violência, à guerra e à barbárie. A lição que Marcel Mauss ([1924] 1988) propõe é de
temperar o interesse particular com o interesse geral: assegurar a paz acima da ideia de
uma riqueza comum e da ideia de um mundo comum. Poderíamos assim dizer que
qualquer povo, qualquer cultura ou nação pretende dar qualquer coisa especificamente
seu à grande família dos povos, das nações e das culturas, e deseja ser reconhecido e
recompensado por essa contribuição: pretende ser introduzido no ciclo do dar-receber-
retribuir, mas num sentido mais vasto, não só económico mas simbólico e cultural. Tal
como o produtor que tem o sentimento de dar qualquer coisa que não é redutível ao seu
tempo de trabalho, mas que se relaciona com o dom de si e da sua existência, também
os povos e as nações mais pobres e excluídos não devem ser considerados meros
operadores de uma troca supostamente paritária, dependente do modelo de "Homo
ecunomicus", uma vez que a troca é desigual desde o início, desde a desigualdade
material dos sujeitos (Fistetti, 2007: 298).
Devemos entender os outros como dignos de respeito desde a alteridade, aceitar a
diferença como diferença e não como indiferente, capaz de enriquecer a nossa
humanidade e a nossa visão do mundo e reconhecê-los como capazes de dar algo que
nós não temos. Como sublinham Julien Rémy & Alain Caillé (2007), os povos doadores
procedem a uma confiscação do momento da dádiva, tornando-se naqueles que dão, isto
é, aqueles que dão sempre sem nada receber, e, de certa forma, eles não esperam mais
reconhecimento daqueles que recebem. Aqui, a relação de dominação reside no
fundamentalismo de uma conceção cultural baseada na racionalidade ocidental
autocentrada e que vê o outro como o simples reflexo de si mesmo.
Para Alain Caillé (2010), as teorias da justiça, na sequência de John Rawls apresentam
o problema de não romper com uma conceção utilitarista do sujeito humano. Como
mostra Amartya Sen, elas visam um ideal inatingível e não têm nada a dizer aos casos
concretos.
Por outro lado, sublinha Caillé, há outro grande debate teórico e político no mundo que
se realiza em torno das teorias do reconhecimento. Todos os estudos subalternos, pós-
coloniais, culturais, feministas, entre outros, abordam a problemática do
reconhecimento, embora em diferentes perspetivas. Para eles, boa sociedade seria
aquela em que ninguém iria permanecer invisível, desconhecido ou mal reconhecido. O
problema destas abordagens, por sua vez, é que elas se alimentam da concorrência das
vítimas. Elas não respondem à questão de quem deve dar o reconhecimento a quem;
um reconhecimento que não pode ser distribuído da mesma maneira de que um
rendimento monetário. E, por último, deixam indeterminada a questão do valor a ser
concedido aos requerentes de reconhecimento, como sejam os valores últimos em nome
dos quais o reconhecimento pode ser concedido.
Reconhecer uma cultura significa atribuir-lhe um valor único e insubstituível no seio das
culturas e das civilizações. Nesta perspetiva, podemos entender a tese de Caillé acerca
do valor social das pessoas e afirmar que o valor de uma cultura pode-se medir pela sua
capacidade de dar, tanto nos dons realmente feitos como nas suas potencialidades de
dom, ou capacidade para dar. E aqui, voltando à questão de Caillé: Qual será o critério
de avaliação, a potência ou o ato da dádiva? Torna-se evidente, tal como entre as
pessoas, no que diz respeito às culturas, não se trata de estabelecer uma hierarquia
axiológica entre culturas superiores e inferiores, mas trata-se do sentido fenomenológico
da dádiva (das Ergebnis), como destacou Hannah Arendt ([1958] 2007) e Caillé (2008),
da dimensão da gratuitidade, da liberdade e da espontaneidade. A dádiva tem valor e