JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 6, n.º 2 (Novembro 2015-Abril 2016), pp. 65-79
A ligação segurança-desenvolvimento na Agenda Global para o Desenvolvimento pós-2015
Carolina Alves Pereira
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como uma forma de ingerência nos assuntos internos dos países, desacreditando a sua
autoridade e legitimidade, logo como a conservação de um status quo prejudicial aos
países menos desenvolvidos (Buur, et al., 2007: 31).
As consequências destas orientações nos programas de ajuda refletem-se
essencialmente na predominância da prossecução dos próprios objetivos, bem como de
benefícios económicos e políticos por parte dos doadores. Por vezes fazem-no de forma
pouco transparente, procurando camuflar intenções e interesses, ou valorizar
vantagens geopolíticas. A esta tendência associa-se o caráter paternalista e as
pretensões de ocidentalização tantas vezes apontadas aos países doadores e ao modelo
predominante de desenvolvimento, responsáveis pela manipulação e usurpação dos
objetivos de Ajuda Pública ao Desenvolvimento (doravante, APD) (Blunt, et al., 2011:
passim).
Como consequência, esta eventual manipulação dos programas por parte do poder e da
estrutura política acaba por ser muitas vezes responsável pelo prejuízo da situação já
debilitada que caracteriza os ambientes violentos (ou pós-conflito). Teme-se,
sobretudo, a securitização ou militarização do desenvolvimento camuflada pelos
programas de ajuda, juntamente com os efeitos que isso possa ter nas condições de
vida das populações recetoras (Bonnel & Michailof, 2012: passim).
Este risco de deturpação e perversão que o conceito possa sofrer, principalmente por
parte dos atores políticos reflete a vulnerabilidade conceptual apontada ao conceito de
segurança que o coloca à mercê das necessidades, objetivos, fins ou contextos de
quem os emprega ou onde se inserem. Ou seja, está em causa o perigo de apropriação
abusiva do termo, considerando-se a eventual inclusão da segurança na agenda como
uma forma de legitimar o recurso à força sob pretextos de APD (ex.: intervenções
humanitárias ou o caso da luta contra o terrorismo), desvirtuando o carácter da ajuda e
contribuindo ainda mais para o fraco desenvolvimento dos territórios mais
desfavorecidos (aprofundamento da dependência externa) [(Bonnel & Michailof, 2012:
passim); (Buur, et al., 2007: 31); (Cammack, et al., 2006: passim)]. Talvez com o
intuito de contornar estas relutâncias, algumas sugestões para a inclusão do tema na
agenda política do desenvolvimento vão no sentido de associar os objetivos de
segurança a outros domínios, como o da governança, da justiça ou dos princípios do
Estado de direito (Denney, 2013a: 7-8).
Reconhece-se portanto que, no contexto de APD em situações de insegurança, está em
causa a manutenção de um complicado equilíbrio entre os interesses e expectativas de
doadores e beneficiários. Se por um lado o egocentrismo de alguns doadores se mostra
um obstáculo real e difícil de contornar, por outro lado, há que admitir que esta não é
uma realidade isolada. Na verdade, da mesma maneira que certos doadores gerem os
seus programas consoante lhes for mais benéfico, bem como ao estatuto que
envergam, é também verdade que existem aqueles que se pautam por ações mais
moderadas no que a isto diz respeito. Por exemplo, as economias em ascensão
parecem enveredar por um sistema de ajuda mais orientado para a cooperação e
entreajuda. Nestes casos, os doadores deparam-se com a difícil tarefa de gerir os seus
interesses com os dos outros. Por um lado, permanece a importância de se
organizarem enquanto atores políticos e financiadores, cujas obrigações exigem uma
postura firme e prossecutora de resultados eficientes (que justifiquem o investimento).
Por outro lado, mantem-se a responsabilidade relativamente à expectativa do
beneficiário e à sua necessidade de apoio no que toca à sua situação económica, bem