JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 7, Nº. 1 (Maio-Outubro 2016), pp. 3-18
Abordagens pacifistas à resolução de conflitos: um panorama sobre o pacifismo pragmático
Gilberto Carvalho de Oliveira
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expressões máximas ou únicas de poder que realmente importam. Ainda que se adote
uma perspetiva pluralista, reconhecendo que diversas formas de poder operam na
sociedade, os proponentes da não-violência pragmática consideram que a relação de
consentimento constitui uma base significativa de poder popular que é capaz de
desafiar todas as demais fontes de poder, sejam elas originadas, conforme enumera
Sharp (2005: 29-30), na autoridade ou legitimidade dos governantes, nos recursos
humanos à disposição dos governos, nas habilidades e nos conhecimentos, em fatores
intangíveis como crenças e normas, nos recursos materiais ou no aparato coercivo
institucional do Estado.
Num sentido semelhante, Boulding argumenta que o poder é complexo e
multidimensional, podendo assumir pelo menos “três faces”. A face mais convencional
é o “poder da ameaça” (threat power), expresso pela capacidade de aplicar a coerção
através de mecanismos internos de imposição da lei e da ordem ou do aparato militar
contra agressões externas. A segunda face assume a forma do “poder económico”
(economic power); desse ângulo, o poder é função da distribuição da riqueza entre
ricos e pobres e se define em termos de “produção e troca”. A terceira “face”, que
Boulding chama de “poder integrador” (integrative power), é o “poder da legitimidade,
da persuasão, da lealdade, da comunidade, etc.” (1999: 10-11). O que parece
particularmente relevante para Boulding, convergindo de certo modo para o ponto de
vista de Sharp, é que o poder não pode ser equacionado exclusivamente com base na
violência e na coerção, ou nas capacidades económicas, mas deve ser visto,
principalmente, em função da habilidade que as pessoas e os grupos sociais têm de se
associar e estabelecer laços mútuos de lealdade. Dessa perspetiva, afirma o autor, “o
poder da ameaça e o poder económico são difíceis de serem exercidos se não forem
sustentados pelo poder integrador, isto é, se não forem vistos como legítimos” (1999:
11). O que é importante compreender, portanto, é que essas três faces coexistem e se
inserem, embora em diferentes proporções, dentro de um quadro de forças que
interagem e impactam o funcionamento dos sistemas de poder nas sociedades. Dentro
desse quadro, o poder da ameaça não depende apenas da força do autor da ameaça,
mas depende também da resposta do sujeito ameaçado, que pode ser expresso de
diversas formas: submissão, desafio, contra-ameaça ou através do que Boulding chama
de “comportamento desarmante” (disarming behavior), isto é, da incorporação do autor
da ameaça dentro da comunidade dos sujeitos ameaçados, desfazendo a relação de
inimizade. Esse último tipo de resposta é, segundo o autor, um dos elementos-chave
da teoria da não-violência, pois abre uma importante via para a resolução pacífica dos
conflitos. O poder económico também depende da interação entre as partes, sendo
função não só do comportamento do “vendedor”, que pode concordar ou se recusar a
vender, mas também da resposta do “comprador”, que igualmente pode avaliar os
benefícios de comprar ou de rejeitar o consumo. Por fim, o poder integrador pode
sustentar as outras formas de poder ou, no sentido contrário (e aí reside outro aspeto
crucial para a teoria da não-violência), fazer com que o sistema de poder venha abaixo,
negando-lhe a lealdade, questionando a sua legitimidade e retirando-lhe o apoio e a
colaboração (1999: 10-12).
O que é crucial para esses autores − constituindo a assunção política básica das suas
perspetivas sobre a resolução pacífica dos conflitos – é a noção de que o fluxo das
fontes de poder pode ser restringido ou bloqueado pela população, sem a necessidade
de recorrer à violência, bastando negar aos oponentes o seu consentimento ou a sua