JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 7, Nº. 1 (Maio-Outubro 2016), pp. 19-33
Partilhas de poder: conceitos, debates e lacunas
Alexandre de Sousa Carvalho
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de independência e das dificuldades na implementação e consolidação de processos
democráticos em sociedades plurais durante a regressão da segunda vaga de
democratização (Huntington, 1991).
A principal premissa enunciada pelos proponentes de power sharing refere-se às
desvantagens da aplicabilidade de democracias majoritárias ‘simples’ em sociedades
divididas e plurais. Esta assunção é baseada na asserção empírica de que, em
sociedades plurais com sistemas políticos majoritários, alguns segmentos da sociedade
enfrentam uma exclusão política (potencialmente) permanente do jogo eleitoral. Larry
Diamond (1999:104) sintetiza a desvantagem de modelos majoritários em sociedades
divididas quando afirma que
“se alguma generalização sobre desenho institucional for
sustentável (...) é a de que os sistemas majoritários são
imprudentes para países com divisões ou emocionais, étnicas,
regionais, religiosas ou outras polarizações profundas. Onde
clivagens são bem definidas e identidades de grupo (e
inseguranças e suspeitas intergrupais) profundamente sentidas, o
imperativo prioritário é para evitar a exclusão ampla e indefinida
do poder de qualquer grupo significativo.”
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Numa democracia majoritária, sociedades divididas poderão tender a percepcionar a
competição eleitoral como uma competição pela posse e domínio do Estado e dos seus
recursos, exacerbando paralelamente a dimensão adversarial da (sua conduta) política.
Esta percepção tende a escalar durante períodos eleitorais, uma vez que o acesso ao
poder político pode representar o garante da protecção de direitos e da sobrevivência
política, económica e mesmo física.
Robert Dahl (1973) recorre ao conceito de 'segurança mútua' e enfatiza a sua
importância durante períodos eleitorais em contextos de sociedades etnicamente
divididas, argumentando que, sendo o acto eleitoral o fórum primário de competição
intergrupal, existe a necessidade de um grau de protecção de direitos mínimo para que
uma derrota na competição eleitoral não possa representar uma ameaça à
sobrevivência. Esta noção de segurança mútua é, de acordo com Dahl, um pré-
requisito para a competição eleitoral em sociedades com divisões profundas, e a sua
ausência reforça a natureza 'winner-takes-all' de jogo de soma-zero, num jogo político
de natureza adversarial.
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Atuobi (2008), na análise que faz de violência eleitoral no
continente africano refere que os processos eleitorais são momentos onde a
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Tradução livre do original: “If any generalization about institutional design is sustainable (…) it is that
majoritarian systems are ill-advised for countries with deep ethnic, regional, religious or other emotional
and polarizing divisions. Where cleavage groups are sharply defined and group identities (and intergroup
insecurities and suspicions) deeply felt, the overriding imperative is to avoid broad and indefinite
exclusion from power of any significant group.” (Diamond, 1999:104).
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Para a distinção entre a natureza adversarial de democracias maioritárias e a natureza 'coalescente' de
sistemas de partilha de poder, por favor ver Lijphart (1977). Um exemplo de tal natureza adversarial de
um sistema majoritário pode ser observado nas principais raízes do conflito subsequente às eleições
gerais quenianas de 2007 (CIPEV, 2008) prende-se precisamente com histórico de várias lideranças e
elites políticas de exercerem uma forte manipulação de identidades étnicas por parte de como estratégia
mobilizadora dos seus respectivos segmentos do eleitorado (Mbugua, 2008). A natureza adversarial de
alto risco da competição eleitoral e conduta política no Quénia foi sintetizada no título do livro de Michela
Wrong (2009): “It's our turn to eat.”