OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 32-43
COMUNICAÇÃO VERBAL: UM FATOR ESSENCIAL NO COMÉRCIO
INTERNACIONAL
Sandra Ribeiro
sandra.chillout@gmail.com
OBSERVARE, Observatório de Relações Exteriores, Universidade Autónoma de
Lisboa (Portugal)
Maria João Ferro
mjoaofv@gmail.com
Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa (CLUNL)
Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL, Portugal)
Resumo
O estabelecimento de uma relação comercial é uma ação complexa, influenciada por
diferentes variáveis. Quando abordamos o contexto internacional a complexidade é ainda
maior, cabendo à comunicação entre os atores comerciais um papel crucial. Nesse sentido, a
promoção de uma comunicação verbal efetiva e sem entraves entre os parceiros
internacionais é crucial para o sucesso de qualquer transação.
É neste âmbito que a economia da língua ganha relevância, permitindo a inclusão da língua
falada pelos parceiros comerciais como um dos fatores explicativos do comércio internacional,
surgindo nos modelos gravitacionais explicativos dos fluxos de comércio entre países como
um elemento facilitador das trocas comerciais ou, pelo contrário, como um entrave na relação
comercial.
Os estudos na área da economia da língua revelam que as relações económicas são
fortemente influenciadas pela língua, mas as escolhas linguísticas podem ser também
influenciadas por fatores económicos, razão pela qual esta é uma relação bilateral. O estudo
que aqui apresentamos incide sobre a forma como a comunicação verbal (medida pela
proximidade linguística, ou seja, um maior ou menor grau de semelhança entre a língua falada
por dois parceiros comerciais) influencia as relações comerciais estabelecidas num contexto
internacional.
Neste estudo, concluímos que, com os dados relativos ao volume de exportações portuguesas
para 2015, a facilidade de comunicação verbal com o parceiro comercial tem uma influência
positiva no aumento das trocas comerciais em termos empíricos, esta conclusão é
corroborada pelo facto de Espanha ser o principal parceiro comercial de Portugal.
Concluímos que o fator língua não está a ser bem aproveitado pelo Estado português, na
medida em que a proximidade linguística poderia servir para uma maior promoção das
exportações portuguesas, nomeadamente com os países que compõem a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP) e com os que integram o Mercado Comum do Sul
(Mercosul).
Palavras chave
Comércio Internacional; Comunicação Verbal; Economia Internacional; Modelo Gravitacional;
Multilinguismo.
Como citar este artigo
Ribeiro, Sandra; Ferro, Maria João (2020). "Comunicação verbal: um fator essencial no
comércio internacional". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 11, N.º 1, Maio-
Outubro 2020. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.3
Artigo recebido em 13 de Agosto de 2019 e aceite para publicação a 30 de Março de 2020
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Comunicação verbal: um fator essencial no comércio internacional
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COMUNICAÇÃO VERBAL: UM FATOR ESSENCIAL NO COMÉRCIO
INTERNACIONAL
Sandra Ribeiro
Maria João Ferro
1. Introdução
O homem não consegue organizar-se em sociedade se não tiver um sistema que lhe
permita comunicar com o outro. Apesar de a comunicação não ser exclusiva dos seres
humanos, na medida em que existem animais que dispõem igualmente de sistemas
estruturados que permitem a comunicação entre os membros de uma espécie, a
linguagem humana distingue-se pelo seu enorme potencial criativo com um número
limitado de signos linguísticos, o ser humano é capaz de produzir um número ilimitado
de expressões. A comunicação não depende, porém, apenas da linguagem verbal, na
medida em que a comunicação não verbal desempenha um papel fundamental para o
sucesso da interação humana ― os gestos, as expressões faciais, o silêncio, todos estes
elementos contribuem para o estabelecimento de relações interpessoais.
É nesta linha que se insere o desenvolvimento das relações comerciais bilaterais: sem a
existência de um sistema estruturado e partilhado, as relações interpessoais, inter-
grupos e interorganizações não são possíveis; logo, as trocas comerciais o se não
impossibilitadas, pelo menos extremamente dificultadas quando não existe uma base
linguística de entendimento.
É nosso objetivo neste artigo demonstrarmos a importância da comunicação verbal no
comércio internacional, consubstanciada no fator “língua”, o sistema de comunicação
estruturado e partilhado que garante a inteligibilidade entre os parceiros comerciais.
Começaremos, portanto, por desenvolver o tópico da economia da língua, passando
depois para a análise do papel da comunicação verbal nas trocas comerciais
internacionais. No ponto 4, abordaremos a comunicação como fator determinante nos
modelos gravitacionais, seguindo-se a apresentação da metodologia e dos resultados.
Por fim, concluímos com algumas observações e recomendações.
2. A Economia da Língua
A relação entre a língua e a ciência económica foi formalmente descrita na década de
1960 por Jacob Marschak (1965), que cunhou o termo “economics of language”, ou seja,
a “economia da língua”. Na análise que propôs, o autor considerou conceitos económicos,
como custo e benefício, aplicados à língua.
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Os estudos na área da economia da língua revelaram já que as relações económicas são
fortemente influenciadas pela língua, mas as escolhas linguísticas podem ser também
influenciadas por fatores económicos, razão pela qual esta é uma relação bilateral. As
três grandes áreas de investigação neste campo giram em torno dos seguintes eixos:
- migração: estudando-se, por exemplo, a influência do domínio da língua falada no
país anfitrião sobre o rendimento pessoal dos imigrantes;
- investimento direto estrangeiro: analisando-se a forma como as escolhas que os
investidores fazem podem ser motivadas pela língua falada no país em que decidem
investir; e
- comércio internacional: examinando-se concretamente o papel determinante da
língua nas relações bilaterais no contexto do comércio internacional.
Em todas estas áreas de estudos, a língua sobressai como um fator que pode constituir
uma mais-valia ou, pelo contrário, uma barreira em cada setor da vida social, quer na
esfera do indivíduo, quer na esfera das organizações. Considerando a imigração, por
exemplo, a escolha do país para onde o imigrante pretende dirigir-se é, muitas vezes,
condicionada ou, pelo menos, influenciada pelo domínio da ngua falada nesse país ou
pela facilidade de aprendizagem dessa língua (Adserà e Pytliková, 2015). Nesta medida,
a aprendizagem da língua falada num país (ou de uma das línguas faladas no país em
casos de sociedades multilingues) resulta num acréscimo real do rendimento pessoal de
um imigrante. Analisando a endogeneidade entre língua e rendimento, Chiswick e Miller
(1995) consideram que o “ajustamento linguístico”, ou seja, o desenvolvimento da
fluência na língua do país anfitrião, influencia os resultados do mercado de trabalho,
concretamente os salários auferidos pelos imigrantes.
O estudo que aqui apresentamos parte do mesmo princípio de que a ngua é um bem
valioso, mas insere-se na última vertente acima apresentada, na medida em que
analisamos de que forma a comunicação (medida pela proximidade linguística, ou seja,
um maior ou menor grau de semelhança entre a língua falada por dois parceiros
comerciais) influencia as relações comerciais estabelecidas num contexto internacional.
3. A comunicação verbal e as trocas comerciais internacionais
O processo de globalização, baseado essencialmente na integração económica e cultural,
sentido nas últimas décadas tem vindo a provocar transformações profundas, tanto a
nível cultural como económico. Este movimento foi intensificado exponencialmente pela
criação e popularização de diversas tecnologias que adquiriram um papel fundamental
não para o desenvolvimento da economia mundial, mas também a nível cultural.
As redes de comunicação neste mundo globalizado, cada vez mais rápidas e eficientes,
permitiram a comunicação e o acesso rápido a qualquer parte do globo de forma
instantânea, contribuindo, assim, para a intensificação das trocas a nível internacional.
O comércio internacional representa para as economias dos países a expansão ilimitada
dos mercados, tendo este processo sido acelerado exponencialmente pela facilidade
crescente verificada nas comunicações.
Rahman (2014) defende que as empresas que tentam “conspirar” conseguem obter
benefícios substanciais ao vel da comunicação, especialmente com a ajuda de uma
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associação comercial. A linguagem verbal é essencial para a comunicação num contexto
comercial, influenciando diversos aspetos na área económica, como sejam a comunicação
efetiva nos negócios e no comércio internacional, as oportunidades de emprego e o
turismo, entre outros. Do ponto de vista das organizações, a ngua pode tornar-se
igualmente uma barreira ou um incentivo. Segundo Ginsburgh e Weber (2018, p. 6),
“Learning (or not learning) foreign languages results from several economic incentives.
The main is obviously trade.”
Entre outros aspetos relevantes, a escolha de um parceiro comercial deve considerar as
possibilidades de comunicação entre ambos os parceiros. Ferro e Ribeiro (2016)
apresentam cinco estratégias linguísticas que os parceiros comerciais podem utilizar no
caso concreto de comunicação aquando do estabelecimento de uma relação comercial,
são elas:
- ambos os parceiros podem dominar a mesma língua e, portanto, usá-la para
comunicar, como é, por exemplo, o caso da comunicação realizada entre uma empresa
brasileira e uma empresa portuguesa, já que o português é a língua oficial de ambos
os países;
- os parceiros podem recorrer à intercompreensão, ou seja, cada um dos parceiros pode
usar a sua própria língua e ser percebido pelo outro em certa medida, esta é uma
possibilidade viável quando se estabelece uma relação comercial entre Portugal e
Espanha, dado que a comunicação é estreita entre falantes de português e falantes
de espanhol, com a ressalva, tal como defendido por Ferro e Costa (2016), de que os
falantes de português têm mais facilidade de compreender os falantes de espanhol,
não só por questões culturais que influenciam a atitude dos falantes de espanhol, mas
também, e muito concretamente, por razões fonéticas, que têm a ver, entre outros
aspetos, com a qualidade das vogais do português;
- ambos os parceiros podem optar por uma das suas línguas, desde que o outro a
domine durante muitos anos o francês foi a principal língua estrangeira falada em
Portugal; apesar de ter sido progressivamente substituída pelo inglês, ainda continua
a ser uma das línguas estrangeiras mais faladas pelos portugueses (Comissão
Europeia, 2012). Assim, e no caso de uma empresa portuguesa que pretenda
estabelecer uma relação comercial com uma empresa francesa, existirá a possibilidade
de ser estabelecida a comunicação em francês;
- na falta de uma língua comum, os parceiros podem optar por utilizar uma língua
estrangeira que ambos dominem e que possivelmente será uma lingua franca no seu
setor de atividade ou na região geográfica em que se encontram para uma empresa
portuguesa, essa língua poderá ser o inglês, a língua estrangeira mais falada e mais
aprendida em Portugal atualmente (Comissão Europeia, 2012; Eurostat, 2015);
- se nenhuma das possibilidades de comunicação direta acima enumeradas for viável,
será possível estabelecer a comunicação através de um mediador, que poderá ser um
profissional da língua (um tradutor ou um intérprete) ou alguém que atue no mercado
em causa especificamente como intermediário.
Na sequência de um estudo relativamente ao papel da língua no comércio internacional,
Melitz (2008, p. 672) defende que
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The underlying hypotheses about the signs of the influences of the
language variables in the study are fairly intuitive, but their full
importance comes out best when we focus on the possible
substitution between domestic and foreign trade. Different
languages are impediments to communication, therefore trade.
Para suplantar as barreiras à comunicação e, logo, ao estabelecimento de trocas
comerciais bilaterais, não é a partilha de uma língua comum que pode melhorar a
comunicação entre os parceiros comerciais e atuar como facilitador dessas relações, a
proximidade linguística, ou seja, o facto de duas línguas partilharem muitos traços em
comum (como o português, o espanhol, o francês, o catalão e o italiano, todas línguas
românicas com uma grande afinidade entre si) faz com que seja mais cil os falantes de
uma das línguas aprenderem a outra, o que terá também repercuses positivas no
comércio internacional.
4. A comunicação como fator determinante nos modelos gravitacionais
Tinbergen (1962) foi pioneiro na aplicação da equação da lei da gravidade para analisar
os fluxos de comércio internacional, fazendo com que o modelo gravitacional do comércio
internacional seja baseado na teoria da gravidade de Newton. Desde então, o modelo
gravitacional tornou-se um instrumento popular na análise empírica do comércio a nível
internacional. Meltiz (2008) defende que a utilização do modelo gravitacional implicará a
existência de duas vantagens básicas: primeiro, o modelo tem sido a ferramenta
exclusiva em pesquisas semelhantes até ao momento e, em segundo lugar, e mais
significativamente, considera que o modelo é particularmente adequado, uma vez que
se concentra nas barreiras ao comércio.
De acordo com o modelo gravitacional básico, as exportações do país i para o país j são
explicadas, de início, pela sua dimensão económica (PIB ou PNB), e pelas suas distâncias
geográficas diretas. Assim, conclui que as exportações entre dois países estão
positivamente relacionadas com o tamanho das suas economias e negativamente
relacionadas com fatores que indiciam a existência de barreiras ao comércio, sendo o
mais importante desses fatores a distância entre os dois países. O modelo inicial é
representado pelos modelos (1) e (2) apresentados de seguida:
T
ij
= f [
(GDP
𝑖
GDP
𝑗
)
D
𝑖𝑗
] (1)
T
ij
= β
0
(GDP
i
. GDP
j
)
β
1
. D
ij
β
2
. e
ε
(2)
Posteriormente, o modelo foi sofrendo algumas alterações e foram sendo acrescentadas
novas variáveis. Neste sentido, muitas consideravam apenas a característica de alguma
variável, constituindo uma variável dummy (uma variável binária que assume o valor de
1 quando a característica a analisar se verifica e 0 em caso contrário).
Ao longo do tempo, o modelo inicial foi sendo melhorado e expandido com diversas
variáveis que pretendem explicar os fluxos comerciais entre dois países. Assim, às
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variáveis básicas consideradas pelo modelo (PIB e distância), foram acrescentadas outras
variáveis, tais como população, PIB per capita (Bergstrand, 1990), dimensão do país e
afinidade comunicacional.
Neste sentido, Melitz e Toubal (2014) referem que os modelos gravitacionais utilizados
para explicar o comércio internacional incluem geralmente alguma variável linguística,
que pode corresponder à língua oficial do país e/ou às línguas estrangeiras dominadas
por uma grande parte da população desse país. Vários estudos como Helliwell (1998),
Melitz (2008), Egger e Lassmann (2012) estabeleceram a relação entre a partilha de
uma língua comum e o volume de transações comerciais estabelecidas entre dois países.
Meltiz (2008) afirma que, sem controlar outras barreiras e mais-valias para o comércio
além da língua distância, associação política, relações entre ex-colónias e outras
seria difícil, se não impossível, fazer inferências sobre os efeitos linguísticos como tais.
A equação do modelo gravitacional implica a logaritmização das suas variáveis,
originando um modelo log-log. Assim, um exemplo de um modelo aumentado de outras
variáveis poderá ser apresentado tal como no modelo (3), na seguinte forma:
Ln(T
ij
) = β
0
+ β
1
Ln (PIB
i
PIBj) + β
2
LnD
ij
+ β
3
Lang
ij
+ β
4
Cont
ij
+ β
5
RTA
ij
+ ε
ij
(3)
Onde i e j representam os países e as variáveis são definidas como:
T
volume de trocas comerciais (considerando só exportações, ou só importações ou ambas)
existente entre dois países;
PIB PIB real;
D Distância;
Lang variável dummy que assume o valor 1 quando i e j partilham uma língua comum e 0 em
caso contrário;
Cont variável dummy que assume o valor 1 quando i e j partilham uma fronteira comum e 0
em caso contrário;
RTA variável dummy que assume o valor 1 quando i e j pertencem a uma área de comércio
livre e 0 em caso contrário.
A “variável “proximidade linguística” é, muitas vezes, utilizada com o objetivo de
quantificar a proximidade entre duas línguas. Esta foi utilizada no passado por diversos
autores: Chiswick e Miller (2005) utilizaram os resultados de testes de avaliação em
contexto de aprendizagem de uma língua estrangeira; Melitz (2008) realizou a divisão
entre línguas de circuito aberto e línguas de comunicação direta; Lohman (2011) criou o
Índice da Barreira Linguística (Language Barrier Index, no original). Ferro e Ribeiro
(2016) criaram um método de classificação da proximidade linguística baseado em
critérios linguísticos, concretamente critérios etimológicos, a partir dos quais
organizaram as línguas segundo a família linguística a que pertencem.
5. Metodologia e resultados
Com o objetivo a que nos propusemos de analisarmos a relação entre as exportações
portuguesas e a proximidade linguística que existe entre Portugal e os países
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considerados os seus principais parceiros comerciais, elaborámos diversos estudos. Em
todos eles, utilizámos o modelo gravitacional, que é o instrumento econométrico mais
comummente utilizado para o estudo do comércio internacional, tendo os seus
fundamentos teóricos sido explorados, por exemplo, nos trabalhos de Anderson (1979),
Helpman e Krugman (1985) e Kalirajan (1999). O incremento da utilização deste modelo
deve-se principalmente à sua facilidade de implementação, bem como ao sucesso que
foi tendo na análise dos fluxos comerciais de diversos países, e até blocos económicos,
estudados.
Embora o nosso enfoque seja a comunicação verbal, é de salientar o facto de que os
modelos gravitacionais incluem outras variáveis cujos autores consideram com
capacidade para explicar as trocas comerciais a nível internacional. Muitos estudos têm
sido elaborados relacionando estas variáveis.
Egger e Lassmann (2012) analisam o efeito de 701 coeficientes captados por distâncias
linguísticas em 81 artigos publicados entre 1970 e 2011 em 24 periódicos. Concluem
que, para uma distância inferior a 10% entre os dois países, o seu comércio aumenta
cerca de 5%. Melitz e Toubal (2014), por outro lado, usam o modelo de comércio bilateral
(para 200.000 observações sobre as transações realizadas de 1998 a 2007) com o
objetivo de destrinçar os muitos efeitos que as línguas podem exercer sobre o comércio.
Neste seguimento, constroem quatro tipos de distâncias bilaterais entre os países: língua
oficial comum, língua materna comum, língua falada comum e distâncias linguísticas,
pois consideram que cada um deles tem um papel específico na facilitação da
comunicação entre os cidadãos de ambos os países envolvidos nas trocas comerciais.
Krisztin e Fischer (2014) utilizam também a variável dummy “língua comum” no modelo
gravitacional no estudo de 21.170 observações que traduzem os fluxos bilaterais entre
146x145 pares de países. Concluem que o impacto no fluxo comercial poderá ser perto
de 90% maior no caso de os países partilharem a mesma língua.
Neste âmbito, também já realizámos diversos estudos, relacionando os fluxos de
comércio entre os países com a proximidade linguística. Em Ferro e Ribeiro (2016), foram
agrupados 56 países principais parceiros comerciais de Portugal (em 2013) de acordo
com suas famílias linguísticas. Os critérios subjacentes à classificação foram: (i) critérios
linguísticos: as línguas foram classificadas de acordo com um princípio etimológico,
baseado na sua família linguística; (ii) semelhança entre idiomas: dado que o português
é uma língua românica, incluíram-se neste grupo as línguas pertencentes a essa família
para explicar a semelhança entre elas; (iii) línguas estrangeiras: onde se incluíram quatro
línguas: o inglês (a ngua estrangeira mais comummente estudada em Portugal) que é
uma ngua germânica, seguida por duas línguas românicas (francês e espanhol) e depois
outra germânica, o alemão. O objetivo foi analisar se o facto de a língua do parceiro
comercial pertencer a cada uma dessas famílias de línguas tem relação direta com as
exportações portuguesas para aquele país. No estudo, encontra-se o suporte para uma
das suas hipóteses de base ― concretamente o facto de que as exportações portuguesas
são maiores para países que compartilham uma língua semelhante. Conclui-se, portanto,
que uma relação direta entre o volume das exportações portuguesas e o facto de o
país de destino ter uma língua oficial românica. Uma vez que esta é também a família
linguística do português, este resultado era esperado, dado que, quando os países
partilham a mesma língua, a barreira linguística é apagada, facilitando a comunicação
entre ambos e, desta forma, estabelecendo uma comunicação mais próxima; logo, os
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custos tendem a ser mais baixos o mesmo se passa, embora em muito menor medida,
quando existe uma proximidade linguística entre as línguas faladas em ambos os países.
Assim, introduzimos uma nova variável denominada “ProxLing”, que pretende capturar
a proximidade linguística entre dois países. Definimos essa variável levando em
consideração o idioma oficial do país de destino, que deveria ser português, espanhol ou
inglês. O nosso objetivo era captar um efeito triplo: com esta variável, identificámos os
países que partilham uma ngua comum com Portugal, mas também incluímos aqueles
que têm o espanhol como língua oficial para refletir a proximidade linguística, e os que
têm o inglês como língua oficial para capturar o efeito da língua estrangeira mais
estudada e falada em Portugal.
Em Ribeiro e Ferro (2017) foi apresentada a relação entre o volume de exportações de
Portugal para os seus 98 principais parceiros comerciais em todo o mundo em 2013,
considerando a pertença desses países à União Europeia (UE) ou ao Mercosul e a
proximidade linguística entre as línguas oficiais desses países e o português. Tendo em
conta apenas os países pertencentes ao bloco económico UE, organizámo-los consoante
a família linguística a que pertence a sua língua oficial. Na linha de um estudo que
havíamos efetuado anteriormente (Ferro e Ribeiro, 2016), propusemos uma abordagem
tripla para a influência da língua no comércio externo português, após agruparmos os 28
estados-membros da UE segundo as suas famílias linguísticas. Dado que, nesta fase do
nosso estudo, nos interessava isolar as duas famílias linguísticas mais relevantes para o
comércio externo de Portugal ― tendo em conta a classificação do português e também
as políticas linguísticas do país no que toca ao ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras classificámos todas as restantes línguas como pertencentes ao grupo
Outras, eliminando assim a necessidade de uma classificação mais pormenorizada.
Concluímos que existe uma relação direta entre o volume das exportações portuguesas
e o facto de o país de destino ter uma língua oficial românica. Quando dois países
compartilham o mesmo idioma ou um idioma muito semelhante, a barreira
comunicacional é esbatida ou mesmo eliminada e, consequentemente, os custos de
transação tendem a ser mais baixos. Concluímos também que tendo em consideração
todos os Estados-Membros da UE, o volume das exportações portuguesas é superior para
os os países cuja língua oficial é semelhante à portuguesa.
Apesar de, nestes estudos apresentados, ser notório o impacto da comunicação no
comércio internacional, e de forma a considerarmos dados mais recentes, realizámos a
análise para o volume de exportações portuguesas em 2015, considerando os principais
61 parceiros comerciais de Portugal, estudando a seguinte equação (modelo 4):
Ln(Tij) = β0 + β1 Ln PIB + β2 UE + β3 LnDij + β4 ProxLingj + εij (4)
Onde, as variáveis representam o seguinte:
T volume de exportações entre dois países (neste caso: Portugal e o seu parceiro comercial);
PIB PIB real;
UE - variável dummy que assume o valor 1 se o país pertence à UE e 0 em caso contrário;
D Distância;
ProxLingi variável dummy que assume o valor 1 se i e j têm Proximidade linguística com
Portugal (língua falada: português, espanhol ou inglês) e 0 em caso contrário.
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Tabela 1 - Resultados da estimação do modelo (4)
Variáveis Explicativas
Coeficiente MMQ
Coeficiente estandardizado
(Beta)
Constante
17,036
(1,939)
------
LnPIB
0,421
(0,53)
0,622
UE
-0,062
(0,306)
-0,021
LnD
ij
-1,109
(0,197)
-0,588
ProxLing
0,971
(0,233)
0,319
F = 30,375
R
2
= 0,685
Fonte: elaboração própria
Notas:
Números entre parêntesis são os desvios padrão. Nível de significância de 5%.
Após a realização do estudo da regressão obtida pela utilização do programa informático
SPSS, é de referir que o impacto de todas as variáveis explicativas consideradas no
modelo foi analisado considerando os seguintes indicadores: (i) teste de significância
global (teste F); (ii) teste de significância individual (teste t), considerando, em ambos,
um nível de significância de 5%, e (iii) coeficiente de determinação (R
2
). Neste
seguimento, e de todas as variáveis apresentadas no quadro, os resultados obtidos
revelam que aquela que tem maior capacidade explicativa no nível de exportações é a
proximidade linguística.
Assim, tal como seria de esperar, o facto de um país pertencer à UE tem um impacto
positivo no volume das exportações portuguesas para esse destino, não devido à
importância de pertencer a um mesmo bloco económico, mas também pela questão da
relativa proximidade física que se verifica entre todos os estados-membros da UE. De
facto, pudemos verificar também que o aumento da distância tem um efeito negativo no
volume de exportação, fazendo-o diminuir em 1,109% por cada aumento de 1% no
número de quilómetros que separam ambos os países (contabilizando a distância entre
capitais).
Na linha de estudos que realizámos anteriormente (cf. Ribeiro e Ferro, 2017), também
neste verificámos uma relação direta entre o volume das exportações de Portugal para
um determinado país e a língua oficial desse mesmo país estando em causa um país
de língua oficial românica, existe uma relação positiva e com grande capacidade
explicativa entre o volume de exportações e a proximidade linguística das línguas oficiais
dos dois países envolvidos na relação bilateral. Essa proximidade linguística foi medida
através da variável ProxLing, que inclui o português, o espanhol e o inglês. Esta última
língua foi incluída na variável não pela sua efetiva proximidade com o português, na
medida em que se trata de uma língua de outra família linguística (germânica e não
românica), mas, sim, porque, devido às políticas linguísticas implementadas em Portugal,
o inglês é um idioma falado por grande parte da população.
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Ao esbater ou eliminar a barreira comunicacional, a proximidade linguística permite que
os custos de transação baixem. Estas conclusões são consentâneas com o modelo
gravitacional, tal como apresentado.
Conclusão
A crescente internacionalização das economias tem vindo a implicar uma importância e
valorização cada vez maior do fator língua. Especialmente num contexto global que
impele fortemente a economia portuguesa para a internacionalização, o fator língua
enquanto facilitador da comunicação nas trocas comerciais a nível internacional revelou-
se um eixo de extrema relevância.
Neste sentido, a escolha de um parceiro comercial deverá ter em consideração, entre
outros fatores, a língua. Sendo a comunicação entre os parceiros económicos um fator
essencial para o sucesso da relação, é de todo o interesse desses parceiros eliminarem,
ou esbaterem, as barreiras linguísticas, para assim poderem diminuir os custos das
transações comerciais.
Neste estudo, concluímos que, com os dados relativos ao volume de exportações
portuguesas para 2015, a facilidade de comunicação verbal com o parceiro comercial tem
uma influência positiva no aumento das trocas comerciais em termos empíricos, esta
conclusão é corroborada pelo facto de Espanha ser o principal parceiro comercial de
Portugal, salientando o facto de, como apresentado, outras variáveis também o
explicarem, tal como a proximidade geográfica.
Em nosso entender, a questão da língua não está a ser bem aproveitada pelo Estado
português, na medida em que se podia tirar mais partido da proximidade linguística para
a promoção de relações comerciais bilaterais com os países que compõem a Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e com os que integram o Mercado Comum do
Sul (Mercosul).
Por outro lado, a importância das políticas linguísticas e a influência que estas terão na
formação de gerações futuras de empreendedores não está também suficientemente
disseminada entre a população, apesar do enfoque atual na aprendizagem do inglês, que
constitui, sem dúvida, uma mais-valia para as gerações vindouras.
Consideramos, portanto, que, dada a relevância da proximidade linguística para a
facilidade de comunicação entre os parceiros comerciais e, consequentemente, para o
aumento do volume de exportações, o Estado português deverá desenvolver um conjunto
de políticas linguísticas que visem exatamente a promoção de relações comerciais com
base na proximidade linguística.
Na verdade, apesar de o rumo ainda não ser claro, a possibilidade de o inglês perder
algum terreno como a língua mais usada no seio da União Europeia está em cima da
mesa. É certo que dificilmente o inglês deixará, nos próximos tempos, de ser
a lingua franca em muitos setores da sociedade, concretamente no mundo dos negócios,
mas outras línguas poderão vir a ganhar preponderância. Numa nova organização
geopolítica, caberá às nguas reorganizarem-se e concretamente às entidades oficiais
portuguesas competirá aproveitar alguma margem de manobra que possa vir a existir,
capitalizando o potencial económico de que a língua portuguesa já dispõe hoje em dia.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 32-43
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