente com o apoio internacional ao MPLA, poderia permitir a vitória
militar do MPLA.
A UNITA, por sua vez, tentou manter o estado dentro do estado até ao último
momento, com as suas características económicas e sociais específicas. O facto de a
UNITA ter sido financiada por diamantes e o MPLA pelo petróleo a partir de um enclave
45
O ressentimento foi também resultado da estratégia de guerra de "implosão social" adotada pela UNITA a
partir de 1992 com ataques em áreas urbanas, aos sistemas administrativos e forçando o êxodo da
população para as cidades, ao mesmo tempo que cometia atrocidades humanas.
46
Tanto politicamente como militarmente, resultado do estrangulamento das fontes de receita.
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foi importante na medida em que aumentou progressivamente os recursos disponíveis
para o MPLA (com uma fonte segura) e diminuiu os da UNITA (com uma fonte incerta),
com possíveis repercussões nas capacidades militares. Por conseguinte, a manutenção
das áreas de recursos e respetivas receitas foram importantes para a capacidade
militar, mas não parecem ter sido a principal motivação. Em vez disso, permitiram que
o conflito se arrastasse e depois que recomeçasse, reforçando a perspetiva de que os
recursos são um meio, bem como uma finalidade, no conflito. Por exemplo, é muito
provável que, nesta fase do conflito, a liderança da UNITA teria tido mais a ganhar
financeiramente em mudar-se para Luanda e integrar o sistema neo-patrimonial do
Estado, em vez de continuar lutando. Isto é corroborado pela fragmentação e
emergência da UNITA-Renovada.
Finalmente, esta beligerância da UNITA, que se divide para continuar lutando, reforça a
importância da liderança, neste caso, Jonas Savimbi, e o papel que este facto
desempenha na concretização ou não de soluções políticas. No reinício do conflito em
1998, começou a tornar-se evidente que o conflito dependia da capacidade militar e
liderança de Jonas Savimbi.
Liderança
Vários elementos contribuem para uma explicação racionalista e construtivista do papel
da liderança em Angola, em vez de perspetivas primordiais.
Na descrição acima exposta, as lideranças são apresentadas como sendo
individualizadas, mas, de facto, os quatro líderes principais são o topo de uma
estrutura de poder político, económico e militar, e, nestes casos, maioritariamente
autocráticos e centralizados, mas dependendo de uma rede de elite e poder. Agostinho
Neto necessitou de redefinir o partido para consolidar a sua liderança do MPLA; José
Eduardo dos Santos promoveu uma nomenklatura económico-militar assente no
petróleo; Jonas Savimbi baseou a sua estrutura nos deres tradicionais e no sistema
patrimonial dos diamantes, juntamente com uma ala militar; e Holden Roberto estava
significativamente relacionado com a elite de Mobutu Sese Seko.
com capacidades de liderança reconhecidas enquanto membro da FNLA e após ter
negociado com o MPLA na década de 1960, parece que foi uma determinação
messiânica ou ambição que levou Jonas Savimbi a optar por iniciar um processo a
partir do zero e criar a UNITA sem apoio internacional significativo nos anos sessenta.
Com apenas um pequeno grupo nacionalista e não representativo em 1975, foi depois
da independência que Jonas Savimbi conseguiu montar uma estrutura socioeconómica
de "quase-Estado" no sul de Angola. Estas origens e o desenvolvimento da UNITA
enquanto grupo étnico coerente foi produto essencialmente de uma construção social
pela elite política, em detrimento de perspetivas primordiais. Após o fim da Guerra Fria
e das eleições de 1992, a sobrevivência da UNITA fora do Estado deve-se
principalmente à sua capacidade estabelecida. Também nessa época, foi a incapacidade
de aceitar um papel secundário na estrutura do Estado que levou Jonas Savimbi a
envolver-se novamente em conflito. Mesmo os períodos de paz, ou de quase paz,
assemelham-se mais a fases de organização e gestão do status quo, que Jonas
Savimbi nunca ocupou o seu lugar na capital Luanda.
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A desintegração da UNITA neste período atesta igualmente contra uma visão
primordial, pois alguns elementos da direção da UNITA conseguiram integrar-se no
sistema do MPLA.
Podemos identificar a importância de Jonas Savimbi pelo facto de o conflito só terminar
após a sua morte em 2002. Com o benefício de uma análise retrospetiva, parece que o
único momento em que um acordo com Jonas Savimbi poderia ter sido possível foi em
1975, se uma solução federalista tivesse sido estabelecido antes de a UNITA criar o
"quase-Estado" e, eventualmente, em 1992, se uma solução descentralizada tivesse
sido implementada, embora naquela altura parecesse praticamente impossível colocar
Jonas Savimbi sob alguma outra autoridade.
O outro der, Holden Roberto, é essencialmente a manifestação de um factor externo,
representante do primeiro impulso nacionalista no continente, ligado após 1970 a
Mobutu Sese Seko. Desde o início do processo de independência da RDC, a libertação
do povo Bakongo tinha estado na agenda dos deres nacionalistas e Holden Roberto
surgiu como o líder de um movimento que rapidamente mudou o seu foco regionalista
para um foco nacionalista e pan-africanista, de acordo com as orientações políticas
prevalecentes. Intimamente associado aos movimentos políticos emergentes de
Leopoldville, Holden Roberto não tinha a determinação, capacidade ou possibilidade de
ter um movimento independente e isto poderá ter levado à sua apropriação por Mobutu
Sese Seko, que acabou por ordenar-lhe que deixasse o país em 1987 (Spikes, 1993). A
falta de financiamento não terá sido o principal factor neste processo gradual de
desaparecimento da FNLA, pois os EUA trocaram o apoio à FNLA para a UNITA após
a independência.
Também no caso da FNLA, foi a construção de identidade pela liderança com apoio
externo que alimentou a rebelião. O facto de a FNLA e sua liderança terem
praticamente desaparecido no período pós-independência, enquanto o conflito entre o
MPLA e a UNITA continuou, reforça a rejeição de perspetivas primordiais.
Finalmente, no caso do MPLA, a liderança inicial de Agostinho Neto foi fundamental pois
transformou um partido heterogéneo num grupo político coeso, deixando o caminho
livre para José Eduardo dos Santos. Parte da escalada do conflito em Luanda em 1975
pode ser atribuída a Agostinho Neto enquanto líder do MPLA (possivelmente ajudado
pelos portugueses), mesmo que fosse inevitável que a FNLA tentasse tomar a cidade.
José Eduardo dos Santos recebeu um partido homogéneo em 1980, mas tem o mérito
de mantê-lo e governar o partido sem desafios violentos à sua liderança.
Formado por mestiços e Mbundu, o MPLA teve uma plataforma mais inclusiva e
multiétnica, que nas suas origens assentava em fundamentos mais ideológicos. Mesmo
não existindo evidência para reforçar uma tese construtivista, aponta para uma
rejeição da perspetiva primordial. Exemplos significativos incluem a adoção do
Português como ngua nacional ou a campanha para a eleição de 1992 assente num
discurso multiétnico inclusivo, contrastando com a UNITA, que tinha explicitamente
uma agenda étnica exclusivista.
Conclusão
O estudo de caso valida a importância da liderança e das intervenções externas como
variáveis explicativas do início ou intensificação da Guerra Civil. No geral, todos os
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factores - "ganância", "ressentimento", liderança e intervenções externas estiveram
presentes em Angola. O desafio é distinguir entre os mecanismos (factores) presentes
em cada início ou intensificação do conflito, aquele(s) que mais decisivamente
contribuiu para esse resultado, mesmo se limitado pela dificuldade de isolar os
processos com dependência histórica.
O início da guerra da independência 1961 é o menos bem explicado pelo modelo de
"ganância" versus "ressentimento". Foi com base na combinação de ressentimentos
económicos e políticos ao longo de linhas étnicas que o conflito contra a dominação
colonial surgiu. Mas este motivo da descolonização não teria encontrado forma e
expressão sem influência externa. A difusão regional e internacional da ideia de
independência, juntamente com o apoio político e militar (limitado) foram os
mecanismos necessários para o conflito começar.
O icio do conflito em 1975 é explicado principalmente pela Guerra Fria e pelos
factores de "ganância" económicos. Numa configuração inicial, surge o vazio de poder
resultante da independência que, combinado com um fracionamento sem hegemonia,
conduziria a uma concorrência intensa sem que nenhum partido fosse capaz de
reivindicar legitimidade para o governo. Os aspetos económicos surgem principalmente
através da existência de recursos que constituíam um prémio importante para os
vencedores, mas esses factores de "ganância" são operativos principalmente através do
apoio externo no contexto geopolítico da Guerra Fria. O apoio prestado a nível
internacional e regional às partes em conflito foi um mecanismo essencial para o
começo do conflito.
Na intensificação do conflito em 1992, podemos encontrar factores de "ganância" na
importância dos recursos (petróleo e diamantes), na pobreza e nos anos de conflito, e
factores de "ressentimento" no sistema de governança, que concedeu poder
hegemónico ao vencedor das eleições e ressentimentos políticos ao vencido.
Mas, nesta fase, os recursos naturais tinham-se tornado os meios e os fins do conflito
tanto para o MPLA como para a UNITA, explicando a solução constitucional adotada nas
eleições de o "vencedor ganha tudo". Portanto, os factores económicos de "ganância"
parecem ser o mecanismo essencial para a intensificação de conflitos nesta fase. É
importante destacar que neste período houve um contexto internacional e regional
propício a uma solução pacífica. A partir desta fase, a liderança de Jonas Savimbi
assumiu um papel importante na impossibilidade de acabar com o conflito.
Finalmente, na intensificação do conflito em 1998, podemos encontrar os mesmos
factores económicos de "ganância" de 1992. O ressentimento político resultante do
sistema de governação existente em 1992 tinha sido resolvido através de soluções de
maior partilha de poder que foram capazes de atrair alguns membros da UNITA. A
liderança de Jonas Savimbi constituiu o factor essencial para explicar a intensificação
dos conflitos nesta fase. O fim do conflito após a morte de Jonas Savimbi destaca a
importância de eliminar os factores de "ressentimento" na prevenção de conflitos.
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