JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 6, n.º 2 (Novembro 2015-Abril 2016), pp. 34-46
A "modernização conservadora" da Rússia: como silenciar as vozes da oposição
Richard Rousseau
resultados globais aparentam ser uma modernização do sistema económico e da
sociedade conduzida por uma elite que fundiu com o domínio político com um maior
nível de autoritarismo
7
.
As elites governamentais transformaram-se num novo tipo de classe dominante -
semelhante à realeza - que hoje controla as muitas camadas de burocracias estatais e
paraestatais, instituições militares e entidades responsáveis pela aplicação da lei. Esta
classe está ligada às empresas russas através do uso de recursos administrativos e do
seu comportamento de procura de benefícios financeiros. Por exemplo, a maioria das
empresas geridas por ex-colegas de Putin na KGB – como o Presidente dos Caminhos
de Ferro russos Vladimir Yakunin ou Igor Sechin, o Presidente Executivo da Rosneft -,
duramente atingidos pelas sanções da UE e dos EUA provocadas pela guerra no Leste
da Ucrânia, receberam resgates do governo russo
8
. Estes interesses pessoais
constituem a sinergia e determinam o futuro da Rússia.
A classe dominante pós-soviética, em particular o grupo conhecido por "siloviki"
(aqueles "homens de uniforme” criados nos serviços secretos e policiais e no Exército
Soviético), chegou ao comando do poder durante a primeira presidência de Putin
(2000-2008) e efetivamente alienaram-se do tecido social russo
9
. O fosso entre a
classe dominante e os russos comuns é semelhante ao que encontramos nos países
mais pobres do terceiro mundo. Devido a este fosso cada vez maior entre governantes
e governados, os sociólogos russos diagnosticaram um aprofundamento da crise
económico-social na Rússia contemporânea.
O semi-autoritário "novo projeto de integração para a Eurásia"
10
, de Putin, que
supostamente visa proporcionar a possibilidade de um salto civilizacional para o século
XXI, tornou-se de facto uma barreira à mudança social
11
. A "modernização
conservadora" de Putin, que tem predominado no discurso oficial da Rússia desde
2011, tem, de fato, sancionado a proteção social e o prolongamento do status quo, e
passou a simbolizar apenas as boas intenções e interesse dos poderes constituídos
12
.
Este estilo de modernização tem pouco em comum com as ideias dos modernizadores
da Europa Ocidental do século XX
13
.
Para alguns observadores russos, é comparável ao
dos "obstrucionistas" e "reacionários" da época da "estagnação" sob a liderança de
Leonid Brezhnev
14
.
7
Mezrich, B. (2015). Once Upon a Time in Russia: The Rise of the Oligarchs. A True Story of Ambition,
Wealth, Betrayal, and Murder. Atria Books.
8
Miller, Chris (2015). Russia’s Economy: Sanctions, Bailouts, and Austerity. Foreign Policy Research
Institute, fevereiro. Disponível em: http://www.fpri.org/articles/2015/02/russias-economy-sanctions-
bailouts-and-austerity
9
Veja-se Hoffman, D. E. (2011). The Oligarchs: Wealth And Power In The New Russia. Public Affairs,
Revised Edition; Illarionov, Andrey (2009). The Siloviki in Charge. Journal of Democracy, 20 (2), pp. 69-
72.
10
Putin, Vladimir (2013). A New Integration Project for Eurasia: The Future in the Making. Izvestia, 3 de
outubro (Reproduced on the Permanent Mission of the Russian Federation to the European Union
website). Disponível em: http://www.russianmission.eu/en#sthash.H1eXjC3e.dpuf
11
Inozemtsev, Vladislav (2010). Russie, Une Société Libre Sous Contrôle Autoritaire. (Russia – A Free
Society Under Authoritarian Control). Le Monde Diplomatique, Nº.10, pp 4-5.
12
Veja-se Inozemtsev, Vladislav (2010). Istoriya i Uroki Rossiyskikh Modernizatsiy. (The History and
Lessons of Russian Modernisations). Rossiya i Sovremenniy Mir, Nº 2 [67], abril-junho, pp. 6-11; Trenin,
Dmitri (2010). Russia’s Conservative Modernization: A Mission Impossible? SAIS Review, Volume 30,
Número 1, Inverno-Primavera, pp. 27-37.
13
Von Laue, Theodore H. (1987). The World Revolution of Westernization. The Twentieth Century in Global
Perspective. Oxford, Nova Iorque: Oxford University Press.
14
Inozemtsev, Vladislav (2010). O Tsennostyakh I Normakh. (On values and Norms). Nezavisimaya Gazeta,
5 de Março, p. 3.