JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 6, n.º 2 (Novembro 2015-Abril 2016), pp. 47-64
O referendo escocês de 2014: o processo político antes e depois do voto "Não"
Sandrina Ferreira Antunes
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povo escocês. O Reino Unido fez rapidamente as leis necessárias para estabelecer um
Parlamento devolvido à Escócia e a Lei da Escócia foi muito mais extensa do que o
proposto em 1979. Westminster reteve o poder relativamente aos assuntos externos,
defesa e segurança social, enquanto aos 129 membros do Parlamento em Edimburgo
lhes foi concedido o poder de legislar sobre uma ampla gama de políticas internas,
incluindo educação, desenvolvimento económico, saúde, habitação, direito, assuntos
internos e do governo local, assim como a capacidade de variar os índices de tributação
fiscal. Assim, no dia 18 de setembro de 2014, a Escócia enfrentou um referendo pela
terceira vez, mas agora a pergunta era sobre a independência política, uma questão
que poderia precipitar o desmembramento do Reino Unido (Pittock 2014: 2). Depois de
um governo de minoria entre 2007-2011 (Cairney 2011), em 2011, o SNP estava de
volta ao poder com uma maioria nas mãos, o que permitiu a Alex Salmond lançar um
terceiro referendo. Contudo, para Alex Salmond, este terceiro referendo era dirigido às
falhas constitucionais britânicas que impedem a Escócia de ser totalmente responsável
pelas suas políticas, de forma a ter melhor execução económica. Com efeito, embora o
Reino Unido possa ser definido como um estado devolucionista unido, a sua disposição
constitucional é comparável à das disposições federais, o que o torna difícil de
caracterizar, pois partilha uma característica-chave com os estados federais: uma
divisão frequentemente pouco clara das responsabilidades, visível sempre que os
governos perseguem o duplo objetivo de devolução das decisões e manutenção do
controle central (Keating 2005; 2009; Keating Cairney 2011: 88 e 89).
Por outras palavras, embora o acordo constitucional britânico pareça ser bastante
funcional e transparente, uma vez que tenta evitar conflitos transfronteiriços entre
camadas de governança (Lynch 2001: 17), as práticas políticas revelam uma relação
desequilibrada que não traduz uma divisão inconfundível de poderes entre os dois
conjuntos de instituições. De acordo com o artigo 5 da Lei da Escócia de 1998, um
certo número de áreas de intervenção encontram-se sobrepostos e interligados, como
os assuntos externos – a agricultura, as pescas, o ambiente e os fundos estruturais são
competências que foram devolvidas mas a Escócia não tem capacidade para conduzir
os seus próprios assuntos internacionais;
energia – a Escócia pode promover as
energias renováveis, mas não tem qualquer controlo direto sobre a regulação da
energia, já que a regulação da energia com origem na Escócia e o fornecimento de
energia elétrica são competências reservadas;
pobreza infantil – a Escócia tem o poder
de distribuir os serviços de saúde e educação, mas não tem poderes fiscais para alterar
impostos e prestações da segurança social. Por outro lado, relativamente à política
fiscal e monetária, o emprego e a segurança social são competências reservadas
retidas no centro. Por outras palavras, para o SNP, este terceiro referendo representou
uma oportunidade única de pôr em causa a divisão interna de competências dentro do
Reino Unido, a fim de legitimar as suas exigências nacionalistas no sentido de obterem
autonomia, utilizando um argumento económico para justificar essas afirmações.
Em janeiro de 2012, o governo britânico concordou em fornecer um quadro jurídico
para o referendo, e em outubro de 2012 foi alcançado um acordo entre os dois
governos (Jeffery e Perman 2014). O Acordo de Edimburgo
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O documento pode ser consultado aqui:
permitiu que o
Parlamento escocês fizesse uma única pergunta no referendo sobre a independência
política. As campanhas Yes Scotland e a Better Together foram lançadas em maio de
http://www.scotland.gov.uk/About/Government/concordats/Referendum-on-independence.