Mas também nos restantes indicadores deste campo, o Haiti se destaca pela negativa
da evolução na Guatemala.
Concretamente, o Estado haitiano é mais dependente da ajuda internacional, mais
pobre e mais desigual, menos capaz de providenciar serviços aos seus cidadãos,
vivendo ainda com a sombra da instabilidade governativa, da falta de protecção de
direitos humanos de vários níveis (sociais, políticos, económicos) e da possibilidade da
violência como forma de resolver as fricções geradas por este panorama.
Frente a esta disparidade de resultados, tratou-se então de analisar o processo –
através da matriz mencionada da OCDE – para ver se no campo da reconciliação
política a intervenção tinha respeitado o guião desejável.
O caso da mediação das Nações Unidas na Guatemala foi bastante insólito, sendo
possivelmente o caso em que este guião de paz positiva foi mais fielmente respeitado,
pela estreita adaptação do processo e do conteúdo da mediação às causas da
conflitualidade e à dinâmica relacional que o conflito mantinha entre as partes.
As Nações Unidas lideraram um grupo de mediadores de características
complementares – nacionais e internacionais – que facilitaram a integração das raízes
da violência na agenda da paz, permitindo um amplo diálogo sobre temas estruturais
da sociedade guatemalteca. As negociações permitiram a assinatura de acordos de paz
sobre temas muito mais complexos que as questões operativas vinculadas ao termo do
conflito (como o cessar-fogo ou a desmobilização de combatentes) que versaram já
sobre as chamadas questões substantivas, como os direitos dos indígenas, a reforma
agrária ou os direitos das mulheres.
Não apenas em termos de conteúdo, mas também de procedimentos, este processo de
mediação foi inédito. A uma agenda ampla conjugou-se uma integração da sociedade
civil no discussão, através da criação de uma mesa paralela, consultiva, na chamada
Assembleia da Sociedade Civil. Este esquema de negociações permitiu alargar a
reflexão sobre o quadro político e social que sairia da guerra civil a franjas muito mais
abrangentes da sociedade guatemalteca, transformando o processo de paz num
projecto de refundação nacional.
O diálogo centrou-se nas especificidades estruturais políticas, económicas, até culturais
que compunham o tecido social da Guatemala e que estavam na origem do conflito
armado. Permitiu abrir assim espaços que estavam antes vedados a uma grande
maioria de guatemaltecos. Se as várias raízes de violência estrutural não foram
plenamente sanadas, este quadro de diálogo nacional amplo e profundo permitiu que
se criassem os mecanismos necessários para que estas pudessem vir a ser tratadas por
meios institucionais não violentos, passo essencial para encetar a construção de uma
paz mais duradoura.
Correspondeu assim, em grande medida, ao guião proposto pela paz positiva pelo seu
carácter integrador, pela sua abordagem associativa, por incentivar um consenso
nacional em torno do modelo de paz erguido das negociações que lhe conferia muito
maior legitimidade e potencial de durabilidade.
A actuação da ONU foi também pautada por uma boa coordenação dos seus diferentes
instrumentos, usando mecanismos complementares em conformidade com os
objectivos dos seus esforços como líder da equipa mediadora. Foi o que aconteceu com
a implementação, num momento adequado, da missão de paz, a MINUGUA, com um