OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 1-18
A PROPOSTA NORMATIVA DE AXEL HONNETH
NA RENOVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Paulo Vitorino Fontes
pfontes@uevora.pt
Doutorado em Teoria Jurídico-Política e Relações Internacionais, Mestre e Licenciado em
Sociologia. Participou em projetos de intervenção social, no âmbito de programas europeus.
Autor e participante de vários projetos, exerceu funções de coordenação na Novo Dia
Associação para a Inclusão Social (IPSS). Foi Diretor Regional da Solidariedade Social. É
investigador do CICP - Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade de Évora
(Portugal). Tem como principais interesses de investigação a Ciência Política e a Filosofia Política.
Resumo
Neste trabalho pretendemos explorar alguns contributos da teoria normativa desenvolvida por
Axel Honneth, principalmente através da sua teoria do reconhecimento, que possam contribuir
para a renovação dos direitos humanos. Para tal, iremos inicialmente fazer algumas
considerações filosóficas acerca da justificação e do conteúdo dos direitos humanos,
explorando a dialética sobre a unidade e a diversidade dos direitos humanos, de forma a
estabelecer um diálogo entre as lutas pelos Direitos Humanos e a luta pelo reconhecimento.
Dessa forma, pretende-se afastar a temática dos direitos humanos da corrente inerente ao
pensamento filosófico kantiano fragilizada pelo descentramento da cultura europeia,
operado pelas reflexões pós-modernas do século XX e pela crítica do seu imperativo categórico
como puro dever de submissão bem como abrir espaço para uma renovação do seu discurso
que possibilite articulá-lo à confrontação de desafios cultural e historicamente delimitados.
Nesta articulação teórica incluiremos outras perspetivas críticas, quer sejam na vertente anti
utilitarista, quer sejam na vertente do paradigma da dádiva, com o fim de contribuir para a
renovação ética dos direitos humanos.
Palavras chave
Direitos Humanos, Honneth, reconhecimento, dádiva, ética
Como citar este artigo
Fontes, Paulo Vitorino (2020). "A proposta normativa de Axel Honneth na renovação dos
Direitos Humanos". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 11, N.º 1, Maio-
Outubro 2020. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.1
Artigo recebido em 14 de Julho de 2019 e aceite para publicação a 30 de Março de 2020
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A proposta normative de Axel Honneth na renovação dos Direitos Humanos
Paulo Vitorino Fontes
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A PROPOSTA NORMATIVA DE AXEL HONNETH
NA RENOVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
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Paulo Vitorino Fontes
Introdução
Os direitos humanos surgem no processo de formação do mundo moderno. o
influenciados na sua configuração pelos rasgos gerais da transição para a modernidade.
Como sublinha Gregorio Peces-Barba (1989: 268), os direitos humanos não são o
resultado abstrato de uma reflexão racional sobre o indivíduo e a sua dignidade, mas
uma resposta a problemas concretos em que estes estavam minados ou diminuídos, no
Estado absoluto e no contexto das guerras religiosas que se desenrolaram no século XVI.
Os primeiros direitos individuais, políticos e processuais que aparecem na história e que
constituem o núcleo das declarações da revolução liberal o são resultado de uma
grande reflexão racional, mas uma resposta a uma situação concreta existente na Europa
e nas colónias dos países europeus, nos séculos XVI e XVII. Embora sejam valorizados a
partir de ideias gerais, na sua deliberação foi surgindo o consenso sobre o catálogo inicial
dos direitos humanos. Desta forma, como destaca Peces-Barba (1989: 269), toda a
tentativa de fundamentação, justificação ou de renovação racional dos direitos humanos
deverá ter em conta o seu ponto de partida histórico, desde o dissenso e da luta em
relação à situação jurídica e política do Estado absoluto.
Com o passar dos anos e das lutas, encontramos na Declaração Francesa de 1789 e nas
declarações de direitos norte-americanas o momento de emancipação histórica do
indivíduo perante os grupos sociais a que sempre se submeteu: a família, o clã, o
testamento e as ordens religiosas. Convocando o raciocínio de Fábio Konder Comparato
(2010: 68), importa referir que o terreno, nesse campo, fora preparado há mais de dois
séculos atrás. Por um lado, a reforma protestante enfatizou de uma forma decisiva a
importância da consciência individual relativamente à moral e à religião. Por outro lado,
desenvolveu-se a cultura da personalidade de exceção, do herói que forja sozinho o seu
destino e os destinos do seu povo, como foi expresso sobretudo na Itália renascentista.
A evolução dos direitos humanos tornar-se-ia muito mais substantiva a partir de 1945,
com o emergir da Segunda Guerra Mundial, após massacres e atrocidades de todo o tipo,
iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30,
1
Este trabalho resulta do último capítulo, revisto e atualizado, da tese de doutoramento do autor (Fontes,
2016).
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a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer época da
História, o valor supremo da dignidade humana. O sofrimento como
matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo lição
luminosa da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica
dos direitos humanos. (Comparato, 2010: 68-69)
A Declaração Universal aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de
dezembro de 1948 e a Convenção Internacional para a prevenção e punição do crime e
do genocídio, aprovada um dia antes também no quadro das Nações Unidas, constituem
os marcos inaugurais da nova etapa histórica, que se encontra em pleno
desenvolvimento.
Não podemos renunciar, por conseguinte, ao desafio de Comparato em encontrar um
fundamento que ultrapasse a organização estatal na prática dos direitos humanos. Para
Comparato (2010: 72), esse fundamento pode ser a "consciência ética coletiva, a
convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da
condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância,
ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos
internacionais". Essa consciência ética coletiva expande-se e aprofunda-se no decurso
da História. "A exigência de condições sociais aptas a propiciar a realização de todas as
virtualidades do ser humano é, assim intensificada no tempo, e traduz-se,
necessariamente, pela formulação de novos direitos humanos" (Comparato, 2010: 79).
Neste sentido, o desafio que perseguimos neste trabalho é de contribuir para uma
ampliação e renovação ética dos direitos humanos, invocando alguns pressupostos
autênticos do espaço da política, como são o reconhecimento e a dádiva.
A justificação dos direitos humanos é um problema que coloca dificuldades acrescidas no
caminho de quem pretende defender os ideais próprios deste discurso. A sua justificação,
segundo uma metafísica da não objetificação do ser humano, na sequência da tradição
filosófica kantiana, embora defendida por muitos autores e autoras, encontra-se
fragilizada no pensamento contemporâneo. O recurso ao imperativo categórico
transcendental kantiano constitui o duplo problema de apoiar-se numa visão teísta do
mundo, como forma de explicar a existência de uma verdade absoluta (Kelsen, [1960]
1998) que poderá não encontrar sustento no pensamento contemporâneo e,
simultaneamente, resultar numa norma vazia, um puro dever ser (Agamben, 2007: 58-
69).
Além disso, o descentramento do saber operado pela história e pela cultura descobre, a
todo momento, a parcialidade e contingência das verdades metafísicas. Como
consequência, são comuns as oposições ao discurso dos direitos humanos pelo seu
pretenso etnocentrismo, a sua negação da historicidade do sujeito e o seu claro
enquadramento num extenso histórico de práticas políticas intervencionistas ocidentais.
Para além disso, a longa e pluralíssima lista de direitos humanos encontra suporte
simplesmente circular na dignidade da pessoa humana, princípio jurídico cuja
inteligibilidade está condicionada à realização dos próprios direitos a que dá sustento.
Nos nossos dias enfrentamos a galopante expansão a todos os cantos do mundo do modo
de vida ocidental. Com frequência, sob o véu da razão e da ilustração do ocidente, têm
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sido subjugadas outras culturas através de um capitalismo global inigualitário cujas
consequências não são, de uma forma evidente, nem racionais nem humanas.
Neste contexto, Seyla Benhabib (2008: 179) sublinha que "o legado do racionalismo
ocidental tem sido usado e abusado, ao serviço de instituições e práticas que não
suportam o escrutínio da mesma razão que declaram expandir". Para a autora, ao mesmo
tempo que o planeta se converte materialmente num único mundo, importa compreender
como se podem reconciliar as pretensões de universalidade com a diversidade de formas
de vida. O que aliás, constitui um tema relevante para as Relações Internacionais, a
complexa dialética do universalismo e do relativismo ou a unidade e diversidade dos
direitos humanos, que de seguida pretendemos abordar.
1. Sobre a unidade e a diversidade dos Direitos Humanos
O vocabulário blico em que se articulam as exigências mais prementes tem sido a
linguagem dos direitos humanos, como demonstrou Michael Ignatieff (2003). O autor
baseia-se na sua vasta experiência na análise de assuntos internacionais para nos
apresentar uma narrativa intensa dos sucessos, fracassos e diferentes perspetivas da
revolução dos direitos humanos. Desde que as Nações Unidas adotaram a Declaração
Universal dos Direitos Humanos em 1948, essa revolução trouxe ao mundo o progresso
moral, através da continuada ampliação de direitos, e quebrou a supremacia do Estado-
Nação na condução dos assuntos internacionais. Ignatieff (2003) argumenta que os
ativistas de direitos humanos atraíram críticas da Ásia, do mundo islâmico e do mundo
ocidental, por serem excessivamente ambiciosos e pouco dispostos a aceitar limites. Pelo
que, defende o autor, um dos principais desafios é restabelecer um equilíbrio entre os
direitos dos estados e os dos cidadãos e cidadãs.
A expansão dos direitos humanos, assim como a sua defesa e institucionalização, têm-
se convertido numa linguagem incontestável, ainda que não a realidade, da política
global. Benhabib (2008: 179), ao preocupar-se com a questão da universalidade dos
direitos humanos, defende a existência de um direito moral fundamental inerente a todo
o ser humano, "o direito a ter direitos" que Hannah Arendt ([1951] 1973: 330) afirmou
pela primeira vez na sua obra Origens do Totalitarismo. Na reinterpretação de Benhabib
(2008: 179), "o direito a ter direitos" é ser reconhecido pelos outros e reconhecer os
outros como pessoas merecedoras de respeito moral e de direitos legalmente garantidos
no seio de uma comunidade humana.
Benhabib (2008: 184) ao discordar da perspetiva filosófica que quer reduzir o conteúdo
dos direitos humanos a uma parcela daquilo que está acordado internacionalmente,
argumenta que é necessário desenvolver a estratégia justificatória e o conteúdo dos
direitos humanos para além das preocupações minimalistas, com vista a uma conceção
mais substancial dos direitos humanos nos termos do "direito a ter direitos". A
reconceptualização que propõe ultrapassa o sentido de Arendt, em que o "direito a ter
direitos" era visto essencialmente como um direito político, no sentido do direito a
pertencer a uma comunidade política. Benhabib (2008: 184, tradução livre) propõe "uma
conceção de direito a ter direitos, entendida como a exigência de cada pessoa humana a
ser reconhecida e protegida como uma personalidade jurídica pela comunidade mundial".
Este alargamento do conceito além do âmbito estatal resulta da carência que Benhabib
(2008: 184) deteta no discurso contemporâneo sobre os direitos humanos, ao não dar
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conta das transformações que se deram com o deslocamento das normas de justiça de
uma perspetiva internacional para uma perspetiva cosmopolita.
Benhabib (2008: 184-187) desenvolve uma articulação discursivo-teorética dos direitos
humanos, tentando perceber até que ponto existem certas suposições mínimas sobre a
natureza humana e a racionalidade que devem estar subjacentes a qualquer formulação
normativa dos direitos humanos. Para a autora, o universalismo não pode ser traduzido
unicamente numa questão jurídico-política. São necessários compromissos normativos,
de modo a que o universalismo justificatório se entrelace com o universalismo moral.
Para Benhabib, qualquer justificação política dos direitos humanos com base no
universalismo jurídico deverá recorrer a um universalismo justificatório. através do
reconhecimento da liberdade comunicativa do outro é que o procedimento de justificação
terá significado. Contudo, existem diferentes perspetivas filosóficas na articulação do
conteúdo do reconhecimento. O distintivo da posição de Benhabib (2008: 178, tradução
livre) é "a interpretação desta liberdade comunicativa na sua relação com o direito a ter
direitos". A autora afasta-se da posição kantiana, propondo uma justificação discursivo-
teorética do princípio do direito que "em vez de perguntar o que poderia desejar, sem
contradizer-se a si mesmo, que fosse uma lei universal para todos". A ética do discurso
pergunta: "Que normas e acordos institucionais normativos poderiam ser válidos por
todos aqueles que fossem afetados por eles se participassem no tipo especial de
argumentação moral que chamamos discurso?" (Benhabib, 2008: 189, tradução livre).
A diferença fundamental do modelo proposto por Benhabib (2008) em relação às várias
teorias centradas no agente, é que ela procede de "uma conceção de ser humano como
um indivíduo encarnado em contextos de comunicação assim como de interação. A
capacidade de formular objetivos para a ação não é prévia à capacidade de justificar
estas metas com razão perante os outros" (p. 189, tradução livre). Ação e comunicação
estão intrinsecamente ligadas. "Só posso conhecer a mim mesmo como um agente
porque posso antecipar o fazer parte de um espaço social em que os outros me
reconhecem como o iniciador de certos atos e o enunciador de certas palavras" (p. 190,
tradução livre). Aqui, mesmo sem o referir, o discurso de Benhabib pode encontra-se
com a teoria do reconhecimento de Axel Honneth, como veremos posteriormente, uma
vez que as condições de reconhecimento intersubjetivo é que poderão garantir a
liberdade comunicativa que Benhabib propõe.
Para que a liberdade comunicativa seja exercida, será necessário ser respeitada a
capacidade de cada um para a ação e para a comunicação, ser reconhecido como membro
de uma comunidade humana num espaço social de interação. Para Benhabib (2008: 190,
tradução livre), possuir direitos é
uma exigência moral de ser reconhecido por outros como uma
pessoa portadora de direitos com uma demanda legítima de uma
carta de direitos legalmente instituída. Os outros podem
restringir a tua liberdade como ser moral por meio de razões que
satisfaçam as condições de formalidade, generalidade e de
reciprocidade para todos.
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Para além disso, o direito a ter direitos implica o reconhecimento da identidade do outro,
tanto como "outro generalizado como um concreto". Se reconhecemos o outro apenas
como um ser que tem direito a ter direitos só porque é como nós, então estamos a negar
a sua diferença, a sua individualidade fundamental. Se não reconhecemos o outro como
um ser com direito a ter direitos pela sua marcada alteridade em relação a nós, então
estamos negando a nossa comum humanidade.
Para Benhabib (2008: 190-191), reconhecer o outro generalizado exige considerar os
outros, todos e cada um, como seres humanos que têm os mesmos direitos e deveres
que queremos atribuir a nós. Nesta dimensão, é abstraída a individualidade e a
identidade concreta do outro e salientada a sua dignidade moral que todos temos em
comum. O tipo de relação estabelecida rege-se pelas normas da igualdade formal e da
reciprocidade. Cada um tem o direito a esperar dos outros aquilo que podemos esperar
dele. Ao tratar o outro de acordo com estas normas, ratifico na pessoa do outro os direitos
da humanidade e espero legitimamente que o outro fará o mesmo em relação a mim.
Por outro lado, reconhecer o outro concreto exige ver, todos e cada um, como seres
humanos com uma constituição afetivo-emocional, uma história concreta e uma
identidade singular. Nesta dimensão é abstraído o que temos em comum e centramo-
nos na individualidade. A relação rege-se não pela equidade e reciprocidade, "mas
antecipa experiências de altruísmo e de solidariedade" (Benhabib, 2008: 191).
Benhabib (2008) não tem a pretensão de descrever a natureza humana através dos
conceitos do outro generalizado e do outro concreto. São acima de tudo "articulações
fenomenológicas da experiência humana" (p. 191), cujas tensões a autora não analisa.
Em relação ao outro generalizado, ele assume uma forma universalista assente nas
experiências igualitárias da modernidade, ainda que frágeis e contestáveis, poderão
constituir-se em possibilidades práticas extensíveis a toda a humanidade.
O reconhecimento recíproco de cada um como ser que possui o direito a ter direitos
implica processos de aprendizagem, lutas políticas e movimentos sociais. Este é o
autêntico significado do universalismo para Benhabib (2008: 191, tradução livre):
O universalismo não consiste numa essência ou natureza humana
que nos dizem que todos temos ou possuímos, mas em experiências
de estabelecer uma comunalidade através da diversidade, conflito,
divisão e luta. O universalismo é uma aspiração, um objetivo moral
pelo qual devemos lutar; não é um fato, uma descrição do modo
como o mundo é.
A justificação dos direitos humanos de Benhabib (2008: 192), através da formulação
discursivo-teorética da liberdade comunicativa, que se verifica numa prática dialógica,
afasta-se assim das perspetivas naturalistas e do individualismo possessivo. Ela entende
o reconhecimento do direito do outro a ter direitos como pré-condição autêntica para que
o outro seja capaz de contestar ou aceitar a minha primeira exigência.
O seu projeto denominado de "universalismo interactivo", que se distingue de outras
posições contemporâneas, já anteriormente desenvolvido na sua obra Situating the Self
(1992) e posteriormente desenvolvido como "interações democráticas" em Another
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Cosmopolitanism. Sovereignty, Hospitality, and Democratic Iterations (2006), carateriza
os processos de interação que ocorrem entre a formação democrática da vontade e da
opinião por um lado, e os princípios constitucionais e o direito internacional por outro. O
conceito pretende analisar a relação entre a unidade e a diversidade dos direitos
humanos, bem como, a relação entre o seu núcleo moral e a sua forma legal.
No entanto, como Benhabib (2008: 196) admite, "o direito a ter direitos parece bastante
abstrato e formalista". Se os direitos humanos são princípios que necessitam de
contextualização e de especificação nas normas legais, então como formular esse
conteúdo legal? A resposta esboçada por Benhabib vai no sentido "de proceder desde o
direito a ter direitos (…) até às normas de igual respeito e consideração, e deste modo
derivar posteriormente uma lista concreta de direitos humanos. Os direitos humanos
encontrariam então o seu lugar na filosofia moral" (p. 196).
Mas como dar conta da diversidade do mundo, da suas tremendas desigualdades? Como
poderá uma ética do discurso, que nos dá apenas as condições mínimas para o
procedimento dialógico, que pretendem ser suficientemente ténues para que não possam
ser identificadas com nenhuma visão particular do mundo e, por outro lado,
suficientemente consistentes para guiar o diálogo com vista a um consenso racional,
contribuir para a renovação dos direitos humanos?
Esta inspiração habermasiana necessita, na nossa opinião, da complementaridade da
teoria do reconhecimento de Axel Honneth, pois o direito a ter direitos implica uma luta
pelo reconhecimento, em que a aquisição do reconhecimento social constitui-se como a
condição normativa de toda a ação comunicativa.
Perante estas dificuldades, a pesquisa de Honneth ao propor fundar na
contemporaneidade pós-metafísica uma teoria social com conteúdo normativo, em
especial a partir da obra intitulada A luta por reconhecimento fornece-nos as ferramentas
adequadas para a compreensão e renovação da luta por direitos humanos.
O objetivo que se segue é, numa primeira fase, convocar a teoria da luta pelo
reconhecimento de Honneth, incluir a sua reactualização mais recente do Direito de Hegel
e explorar a sua proposta normativa para as condições de uma vida ética. Neste percurso,
incluiremos outras perspetivas críticas, quer sejam na vertente anti utilitarista, quer
sejam na vertente do paradigma da dádiva, com o fim de contribuir para a renovação
ética dos direitos humanos.
2. A teoria do reconhecimento na renovação dos direitos humanos
A ideia de uma luta por reconhecimento como chave metodológica para a compreensão
dos conflitos sociais foi inicialmente elaborada por Hegel durante o período denominado
de “Jena", como referência à sua estadia na cidade homónima, bem como ao instrumento
teórico que elaborou, como jovem docente de Filosofia, cujo fundamento interno
ultrapassa o horizonte institucional do seu tempo (Honneth [1992] 2011: 13). É a partir
daqui que Honneth procura a possibilidade de fundar uma nova teoria social com
conteúdo normativo, seguindo a linha do anterior contributo de Horkheimer para a teoria
crítica. Neste sentido, Honneth ([2000] 2007: 66) pretende ligar o seu projeto à tradição
filosófica do “hegelianismo de esquerda”, onde se incluem numerosos/as autores/as,
podendo-se destacar alguns pensadores como Marx, Adorno e Habermas.
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A partir da releitura dos teóricos de Frankfurt, Honneth propõe a existência de três
pressupostos que atravessam sua crítica: (1) a declaração de uma razão universal capaz
de tornar inteligíveis os movimentos sociais; (2) a atuação discordante desta razão como
causa de uma patologia; e (3) um móbil emancipatório identificado a partir dum
sofrimento (Honneth, 2009: 42).
Os dois primeiros pressupostos são abertos e, assim, não é possível aferir a sua
comprovação empírica. É apenas a partir do último pressuposto teórico que se pode
facultar à teoria um conteúdo positivo, objeto de experimentação. Desta forma, Honneth
propõe a construção de uma teoria social com conteúdo normativo, dependente da
capacidade de verificação pré-teórica do sofrimento social, capaz de informar o
pensamento teórico da pertinência de uma vontade emancipatória na sociedade.
No entanto, segundo Honneth ([2000] 2007: 65) a Escola de Frankfurt continuara presa
ao materialismo histórico marxista, aliando o sofrimento social às questões particulares
de uma classe, a proletária, a quem competiria transformar o seu sofrimento em motor
emancipatório. Mas quando a história demonstrara que a classe proletária tinha
transformado o seu sofrimento no apoio à ascensão do fascismo, o teor positivo
inicialmente adotado pela teoria crítica tinha-se tornado desajustado à compreensão e à
transformação da sociedade.
Contudo, para Honneth o que a história demonstra como inadequado é apenas o
conteúdo positivo específico adotado pela teoria, que estava ligado à exploração do
trabalho e o a sua fundamentação teórica, permanecendo em aberto a possibilidade
de desenvolver uma teoria social de conteúdo normativo, desde que se parta do
sofrimento como revelador de uma vontade emancipatória na sociedade. Para este
pensador, sem algum tipo de prova que a perspetiva crítica da teoria é reforçada por um
movimento na realidade social, a teoria crítica deixa de poder ser seguida na
contemporaneidade, uma vez que não seria possível distingui-la de outros modelos de
crítica social, quer pela sua reivindicação de um método sociológico superior quer pelos
seus procedimentos filosóficos de justificação. Para Honneth ([2000] 2007: 66), é
somente pela sua tentativa, que ainda não foi abandonada, de fornecer à crítica um
fundamento objetivo na práxis pré-teórica que se pode dizer que a teoria crítica é única
e está viva.
A partir deste exercício, Honneth levanta críticas à teoria da ação comunicativa de
Habermas, precisamente por não encontrar suporte no diagnóstico claro do sofrimento
social. Defende que se a comunicação for afastada da teoria da linguagem e entendida
como processo intersubjetivo, por meio do qual a identidade humana se desenvolve, este
sofrimento pode ser percebido no reconhecimento deficitário de algumas identidades e,
assim, a crítica reencontraria nesse reconhecimento o seu suporte normativo perdido
(Honneth, [2000] 2007: 75). Afigura-se então, o resgate do projeto filosófico hegeliano
de uma luta por reconhecimento.
No prolongamento teórico de Honneth ([1992] 2011), percebemos um esforço de
conceptualização das três esferas do reconhecimento: Amor, Direito e Estima Social,
inicialmente identificadas por Hegel. Estas esferas de interação, através da aquisição
cumulativa de autoconfiança, auto respeito e autoestima, criam o as condições
sociais para que os indivíduos possam chegar a uma atitude positiva para com eles
mesmos, como também originam o indivíduo autónomo.
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A esfera do amor constitui as relações afetivas primárias de reconhecimento mútuo que
estruturam o indivíduo desde o nascimento, e que se encontram dependentes de um
balanço frágil entre autonomia e vinculação. Segundo Honneth ([1992] 2011: 159-179),
o vínculo alimentado simbioticamente, que se forma por uma delimitação reciprocamente
desejada inicialmente entre a mãe e filho, cria a dimensão de autoconfiança individual,
que será a base fundamental para a participação autónoma na vida pública. A partir da
perspetiva normativa do outro generalizado que nos ensina a reconhecer os outros
enquanto titulares de direitos é nos permitido compreender a nós próprios enquanto
pessoas jurídicas. A esfera do Direito desenvolve-se num processo histórico, o seu
potencial de desenvolvimento verifica-se na generalização e na materialização das
relações de reconhecimento jurídico.
Para se poder atingir um auto relacionamento ininterrupto, os sujeitos humanos também
necessitam sempre, além da experiência da dedicação afetiva e do reconhecimento
jurídico, de uma valorização social que lhes permita relacionarem-se positivamente com
as suas propriedades e capacidades concretas. Estamos na esfera da estima social, de
uma terceira relação do reconhecimento recíproco, a partir do pressuposto da valorização
simétrica, os indivíduos consideram-se reciprocamente à luz de valores que tornam
manifestas as capacidades e as propriedades do outro como importantes para a
experiência comum. A relação simétrica não significa uma valorização recíproca em igual
medida, mas sim o desafio de que qualquer sujeito tem a oportunidade de se
experimentar como valioso para a sociedade através das suas capacidades e
propriedades. Só assim, seguindo o raciocínio de Honneth, sob a noção de solidariedade
é que as relações sociais poderão aceder a um horizonte em que a concorrência individual
pela valorização social poderá estar isenta de experiências de desrespeito.
Na sucessão das três formas de reconhecimento, o grau da relação positiva da pessoa
consigo mesma aumenta progressivamente. Com cada nível da consideração mútua
cresce também a autonomia subjetiva do indivíduo. De igual forma, às correspondentes
formas de reconhecimento tuo, poder-se atribuir experiências paralelas de
desrespeito social.
Para Honneth a prática de comportamentos desviantes não resultaria apenas numa
reprovação social, mas no impedimento ao indivíduo de um reconhecimento positivo de
si mesmo na sua ação. Abre-se assim a possibilidade de transformação da ética coletiva
que permita a realização do Eu. Neste sentido, a luta pelo reconhecimento social das
particularidades do sujeito seria o constante motor de transformação do quadro ético de
uma sociedade, de modo a incluir formas de individualidade que numa dada circunstância
são objeto de um reconhecimento precário.
A fim de reedificar o alicerce de uma teoria social com conteúdo normativo, nos moldes
do projeto anteriormente desenvolvido por Horkheimer para a teoria crítica, Honneth
recuperou o projeto filosófico hegeliano de uma luta por reconhecimento. Embora num
primeiro momento se tenha circunscrito a procurar as suas bases no pensamento do
jovem Hegel, em obras mais recentes (Honneth, 1999, [2001] 2010 e 2014), o autor
tenta vincular aquela luta intersubjetiva à conceção de liberdade formulada pelo Hegel
maduro, em oposição às visões atomísticas de Kant e Fichte.
Honneth afirma que a teoria da justiça de Hegel tem em comum com o pensamento
desses autores a centralidade da ideia de igual liberdade individual para todos. No
entanto, a sua teoria distingue-se daquelas ao conceber a liberdade como algo que
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ultrapassa um simples direito subjetivo ou uma simples autonomia moral. Para Hegel,
adotar quaisquer destas visões do conceito de liberdade, de uma forma isolada,
conduziria às patologias sociais resultantes da violação do “espírito absoluto” (Honneth,
[2001] 2010: 25). Nesta tese hegeliana, ainda que de caráter metafísico e historicamente
situada, Honneth considera haver um núcleo crítico que deverá ser transportado para os
nossos dias.
A proposta de Honneth (1999) de reatualizar a Filosofia do direito de Hegel, não pretende
reabilitar nem as condições metódicas da Lógica, nem a conceção básica do Estado de
Hegel. Mas despojadas destes elementos, a Filosofia do direito de Hegel poderá ser
concebida como "um projeto de uma teoria normativa daquelas esferas de
reconhecimento recíproco cuja manutenção é constitutiva das sociedades modernas"
(Honneth, 1999: 19, tradução livre). Para corresponder a tal desafio, Honneth enuncia
os elementos restantes que permitem essa reactualização: o conceito de "espírito
objetivo" e a noção de "eticidade".
O primeiro conceito (espírito objetivo) parece-me que inclui a tese
que toda a realidade social possui uma estrutura racional, cuja
rejeição mediante conceções falsas ou insuficientes tem que
conduzir, mesmo onde sejam aplicadas de maneira prática, a
consequências negativas na vida social. (Honneth, 1999, p. 19,
tradução livre)
No que diz respeito ao conceito de eticidade, Honneth considera que este contém a tese
de que na realidade social "podem-se encontrar esferas de ação nas quais as inclinações
e normas morais, interesses e valores estão fundidos na forma de interações
institucionalizadas" (Honneth, 1999: 19, tradução livre). Pelo que seriam,
consequentemente, essas esferas, e o o Estado, a merecer uma caraterização
normativa através do conceito de eticidade.
A partir destes princípios, Honneth (1999: 26) inicia um trabalho de reatualização da
teoria do direito de Hegel através de três etapas. Na primeira, apresenta uma teoria da
justiça, a partir do conceito hegeliano de “vontade livre” que, tendo sido concetualizado
em oposição às perspetivas atomistas, determina o âmbito total daquilo que devemos
chamar de “direito”. A dificuldade desta intuição fundamental está relacionada com a
tese hegeliana de que a “vontade tem-se a si mesma como objeto”. Honneth interpreta
esta ideia com base na definição hegeliana de amor: “Ser si próprio no outro”. Com esta
interpretação o enfoque desloca-se para a existência de condições sociais e institucionais,
vistas como fundamentais, pois estas deverão permitir as relações comunicativas dos
sujeitos. Para Honneth, aquelas esferas, expressas nas instituições e nos sistemas de
práticas, que resultem insubstituíveis para possibilitar socialmente a autodeterminação
individual, é que são as autênticas portadores de direitos. Desta forma, entende-se a
Filosofia do direito como a teoria das condições sociais de possibilidade da realização da
“vontade livre”. O que vai no sentido de uma teoria normativa da justiça social.
Desde esta perspetiva, a teoria do direito de Hegel estrutura-se em três divisões. “Direito
abstrato” e “Moralidade” são as duas primeiras, em que Hegel aborda as condições
incompletas de realização da vontade livre, na forma que esta assume, respetivamente,
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de direitos modernos ou na capacidade de autodeterminação moral. Na terceira parte, a
“Eticidade”, trata das condições completas, distinguindo três esferas de ação
comunicativa: a família, a sociedade civil e o Estado. A partir daqui a teoria da justiça
articula-se com o diagnóstico da época, constituindo a segunda etapa da proposta de
reactualização de Honneth.
Honneth (1999) compara a pretensão de Hegel com a argumentação de Habermas em
Faticidade e Validez. Para Habermas, “a legitimidade da ordem jurídico-estatal deduz-se
da garantia das condições de formação democrática da vontade”, enquanto em Hegel
“remonta-se à auto realização individual para deduzir das suas condições a tarefa de uma
ordem jurídica moderna” (Honneth, 1999: 43, tradução livre). Hegel apresenta uma
vasta descrição das conceções contrárias à liberdade, como uma tendência da época. O
que dificulta a sua tarefa: “Dar relevo, no desenvolvimento da sua teoria da justiça, à
função necessária que assumem a liberdade jurídica e a liberdade moral relativamente
às condições da liberdade comunicativa, que são patentes no conceito de eticidade”
(Honneth, 1999: 45, tradução livre).
Na primeira parte da obra de Hegel, a do direito abstrato, o autor argumenta que apelar
a ele é somente uma possibilidade, algo a respeito de todo o conjunto de circunstâncias.
Utilizar esta faculdade dependeria de fatores quase caracterológicos e tinha como
consequência o sofrimento: “Aquela pessoa que articula todas as suas necessidades e
propósitos nas categorias do direito formal resulta incapaz de participar na vida social e,
por isso, sofrerá na indeterminação” (Honneth, 1999: 50, tradução livre). Mas, por outro
lado, pode-se reconhecer o valor do direito formal relativamente à autorrealização
individual, pois o sujeito, percebendo-se como portador de direitos e ao evidenciar os
limites impostos pelas relações sociais, tem a oportunidade de retirar-se atrás de toda a
eticidade.
Na segunda parte do livro, que corresponde à moralidade, Honneth reconstrói o
argumento de Hegel de forma a mostrar a relação entre os limites em que o sujeito
tropeça ao conceber unilateralmente de uma forma moral a realização da sua liberdade
e as razões que promovem a passagem à esfera da eticidade. A crítica de Hegel dirige-
se contra o imperativo categórico kantiano, pois a sua aplicação resulta em desorientação
e na sensação de vazio. Kant entendia que o seu imperativo categórico havia de aplicar-
se onde houvesse um conflito moral. No entanto, na crítica de Hegel, a formalidade do
imperativo levava à abstração do meio social, onde já estão institucionalizados conceitos
e pontos de vista morais, e se assim é, o imperativo perde a sua função fundamentadora.
Para que o argumento de Hegel o seja entendido como relativismo moral, Honneth
(1999: 53, tradução livre) argumenta que “o conceito de eticidade é um argumento
teórico-moral em sentido restritoe que a proposta de compreender a realidade social
como encarnação da vontade livre representa um argumento epistemológico e de
ontologia social. Ao não considerarmos a eticidade nem a racionalidade suficiente das
instituições sociais, que se transformam numa segunda natureza, o sujeito está
abandonado ao vazio interior e à pobreza da ação. Por isso, o caminho para a eticidade
deverá ser experimentado como uma libertação, não por abandonar as conceções
incompletas, mas também pelo seu efeito terapêutico sobre uma patologia no mundo da
vida que causa sofrimento. Assim, deverá ser compreendido como uma “conquista de
uma liberdade afirmativa” (p. 53). Desta forma, a Filosofia do direito de Hegel apresenta
uma fenomenologia das configurações da liberdade, com uma equivalente teoria da
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justiça, a consciência livre vincula-se ao diagnóstico da época, e estes elementos
convergem na doutrina da eticidade.
O passo final de Honneth é reatualizar a doutrina da eticidade numa teoria normativa da
modernidade. Para tal, estabelece como condições fundamentais a autorrealização e o
reconhecimento. “Só numa ação cuja execução é caraterizada mediante o cumprimento
de determinadas normas morais pode um sujeito garantir ser reconhecido pelos demais,
porque este reconhecimento está determinado precisamente pelas competências morais,
que estão estabelecidas mediante as normas de ação correspondentes” (Honneth, 1999:
53).
Assim, o conteúdo normativo da eticidade é uma articulação das formas de ação
intersubjetiva que podem garantir reconhecimento devido à sua qualidade moral. Neste
sentido, a família, a sociedade civil e o Estado, constituem-se como esferas sociais, com
campos de práticas, que poderão garantir a liberdade individual nas suas configurações
modernas que articulam reconhecimento, formação e autorrealização.
A renovada teoria da luta pelo reconhecimento afigura-se como modelo de compreensão
dos conflitos sociais como reivindicações éticas que contribuem para a expansão das
possibilidades de subjetivação e alteram o quadro ético do todo. A transgressão, assim,
vem apontar para a insuficiência ética do coletivo, não do indivíduo transgressor. Inverte-
se o foco de intervenção do direito, deixando de estar centrado no indivíduo, na
necessidade de adaptá-lo às convenções sociais, para se centrar na sociedade, para a
necessidade desta de reconhecer e incluir os mais diversos modos de existência,
garantindo-os desde a sobrevivência física até a valorização da sua singularidade.
Depois de apresentar a luta pelo reconhecimento, que para não fracassar, necessita de
uma eticidade com conteúdo normativo, iremos convocar outros contributos críticos e
completar o momento da luta com o momento do dom, pois ambos são polos de uma
relação de reconhecimento. Só assim, julgamos estarem reunidas as condições para uma
renovação dos direitos humanos, tanto ao nível coletivo como individual, pois os direitos
humanos são, ao mesmo tempo a base legitimadora do direito e o fundamento moral
que inspira as nossas vidas.
Segundo Flávia Piovesan (2010), a complementaridade entre as diferentes dimensões
dos direitos humanos já possui reconhecimento doutrinário e legal. Porém, não é claro,
em que medida são baseadas no enquadramento teórico filosófico kantiano ou
jusnaturalista a que os direitos humanos costumam referir-se. O ideal da não
objetificação do ser humano parece suportar a dimensão das liberdades civis e dos
direitos sociais. Uma vez que o ser humano não deve ser tratado como objeto pelos seus
semelhantes, então o seu corpo deve desfrutar de imunidade, o que não inclui apenas a
renúncia à ação direta sobre ele, mas a garantia de todas as suas necessidades, de modo
a evitar que, abandonado às próprias forças, ele se deva obrigar à vontade do outro. No
entanto, relativamente aos direitos políticos e ao direito à diferença o ideal kantiano não
parece fornecer substrato adequado. Uma vez que não parece ser possível basear a
participação política e o reconhecimento do direito à diferença na não objetificação do
ser humano.
Da mesma forma que o imperativo categórico do agir de modo que o seu comportamento
possa, por sua vontade, tornar-se lei universal, além de não proporcionar substrato
material, admitindo quaisquer comportamentos e impondo um dever vazio de sentido,
parece ser, em última instância, oposto ao reconhecimento da diversidade. o é
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possível, a partir dele, derivar uma necessidade de reconhecimento do outro na sua
diferença, mas pode-se, por outro lado, exigir que o outro se assemelhe, no seu
comportamento, com o Eu.
Desta forma, o formalismo abstrato kantiano revela-se insuficiente no suporte à temática
dos direitos humanos e não parece ser capaz de fundamentar as novas temáticas que
têm sido incorporadas na luta por direitos humanos, que a racionalidade ocidental não
soube incluir no seu desenvolvimento histórico.
Se a modernidade ocidental nos oferece valores imprescindíveis, como a liberdade e a
autenticidade, na perspetiva de Charles Taylor ([1992] 2009), também ela nos trouxe
profundas maleitas: o individualismo egocêntrico, a primazia da razão instrumental e a
perda de liberdade. Sendo o individualismo configurado pelo ideal da autenticidade,
Taylor procura o sentido mais profundo deste ideal, com o objetivo de revigorar uma
ética da autenticidade.
O que há de novo e importante no pensamento de Taylor ([1992] 2009) é a ideia de uma
individuação mais completa e original inserida desde sempre numa comunidade de
sentido. Cada indivíduo é único e deve viver de acordo com a sua unicidade e
originalidade. Mais do que a constatação das diferenças entre os indivíduos, importa
perceber que essas diferenças implicam o dever de viver-se de acordo com essa
originalidade. Desta forma, ao contrário da uniformização e da generalização de uma
perspetiva instrumental em relação ao próprio eu e aos outros, passa a ser a articulação
da minha originalidade com os outros o que nos define como pessoas. Assim, a
autenticidade, como ideal moral é essencialmente dialógica e intersubjetiva, uma vez
que a autenticidade é a expressão única de si, mais na forma do que no conteúdo,
construída no diálogo interior, intrapsíquico, com os outros e outras que são
significativos/as para nós. A partir daqui construímos e reconstruímos a nossa identidade
num contínuo de relações de reconhecimento. A autenticidade se realiza através do
reconhecimento intersubjetivo. A autenticidade devidamente articulada e reconhecida
possibilita a forma mais plena de realização humana.
Parece-nos adequada a teoria do reconhecimento como paradigma alternativo. O
reconhecimento constitui-se como um fenómeno pluridimensional intersubjetivo, social
e político em que não se pode falar de reconhecimento pleno enquanto não estiverem
garantidas as condições de realização plena da individualidade, enquanto não estiver
garantida a autonomia do sujeito na sua singularidade histórica, e o lhe estiverem
concomitantemente asseguradas a liberdade do corpo, a autonomia moral e a dignidade
da sua individualidade.
Em vez de impor os padrões de subjetividade particulares das culturas globalmente
dominantes, os direitos humanos passam a constituir um meio de defesa das formas de
subjetivação que estão presentes no seio das culturas locais, mas que são objeto de um
reconhecimento deficitário. Assim, em vez de encerrar o conteúdo dos direitos humanos
em padrões e pretensões estrangeiros, abrem-se as suas fronteiras às diversas situações
históricas e culturais.
Uma das ideias fundamentais de Silvério da Rocha-Cunha (2015: 169) é "a necessidade
de uma Nova Cultura Mundial, onde todos em e recebam sem medo, sobretudo sem
aquele medo fronteiriço que delimita territórios e legitima a cisão entre amigo e inimigo".
Uma libertação cultural que implica, segundo o autor, uma anterior libertação político-
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cultural. através da criação de condições que permitam o diálogo é que se poderá
solucionar os grandes problemas sócio-económicos e ecológicos da nossa era.
"Estes problemas atingiram uma dimensão que corre o risco de atingir um ponto de não
retorno" (Rocha-Cunha, 2015: 176). A lógica implacável do crescimento económico, que
explora o outro, degrada os vínculos sociais, continua a crescer à custa da sustentação
do planeta e das futuras gerações. Para Rocha-Cunha, a problemática económica
necessita de interrogações de natureza ética, para que se possa constituir uma teoria
económica global baseada na justiça com os povos da Terra e com as gerações futuras.
Neste sentido, Juan Ramón Capella (2005 e 2007) partindo de uma reflexão filosófico-
política, em torno da problemática central do mundo contemporâneo: a sua crise
ecológica e social no seio de uma revolução tecnológica, a universalização real das
relações económicas, os novos poderes soberanos supra estatais, a crise da cidadania e
dos pressupostos da intervenção política; propõe, frente a um mundo que abandonou a
"vida boa" o objeto da ética a reconstrução dos vínculos sociais: a procura de novos
laços entre as pessoas, de vínculos livres, não mediados pelo Estado. Para tal será preciso
reaprender a solidariedade, a ajuda e a compreensão entre as pessoas e a valorização
da sua diversidade. O objetivo passa pela reconstrução dos vínculos, semelhantes aos
que no passado ligaram as pessoas, despojados do carácter "metafísico", involuntário e
inconsciente, mas que possibilitem a aprendizagem em comum de novas formas de vida
e de civilização.
Assim, retornando a Rocha-Cunha (2015: 177), só através de "uma atitude de espera
positiva relativamente aos contributos fecundantes das outras culturas. Será, então,
possível uma espécie de reconciliação intercultural que saberá resolver as crises
sistémicas que avassalam o nosso planeta".
Devido à imposição do padrão ocidental, ao colonialismo que não deixou de existir dentro
das sociedades e, em grande escala, nas relações entre o Norte e o Sul, surgem enormes
obstáculos e dificuldades na construção de um diálogo entre culturas. Problemas que se
prendem por um lado, como refere Rocha-Cunha (2015: 178), com a lógica dos próprios
sistemas sociais, pois estes tendem para simplificação progressiva e para o contínuo
ajustamento interno com vista à sua manutenção. Assim procuram certezas simples, em
vez de procurarem o outro, o diferente, o pluralismo e a complexidade humana. Por outro
lado, o pretenso universalismo do ocidente e a sua falta de respeito por outras culturas,
principalmente do continente africano e sul-americano tem conduzido os imensos
diálogos a uma lista vazia de compromissos.
Boaventura de Sousa Santos (2003), preocupado em estabelecer profícuos diálogos
interculturais, considera que todas as culturas são incompletas e problemáticas na sua
conceção de dignidade humana. A incompletude deriva-se da existência de uma
pluralidade de culturas e esta percebe-se melhor desde o exterior, desde a perspetiva de
outra cultura. Se cada cultura fosse tão completa como pretende, só existiria uma única
cultura. Desta forma, elevar a consciência da incompletude cultural ao seu ximo
possível, revela-se como uma das tarefas mais importantes para a construção de uma
conceção multicultural dos direitos humanos.
Segundo Francesco Fistetti (2007: 297), a perseguição de interesses puramente
utilitaristas ou de poder por parte dos países dominantes tem alimentado os aspetos
negativos da mundialização, ao ponto desses efeitos retornarem contra os mesmos
países. A lógica do mercado sem regras acaba por conduzir, mais cedo ou mais tarde, à
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violência, à guerra e à barbárie. A lição que Marcel Mauss ([1924] 1988) propõe é de
temperar o interesse particular com o interesse geral: assegurar a paz acima da ideia de
uma riqueza comum e da ideia de um mundo comum. Poderíamos assim dizer que
qualquer povo, qualquer cultura ou nação pretende dar qualquer coisa especificamente
seu à grande família dos povos, das nações e das culturas, e deseja ser reconhecido e
recompensado por essa contribuição: pretende ser introduzido no ciclo do dar-receber-
retribuir, mas num sentido mais vasto, não económico mas simbólico e cultural. Tal
como o produtor que tem o sentimento de dar qualquer coisa que não é redutível ao seu
tempo de trabalho, mas que se relaciona com o dom de si e da sua existência, também
os povos e as nações mais pobres e excluídos não devem ser considerados meros
operadores de uma troca supostamente paritária, dependente do modelo de "Homo
ecunomicus", uma vez que a troca é desigual desde o início, desde a desigualdade
material dos sujeitos (Fistetti, 2007: 298).
Devemos entender os outros como dignos de respeito desde a alteridade, aceitar a
diferença como diferença e não como indiferente, capaz de enriquecer a nossa
humanidade e a nossa visão do mundo e reconhecê-los como capazes de dar algo que
nós não temos. Como sublinham Julien Rémy & Alain Caillé (2007), os povos doadores
procedem a uma confiscação do momento da dádiva, tornando-se naqueles que o, isto
é, aqueles que dão sempre sem nada receber, e, de certa forma, eles não esperam mais
reconhecimento daqueles que recebem. Aqui, a relação de dominação reside no
fundamentalismo de uma conceção cultural baseada na racionalidade ocidental
autocentrada e que vê o outro como o simples reflexo de si mesmo.
Para Alain Caillé (2010), as teorias da justiça, na sequência de John Rawls apresentam
o problema de não romper com uma conceção utilitarista do sujeito humano. Como
mostra Amartya Sen, elas visam um ideal inatingível e não têm nada a dizer aos casos
concretos.
Por outro lado, sublinha Caillé, outro grande debate teórico e político no mundo que
se realiza em torno das teorias do reconhecimento. Todos os estudos subalternos, pós-
coloniais, culturais, feministas, entre outros, abordam a problemática do
reconhecimento, embora em diferentes perspetivas. Para eles, boa sociedade seria
aquela em que ninguém iria permanecer invisível, desconhecido ou mal reconhecido. O
problema destas abordagens, por sua vez, é que elas se alimentam da concorrência das
vítimas. Elas não respondem à questão de quem deve dar o reconhecimento a quem;
um reconhecimento que não pode ser distribuído da mesma maneira de que um
rendimento monetário. E, por último, deixam indeterminada a questão do valor a ser
concedido aos requerentes de reconhecimento, como sejam os valores últimos em nome
dos quais o reconhecimento pode ser concedido.
Reconhecer uma cultura significa atribuir-lhe um valor único e insubstituível no seio das
culturas e das civilizações. Nesta perspetiva, podemos entender a tese de Caillé acerca
do valor social das pessoas e afirmar que o valor de uma cultura pode-se medir pela sua
capacidade de dar, tanto nos dons realmente feitos como nas suas potencialidades de
dom, ou capacidade para dar. E aqui, voltando à questão de Caillé: Qual será o critério
de avaliação, a potência ou o ato da dádiva? Torna-se evidente, tal como entre as
pessoas, no que diz respeito às culturas, não se trata de estabelecer uma hierarquia
axiológica entre culturas superiores e inferiores, mas trata-se do sentido fenomenológico
da dádiva (das Ergebnis), como destacou Hannah Arendt ([1958] 2007) e Caillé (2008),
da dimensão da gratuitidade, da liberdade e da espontaneidade. A dádiva tem valor e
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valoriza quem doou, desde que a liberdade e a originalidade excedam a parte da
obrigação, e que, aliás, “a dimensão do desinteressamento, do para outros, seja mais
importante do que a dimensão do interesse pessoal, do para si. É esse excesso da
liberdade sobre a obrigação que forma e mede o valor do doador” (Caillé, 2008: 160).
Cada cultura contém o valor de algo que compreende a pluralidade humana, como
literatura, obras de arte, símbolos, códigos de comportamento, entre outros. É em
relação a esta pluralidade constitutiva que Arendt ([1958] 2007) convida-nos a não
adotar uma atitude de espanto e admiração, mas a reconhecer que sobre a Terra, que é
a nossa casa comum, há uma pessoa, um grupo de pessoas ou um povo que tem uma
posição no mundo que não pode ser reproduzida nem substituída e uma visão do mundo
que ele pode encarnar. Por esta razão, Arendt insiste que a aliança é o coração da
política concebida como o espaço de relações entre os povos e entre as culturas. Ela
lembra-nos que os tratados de paz e de aliança nas sociedades ocidentais são noções de
origem romana que permitiram criar um mundo comum, transformando os inimigos de
ontem nos amigos de amanhã.
De forma a concluir este encontro da luta com a dádiva no seio de uma teoria do
reconhecimento, convocamos a análise de Paul Ricoeur ([2004] 2010 e 2006). Para este
autor, mutualidade da relação da dádiva, ou da troca de presentes como um processo de
reconhecimento simbólico situa-se entre o sentido cerimonial e o sentido moral. O autor
ao denunciar a "consciência infeliz" ou o "mau infinito" que um sujeito sempre exigente
pode ter, "está a dizer-nos, de certa forma, que antes de exigir o reconhecimento,
devemos alegremente concedê-lo. (…) Reconhecer, antes de exigir o reconhecimento
para si próprio", como refere Gonçalo Marcelo (2011: 123). Ao introduzir a dissimetria
no centro da reciprocidade, Ricoeur não está a afirmar a diferença entre as pessoas,
como está colocando o outro antes de si mesmo. E se o reconhecimento nos for
concedido, devemos agir com gratidão, reconhecer em troca. Mesmo não sendo obrigado
a retribuir, se não o fizer posso quebrar o vínculo social. Assim, "Ricoeur propõe uma
relação assimétrica, altruísta de reconhecimento através da qual o outro assume uma
certa verticalidade: Eu devo reconhecer o outro em primeiro lugar" (Marcelo, 2011: 123).
Esta verticalidade na relação com o outro não o torna inacessível. Pois o caráter
cerimonial do reconhecimento possibilita a horizontalidade nas interações humanas.
Desta forma, Ricoeur ao propor uma subjetividade altruísta está a construir uma ética
pura do reconhecimento, assente nos estados de paz, nas práticas de dom que
constituem uma esfera de sentido e nos dão um suplemento normativo, como ideal
regulador da nossa ação.
Considerações finais
Este texto partiu da problematização em torno da justificação dos direitos humanos,
refletindo em temas que influenciam as Relações Internacionais, como a universidade e
diversidade desses mesmos direitos, com o contributo de vários autores, com destaque
para Benahbib, que tenta articular esta dialética nos termos do direito a ter direitos,
anteriormente enunciado por Harendt, numa perspetiva de ampliação das conquistas
desta luta histórica.
A partir daqui desenvolvemos a teoria crítica do reconhecimento de Honneth, articulando-
a com outros prolongamentos teóricos desenvolvido por Ricoeur e Caillé, com o objetivo
de contribuir para a renovação ética dos direitos humanos. Participámos na construção
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de um segundo discurso sobre o reconhecimento, que não se limita à perspetiva da luta
nem à consideração de um objetivo instrumental, mas completa-se na alteridade, através
do reconhecimento e da dádiva. Depois de apresentar a luta pelo reconhecimento, que
para não fracassar, necessita de uma eticidade com conteúdo normativo, completámos
o momento da luta com o momento do dom, pois ambos o polos de uma relação de
reconhecimento.
Afastando o imperativo categórico kantiano que supõe uma racionalidade, a ocidental,
conduzimos os direitos humanos ao plano ético, ao diálogo, à alteridade, ao encontro
com o outro. Assumimos assim o reconhecimento e a dádiva como pressupostos
autênticos do espaço da política.
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