OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN: 1647-7251
Vol. 6, n.º 2 (Novembro 2015-Abril 2016), pp. 65-79
A LIGAÇÃO SEGURANÇA-DESENVOLVIMENTO NA AGENDA GLOBAL
PARA O DESENVOLVIMENTO PÓS-2015
Carolina Alves Pereira
pereira.carolinaalves@gmail.com
Licenciatura em Relações Internacionais, pela Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra (2012). Mestrado em Estudos de Desenvolvimento, pelo ISCTE-IUL (2014).
Resumo
O presente artigo
1
procura analisar a influência que constrangimentos de natureza política e
questões de ordem técnica exercem sobre a ligação entre segurança e desenvolvimento, em
particular no contexto da discussão sobre a nova agenda para o desenvolvimento global
pós-2015. Para tal, começa por posicionar-se teoricamente a ligação em análise de maneira
a contextualizar os elementos que mais a influenciam e cuja descrição é pormenorizada logo
a seguir. Depois, é exposta alguma da discussão prática em torno da elaboração da agenda
pós-2015 para o desenvolvimento, o que contribui para materializar as dificuldades (e as
oportunidades) em torno da ligação segurança-desenvolvimento, bem como as perspetivas
acerca da inclusão de um objetivo concreto visando essa ligação numa agenda global futura.
Palavras chave:
Ajuda ao desenvolvimento; segurança; ligação segurança-desenvolvimento;
constrangimentos; agenda global para o desenvolvimento pós-2015
Como citar este artigo
Pereira, Carolina Alves (2015). "A ligação segurança-desenvolvimento na Agenda Global
para o Desenvolvimento pós 2015". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 6,
N.º 2, Novembro 2015-Abril 2016. Consultado [online] em data da última consulta,
observare.ual.pt/janus.net/pt_vol6_n2_art05
Artigo recebido em 8 de Março de 2015 e aceite para publicação em 2 de Outubro de
2015
1
Artigo baseado na dissertação de Mestrado da autora, “A ligação segurança-desenvolvimento na agenda
global para o desenvolvimento pós-2015”, defendida em Dezembro de 2014 [cf. Pereira, Carolina Alves.
(2014). A ligação segurança-desenvolvimento na agenda global para o desenvolvimento pós-2015.
Lisboa: ISCTE-IUL. Dissertação de mestrado. Disponível em www:<
http://hdl.handle.net/10071/8827>.]
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A ligação segurança-desenvolvimento na Agenda Global para o Desenvolvimento pós-2015
Carolina Alves Pereira
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A LIGAÇÃO SEGURANÇA-DESENVOLVIMENTO NA AGENDA GLOBAL
PARA O DESENVOLVIMENTO PÓS-2015
Carolina Alves Pereira
Introdução
A partir dos anos 90, a multidimensionalidade que passou a caracterizar o conceito de
desenvolvimento, aliada a alterações na geopolítica mundial aquando do fim da Guerra
Fria e a importantes mudanças na abordagem ao próprio conceito, a segurança passou
a ter lugar na discussão sobre o tema. A segurança deixou de ser associada somente a
questões militares ou de competência exclusivamente estatal, para dizer respeito a um
campo de análise muito mais abrangente, nomeadamente preocupando-se com o tema
dos Direitos Humanos. As condições de vida das populações e respetivas liberdades e
direitos passaram a destacar-se enquanto pressupostos fundamentais para o
desenvolvimento pleno das sociedades, considerando-se os elementos de insegurança
como obstáculos àquela condição (Fukuda-Parr, 2003: passim).
Com efeito, as correntes teóricas do Desenvolvimento que defendem a
multidimensionalidade do conceito, assim como as correntes críticas dos Estudos de
Segurança (particularmente nos contributos das Escolas de Copenhaga como Barry
Buzan ou Ole Waever e de Aberystwyth como Ken Booth e Richard W. Jones),
apoiam o alargamento dos respetivos conceitos
2
Assim, e apesar de ser até bastante debatido, o tema da segurança tende a evidenciar
um papel muito pouco consistente nas discussões internacionais sobre
desenvolvimento. A vasta literatura permite constatar que existe, de facto, lugar para
debater sobre segurança e respetivas consequências para o desenvolvimento,
sobressaindo a dualidade segurança/insegurança à qual correspondem,
respetivamente, as dimensões prevenção/reação conforme a abordagem privilegiada no
discurso. Torna-se evidente o contraponto constante entre segurança enquanto
ausência de ameaças (como os conflitos e a violência, por exemplo) ao bem-estar
coletivo com base na prevenção face à probabilidade de ocorrência dessas mesmas
ameaças, e insegurança como a existência das referidas ameaças, à qual se associa
. Desta forma, acabam por favorecer
uma maior convergência dos domínios que os mesmos envolvem. Em consequência,
gera-se uma discussão vasta e interessante, porém pouco consensual, levantando a
questão em torno da “securitização do desenvolvimento”.
2
Por exemplo, Ken Booth argumenta que a segurança propriamente dita can only be achieved by people
and groups if they do not deprive others of it” (Booth apud Diskaya, 2013). O que, desde logo evidencia a
rutura com a perspetiva tradicional que determinava a segurança como competência exclusiva dos
Estados, pois coloca o ser humano no centro da discussão.
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uma dimensão reativa, isto é, assente na atuação sobre os fatores de insegurança
[(Fukuda-Parr, 2007: 3); (Denney, 2013ª: 4)].
Segurança supõe mais do que a simples ausência de ameaças. Na verdade, deve
associar a essa ausência a garantia dos meios e das condições necessárias à
prossecução de políticas de desenvolvimento sustentáveis e duradouras. Como fatores
de segurança, podem nomear-se a ausência de ameaças, a disponibilidade de recursos
para satisfazer as necessidades de todos, a igualdade, a justiça, a estabilidade, a
confiança (nas instituições governativas) e a construção de sociedades sólidas,
robustas e capazes (Fitz-Gerald, 2004: 10).
Insegurança implica mais que a ausência de paz. Da perspetiva dos fatores endógenos
(fatores internos que influenciam os acontecimentos num determinado território), a
insegurança caracteriza-se pela existência prolongada de situações de perigo e
ameaçadoras do bem estar e da estabilidade das sociedades. Nomeiam-se fatores como
a existência de ameaças, conflitos, violência armada e física, a discriminação, a
desestruturação governativa e institucional, lutas de poder, a escassez de recursos ou a
carência económica, bem como a corrupção, as economias paralelas e o tráfico pois
todos eles contribuem para alimentar disputas e situações de instabilidade e
insegurança (McCandless & Karbo, 2011: passim).
A supracitada dualidade funciona como argumento à ligação entre os domínios da
segurança e os domínios do desenvolvimento, favorecendo algum consenso entre os
teóricos que sobre ela trabalham. Os conceitos acabam por se mostrar indissociáveis,
já que é a conjugação de fatores que mais importa. Porém, o impacto negativo da
insegurança sobre os baixosveis de desenvolvimento é aquele que reúne maior
consenso.
Constrangimentos políticos e técnicos inerentes à ligação segurança-
desenvolvimento
A questão sobre a causalidade envolvendo a segurança e o desenvolvimento encerra a
principal questão da ligação entre aqueles conceitos, levantando relutâncias políticas e
dificuldades técnicas que influenciam de forma importante a tomada de decisão
relativamente à introdução de um objetivo específico sobre segurança na agenda global
para o desenvolvimento.
Os constrangimentos de ordem política abordados mais frequentemente prendem-se
com a sobreposição de interesses, benefícios e privilégios por parte dos intervenientes
na agenda política internacional, em particular, dos doadores que dificultam a
harmonização das agendas da segurança e do desenvolvimento.
Segundo Blunt, et al. (2011: 176), as necessidades reais dos países menos
desenvolvidos ainda não são satisfatoriamente abarcadas pelos programas de ajuda da
comunidade doadora, uma vez que estes são mais condicionados pelas vontades e
interesses dos doadores que dos beneficiários. Ou seja, a capacidade financeira,
económica e monetária dos países condiciona de forma decisiva os parâmetros dos
seus programas de ajuda e acaba, invariavelmente, por significar um agravamento nas
disparidades entre regiões desenvolvidas e em desenvolvimento (Blunt, et al., 2011:
175-177). Isto aliado à existência e aplicação de um modelo único de desenvolvimento
baseado nos padrões ocidentais e neoliberais de desenvolvimento, é muitas vezes vista
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como uma forma de ingerência nos assuntos internos dos países, desacreditando a sua
autoridade e legitimidade, logo como a conservação de um status quo prejudicial aos
países menos desenvolvidos (Buur, et al., 2007: 31).
As consequências destas orientações nos programas de ajuda refletem-se
essencialmente na predominância da prossecução dos próprios objetivos, bem como de
benefícios ecomicos e políticos por parte dos doadores. Por vezes fazem-no de forma
pouco transparente, procurando camuflar intenções e interesses, ou valorizar
vantagens geopolíticas. A esta tendência associa-se o caráter paternalista e as
pretensões de ocidentalização tantas vezes apontadas aos países doadores e ao modelo
predominante de desenvolvimento, responsáveis pela manipulação e usurpação dos
objetivos de Ajuda Pública ao Desenvolvimento (doravante, APD) (Blunt, et al., 2011:
passim).
Como consequência, esta eventual manipulão dos programas por parte do poder e da
estrutura política acaba por ser muitas vezes responsável pelo prejuízo da situação já
debilitada que caracteriza os ambientes violentos (ou pós-conflito). Teme-se,
sobretudo, a securitização ou militarização do desenvolvimento camuflada pelos
programas de ajuda, juntamente com os efeitos que isso possa ter nas condições de
vida das populações recetoras (Bonnel & Michailof, 2012: passim).
Este risco de deturpação e perversão que o conceito possa sofrer, principalmente por
parte dos atores políticos reflete a vulnerabilidade conceptual apontada ao conceito de
segurança que o coloca à mercê das necessidades, objetivos, fins ou contextos de
quem os emprega ou onde se inserem. Ou seja, está em causa o perigo de aproprião
abusiva do termo, considerando-se a eventual inclusão da segurança na agenda como
uma forma de legitimar o recurso à força sob pretextos de APD (ex.: intervenções
humanitárias ou o caso da luta contra o terrorismo), desvirtuando o carácter da ajuda e
contribuindo ainda mais para o fraco desenvolvimento dos territórios mais
desfavorecidos (aprofundamento da dependência externa) [(Bonnel & Michailof, 2012:
passim); (Buur, et al., 2007: 31); (Cammack, et al., 2006: passim)]. Talvez com o
intuito de contornar estas relutâncias, algumas sugestões para a inclusão do tema na
agenda política do desenvolvimento vão no sentido de associar os objetivos de
segurança a outros domínios, como o da governança, da justiça ou dos princípios do
Estado de direito (Denney, 2013a: 7-8).
Reconhece-se portanto que, no contexto de APD em situações de insegurança, está em
causa a manutenção de um complicado equilíbrio entre os interesses e expectativas de
doadores e beneficiários. Se por um lado o egocentrismo de alguns doadores se mostra
um obstáculo real e difícil de contornar, por outro lado, há que admitir que esta não é
uma realidade isolada. Na verdade, da mesma maneira que certos doadores gerem os
seus programas consoante lhes for mais benéfico, bem como ao estatuto que
envergam, é também verdade que existem aqueles que se pautam por ações mais
moderadas no que a isto diz respeito. Por exemplo, as economias em ascensão
parecem enveredar por um sistema de ajuda mais orientado para a cooperação e
entreajuda. Nestes casos, os doadores deparam-se com a dicil tarefa de gerir os seus
interesses com os dos outros. Por um lado, permanece a importância de se
organizarem enquanto atores políticos e financiadores, cujas obrigações exigem uma
postura firme e prossecutora de resultados eficientes (que justifiquem o investimento).
Por outro lado, mantem-se a responsabilidade relativamente à expectativa do
beneficiário e à sua necessidade de apoio no que toca à sua situação económica, bem
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como à sua capacitação interna a nível governativo e institucional (Driscoll & Evans,
2005: passim).
Isto significa que à APD está subjacente uma necessidade de harmonia política que tem
tanto de importante quanto de complexo. Quando estendida a contextos de violência
ou pós-conflito onde tendem a proliferar fatores de insegurança, este aspeto tende a
intensificar-se.
Por sua vez, os constrangimentos de natureza técnica relacionam-se sobretudo com a
mensurabilidade, com a recolha de dados e criação de sistemas de monitorização
viáveis que permitam estabelecer um nexo de causalidade entre os fatores de
segurança/insegurança e o desenvolvimento, bem como com a standardização (ou
generalização) das políticas e programas de desenvolvimento, como apresentados de
seguida.
A mensurabilidade diz genericamente respeito à possibilidade de aferir com base em
indicadores e objetivos concretamente estabelecidos os resultados de uma dada ação
de modo a revelar o seu impacto. Esta definição é igualmente aplicável ao contexto do
desenvolvimento e da segurança. Naqueles contextos, a mensurabilidade aparece
associada à possibilidade e à capacidade de medir o impacto das políticas de segurança
aplicadas no âmbito dos programas de desenvolvimento, sendo considerada um
elemento determinante na ajuda internacional em contextos de insegurança (Bush, et
al., 2013: 45).
Quando se debate a conjugação das agendas da segurança e do desenvolvimento, a
mensurabilidade ou a avaliação de impactos/resultados surge associada sobretudo aos
programas de Desmobilização, Desarmamento e Reintegração (doravante DDR) ou de
Reforma dos Sistemas de Segurança (doravante RSS), bem como às missões de
peacebuilding e peacekeeping em contextos de pós-conflito e a tudo o que lhes está
inerente: número de vítimas, número de deslocados, número de refugiados, nível de
desempenho institucional e governativo, proliferação (incluindo tráfico) de armamento,
existência de minas, etc.. Monitorizar estes indicadores permite avaliar a evolução dos
referidos programas e missões. Ou seja, este tipo de missões lida com fatores de
insegurança que colocam em perigo a vida dos cidadãos, bem como as capacidades,
meios e recursos de que estes deveriam dispor para realizar as suas atividades
quotidianas. Isto coaduna-se com efeitos inevitavelmente negativos nos índices de
desenvolvimento dos territórios afetados (ex.: minas, armas, violência, índice de
fragilidade) [(Menkhaus, 2004: 3); (Bush, et al., 2013: passim)].
A mensurabilidade tenta aferir e avaliar o impacto que os projetos e programas
desencadeados no âmbito das referidas missões tiveram nos indicadores citados:
aquando da programação da missão, é definida uma matriz com objetivos, metas,
indicadores e pressupostos. São aqueles indicadores que orientam a prossecução das
metas e objetivos, contribuindo para o alcance dos mesmos e que, consequentemente
permitem refletir sobre o nível de sucesso dos programas quando a missão termina
[(Menkhaus, 2004: 4-6; (Bush, et al., 2013: passim)].
Inserida na linha de raciocínio apresentada, a mensurabilidade funde-se, naturalmente,
com a situação de conflito que analisa e com o contexto que lhe diz respeito. De acordo
com autores como Kenneth Bush e Colleen Duggan (2013), a interação entre o
contexto do conflito e o sistema de avaliação compõe-se de quatro vertentes: os
todos, a logística, a política e a ética. Significa que estas quatro vertentes
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interligam-se e influenciam de forma decisiva o processo de avaliação dos resultados
obtidos com as políticas aplicadas através das missões de peacebuilding e
peacekeeping (Bush & Duggan, 2013: 8).
A interligação entre as vertentes mencionadas pode colocar algumas limitações à
mensurabilidade (manifestadas através dos entraves ao trabalho dos avaliadores).
Nomeadamente, a ação de atores externos (seja quem requer a avaliação, sejam
autoridades políticas, etc), o próprio ambiente físico que, devido à insegurança,
formação geográfica ou acessibilidades dificulta o acesso dos avaliadores ao contexto
que devem analisar; e restrições de informação, a base do trabalho dos avaliadores. A
debilidade ou insuficncia da informão inviabiliza os dados, logo impossibilitando a
formulação de resultados. Estas limitações acabam por colocar em causa a
interpretação fidedigna do verdadeiro impacto dos programas (Bush & Duggan, 2013:
9-11).
O primeiro engloba, por um lado, os responsáveis dos projetos e os proponentes da
avaliação. Os primeiros que tentam condicionar o acesso à documentação, permitindo
aos avaliadores utilizar apenas sites e informação “de referência” ou devidamente
“filtrados”. Os segundos que, aquando da apresentação de resultados, exigem
conclusões que por vezes não coincidem com a realidade (ex.: avaliar positivamente
quando os dados indicam o contrário). Por outro lado, engloba problemas associados à
escolha dos métodos de avaliação quando o cliente impõe o uso de metodologias
dispersas e variadas sobre as demais, colocando em risco a solidez da avaliação (Bush
& Duggan, 2013: 9-11).
O segundo diz respeito à complicação típica de situações de conflito ou pós-conflito,
isto é, quando está em causa avaliar o impacto de determinado programa naquele
contexto, o processo torna-se mais complicado em comparação com outras situações.
Isto porque estes ambientes apresentam todas as características prejudiciais à tarefa,
nomeadamente: instabilidade, insegurança, corrupção, desestruturação institucional e
governativa, escassez de recursos, dificuldade de acesso à informação (base do
processo de avaliação, essencial à eficácia da mensurabilidade), etc. No fundo,
elementos comuns aos Estados considerados frágeis e àqueles onde prolifera a
violência armada (Bush, et al., 2013: passim).
O terceiro associa-se aos obstáculos colocados aos avaliadores para a agregação de
dados, estudo de resultados e posterior elaboração de relatórios sobre os programas
executados. Se a informação recolhida não for fiável, suficiente ou coerente, os
resultados do trabalho de avaliação tornam-se fracos e obsoletos (Menkhaus, 2004: 6).
Apesar das dificuldades, a mensurabilidade permanece um dos principais
condicionamentos da atuação no âmbito da cooperação para o desenvolvimento,
particularmente quando em causa estão questões de segurança. De facto, um dos
principais argumentos associados à mensurabilidade/avaliação alega que incluir a
segurança na agenda internacional por via de temas concretos e aferíveis como o
número de armas, de minas, o número de mortes violentas, etc contribuirá para
regular as intervenções sob o pretexto securitário e controlar as pretensões políticas de
ingerência (Denney, 2013a: 8). Isto parece contribuir para estabelecer uma relação de
causalidade entre a segurança e o desenvolvimento, justificando a eventual introdução
de metas e objetivos associados ao tema.
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A possibilidade de avaliar um programa e apresentar os respetivos impactos sob a
forma de resultados concretos é um dos principais aspetos subjacentes às iniciativas
dos doadores, como pode aliás perceber-se pelos documentos da OCDE sobre o
assunto (como os relatórios do CAD, DAC Statistical Reporting Directives (OCDE, 2010)
e Evaluating Peacebuilding Activities in Settings of Conflict and Fragility: Improving
Learning for Results (OCDE, 2012c), por exemplo). Naturalmente, será focalizada a
ótica dos doadores e respetivos critérios, ou seja, quem os países doadores da OCDE
consideram passível de ser considerado beneficiário e sob que critérios, bem como que
ações podem ser incorporadas no contexto da APD. Quer isto dizer que a principal
questão à qual a maioria dos programas de APD responde à partida incide sobre a
possibilidade de aferir os resultados dos mesmos (OCDE, 2012c: passim).
Igualmente, a elaboração dos guias de monitorização representa um constrangimento
técnico igualmente importante. Encontrar ou formular indicadores de análise e
assegurar a sua viabilidade, imparcialidade e solidez é um autêntico desafio. São os
indicadores que permitem trabalhar na prossecução dos objetivos, pelo que é da
definição coerente dos primeiros que depende o sucesso dos segundos. Os indicadores
são os dados mais específicos da fórmula de monitorização (a par com os objetivos e as
metas) e referem-se ao estado de alcance das metas. A finalidade é os agentes
responsáveis perceberem, através dos indicadores recolhidos de fontes reconhecidas
até que ponto as metas propostas estão a ser cumpridas. Isto significa que,
verificando-se, a debilidade dos indicadores terá inevitavelmente repercussões no
restante programa, já que colocará em causa a solidez das conclusões formuladas
acerca do cumprimento das metas e, consequentemente, do alcance dos objetivos (UN,
2013: 23-25).
Também a negligência contextual, aquando da formulação dos projetos ou programas
de APD, relativamente aos contextos em que se vão inserir, é vista como um
constrangimento técnico (embora com alguma dimensão política) à presença formal do
tema da segurança na agenda do desenvolvimento, especialmente por parte dos países
beneficiários. Estes sublinham negativamente a tendência para a generalização, tantas
vezes associada aos ODM, assente na abordagem “one size fits all” e na existência de
uma matriz aplicável (embora suscetível de adaptação) às várias situações de
fragilidade e pós-conflito ou de vioncia. Na sua ótica, estetodo é prejudicial à
correta prossecução dos objetivos, subestimando as realidades em que se enquadra a
ajuda (Bonnel & Michailof, 2012: passim).
Como tal, os recetores sugerem uma maior atenção às especificidades e abordagens
mais personalizadas, já que consideram esta ‘standardização’ dos projetos prejudicial à
prossecução de resultados sustentáveis. Porém, se a ‘standardização’ de projetos por
parte da comunidade doadora desvaloriza as especificidades de determinado contexto,
a contextualização como base para os mesmos coloca em causa a exequibilidade de um
objetivo global: torna-se incomportável justificar ou gerir um objetivo tendo por base o
contexto de cada realidade, conflito, fragilidade ou exposição ao uso da violência
armada (Bush & Duggan, 2013:26).
Naturalmente, nem os constrangimentos políticos nem os constrangimentos técnicos
são isolados ou estanques, chegando mesmo a ser transversais e a influenciar-se
reciprocamente. Os políticos, marcados pela confiança nas políticas, pelo investimento,
pela manutenção dos interesses entre doadores e recetores e pelo equilíbrio entre
universalidade e contexto, incidem maioritariamente no esforço entre a necessidade de
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construir objetivos universais que equilibrem significativamente os vários interesses
envolvidos, e a vontade de fazer respeitar as especificidades dos diferentes contextos e
realidades em que se aplicam. Já os técnicos acabam por se associar mais à recolha,
tratamento e apresentação de dados e resultados e à avaliação dos mesmos. Porém os
interesses e vontades políticas condicionam inevitavelmente a elaboração dos objetivos
e indicadores a constar da agenda, além de estarem presentes em cada etapa da
avaliação, desde a sua definição, passando pelos métodos escolhidos para a efetuar até
à formulação e apresentação dos resultados. Surgem questões fundamentais como
“quem pede a avaliação? Qual o critério de escolha da metodologia? Qual o molde para
a apresentação dos resultados? No fundo, a que interesses servirá?” (Bush & Duggan,
2013: 10). Por outro lado, a capacidade de medir o impacto das políticas condiciona as
decisões dos Estados que exigem saber da aplicação dos fundos que atribuem (Bush &
Duggan, 2013: passim).
De referir ainda que tanto os constrangimentos políticos como os técnicos são
suscetíveis de oscilação consoante se enquadrem no nível de discussão política global,
no nível dos programas de desenvolvimento ou no nível dos projetos aplicados em
contextos concretos. Ou seja, se a nível macro (global) pode predominar sobretudo a
dificuldade de envolver na mesma agenda os domínios da segurança e os do
desenvolvimento face às necessidades e interesses de doadores e recetores, a nível
meso (das organizações, iniciativas diplomáticas, etc), podem verificar-se
maioritariamente entraves relacionadas com o alcance e a avaliação de resultados, isto
é, mais técnicas (Bush & Duggan, 2013: passim).
Tanto uns como os outros evidenciam igualmente a importância da clareza na
semântica utilizada, pois é daqui que muitos deles acabam por resultar. É fundamental
definir claramente os contornos das políticas de desenvolvimento, respetivos objetivos
e indicadores, pois disso dependerá a verificação dos resultados. Por sua vez, esta
verificação facilitará a confiança relativamente às políticas, da qual dependerão as
condições de financiamento, na ótica dos doadores e a recetividade, na ótica dos
beneficiários.
O tema da segurança na discussão internacional sobre o período pós-
2015
O enquadramento apresentado suporta a discussão prática em torno do futuro da APD.
Esta discussão é feita sobretudo no contexto dos ODM, cujo término de prazo 2015
torna urgente definir metas e objetivos que lhes sucedam. É fundamental refletir no
trabalho feito com os ODM, utilizando-o como ponto de partida para a criação de uma
nova agenda orientadora da política internacional para o desenvolvimento. Esta deveria
conseguir conjugar um caráter mais atualizado, mais flexível e assertivo, com um
caráter de continuidade refletindo a aprendizagem retirada do trabalho com os ODM
(Aryeetei, et al., 2012). Poderíamos depreender que o trabalho desenvolvido até aqui
serviria de estímulo à tomada de decisão dos agentes políticos ao nível da APD,
refletindo-se isso em ações mais concretas e menos influenciadas pelos
constrangimentos referidos anteriormente. Nomeadamente ao nível das questões de
segurança, que a esta altura se cimentassem conceitos e se ultrapassassem choques
de interesses de modo a permitir a existência de uma agenda de cooperação
internacional efetivamente concretivel e bem-sucedida.
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É neste contexto que se insere, justamente, o trabalho do Open Working Group
(doravante OWG)
3
. Este grupo de trabalho foi escolhido na Assembleia Geral das
Nações Unidas (na Cimeira Rio+20) em Janeiro de 2013 e fez-se constituir por cerca de
30 membros (representantes da sociedade civil, comunidade científica e das próprias
NU). A sua principal função foi basear-se no documento A New Global Partnership:
Eradicate Poverty and Transform Economies Through Sustainable Development (2013)
do Painel de Alto Nível das Nações Unidas
4
Concretamente, na oitava sessão do OWG para discussão dos ODS, em Fevereiro de
2014, a ordem de trabalhos contemplou especificamente o tema “Conflict prevention,
post-conflict peace-building and promotion of durable peace, rule of law and
governance” (OWG, 2014). Nesta sessão intervieram grupos representantes de
diversos sectores, nomeadamente da sociedade civil (como o Quaker United Nations
Office, o Iternational Peace Bureau ou a Global Task Force), de pses doadores
(nomeadamente a Coreia do Sul, a Alemanha, França e Suíça, e a Austrália, o Reino
Unido e os Países Baixos) e de países recetores (por exemplo, Timor Leste, o Ruanda e
a Zâmbia)
para criar propostas de potenciais Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS), eventuais sucessores dos ODM. Ao fim de 13
sessões, em Julho de 2014, o OWG lançou um documento onde plasma 17 objetivos e
respetivos indicadores que possam vir a constituir os ODS. Entre eles, o 16º objetivo
(“Promote peaceful and inclusive societies for sustainable development, provide access
to justice for all and build effective, accountable and inclusive institutions at all levels”
(OWG, 2014b: 5)) engloba a temática da paz, a importância da reconstrução pós-
conflito e chama a atenção para as consequências negativas dos fatores de insegurança
no desenvolvimento dos Estados (OWG, 2014b: 2 e 18-19).
5
As intervenções dos participantes na referida sessão deixam transparecer a
predominância de elementos da dimensão política e da dimensão técnica inicialmente
explanadas. Efetivamente, aquelas são condicionadas por questões como a abordagem
à ligação (se deve ser reativa ou preventiva, consoante considerem que se deve atuar
sobre os fatores de insegurança ou incentivar fatores de segurança); a abordagem à
presença do tema na agenda (direta ou mediada, consoante se deva inserir um
objetivo concreto sobre segurança ou associá-la a outros temas); a possibilidade de
avaliar e medir impactos e resultados; bem como a existência de sistemas de
monitorização e dados estatísticos que contribuam para aferir esses mesmos
resultados.
. Desde logo, tal espelha a multiplicidade de valores, perspetivas e objetivos
que é necesrio gerir nos debates sobre a futura agenda global para o
desenvolvimento (avel macro, neste caso).
Assim sendo, discutindo sobre a ligação segurança-desenvolvimento, os envolvidos
apresentam-se bastante ponderados. Ao afirmarem:
3
As referências feitas ao trabalho do Open Working Group, bem como os documentos analisados podem
ser consultados no site oficial
https://sustainabledevelopment.un.org/owg.html [última consulta em 6 de
Outubro de 2015]
4
Este Painel foi nomeado pelo Secretário-geral das Nações Unidas para delinear os primeiros contornos da
Agenda do Desenvolvimento pós-2015.
5
Os documentos referentes às intervenções estão disponíveis no site oficial do OWG em
https://sustainabledevelopment.un.org/topics/sdgs/group8 [última consulta em 6 de Outubro de 2015].
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The High Level Panel on the UN Post 2015 Development Agenda
calls for a transformative shift to recognize peace and good
governance as core elements of wellbeing (IPB, 2014: 1)
ou
“Inclusive, accountable and effective institutions are important
aspects of dealing with the past and preventing countries relapsing
into conflict or violence” (Gerber, 2014: 2)
ou ainda
“Resilience and peace are central to eradicating poverty, and
achieving sustainable and inclusive development (Borges, 2014:
2),
tanto a sociedade civil, como receptores e doadores se manifestam nitidamente
cautelosos no que diz respeito à hipótese de materializar essa ligação na futura agenda
do desenvolvimento através de um objetivo concreto.
Estas referências manifestam a preferência por uma abordagem preventiva e mediada,
significando isto desenvolver um objetivo que inclua questões de segurança,
maioritariamente a partir da associação dessas questões a outras áreas temáticas,
como a justiça, o direito e a boa governança, onde estão incluídos os princípios de
capacitação, apropriação, eficiência, confiança ou competência. De facto, é crucial
promover-se na nova agenda a construção de sociedades sólidas, robustas e capazes
(particularmente em contextos mais frágeis e menos desenvolvidos), de maneira a
aumentar progressivamente e de forma efetiva a sua responsabilização e sucessiva
apropriação das políticas de desenvolvimento que lhes dizem respeito.
Essa abordagem deveria, consequentemente, assentar na definição de objetivos, metas
e indicadores concretos que favorecessem uma avaliação coerente dos respetivos
resultados. Por outro lado, existe uma preocupação considerável face à existência dos
meios e recursos necessários à agregação do material necessário à avaliação (recolha
de dados e material estatístico, existência/criação/aperfeiçoamento dos sistemas de
monitorização), já que a maioria das intervenções lhes faz referência, ainda que isso
não se verifique em número considerável.
Isto é particularmente notório no discurso dos países doadores, onde a importância da
mensurabilidade/avaliação, como o acesso a dados estasticos e a
existência/criação/aperfeiçoamento dos sistemas de monitorização enquanto
pressupostos legitimadores da inclusão do tema da segurança na agenda global pós-
2015, figuram maioritariamente. Afirmações como
“what can be measured gets done” (Gerber, 2014: 3);
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the progress towards building peace and safe societies as well as
rule of law and governance should and can be measured(Gerber,
2014: 3);
ou
“We want to see goals and targets on governance and the rule of
law, peace, safety and justice for all” (Australia, et al., 2014: 3),
mostram que a existência de material estatístico viável para aferir os resultados dos
seus fluxos de ajuda, é um dos principais condicionamentos aos critérios de APD dos
doadores, sendo estes quem parece refletir mais sobre os aspetos técnicos inerentes à
inclusão da segurança na agenda pós-2015, quando a mesma é debatida.
É nítida a transversalidade de ambas as dimensões: ainda que a discussão sobre a
introdução do tema de forma direta ou mediada seja mais afetada por questões
políticas, tem sempre subjacente a componente técnica da criação de um objetivo.
Aliás, muitas alusões à dimensão técnica são precisamente direcionadas para a
possibilidade de precaver alguns constrangimentos políticos (fins e objetivos
securitários, por exemplo) e, através dessa causalidade, legitimar a eventual presença
do tópico da segurança na futura agenda para o desenvolvimento. Exemplo disso
mesmo é a perspetiva de doadores como a Austrália, o Reino Unido e os Países Baixos
que afirmam que o domínio dos instrumentos de avaliação e monitorização favorecem a
convergência entre os agentes do desenvolvimento:
Formulating tangible goals and targets will rally the international
community” (Australia, et al., 2014: 3).
Conclusões
Analisar o trabalho desenvolvido pelo OWG permite reflexões interessantes
nomeadamente em relação à teoria existente sobre a ligação entre a segurança e o
desenvolvimento, por exemplo no que diz respeito à dualidade segurança/insegurança.
Esta serve-lhe de enquadramento teórico na medida em que, envolvendo dois tipos de
abordagem (preventiva/reativa) à ligação segurança-desenvolvimento, a definição
daqueles conceitos se tornou fundamental para compreender a complexidade da
ligação estudada. No entanto, a própria dualidade parte da dimensão política
associada à ligação acabou por materializar um dos principais constrangimentos à
ligação segurança-desenvolvimento. Realmente, o facto de envolver as supracitadas
abordagens, que variam consoante se estimule a prossecução de fatores de segurança
ou o combate a fatores de insegurança, evidencia a vulnerabilidade conceptual
associada ao domínio da segurança e, invariavelmente, às questões que gravitam em
torno do mesmo. Essa vulnerabilidade, que torna o conceito passível de múltiplas
interpretações, algo permeáveis aos interesses e objetivos de quem as aplica,
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influenciará de forma importante a tomada de decisão por parte dos intervenientes na
discussão sobre os ODS.
Por outro lado, constata-se que as opiniões entre a literatura e a discussão prática
(neste caso, o 8º debate do OWG) divergem no grau de influência que associam a cada
dimensão mas convergem nos constrangimentos/oportunidades que delas fazem parte.
Isto significa que, embora uns e outros considerem as mesmas oportunidades e os
mesmos problemas colocados à manutenção do tema da segurança na agenda do
desenvolvimento, divergem relativamente ao vel de impacto que as dimensões em
que eles estão inseridos exercem sobre a tomada de decisão. Em resultado, a teoria
destaca a dimensão técnica e o trabalho prático de elaboração da futura agenda
destaca a dimensão política.
Finalmente, a avaliação enquanto salvaguarda de eventuais manipulações políticas é
um dos argumentos mais recorrentes por parte da literatura mais otimista em relação à
convergência entre a segurança e o desenvolvimento e evidencia a referida interligação
entre as questões políticas e os aspetos técnicos. Desta perspetiva, os elementos
técnicos parecem contribuir para um maior sentimento de confiança relativamente à
ligação segurança-desenvolvimento, já que bem estruturada, a monitorização servi
para moderar as intenções políticas mais ambiciosas. Apesar disto e de lhe serem
feitas referências importantes através da proposta de objetivos e metas por parte dos
intervenientes a dimensão técnica em que se inclui este tipo de preocupações, não
aparece tão destacada no trabalho prático.
Esta conclusão demonstra, portanto que, quer a dimensão política quer a dimensão
técnica influenciam de forma decisiva a manutenção de um objetivo de segurança na
agenda para o desenvolvimento pós-2015, na medida em que são condições
necessárias ao processo. Isto significa afirmar que, debatendo-se a existência de um
objetivo concreto sobre segurança na futura agenda global para o desenvolvimento,
aqueles constrangimentos verificar-se-ão invariavelmente.
Porém, o trabalho dos decisores políticos acaba inegavelmente mais subjugado a
constrangimentos de ordem política, algo particularmente patente na constante
preocupação em conferir consistência e coerência à discussão e ao tema em si.
Efetivamente encontrar solidez neste debate é crucial, uma vez que a segurança acaba
por ser um tema entre tantos outros que procuram lugar na futura agenda do
desenvolvimento. De maneira que, só alicerces fortes e argumentos bem
fundamentados poderão contribuir para a maior recetividade das agendas políticas à
presença do tema na discussão
6
Apesar disto, e da maior responsabilidade atribuída à dimensão política, a verdade é
que, nos debates em concreto, a componente mais estratégica da discussão não é
exponencialmente destacada para além da já mencionada preocupação com a
coerência do discurso. Interesses ou posicionamentos políticos claros relativamente à
inclusão de questões de segurança na agenda acabam por não ser observados de
.
6
Vale a pena remeter brevemente para o debate sobre “segurança humana” e as tentativas de introduzir a
noção na agenda internacional. Foi a sua vulnerabilidade conceptual diante das agendas políticas que
acabou por inviabilizar a evolução das discussões em torno do conceito e respetiva operacionalização. O
universalismo apontado como característica da segurança humana pressupunha a possibilidade de
múltiplas interpretações o que poderia representar, segundo os menos entusiastas, uma eventual
deturpação e perversão do conceito. Isto poderia, consequentemente, acarretar efeitos mais prejudiciais
que benéficos para a segurança dos povos, pelo que os debates sobre segurança humana não foram
muito mais adiante (Freitas, 2002).
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forma evidente nas declarações em análise. A área da segurança e a área do
desenvolvimento continuam, portanto, com dificuldades de ligação, especialmente no
contexto da cooperação internacional para o desenvolvimento. De maneira que, ainda
que figure nos debates, a eventual presença concreta do tema na agenda global para o
desenvolvimento permanece algo incerta.
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