OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020)
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ARTIGOS
A proposta normativa de Axel Honneth na renovação dos Direitos Humanos - Paulo
Vitorino Fontes 1-18
Combater o cibercrime como pré-requisito para o desenvolvimento da sociedade digital
- Olga A. Klymenko, Mykhailo V. Gutsaliuk e Andrii V. Savchenko 19-31
Comunicação: um fator essencial no comércio internacional - Sandra Ribeiro e Maria João
Ferro 32-43
Mitos y realidades dela relación asimétrica: Cuba, la Unión Europea y el fiasco de la
Posición Común (2006-2016) - Rogelio Pcido Sánchez Levis 44-63
Uma perspetiva histórica do empreendedorismo em Angola - Renato Pereira 64-81
A importância do espaço latino-americano na internacionalização das PMEs portuguesas
- André Brás dos Santos e Joaquim Ramos Silva 82-104
Empreendedorismo e crescimento económico: o papel de mediação no acesso ao financiamento -
Mohsen Mohammadi Khyareh 105-119
NOTAS E REFLEXÕES
A pirataria marítima no Golfo da Guiné - Henrique Guedes 120-127
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A PROPOSTA NORMATIVA DE AXEL HONNETH
NA RENOVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Paulo Vitorino Fontes
pfontes@uevora.pt
Doutorado em Teoria Jurídico-Política e Relações Internacionais, Mestre e Licenciado em
Sociologia. Participou em projetos de intervenção social, no âmbito de programas europeus.
Autor e participante de vários projetos, exerceu funções de coordenação na Novo Dia
Associação para a Inclusão Social (IPSS). Foi Diretor Regional da Solidariedade Social. É
investigador do CICP - Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade de Évora
(Portugal). Tem como principais interesses de investigação a Ciência Política e a Filosofia Política.
Resumo
Neste trabalho pretendemos explorar alguns contributos da teoria normativa desenvolvida por
Axel Honneth, principalmente através da sua teoria do reconhecimento, que possam contribuir
para a renovação dos direitos humanos. Para tal, iremos inicialmente fazer algumas
considerações filosóficas acerca da justificação e do conteúdo dos direitos humanos,
explorando a dialética sobre a unidade e a diversidade dos direitos humanos, de forma a
estabelecer um diálogo entre as lutas pelos Direitos Humanos e a luta pelo reconhecimento.
Dessa forma, pretende-se afastar a temática dos direitos humanos da corrente inerente ao
pensamento filosófico kantiano fragilizada pelo descentramento da cultura europeia,
operado pelas reflexões pós-modernas do século XX e pela crítica do seu imperativo categórico
como puro dever de submissão bem como abrir espaço para uma renovação do seu discurso
que possibilite articulá-lo à confrontação de desafios cultural e historicamente delimitados.
Nesta articulação teórica incluiremos outras perspetivas críticas, quer sejam na vertente anti
utilitarista, quer sejam na vertente do paradigma da dádiva, com o fim de contribuir para a
renovação ética dos direitos humanos.
Palavras chave
Direitos Humanos, Honneth, reconhecimento, dádiva, ética
Como citar este artigo
Fontes, Paulo Vitorino (2020). "A proposta normativa de Axel Honneth na renovação dos
Direitos Humanos". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 11, N.º 1, Maio-
Outubro 2020. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.1
Artigo recebido em 14 de Julho de 2019 e aceite para publicação a 30 de Março de 2020
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A proposta normative de Axel Honneth na renovação dos Direitos Humanos
Paulo Vitorino Fontes
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A PROPOSTA NORMATIVA DE AXEL HONNETH
NA RENOVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
1
Paulo Vitorino Fontes
Introdução
Os direitos humanos surgem no processo de formação do mundo moderno. São
influenciados na sua configuração pelos rasgos gerais da transição para a modernidade.
Como sublinha Gregorio Peces-Barba (1989: 268), os direitos humanos não são o
resultado abstrato de uma reflexão racional sobre o indivíduo e a sua dignidade, mas
uma resposta a problemas concretos em que estes estavam minados ou diminuídos, no
Estado absoluto e no contexto das guerras religiosas que se desenrolaram no século XVI.
Os primeiros direitos individuais, políticos e processuais que aparecem na história e que
constituem o núcleo das declarações da revolução liberal não são resultado de uma
grande reflexão racional, mas uma resposta a uma situação concreta existente na Europa
e nas colónias dos países europeus, nos séculos XVI e XVII. Embora sejam valorizados a
partir de ideias gerais, na sua deliberação foi surgindo o consenso sobre o catálogo inicial
dos direitos humanos. Desta forma, como destaca Peces-Barba (1989: 269), toda a
tentativa de fundamentação, justificação ou de renovação racional dos direitos humanos
deverá ter em conta o seu ponto de partida histórico, desde o dissenso e da luta em
relação à situação jurídica e política do Estado absoluto.
Com o passar dos anos e das lutas, encontramos na Declaração Francesa de 1789 e nas
declarações de direitos norte-americanas o momento de emancipação histórica do
indivíduo perante os grupos sociais a que sempre se submeteu: a família, o clã, o
testamento e as ordens religiosas. Convocando o raciocínio de Fábio Konder Comparato
(2010: 68), importa referir que o terreno, nesse campo, fora preparado há mais de dois
séculos atrás. Por um lado, a reforma protestante enfatizou de uma forma decisiva a
importância da consciência individual relativamente à moral e à religião. Por outro lado,
desenvolveu-se a cultura da personalidade de exceção, do herói que forja sozinho o seu
destino e os destinos do seu povo, como foi expresso sobretudo na Itália renascentista.
A evolução dos direitos humanos tornar-se-ia muito mais substantiva a partir de 1945,
com o emergir da Segunda Guerra Mundial, após massacres e atrocidades de todo o tipo,
iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30,
1
Este trabalho resulta do último capítulo, revisto e atualizado, da tese de doutoramento do autor (Fontes,
2016).
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a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer época da
História, o valor supremo da dignidade humana. O sofrimento como
matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo lição
luminosa da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica
dos direitos humanos. (Comparato, 2010: 68-69)
A Declaração Universal aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de
dezembro de 1948 e a Convenção Internacional para a prevenção e punição do crime e
do genocídio, aprovada um dia antes também no quadro das Nações Unidas, constituem
os marcos inaugurais da nova etapa histórica, que se encontra em pleno
desenvolvimento.
Não podemos renunciar, por conseguinte, ao desafio de Comparato em encontrar um
fundamento que ultrapasse a organização estatal na prática dos direitos humanos. Para
Comparato (2010: 72), esse fundamento pode ser a "consciência ética coletiva, a
convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da
condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância,
ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos
internacionais". Essa consciência ética coletiva expande-se e aprofunda-se no decurso
da História. "A exigência de condições sociais aptas a propiciar a realização de todas as
virtualidades do ser humano é, assim intensificada no tempo, e traduz-se,
necessariamente, pela formulação de novos direitos humanos" (Comparato, 2010: 79).
Neste sentido, o desafio que perseguimos neste trabalho é de contribuir para uma
ampliação e renovação ética dos direitos humanos, invocando alguns pressupostos
autênticos do espaço da política, como são o reconhecimento e a dádiva.
A justificação dos direitos humanos é um problema que coloca dificuldades acrescidas no
caminho de quem pretende defender os ideais próprios deste discurso. A sua justificação,
segundo uma metafísica da não objetificação do ser humano, na sequência da tradição
filosófica kantiana, embora defendida por muitos autores e autoras, encontra-se
fragilizada no pensamento contemporâneo. O recurso ao imperativo categórico
transcendental kantiano constitui o duplo problema de apoiar-se numa visão teísta do
mundo, como forma de explicar a existência de uma verdade absoluta (Kelsen, [1960]
1998) que poderá não encontrar sustento no pensamento contemporâneo e,
simultaneamente, resultar numa norma vazia, um puro dever ser (Agamben, 2007: 58-
69).
Além disso, o descentramento do saber operado pela história e pela cultura descobre, a
todo momento, a parcialidade e contingência das verdades metafísicas. Como
consequência, são comuns as oposições ao discurso dos direitos humanos pelo seu
pretenso etnocentrismo, a sua negação da historicidade do sujeito e o seu claro
enquadramento num extenso histórico de práticas políticas intervencionistas ocidentais.
Para além disso, a longa e pluralíssima lista de direitos humanos encontra suporte
simplesmente circular na dignidade da pessoa humana, princípio jurídico cuja
inteligibilidade está condicionada à realização dos próprios direitos a que dá sustento.
Nos nossos dias enfrentamos a galopante expansão a todos os cantos do mundo do modo
de vida ocidental. Com frequência, sob o véu da razão e da ilustração do ocidente, têm
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sido subjugadas outras culturas através de um capitalismo global inigualitário cujas
consequências não são, de uma forma evidente, nem racionais nem humanas.
Neste contexto, Seyla Benhabib (2008: 179) sublinha que "o legado do racionalismo
ocidental tem sido usado e abusado, ao serviço de instituições e práticas que não
suportam o escrutínio da mesma razão que declaram expandir". Para a autora, ao mesmo
tempo que o planeta se converte materialmente num único mundo, importa compreender
como se podem reconciliar as pretensões de universalidade com a diversidade de formas
de vida. O que aliás, constitui um tema relevante para as Relações Internacionais, a
complexa dialética do universalismo e do relativismo ou a unidade e diversidade dos
direitos humanos, que de seguida pretendemos abordar.
1. Sobre a unidade e a diversidade dos Direitos Humanos
O vocabulário público em que se articulam as exigências mais prementes tem sido a
linguagem dos direitos humanos, como demonstrou Michael Ignatieff (2003). O autor
baseia-se na sua vasta experiência na análise de assuntos internacionais para nos
apresentar uma narrativa intensa dos sucessos, fracassos e diferentes perspetivas da
revolução dos direitos humanos. Desde que as Nações Unidas adotaram a Declaração
Universal dos Direitos Humanos em 1948, essa revolução trouxe ao mundo o progresso
moral, através da continuada ampliação de direitos, e quebrou a supremacia do Estado-
Nação na condução dos assuntos internacionais. Ignatieff (2003) argumenta que os
ativistas de direitos humanos atraíram críticas da Ásia, do mundo islâmico e do mundo
ocidental, por serem excessivamente ambiciosos e pouco dispostos a aceitar limites. Pelo
que, defende o autor, um dos principais desafios é restabelecer um equilíbrio entre os
direitos dos estados e os dos cidadãos e cidadãs.
A expansão dos direitos humanos, assim como a sua defesa e institucionalização, têm-
se convertido numa linguagem incontestável, ainda que não a realidade, da política
global. Benhabib (2008: 179), ao preocupar-se com a questão da universalidade dos
direitos humanos, defende a existência de um direito moral fundamental inerente a todo
o ser humano, "o direito a ter direitos" que Hannah Arendt ([1951] 1973: 330) afirmou
pela primeira vez na sua obra Origens do Totalitarismo. Na reinterpretação de Benhabib
(2008: 179), "o direito a ter direitos" é ser reconhecido pelos outros e reconhecer os
outros como pessoas merecedoras de respeito moral e de direitos legalmente garantidos
no seio de uma comunidade humana.
Benhabib (2008: 184) ao discordar da perspetiva filosófica que quer reduzir o conteúdo
dos direitos humanos a uma parcela daquilo que está acordado internacionalmente,
argumenta que é necessário desenvolver a estratégia justificatória e o conteúdo dos
direitos humanos para além das preocupações minimalistas, com vista a uma conceção
mais substancial dos direitos humanos nos termos do "direito a ter direitos". A
reconceptualização que propõe ultrapassa o sentido de Arendt, em que o "direito a ter
direitos" era visto essencialmente como um direito político, no sentido do direito a
pertencer a uma comunidade política. Benhabib (2008: 184, tradução livre) propõe "uma
conceção de direito a ter direitos, entendida como a exigência de cada pessoa humana a
ser reconhecida e protegida como uma personalidade jurídica pela comunidade mundial".
Este alargamento do conceito além do âmbito estatal resulta da carência que Benhabib
(2008: 184) deteta no discurso contemporâneo sobre os direitos humanos, ao não dar
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conta das transformações que se deram com o deslocamento das normas de justiça de
uma perspetiva internacional para uma perspetiva cosmopolita.
Benhabib (2008: 184-187) desenvolve uma articulação discursivo-teorética dos direitos
humanos, tentando perceber até que ponto existem certas suposições nimas sobre a
natureza humana e a racionalidade que devem estar subjacentes a qualquer formulação
normativa dos direitos humanos. Para a autora, o universalismo não pode ser traduzido
unicamente numa questão jurídico-política. São necessários compromissos normativos,
de modo a que o universalismo justificatório se entrelace com o universalismo moral.
Para Benhabib, qualquer justificação política dos direitos humanos com base no
universalismo jurídico deverá recorrer a um universalismo justificatório. através do
reconhecimento da liberdade comunicativa do outro é que o procedimento de justificação
terá significado. Contudo, existem diferentes perspetivas filosóficas na articulação do
conteúdo do reconhecimento. O distintivo da posição de Benhabib (2008: 178, tradução
livre) é "a interpretação desta liberdade comunicativa na sua relação com o direito a ter
direitos". A autora afasta-se da posição kantiana, propondo uma justificação discursivo-
teorética do princípio do direito que "em vez de perguntar o que poderia desejar, sem
contradizer-se a si mesmo, que fosse uma lei universal para todos". A ética do discurso
pergunta: "Que normas e acordos institucionais normativos poderiam ser válidos por
todos aqueles que fossem afetados por eles se participassem no tipo especial de
argumentação moral que chamamos discurso?" (Benhabib, 2008: 189, tradução livre).
A diferença fundamental do modelo proposto por Benhabib (2008) em relação às várias
teorias centradas no agente, é que ela procede de "uma conceção de ser humano como
um indivíduo encarnado em contextos de comunicação assim como de interação. A
capacidade de formular objetivos para a ação não é prévia à capacidade de justificar
estas metas com razão perante os outros" (p. 189, tradução livre). Ação e comunicação
estão intrinsecamente ligadas. "Só posso conhecer a mim mesmo como um agente
porque posso antecipar o fazer parte de um espaço social em que os outros me
reconhecem como o iniciador de certos atos e o enunciador de certas palavras" (p. 190,
tradução livre). Aqui, mesmo sem o referir, o discurso de Benhabib pode encontra-se
com a teoria do reconhecimento de Axel Honneth, como veremos posteriormente, uma
vez que as condições de reconhecimento intersubjetivo é que poderão garantir a
liberdade comunicativa que Benhabib propõe.
Para que a liberdade comunicativa seja exercida, será necessário ser respeitada a
capacidade de cada um para a ação e para a comunicação, ser reconhecido como membro
de uma comunidade humana num espaço social de interação. Para Benhabib (2008: 190,
tradução livre), possuir direitos é
uma exigência moral de ser reconhecido por outros como uma
pessoa portadora de direitos com uma demanda legítima de uma
carta de direitos legalmente instituída. Os outros podem
restringir a tua liberdade como ser moral por meio de razões que
satisfaçam as condições de formalidade, generalidade e de
reciprocidade para todos.
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Para além disso, o direito a ter direitos implica o reconhecimento da identidade do outro,
tanto como "outro generalizado como um concreto". Se reconhecemos o outro apenas
como um ser que tem direito a ter direitos só porque é como nós, então estamos a negar
a sua diferença, a sua individualidade fundamental. Se não reconhecemos o outro como
um ser com direito a ter direitos pela sua marcada alteridade em relação a s, então
estamos negando a nossa comum humanidade.
Para Benhabib (2008: 190-191), reconhecer o outro generalizado exige considerar os
outros, todos e cada um, como seres humanos que têm os mesmos direitos e deveres
que queremos atribuir a nós. Nesta dimensão, é abstraída a individualidade e a
identidade concreta do outro e salientada a sua dignidade moral que todos temos em
comum. O tipo de relação estabelecida rege-se pelas normas da igualdade formal e da
reciprocidade. Cada um tem o direito a esperar dos outros aquilo que podemos esperar
dele. Ao tratar o outro de acordo com estas normas, ratifico na pessoa do outro os direitos
da humanidade e espero legitimamente que o outro fará o mesmo em relação a mim.
Por outro lado, reconhecer o outro concreto exige ver, todos e cada um, como seres
humanos com uma constituição afetivo-emocional, uma história concreta e uma
identidade singular. Nesta dimensão é abstraído o que temos em comum e centramo-
nos na individualidade. A relação rege-se não pela equidade e reciprocidade, "mas
antecipa experiências de altruísmo e de solidariedade" (Benhabib, 2008: 191).
Benhabib (2008) não tem a pretensão de descrever a natureza humana através dos
conceitos do outro generalizado e do outro concreto. o acima de tudo "articulações
fenomenológicas da experiência humana" (p. 191), cujas tensões a autora não analisa.
Em relação ao outro generalizado, ele assume uma forma universalista assente nas
experiências igualitárias da modernidade, ainda que frágeis e contestáveis, poderão
constituir-se em possibilidades práticas extensíveis a toda a humanidade.
O reconhecimento recíproco de cada um como ser que possui o direito a ter direitos
implica processos de aprendizagem, lutas políticas e movimentos sociais. Este é o
autêntico significado do universalismo para Benhabib (2008: 191, tradução livre):
O universalismo não consiste numa essência ou natureza humana
que nos dizem que todos temos ou possuímos, mas em experiências
de estabelecer uma comunalidade através da diversidade, conflito,
divisão e luta. O universalismo é uma aspiração, um objetivo moral
pelo qual devemos lutar; não é um fato, uma descrição do modo
como o mundo é.
A justificação dos direitos humanos de Benhabib (2008: 192), através da formulação
discursivo-teorética da liberdade comunicativa, que se verifica numa prática dialógica,
afasta-se assim das perspetivas naturalistas e do individualismo possessivo. Ela entende
o reconhecimento do direito do outro a ter direitos como pré-condição autêntica para que
o outro seja capaz de contestar ou aceitar a minha primeira exigência.
O seu projeto denominado de "universalismo interactivo", que se distingue de outras
posições contemporâneas, já anteriormente desenvolvido na sua obra Situating the Self
(1992) e posteriormente desenvolvido como "interações democráticas" em Another
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Cosmopolitanism. Sovereignty, Hospitality, and Democratic Iterations (2006), carateriza
os processos de interação que ocorrem entre a formação democrática da vontade e da
opinião por um lado, e os princípios constitucionais e o direito internacional por outro. O
conceito pretende analisar a relação entre a unidade e a diversidade dos direitos
humanos, bem como, a relação entre o seu núcleo moral e a sua forma legal.
No entanto, como Benhabib (2008: 196) admite, "o direito a ter direitos parece bastante
abstrato e formalista". Se os direitos humanos são princípios que necessitam de
contextualização e de especificação nas normas legais, então como formular esse
conteúdo legal? A resposta esboçada por Benhabib vai no sentido "de proceder desde o
direito a ter direitos (…) até às normas de igual respeito e consideração, e deste modo
derivar posteriormente uma lista concreta de direitos humanos. Os direitos humanos
encontrariam então o seu lugar na filosofia moral" (p. 196).
Mas como dar conta da diversidade do mundo, da suas tremendas desigualdades? Como
poderá uma ética do discurso, que nos dá apenas as condições mínimas para o
procedimento dialógico, que pretendem ser suficientemente ténues para que não possam
ser identificadas com nenhuma visão particular do mundo e, por outro lado,
suficientemente consistentes para guiar o diálogo com vista a um consenso racional,
contribuir para a renovação dos direitos humanos?
Esta inspiração habermasiana necessita, na nossa opinião, da complementaridade da
teoria do reconhecimento de Axel Honneth, pois o direito a ter direitos implica uma luta
pelo reconhecimento, em que a aquisição do reconhecimento social constitui-se como a
condição normativa de toda a ação comunicativa.
Perante estas dificuldades, a pesquisa de Honneth ao propor fundar na
contemporaneidade pós-metafísica uma teoria social com conteúdo normativo, em
especial a partir da obra intitulada A luta por reconhecimento fornece-nos as ferramentas
adequadas para a compreensão e renovação da luta por direitos humanos.
O objetivo que se segue é, numa primeira fase, convocar a teoria da luta pelo
reconhecimento de Honneth, incluir a sua reactualização mais recente do Direito de Hegel
e explorar a sua proposta normativa para as condições de uma vida ética. Neste percurso,
incluiremos outras perspetivas críticas, quer sejam na vertente anti utilitarista, quer
sejam na vertente do paradigma da dádiva, com o fim de contribuir para a renovação
ética dos direitos humanos.
2. A teoria do reconhecimento na renovação dos direitos humanos
A ideia de uma luta por reconhecimento como chave metodológica para a compreensão
dos conflitos sociais foi inicialmente elaborada por Hegel durante o período denominado
de “Jena", como referência à sua estadia na cidade homónima, bem como ao instrumento
teórico que elaborou, como jovem docente de Filosofia, cujo fundamento interno
ultrapassa o horizonte institucional do seu tempo (Honneth [1992] 2011: 13). É a partir
daqui que Honneth procura a possibilidade de fundar uma nova teoria social com
conteúdo normativo, seguindo a linha do anterior contributo de Horkheimer para a teoria
crítica. Neste sentido, Honneth ([2000] 2007: 66) pretende ligar o seu projeto à tradição
filosófica do “hegelianismo de esquerda”, onde se incluem numerosos/as autores/as,
podendo-se destacar alguns pensadores como Marx, Adorno e Habermas.
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A partir da releitura dos teóricos de Frankfurt, Honneth propõe a existência de três
pressupostos que atravessam sua crítica: (1) a declaração de uma razão universal capaz
de tornar inteligíveis os movimentos sociais; (2) a atuação discordante desta razão como
causa de uma patologia; e (3) um móbil emancipatório identificado a partir dum
sofrimento (Honneth, 2009: 42).
Os dois primeiros pressupostos são abertos e, assim, não é possível aferir a sua
comprovação empírica. É apenas a partir do último pressuposto teórico que se pode
facultar à teoria um conteúdo positivo, objeto de experimentação. Desta forma, Honneth
propõe a construção de uma teoria social com conteúdo normativo, dependente da
capacidade de verificação pré-teórica do sofrimento social, capaz de informar o
pensamento teórico da pertinência de uma vontade emancipatória na sociedade.
No entanto, segundo Honneth ([2000] 2007: 65) a Escola de Frankfurt continuara presa
ao materialismo histórico marxista, aliando o sofrimento social às questões particulares
de uma classe, a proletária, a quem competiria transformar o seu sofrimento em motor
emancipatório. Mas quando a história demonstrara que a classe proletária tinha
transformado o seu sofrimento no apoio à ascensão do fascismo, o teor positivo
inicialmente adotado pela teoria crítica tinha-se tornado desajustado à compreensão e à
transformação da sociedade.
Contudo, para Honneth o que a história demonstra como inadequado é apenas o
conteúdo positivo específico adotado pela teoria, que estava ligado à exploração do
trabalho e não a sua fundamentação teórica, permanecendo em aberto a possibilidade
de desenvolver uma teoria social de conteúdo normativo, desde que se parta do
sofrimento como revelador de uma vontade emancipatória na sociedade. Para este
pensador, sem algum tipo de prova que a perspetiva crítica da teoria é reforçada por um
movimento na realidade social, a teoria crítica deixa de poder ser seguida na
contemporaneidade, uma vez que não seria possível distingui-la de outros modelos de
crítica social, quer pela sua reivindicação de um método sociológico superior quer pelos
seus procedimentos filosóficos de justificação. Para Honneth ([2000] 2007: 66), é
somente pela sua tentativa, que ainda não foi abandonada, de fornecer à crítica um
fundamento objetivo na práxis pré-teórica que se pode dizer que a teoria crítica é única
e está viva.
A partir deste exercício, Honneth levanta críticas à teoria da ação comunicativa de
Habermas, precisamente por o encontrar suporte no diagnóstico claro do sofrimento
social. Defende que se a comunicação for afastada da teoria da linguagem e entendida
como processo intersubjetivo, por meio do qual a identidade humana se desenvolve, este
sofrimento pode ser percebido no reconhecimento deficitário de algumas identidades e,
assim, a crítica reencontraria nesse reconhecimento o seu suporte normativo perdido
(Honneth, [2000] 2007: 75). Afigura-se então, o resgate do projeto filosófico hegeliano
de uma luta por reconhecimento.
No prolongamento teórico de Honneth ([1992] 2011), percebemos um esforço de
conceptualização das três esferas do reconhecimento: Amor, Direito e Estima Social,
inicialmente identificadas por Hegel. Estas esferas de interação, através da aquisição
cumulativa de autoconfiança, auto respeito e autoestima, criam não as condições
sociais para que os indivíduos possam chegar a uma atitude positiva para com eles
mesmos, como também originam o indivíduo autónomo.
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A esfera do amor constitui as relações afetivas primárias de reconhecimento mútuo que
estruturam o indivíduo desde o nascimento, e que se encontram dependentes de um
balanço frágil entre autonomia e vinculação. Segundo Honneth ([1992] 2011: 159-179),
o vínculo alimentado simbioticamente, que se forma por uma delimitação reciprocamente
desejada inicialmente entre a mãe e filho, cria a dimensão de autoconfiança individual,
que será a base fundamental para a participação autónoma na vida pública. A partir da
perspetiva normativa do outro generalizado que nos ensina a reconhecer os outros
enquanto titulares de direitos é nos permitido compreender a nós próprios enquanto
pessoas jurídicas. A esfera do Direito desenvolve-se num processo histórico, o seu
potencial de desenvolvimento verifica-se na generalização e na materialização das
relações de reconhecimento jurídico.
Para se poder atingir um auto relacionamento ininterrupto, os sujeitos humanos também
necessitam sempre, além da experiência da dedicação afetiva e do reconhecimento
jurídico, de uma valorização social que lhes permita relacionarem-se positivamente com
as suas propriedades e capacidades concretas. Estamos na esfera da estima social, de
uma terceira relação do reconhecimento recíproco, a partir do pressuposto da valorização
simétrica, os indivíduos consideram-se reciprocamente à luz de valores que tornam
manifestas as capacidades e as propriedades do outro como importantes para a
experiência comum. A relação simétrica não significa uma valorização recíproca em igual
medida, mas sim o desafio de que qualquer sujeito tem a oportunidade de se
experimentar como valioso para a sociedade através das suas capacidades e
propriedades. Só assim, seguindo o raciocínio de Honneth, sob a noção de solidariedade
é que as relações sociais poderão aceder a um horizonte em que a concorrência individual
pela valorização social poderá estar isenta de experiências de desrespeito.
Na sucessão das três formas de reconhecimento, o grau da relação positiva da pessoa
consigo mesma aumenta progressivamente. Com cada nível da consideração mútua
cresce também a autonomia subjetiva do indivíduo. De igual forma, às correspondentes
formas de reconhecimento mútuo, poder-se atribuir experiências paralelas de
desrespeito social.
Para Honneth a prática de comportamentos desviantes não resultaria apenas numa
reprovação social, mas no impedimento ao indivíduo de um reconhecimento positivo de
si mesmo na sua ação. Abre-se assim a possibilidade de transformação da ética coletiva
que permita a realização do Eu. Neste sentido, a luta pelo reconhecimento social das
particularidades do sujeito seria o constante motor de transformação do quadro ético de
uma sociedade, de modo a incluir formas de individualidade que numa dada circunstância
são objeto de um reconhecimento precário.
A fim de reedificar o alicerce de uma teoria social com conteúdo normativo, nos moldes
do projeto anteriormente desenvolvido por Horkheimer para a teoria crítica, Honneth
recuperou o projeto filosófico hegeliano de uma luta por reconhecimento. Embora num
primeiro momento se tenha circunscrito a procurar as suas bases no pensamento do
jovem Hegel, em obras mais recentes (Honneth, 1999, [2001] 2010 e 2014), o autor
tenta vincular aquela luta intersubjetiva à conceção de liberdade formulada pelo Hegel
maduro, em oposição às visões atomísticas de Kant e Fichte.
Honneth afirma que a teoria da justiça de Hegel tem em comum com o pensamento
desses autores a centralidade da ideia de igual liberdade individual para todos. No
entanto, a sua teoria distingue-se daquelas ao conceber a liberdade como algo que
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ultrapassa um simples direito subjetivo ou uma simples autonomia moral. Para Hegel,
adotar quaisquer destas visões do conceito de liberdade, de uma forma isolada,
conduziria às patologias sociais resultantes da violação do “espírito absoluto” (Honneth,
[2001] 2010: 25). Nesta tese hegeliana, ainda que de caráter metafísico e historicamente
situada, Honneth considera haver um núcleo crítico que deverá ser transportado para os
nossos dias.
A proposta de Honneth (1999) de reatualizar a Filosofia do direito de Hegel, não pretende
reabilitar nem as condições metódicas da Lógica, nem a conceção básica do Estado de
Hegel. Mas despojadas destes elementos, a Filosofia do direito de Hegel poderá ser
concebida como "um projeto de uma teoria normativa daquelas esferas de
reconhecimento recíproco cuja manutenção é constitutiva das sociedades modernas"
(Honneth, 1999: 19, tradução livre). Para corresponder a tal desafio, Honneth enuncia
os elementos restantes que permitem essa reactualização: o conceito de "espírito
objetivo" e a noção de "eticidade".
O primeiro conceito (espírito objetivo) parece-me que inclui a tese
que toda a realidade social possui uma estrutura racional, cuja
rejeição mediante conceções falsas ou insuficientes tem que
conduzir, mesmo onde sejam aplicadas de maneira prática, a
consequências negativas na vida social. (Honneth, 1999, p. 19,
tradução livre)
No que diz respeito ao conceito de eticidade, Honneth considera que este contém a tese
de que na realidade social "podem-se encontrar esferas de ação nas quais as inclinações
e normas morais, interesses e valores estão fundidos na forma de interações
institucionalizadas" (Honneth, 1999: 19, tradução livre). Pelo que seriam,
consequentemente, essas esferas, e o o Estado, a merecer uma caraterização
normativa através do conceito de eticidade.
A partir destes princípios, Honneth (1999: 26) inicia um trabalho de reatualização da
teoria do direito de Hegel através de três etapas. Na primeira, apresenta uma teoria da
justiça, a partir do conceito hegeliano de “vontade livre” que, tendo sido concetualizado
em oposição às perspetivas atomistas, determina o âmbito total daquilo que devemos
chamar de “direito”. A dificuldade desta intuição fundamental está relacionada com a
tese hegeliana de que a “vontade tem-se a si mesma como objeto”. Honneth interpreta
esta ideia com base na definição hegeliana de amor: “Ser si próprio no outro”. Com esta
interpretação o enfoque desloca-se para a existência de condições sociais e institucionais,
vistas como fundamentais, pois estas deverão permitir as relações comunicativas dos
sujeitos. Para Honneth, aquelas esferas, expressas nas instituições e nos sistemas de
práticas, que resultem insubstituíveis para possibilitar socialmente a autodeterminação
individual, é que o as autênticas portadores de direitos. Desta forma, entende-se a
Filosofia do direito como a teoria das condições sociais de possibilidade da realização da
“vontade livre”. O que vai no sentido de uma teoria normativa da justiça social.
Desde esta perspetiva, a teoria do direito de Hegel estrutura-se em três divisões. “Direito
abstrato” e “Moralidade” são as duas primeiras, em que Hegel aborda as condições
incompletas de realização da vontade livre, na forma que esta assume, respetivamente,
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de direitos modernos ou na capacidade de autodeterminação moral. Na terceira parte, a
“Eticidade”, trata das condições completas, distinguindo três esferas de ação
comunicativa: a família, a sociedade civil e o Estado. A partir daqui a teoria da justiça
articula-se com o diagnóstico da época, constituindo a segunda etapa da proposta de
reactualização de Honneth.
Honneth (1999) compara a pretensão de Hegel com a argumentação de Habermas em
Faticidade e Validez. Para Habermas, “a legitimidade da ordem jurídico-estatal deduz-se
da garantia das condições de formação democrática da vontade”, enquanto em Hegel
“remonta-se à auto realização individual para deduzir das suas condições a tarefa de uma
ordem jurídica moderna” (Honneth, 1999: 43, tradução livre). Hegel apresenta uma
vasta descrição das conceções contrárias à liberdade, como uma tendência da época. O
que dificulta a sua tarefa: “Dar relevo, no desenvolvimento da sua teoria da justiça, à
função necessária que assumem a liberdade jurídica e a liberdade moral relativamente
às condições da liberdade comunicativa, que são patentes no conceito de eticidade”
(Honneth, 1999: 45, tradução livre).
Na primeira parte da obra de Hegel, a do direito abstrato, o autor argumenta que apelar
a ele é somente uma possibilidade, algo a respeito de todo o conjunto de circunstâncias.
Utilizar esta faculdade dependeria de fatores quase caracterológicos e tinha como
consequência o sofrimento: “Aquela pessoa que articula todas as suas necessidades e
propósitos nas categorias do direito formal resulta incapaz de participar na vida social e,
por isso, sofrerá na indeterminação” (Honneth, 1999: 50, tradução livre). Mas, por outro
lado, pode-se reconhecer o valor do direito formal relativamente à autorrealização
individual, pois o sujeito, percebendo-se como portador de direitos e ao evidenciar os
limites impostos pelas relações sociais, tem a oportunidade de retirar-se atrás de toda a
eticidade.
Na segunda parte do livro, que corresponde à moralidade, Honneth reconstrói o
argumento de Hegel de forma a mostrar a relação entre os limites em que o sujeito
tropeça ao conceber unilateralmente de uma forma moral a realização da sua liberdade
e as razões que promovem a passagem à esfera da eticidade. A crítica de Hegel dirige-
se contra o imperativo categórico kantiano, pois a sua aplicação resulta em desorientação
e na sensação de vazio. Kant entendia que o seu imperativo categórico havia de aplicar-
se onde houvesse um conflito moral. No entanto, na crítica de Hegel, a formalidade do
imperativo levava à abstração do meio social, onde estão institucionalizados conceitos
e pontos de vista morais, e se assim é, o imperativo perde a sua função fundamentadora.
Para que o argumento de Hegel o seja entendido como relativismo moral, Honneth
(1999: 53, tradução livre) argumenta que “o conceito de eticidade é um argumento
teórico-moral em sentido restrito” e que a proposta de compreender a realidade social
como encarnação da vontade livre representa um argumento epistemológico e de
ontologia social. Ao não considerarmos a eticidade nem a racionalidade suficiente das
instituições sociais, que se transformam numa segunda natureza, o sujeito está
abandonado ao vazio interior e à pobreza da ação. Por isso, o caminho para a eticidade
deverá ser experimentado como uma libertação, não por abandonar as conceções
incompletas, mas também pelo seu efeito terapêutico sobre uma patologia no mundo da
vida que causa sofrimento. Assim, deverá ser compreendido como uma “conquista de
uma liberdade afirmativa” (p. 53). Desta forma, a Filosofia do direito de Hegel apresenta
uma fenomenologia das configurações da liberdade, com uma equivalente teoria da
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justiça, a consciência livre vincula-se ao diagnóstico da época, e estes elementos
convergem na doutrina da eticidade.
O passo final de Honneth é reatualizar a doutrina da eticidade numa teoria normativa da
modernidade. Para tal, estabelece como condições fundamentais a autorrealização e o
reconhecimento. “Só numa ação cuja execução é caraterizada mediante o cumprimento
de determinadas normas morais pode um sujeito garantir ser reconhecido pelos demais,
porque este reconhecimento está determinado precisamente pelas competências morais,
que estão estabelecidas mediante as normas de ação correspondentes” (Honneth, 1999:
53).
Assim, o conteúdo normativo da eticidade é uma articulação das formas de ação
intersubjetiva que podem garantir reconhecimento devido à sua qualidade moral. Neste
sentido, a família, a sociedade civil e o Estado, constituem-se como esferas sociais, com
campos de práticas, que poderão garantir a liberdade individual nas suas configurações
modernas que articulam reconhecimento, formação e autorrealização.
A renovada teoria da luta pelo reconhecimento afigura-se como modelo de compreensão
dos conflitos sociais como reivindicações éticas que contribuem para a expansão das
possibilidades de subjetivação e alteram o quadro ético do todo. A transgressão, assim,
vem apontar para a insuficiência ética do coletivo, o do indivíduo transgressor. Inverte-
se o foco de intervenção do direito, deixando de estar centrado no indivíduo, na
necessidade de adaptá-lo às convenções sociais, para se centrar na sociedade, para a
necessidade desta de reconhecer e incluir os mais diversos modos de existência,
garantindo-os desde a sobrevivência física até a valorização da sua singularidade.
Depois de apresentar a luta pelo reconhecimento, que para não fracassar, necessita de
uma eticidade com conteúdo normativo, iremos convocar outros contributos críticos e
completar o momento da luta com o momento do dom, pois ambos são polos de uma
relação de reconhecimento. assim, julgamos estarem reunidas as condições para uma
renovação dos direitos humanos, tanto ao nível coletivo como individual, pois os direitos
humanos são, ao mesmo tempo a base legitimadora do direito e o fundamento moral
que inspira as nossas vidas.
Segundo Flávia Piovesan (2010), a complementaridade entre as diferentes dimensões
dos direitos humanos já possui reconhecimento doutrinário e legal. Porém, não é claro,
em que medida são baseadas no enquadramento teórico filosófico kantiano ou
jusnaturalista a que os direitos humanos costumam referir-se. O ideal da não
objetificação do ser humano parece suportar a dimensão das liberdades civis e dos
direitos sociais. Uma vez que o ser humano não deve ser tratado como objeto pelos seus
semelhantes, então o seu corpo deve desfrutar de imunidade, o que não inclui apenas a
renúncia à ação direta sobre ele, mas a garantia de todas as suas necessidades, de modo
a evitar que, abandonado às próprias forças, ele se deva obrigar à vontade do outro. No
entanto, relativamente aos direitos políticos e ao direito à diferença o ideal kantiano não
parece fornecer substrato adequado. Uma vez que não parece ser possível basear a
participação política e o reconhecimento do direito à diferença na não objetificação do
ser humano.
Da mesma forma que o imperativo categórico do agir de modo que o seu comportamento
possa, por sua vontade, tornar-se lei universal, além de não proporcionar substrato
material, admitindo quaisquer comportamentos e impondo um dever vazio de sentido,
parece ser, em última instância, oposto ao reconhecimento da diversidade. o é
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possível, a partir dele, derivar uma necessidade de reconhecimento do outro na sua
diferença, mas pode-se, por outro lado, exigir que o outro se assemelhe, no seu
comportamento, com o Eu.
Desta forma, o formalismo abstrato kantiano revela-se insuficiente no suporte à temática
dos direitos humanos e não parece ser capaz de fundamentar as novas temáticas que
têm sido incorporadas na luta por direitos humanos, que a racionalidade ocidental não
soube incluir no seu desenvolvimento histórico.
Se a modernidade ocidental nos oferece valores imprescindíveis, como a liberdade e a
autenticidade, na perspetiva de Charles Taylor ([1992] 2009), também ela nos trouxe
profundas maleitas: o individualismo egocêntrico, a primazia da razão instrumental e a
perda de liberdade. Sendo o individualismo configurado pelo ideal da autenticidade,
Taylor procura o sentido mais profundo deste ideal, com o objetivo de revigorar uma
ética da autenticidade.
O que de novo e importante no pensamento de Taylor ([1992] 2009) é a ideia de uma
individuação mais completa e original inserida desde sempre numa comunidade de
sentido. Cada indivíduo é único e deve viver de acordo com a sua unicidade e
originalidade. Mais do que a constatação das diferenças entre os indivíduos, importa
perceber que essas diferenças implicam o dever de viver-se de acordo com essa
originalidade. Desta forma, ao contrário da uniformização e da generalização de uma
perspetiva instrumental em relação ao próprio eu e aos outros, passa a ser a articulação
da minha originalidade com os outros o que nos define como pessoas. Assim, a
autenticidade, como ideal moral é essencialmente dialógica e intersubjetiva, uma vez
que a autenticidade é a expressão única de si, mais na forma do que no conteúdo,
construída no diálogo interior, intrapsíquico, com os outros e outras que são
significativos/as para nós. A partir daqui construímos e reconstruímos a nossa identidade
num contínuo de relações de reconhecimento. A autenticidade se realiza através do
reconhecimento intersubjetivo. A autenticidade devidamente articulada e reconhecida
possibilita a forma mais plena de realização humana.
Parece-nos adequada a teoria do reconhecimento como paradigma alternativo. O
reconhecimento constitui-se como um fenómeno pluridimensional intersubjetivo, social
e político em que não se pode falar de reconhecimento pleno enquanto não estiverem
garantidas as condições de realização plena da individualidade, enquanto não estiver
garantida a autonomia do sujeito na sua singularidade histórica, e o lhe estiverem
concomitantemente asseguradas a liberdade do corpo, a autonomia moral e a dignidade
da sua individualidade.
Em vez de impor os padrões de subjetividade particulares das culturas globalmente
dominantes, os direitos humanos passam a constituir um meio de defesa das formas de
subjetivação que estão presentes no seio das culturas locais, mas que são objeto de um
reconhecimento deficitário. Assim, em vez de encerrar o conteúdo dos direitos humanos
em padrões e pretensões estrangeiros, abrem-se as suas fronteiras às diversas situações
históricas e culturais.
Uma das ideias fundamentais de Silvério da Rocha-Cunha (2015: 169) é "a necessidade
de uma Nova Cultura Mundial, onde todos dêem e recebam sem medo, sobretudo sem
aquele medo fronteiriço que delimita territórios e legitima a cisão entre amigo e inimigo".
Uma libertação cultural que implica, segundo o autor, uma anterior libertação político-
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cultural. através da criação de condições que permitam o diálogo é que se poderá
solucionar os grandes problemas sócio-económicos e ecológicos da nossa era.
"Estes problemas atingiram uma dimensão que corre o risco de atingir um ponto de não
retorno" (Rocha-Cunha, 2015: 176). A lógica implacável do crescimento económico, que
explora o outro, degrada os vínculos sociais, continua a crescer à custa da sustentação
do planeta e das futuras gerações. Para Rocha-Cunha, a problemática económica
necessita de interrogações de natureza ética, para que se possa constituir uma teoria
económica global baseada na justiça com os povos da Terra e com as gerações futuras.
Neste sentido, Juan Ramón Capella (2005 e 2007) partindo de uma reflexão filosófico-
política, em torno da problemática central do mundo contemporâneo: a sua crise
ecológica e social no seio de uma revolução tecnológica, a universalização real das
relações económicas, os novos poderes soberanos supra estatais, a crise da cidadania e
dos pressupostos da intervenção política; propõe, frente a um mundo que abandonou a
"vida boa" o objeto da ética a reconstrução dos vínculos sociais: a procura de novos
laços entre as pessoas, de vínculos livres, o mediados pelo Estado. Para tal será preciso
reaprender a solidariedade, a ajuda e a compreensão entre as pessoas e a valorização
da sua diversidade. O objetivo passa pela reconstrução dos vínculos, semelhantes aos
que no passado ligaram as pessoas, despojados do carácter "metafísico", involuntário e
inconsciente, mas que possibilitem a aprendizagem em comum de novas formas de vida
e de civilização.
Assim, retornando a Rocha-Cunha (2015: 177), através de "uma atitude de espera
positiva relativamente aos contributos fecundantes das outras culturas. Será, então,
possível uma espécie de reconciliação intercultural que saberá resolver as crises
sistémicas que avassalam o nosso planeta".
Devido à imposição do padrão ocidental, ao colonialismo que não deixou de existir dentro
das sociedades e, em grande escala, nas relações entre o Norte e o Sul, surgem enormes
obstáculos e dificuldades na construção de um diálogo entre culturas. Problemas que se
prendem por um lado, como refere Rocha-Cunha (2015: 178), com a lógica dos próprios
sistemas sociais, pois estes tendem para simplificação progressiva e para o contínuo
ajustamento interno com vista à sua manutenção. Assim procuram certezas simples, em
vez de procurarem o outro, o diferente, o pluralismo e a complexidade humana. Por outro
lado, o pretenso universalismo do ocidente e a sua falta de respeito por outras culturas,
principalmente do continente africano e sul-americano tem conduzido os imensos
diálogos a uma lista vazia de compromissos.
Boaventura de Sousa Santos (2003), preocupado em estabelecer profícuos diálogos
interculturais, considera que todas as culturas são incompletas e problemáticas na sua
conceção de dignidade humana. A incompletude deriva-se da existência de uma
pluralidade de culturas e esta percebe-se melhor desde o exterior, desde a perspetiva de
outra cultura. Se cada cultura fosse tão completa como pretende, só existiria uma única
cultura. Desta forma, elevar a consciência da incompletude cultural ao seu ximo
possível, revela-se como uma das tarefas mais importantes para a construção de uma
conceção multicultural dos direitos humanos.
Segundo Francesco Fistetti (2007: 297), a perseguição de interesses puramente
utilitaristas ou de poder por parte dos países dominantes tem alimentado os aspetos
negativos da mundialização, ao ponto desses efeitos retornarem contra os mesmos
países. A lógica do mercado sem regras acaba por conduzir, mais cedo ou mais tarde, à
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violência, à guerra e à barbárie. A lição que Marcel Mauss ([1924] 1988) propõe é de
temperar o interesse particular com o interesse geral: assegurar a paz acima da ideia de
uma riqueza comum e da ideia de um mundo comum. Poderíamos assim dizer que
qualquer povo, qualquer cultura ou nação pretende dar qualquer coisa especificamente
seu à grande família dos povos, das nações e das culturas, e deseja ser reconhecido e
recompensado por essa contribuição: pretende ser introduzido no ciclo do dar-receber-
retribuir, mas num sentido mais vasto, não económico mas simbólico e cultural. Tal
como o produtor que tem o sentimento de dar qualquer coisa que não é redutível ao seu
tempo de trabalho, mas que se relaciona com o dom de si e da sua existência, também
os povos e as nações mais pobres e excluídos não devem ser considerados meros
operadores de uma troca supostamente paritária, dependente do modelo de "Homo
ecunomicus", uma vez que a troca é desigual desde o início, desde a desigualdade
material dos sujeitos (Fistetti, 2007: 298).
Devemos entender os outros como dignos de respeito desde a alteridade, aceitar a
diferença como diferença e não como indiferente, capaz de enriquecer a nossa
humanidade e a nossa visão do mundo e reconhecê-los como capazes de dar algo que
nós o temos. Como sublinham Julien Rémy & Alain Caillé (2007), os povos doadores
procedem a uma confiscação do momento da diva, tornando-se naqueles que dão, isto
é, aqueles que dão sempre sem nada receber, e, de certa forma, eles não esperam mais
reconhecimento daqueles que recebem. Aqui, a relação de dominação reside no
fundamentalismo de uma conceção cultural baseada na racionalidade ocidental
autocentrada e que vê o outro como o simples reflexo de si mesmo.
Para Alain Caillé (2010), as teorias da justiça, na sequência de John Rawls apresentam
o problema de não romper com uma conceção utilitarista do sujeito humano. Como
mostra Amartya Sen, elas visam um ideal inatingível e não têm nada a dizer aos casos
concretos.
Por outro lado, sublinha Caillé, outro grande debate teórico e político no mundo que
se realiza em torno das teorias do reconhecimento. Todos os estudos subalternos, pós-
coloniais, culturais, feministas, entre outros, abordam a problemática do
reconhecimento, embora em diferentes perspetivas. Para eles, boa sociedade seria
aquela em que ninguém iria permanecer invisível, desconhecido ou mal reconhecido. O
problema destas abordagens, por sua vez, é que elas se alimentam da concorrência das
vítimas. Elas não respondem à questão de quem deve dar o reconhecimento a quem;
um reconhecimento que não pode ser distribuído da mesma maneira de que um
rendimento monetário. E, por último, deixam indeterminada a questão do valor a ser
concedido aos requerentes de reconhecimento, como sejam os valores últimos em nome
dos quais o reconhecimento pode ser concedido.
Reconhecer uma cultura significa atribuir-lhe um valor único e insubstituível no seio das
culturas e das civilizações. Nesta perspetiva, podemos entender a tese de Cailacerca
do valor social das pessoas e afirmar que o valor de uma cultura pode-se medir pela sua
capacidade de dar, tanto nos dons realmente feitos como nas suas potencialidades de
dom, ou capacidade para dar. E aqui, voltando à questão de Caillé: Qual será o critério
de avaliação, a potência ou o ato da dádiva? Torna-se evidente, tal como entre as
pessoas, no que diz respeito às culturas, não se trata de estabelecer uma hierarquia
axiológica entre culturas superiores e inferiores, mas trata-se do sentido fenomenológico
da dádiva (das Ergebnis), como destacou Hannah Arendt ([1958] 2007) e Caillé (2008),
da dimensão da gratuitidade, da liberdade e da espontaneidade. A dádiva tem valor e
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valoriza quem doou, desde que a liberdade e a originalidade excedam a parte da
obrigação, e que, aliás, “a dimensão do desinteressamento, do para outros, seja mais
importante do que a dimensão do interesse pessoal, do para si. É esse excesso da
liberdade sobre a obrigação que forma e mede o valor do doador” (Caillé, 2008: 160).
Cada cultura contém o valor de algo que compreende a pluralidade humana, como
literatura, obras de arte, símbolos, códigos de comportamento, entre outros. É em
relação a esta pluralidade constitutiva que Arendt ([1958] 2007) convida-nos a não
adotar uma atitude de espanto e admiração, mas a reconhecer que sobre a Terra, que é
a nossa casa comum, uma pessoa, um grupo de pessoas ou um povo que tem uma
posição no mundo que não pode ser reproduzida nem substituída e uma visão do mundo
que ele pode encarnar. Por esta razão, Arendt insiste que a aliança é o coração da
política concebida como o espaço de relações entre os povos e entre as culturas. Ela
lembra-nos que os tratados de paz e de aliança nas sociedades ocidentais são noções de
origem romana que permitiram criar um mundo comum, transformando os inimigos de
ontem nos amigos de amanhã.
De forma a concluir este encontro da luta com a dádiva no seio de uma teoria do
reconhecimento, convocamos a análise de Paul Ricoeur ([2004] 2010 e 2006). Para este
autor, mutualidade da relação da dádiva, ou da troca de presentes como um processo de
reconhecimento simbólico situa-se entre o sentido cerimonial e o sentido moral. O autor
ao denunciar a "consciência infeliz" ou o "mau infinito" que um sujeito sempre exigente
pode ter, "está a dizer-nos, de certa forma, que antes de exigir o reconhecimento,
devemos alegremente concedê-lo. (…) Reconhecer, antes de exigir o reconhecimento
para si próprio", como refere Gonçalo Marcelo (2011: 123). Ao introduzir a dissimetria
no centro da reciprocidade, Ricoeur não está a afirmar a diferença entre as pessoas,
como está colocando o outro antes de si mesmo. E se o reconhecimento nos for
concedido, devemos agir com gratidão, reconhecer em troca. Mesmo não sendo obrigado
a retribuir, se não o fizer posso quebrar o vínculo social. Assim, "Ricoeur propõe uma
relação assimétrica, altruísta de reconhecimento através da qual o outro assume uma
certa verticalidade: Eu devo reconhecer o outro em primeiro lugar" (Marcelo, 2011: 123).
Esta verticalidade na relação com o outro não o torna inacessível. Pois o caráter
cerimonial do reconhecimento possibilita a horizontalidade nas interações humanas.
Desta forma, Ricoeur ao propor uma subjetividade altruísta está a construir uma ética
pura do reconhecimento, assente nos estados de paz, nas práticas de dom que
constituem uma esfera de sentido e nos dão um suplemento normativo, como ideal
regulador da nossa ação.
Considerações finais
Este texto partiu da problematização em torno da justificação dos direitos humanos,
refletindo em temas que influenciam as Relações Internacionais, como a universidade e
diversidade desses mesmos direitos, com o contributo de vários autores, com destaque
para Benahbib, que tenta articular esta dialética nos termos do direito a ter direitos,
anteriormente enunciado por Harendt, numa perspetiva de ampliação das conquistas
desta luta histórica.
A partir daqui desenvolvemos a teoria crítica do reconhecimento de Honneth, articulando-
a com outros prolongamentos teóricos desenvolvido por Ricoeur e Caillé, com o objetivo
de contribuir para a renovação ética dos direitos humanos. Participámos na construção
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de um segundo discurso sobre o reconhecimento, que não se limita à perspetiva da luta
nem à consideração de um objetivo instrumental, mas completa-se na alteridade, através
do reconhecimento e da dádiva. Depois de apresentar a luta pelo reconhecimento, que
para não fracassar, necessita de uma eticidade com conteúdo normativo, completámos
o momento da luta com o momento do dom, pois ambos são polos de uma relação de
reconhecimento.
Afastando o imperativo categórico kantiano que supõe uma racionalidade, a ocidental,
conduzimos os direitos humanos ao plano ético, ao diálogo, à alteridade, ao encontro
com o outro. Assumimos assim o reconhecimento e a dádiva como pressupostos
autênticos do espaço da política.
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COMBATER O CIBERCRIME COMO PRÉ-REQUISITO
PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE DIGITAL
Olga A. Klymenko
ms-kl18@ukr.net
Doutorada em Direito. Chefe do Departamento do Centro Interinstitucional de Pesquisa sobre
Problemas de Combate ao Crime Organizado no Conselho Nacional de Segurança e Defesa da
Ucrânia (de 2017 a 2019), Kiev (Ucrânia).
Mykhaylo V. Gutsalyuk
mvgutsalyuk@ukr.net
Doutorado em Direito, Professor Associado. Pesquisador-chefe do Centro Interinstitucional de
Pesquisa sobre Problemas de Combate ao Crime Organizado no Conselho Nacional de Segurança
e Defesa da Ucrânia, Kiev (Ucrânia).
Andrii V. Savchenko
savchenkoav@ukr.net
Doutorado em Direito (LLD). Professor do Departamento de Direito Penal da Academia Nacional
de Assuntos Internos, Kiev (Ucrânia).
Resumo
O artigo trata das questões de segurança cibernética e crime cibernético na sociedade digital.
São propostas áreas para melhorar a cooperação internacional para garantir a segurança da
Internet.
A sociedade digitalizada está a ser implementada em todo o mundo a uma taxa elevada e
oferece benefícios significativos para o desenvolvimento da sociedade como um todo e dos
seus componentes individuais. Ao mesmo tempo, um fator que afeta negativamente esse
desenvolvimento é o cibercrime. O artigo explora o estado atual e as principais tendências do
crime cibernético, incluindo as suas formas organizadas.
São propostas medidas legislativas e organizacionais para combater o cibercrime, salientando
o papel principal da cooperação internacional, incluindo o rápido intercâmbio de dados
eletrónicos para detetar e investigar o cibercrime.
Palavras chave
Cibercrime; cibersegurança; cooperação internacional; sociedade digital; contração.
Como citar este artigo
Klymenko, Olga A.; Gutsaliuk, Mykhailo V.; Savchenko, Andrii V. (2020). "Combater o
cibercrime como pré-requisito para o desenvolvimento da sociedade digital". JANUS.NET e-
journal of International Relations, Vol. 11, N.º 1, Maio-Outubro 2020. Consultado [em linha]
em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.2
Artigo recebido em 12 de Novembro de 2019 e aceite para publicação a 26 de Março de
2020
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Combater o cybercrime como pré-requisito para o Desenvolvimento da sociedade digital
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COMBATER O CIBERCRIME COMO PRÉ-REQUISITO
PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE DIGITAL
Olga A. Klymenko
Mykhaylo V. Gutsalyuk
Andrii V. Savchenko
Descrição do problema
Um dos sinais da sociedade digital moderna é o rápido desenvolvimento das tecnologias
da informação e a disseminação da Internet, que estão a ser introduzidos em todas as
esferas da vida. O primeiro site da história foi criado em 1991 e hoje existem mais de
1,8 biliões de sites no mundo. Se em 2015 o número de utilizadores da Internet era de
cerca de 2 biliões, em 2019 eles ultrapassavam os 4 biliões (Estatísticas ao vivo na
Internet, 2019).
O primeiro programa da Europa Digital, proposto em junho de 2018, investirá em cinco
principais setores digitais: computadores de alto desempenho, inteligência artificial,
segurança cibernética e confiança, habilidades digitais avançadas, e garantir o amplo uso
e implantação de tecnologias digitais na economia e na sociedade, afim de fortalecer a
liderança tecnológica industrial europeia (Orçamento da UE, 2018).
Ao mesmo tempo, com o desenvolvimento da tecnologia informática, surgiu uma nova
forma de atividade criminosa o cibercrime, que hoje domina o ambiente de redes de
computadores e dispositivos móveis. O anonimato das redes globais de informação, a
velocidade da transferência de informações possibilita o uso dessas vantagens, não
apenas no desenvolvimento da sociedade de informação, mas também pela prática de
atos ilícitos. Isso também é facilitado pelo facto das tecnologias de informação e
comunicação estarem a ser introduzidas e desenvolverem-se muito mais rapidamente do
que os legisladores e as agências de aplicação da lei podem reagir. Portanto, o
desenvolvimento sustentável de uma sociedade digital é possível se o crime
cibernético for combatido ativamente, incluindo as suas formas organizadas.
Os crimes cibernéticos, contrariamente aos tradicionais, são caracterizados pelo facto de
serem cometidos usando computadores e redes de dados, incluindo a Internet global.
Como resultado, esses crimes podem ser de natureza transfronteiriça e perpetrados por
grupos interestaduais criminosos organizados. Outra característica é que a evidência de
tais crimes está contida em dispositivos eletrónicos (evidência eletrónica ou digital) e
tem a capacidade de ser rapidamente modificada ou mesmo destruída.
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Depois da Organização Mundial da Saúde ter reconhecido o coronavírus como uma
pandemia, muitas organizações em todo o mundo começaram a introduzir métodos
remotos de trabalho nas suas unidades, incluindo organizações como o Congresso dos
EUA, o Pentágono, a NASA. Ao mesmo tempo, o tráfego da Internet aumentou
significativamente. Por exemplo, o tráfego de conferência na Webex cresceu 22 vezes!
(Videoconferência gratuita: o Coronavírus promove ofertas especiais da WebEx, Google
e outras, 2020). Em tais condições, a confiabilidade das telecomunicações aumenta
significativamente.
A cultura corporativa não será a mesma depois do coronavírus. Algumas empresas
permanecerão distantes após a epidemia global. Em primeiro lugar, os próprios
funcionários, tendo sentido os benefícios do teletrabalho, não quererão voltar aos
gabinetes. Em segundo lugar, os proprietários de empresas, tendo medido o KPI dos
funcionários e a poupança em instalações e serviços de aluguer, podem deixar apenas
os funcionários mais necessários no local.
Medidas de cibercrime e cibersegurança
Se o cibercrime no século passado eram eventos relativamente raros e investigados
dentro dos estados individuais, no início do século XXI, eles tornaram-se um dos
problemas mais prementes que confrontam a comunidade internacional e começaram a
procurar ativamente mecanismos de combate a este fenómeno (Eoghan Casey, 2011,
Marie-Helen Maras, 2016), em particular:
Em 2001, a Convenção sobre Crime Cibernético foi adotada em Budapeste. Este
documento estabelece uma lista de crimes cibernéticos e as disposições processuais
necessárias para combater o crime cibernético, incluindo a recolha e o partilha de
evidências eletrónicas (Convenção sobre Crime Cibernético 2001);
Em 2002, foi realizado em Londres o Primeiro Congresso Estratégico Internacional
sobre Crime Cibernético "Congresso sobre Crime Eletrónico 2002", dedicado aos
problemas do combate aos crimes eletrónicos. No congresso, os representantes dos
órgãos de aplicação da lei de diferentes países e da indústria de TI discutiram questões
de efetiva contração ao crime cibernético (Gutsalyuk M. V. Combate a Crimes
Cibernéticos, 2002);
Em 2004, em conformidade com o Regulamento (UE) n.º 460/2004, foi criada a
Agência Europeia para a Segurança das Redes e Informação (ENISA), cuja principal
tarefa era melhorar a segurança das redes e da informação na União Europeia
(Regulamento (EC) No 460/2004);
Em 2007, a União Internacional de Telecomunicações (UIT) desenvolveu o Programa
Global de Cibersegurança (GCA) como uma estrutura para a cooperação internacional
que visa aumentar a confiança e a segurança na sociedade de informação (Agenda
Global de Cibersegurança, 2007);
Em 2010, na ONU, um grupo de especialistas foi criado para realizar pesquisas sobre
crimes cibernéticos. O grupo preparou um estudo abrangente sobre o cibercrime
(Projeto de Estudo Abrangente sobre Cibercrime, 2013);
Em 2011, a Estratégia Internacional para o Ciberespaço foi desenvolvida nos EUA.
(Estratégia Internacional para o Ciberespaço, 2011);
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Em 2013, foi adotada a Diretiva da UE sobre ciberataques em sistemas de informação
(Diretiva 2013/40 / UE);
Em 2013, em conformidade com o Regulamento (UE) n.º 526/2013, foi criada a
Agência da União Europeia para a segurança das redes e da informação e o
Regulamento (UE) n.º 460/2004 foi revogado (Regulamento (UE) No 526/2013);
Em 2013, a Europol criou o Centro Europeu de Cibercriminalidade (EC3) em 2013 para
reforçar a resposta da lei ao crime cibernético na UE e, assim, ajudar a proteger os
cidadãos, as empresas e os governos europeus da criminalidade online (Centro
Europeu do Cibercrime, 2013);
Em 2014, o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia desenvolveu um Quadro de
Infraestrutura Crítica para Instalações de Infraestrutura Crítica para detetar, prevenir
e responder a ataques cibernéticos (Quadro para melhorar a segurança cibernética da
infraestrutura crítica, 2014). Em abril de 2018, uma nova versão 1.1 deste documento
foi lançada;
Em 2016, foi adotada a Diretiva da UE 2016/1148, relativa a medidas para garantir
um elevado vel global de segurança das redes e dos sistemas de informação em
toda a União. (Diretiva (UE) 2016/1148, 2016);
Em 2017, o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker anunciou um
pacote de Segurança Cibernética que estabelece medidas para responder ao cenário
de mudanças nas ameaças cibernéticas (Pacote de Segurança Cibernética, 2017);
Em 2018, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), a diretiva da União
Europeia sobre o uso de dados pessoais, entrou em vigor (Regulamento Geral de
Proteção de Dados, 2018);
Em 2019, a Europol anunciou a adoção de um novo protocolo sobre como as
autoridades policiais da União Europeia e além responderão aos principais ataques
cibernéticos transfronteiriços. O novo protocolo, adotado pelo Conselho da UE, faz
parte do Plano de Resposta Coordenada da UE a Incidentes e Crises de Segurança
Cibernética Transfronteiriça em Larga Escala, e será implementado pelo Centro
Europeu de Cibercrime da Europol (EC3) (UE Adota Novo Protocolo de Resposta para
Grandes Ataques Cibernéticos, 2019).
Deve-se notar que, nos últimos anos, todos os países desenvolvidos também adotaram
legislação nacional relevante sobre o procedimento penal de crimes cibernéticos,
desenvolveram estratégias para combatê-los e criaram as unidades de aplicação da lei
apropriadas (Gutsalyuk, 2016).
O estado atual das coisas e os mais recentes desafios da segurança
cibernética
No entanto, o cibercrime continua a espalhar-se e crescer. De acordo com pesquisa da
PWC (PricewaterhouseCoopers), o crime cibernético tinha duas vezes mais hipóteses de
ser identificado do que qualquer outra fraude como o crime económico mais perturbador
e sério que se espera que cause impacto nas organizações nos próximos dois anos
(Pesquisa Económica Global sobre Crime e Fraude da PwC, 2018).
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Especialistas do Fórum Económico Mundial em Davos, em Janeiro de 2018, publicaram
um relatório anual sobre riscos globais no mundo, intitulado “Relatório Global de Riscos
2018” (Relatório Global de Riscos, 2018) Com base nos seus conceitos, os ataques
cibernéticos estão em segundo lugar em termos de influência negativa para a
comunidade mundial após eventos climáticos extremos (i.g., um ano, os riscos
tecnológicos e o cibercrime ocupavam o terceiro lugar). O relatório afirma que os riscos
de segurança cibernética estão a aumentar constantemente. Por exemplo, os ataques
cibernéticos às empresas duplicaram nos últimos cinco anos, e os incidentes que antes
eram considerados extremos tornaram-se mais comuns hoje, e hackers atacam
computadores e redes em "velocidade quase constante" - a cada 39 segundos, um
ataque cibernético (Milkovich Devon, 2019).
O Lloyd's de Londres disse num relatório que grandes ataques cibernéticos globais
poderiam desencadear uma média de USD 53 biliões em perdas económicas, incluindo
as perdas do ataque WannaCry em maio de 2017, que afetou 300.000 computadores em
150 países, totalizando USD 850 milhões e de ataques a outro vírus de computador que
se espalhou na Ucrânia em junho de 2017 totalizaram USD 850 milhões (Gutsalyuk,
Klymenko, 2017; Ciberataque global pode gerar perdas de USD 53 biliões, 2017).
De acordo com a estatística de incidentes cibernéticos (ENISA) de 2018, a atividade
maliciosa e as falhas do sistema são a principal causa de incidentes relatados: as falhas
do sistema representam 39% do total de casos (36% em 2017, respetivamente). O
malware aumentou para 39% (mais do que 7% em 2017) (Relatório Anual Incidentes de
Seguraa dos Servos de Confiança, 2018).
Na era moderna da competição estratégica, a espionagem cibernética está a dar um novo
salto. A Escola de Código e Cifra do Governo do Reino Unido (GCCS) estima que existem
34 países diferentes que têm equipas sérias de espionagem cibernética bem financiadas.
Essas equipas de atores de ameaças baseadas no estado o compostas por
programadores, engenheiros e cientistas informáticos que formam grupos de hackers de
agências militares e de inteligência. Eles têm um tremendo apoio financeiro e recursos
tecnológicos ilimitados que os ajudam a desenvolver as suas técnicas rapidamente (A
espionagem cibernética é global - e está a levar a guerra a um novo nível, 2018).
Uma das mais recentes ferramentas tecnológicas para ataques cibernéticos, atualmente
em desenvolvimento ativo, é o uso de Machine Learning e inteligência artificial IA.
Como se está a tornar mais fácil criar vírus e realizar ataques em larga escala ao longo
do tempo, existe hoje em torno do crime cibernético organizado uma subcultura
cibernética maciça, e nos próximos anos, o nível de cibercrime e a auto-organização ativa
de hackers devem aumentar.
Além disso, cada vez mais países estão a implementar forças cibernéticas que podem
influenciar a infraestrutura dos “oponentes”. Segundo o secretário-geral da ONU, António
Guterres, durante um discurso na Universidade de Lisboa em 19 de fevereiro de 2018:
"A próxima guerra começará com um ataque cibernético em massa destinado a destruir
as capacidades militares e paralisar a infraestrutura básica, como redes elétricas".
Guterres pediu a unificação da comunidade mundial, a fim de minimizar a influência das
guerras cibernéticas na vida dos civis e sugeriu a criação de uma plataforma nas Nações
Unidas com base na qual cientistas, funcionários e outros poderiam desenvolver regras
"para garantir uma natureza mais humana" na resolução de qualquer conflito relacionado
com as tecnologias da informação (Khalip Andrei, 2018).
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Uma das tendências atuais em tecnologia da informação é a introdução de criptomoedas
em larga escala na maioria dos países, que se tornam um instrumento completo de
pagamento e um ativo de investimento. A capitalização total de mercado das
criptomoedas em 2017 ultrapassou USD 500 biliões. No entanto, deve-se notar que o
Bitcoin e outras moedas digitais são adaptadas para uso por grupos criminosos
organizados, pois são amplamente utilizados na circulação internacional e fornecem o
nível necessário de anonimato. Por exemplo, em 2017, durante o sequestro de pessoas
em Kiev, Vinnitsa, Odessa (Ucrânia), cibercriminosos exigiram um resgate numa moeda
criptográfica no valor de vários milhões de dólares (Dos 507 sequestros em 4 casos, os
autores exigiram um resgate em bitcoins, - Polícia Nacional, 2018).
Devido ao alto custo da criptomoeda, ela atrai os intrusos. Em janeiro de 2018, uma das
maiores bolsas digitais no Japão, a Coincheck, relatou uma perda de cerca de USD 534
milhões em criptomoeda devido a um ataque de hackers na sua rede. A Bolsa
reembolsará 260.000 clientes às suas próprias custas (Coincheck promete reembolso de
46 biliões de ienes após roubo de criptomoeda, 2018).
Também o termo cryptojacking" se está a tornar comum - o uso secreto de
computadores para minerar a moeda criptográfica. A equipa de pesquisa da Palo Alto
Networks 42 revelou uma operação em larga escala na mineração Monero, que está em
atividade 4 meses. O número de vítimas afetadas por esta operação é de
aproximadamente 15 milhões de pessoas em todo o mundo (Grunzweig Josh, 2018).
Dado o facto de que a extensão do crime cibernético está a aumentar constantemente,
a Interpol, em fevereiro de 2017, desenvolveu uma Estratégia Global de Combate ao
Crime Cibernético. O documento afirma que as agências de aplicação da lei enfrentam
problemas relacionados com a investigação transfronteiriça, a variedade de legislação e
oportunidades tecnológicas em todo o mundo. O programa de combate ao crime
cibernético é coordenado pela Interpol através do Complexo Global de Inovação em
Singapura, equipado com um laboratório forense digital e um centro de inovação que
proporciona à Interpol a capacidade de fornecer uma abordagem consistente e eficaz
para combater todas as formas de crime transnacional.
O relatório do Centro Europeu de Cibercrime (EС3) “Avaliação da Ameaça do Crime
Organizado na Internet” O IOCTA avaliou os principais eventos, mudanças e ameaças
no campo do cibercrime em 2019 e chegou ás seguintes conclusões principais:
O ransomware continua a ser a principal ameaça. Os atacantes concentram-se em
menos alvos, mas mais lucrativos e maiores danos económicos;
Os dados continuam a ser um alvo, uma mercadoria e um facilitador importante para
o cibercrime;
Após o aumento do ransomware destrutivo, como os ataques do Germanwiper de
2019, há uma crescente preocupação nas organizações com ataques de sabotagem;
São necessários esforços contínuos para dar ainda mais sinergia ao setor de segurança
de redes e informações e as autoridades responsáveis pela aplicação da lei cibernética,
afim de melhorar a resiliência e a segurança cibernética em geral;
A dark web continua a ser o principal facilitador on-line para o comércio de uma ampla
gama de produtos e serviços criminais e uma ameaça prioritária para a aplicação da
lei;
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Grupos terroristas costumam adotar novas tecnologias, explorando plataformas
emergentes para as suas estratégias de comunicação e distribuição on-line.
O relatório do Centro Europeu de Cibercrime fornece as seguintes recomendações para
combater a cibercriminalidade organizada: a) as agências de aplicação da lei devem
continuar a focar-se nos atores que desenvolvem e fornecem ferramentas e serviços para
ataques cibernéticos; b) a aplicação da lei e o setor privado devem continuar a trabalhar
juntos para analisar ameaças e iniciativas como o projeto No More Ransom” para
aumentar a consciencialização e fornecer conselhos e ferramentas gratuitas para decifrar
dados de ataques cibernéticos; c) os promotores de ransomware de hoje contam cada
vez mais com a engenharia social. A formação de funcionários de organizações na
deteção de tentativas de engenharia social impedirá muitos ciberataques. Hoje, a
probabilidade de roubo de dados pessoais aumentou significativamente (Ao invadir o
sistema de informações de uma das empresas, os atacantes apreenderam informações
pessoais de 147 milhões de pessoas) (Equifax pagará USD 575 milhões em acordo de
violação de dados, 2019). Mais de um milhão de impressões digitais e outros dados
sensíveis foram expostos on-line por uma empresa de segurança biométrica, dizem os
pesquisadores (Baraniuk Chris, 2019).
Ameaças e desafios futuros
Em geral, podemos afirmar que, atualmente, o mero de crimes cibernéticos
direcionados a plataformas veis cresce mais dinamicamente, em que o número de
deteções de ransomware duplicou nos últimos anos. O desenvolvimento dinâmico da
Internet das Coisas (IoT) também é considerado perigoso no ambiente especialista, com
o uso do qual se projeta um aumento no número de ataques cibernéticos.
Nesse sentido, o Japão aprovou uma alteração da lei que permite que funcionários do
governo invadam os dispositivos de Internet das Coisas (IoT) das pessoas. A alteração
faz parte de uma pesquisa que investiga o número de dispositivos IoT vulneráveis,
realizado pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e Comunicações (NTIC)
sob a supervisão do Ministério de Assuntos Internos e Comunicações (MIC). O Japão está
a levar a cabo esta pesquisa para impedir que os dispositivos sejam aproveitados para
uma infraestrutura de ataque cibernético que suporta os Jogos Olímpicos de Tóquio em
2020. Os funcionários da NICT terão permissão para tentar invadir dispositivos IoT
usando senhas e dicionários de senha padrão. Utilizadores que mantêm as senhas
definidas como padrão pelo fabricante do dispositivo geralmente levam a que os
dispositivos sejam comprometidos. A abordagem do Japão é uma maneira sem
precedentes, mas proativa, de lidar com o problema de segurança da IoT. Um relatório
publicado pelo MIC destacou que dois terços dos ataques cibernéticos em 2016 foram
direcionados para dispositivos de IoT (Daws Ryan, 2019).
Entre os fatores que impedem a luta contra o crime organizado no ciberespaço,
continuam os seguintes: a) natureza transnacional das infrações, que consiste no facto
de que o local de cometimento, o instrumento do crime, as vítimas e o agressor podem
estar sob jurisdições territoriais diferentes e há a necessidade de muitos acordos
interestaduais formais para investigar esses crimes, o que diminui significativamente a
sua condução; b) alto nível de formação técnica dos criminosos; c) problemas de recolha
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de evidências eletrónicas (digitais) que podem ser rapidamente alteradas ou mesmo
destruídas; d) a dificuldade em identificar os infratores uma vez que as “assinaturas
individuais dos infratores são niveladas por um instrumento padronizado de comissão
por software e suporte tecnológico; e) falta de prática judicial suficiente em casos
criminais sobre crime organizado no campo da tecnologia da informação.
Devido ao facto de que os dados do computador podem ser facilmente alterados ou
mesmo destruídos, os artigos 16 a 21 da Convenção sobre Cibercrime de 2001 preveem
a aplicação de medidas legislativas e outras para o armazenamento urgente de dados de
computadores, tráfego de dados, intercetação e escala de tempo de registo de
informações em tempo real a ser implementada por todos os Estados signatários. É
aconselhável trocar essas informações através dos pontos 24/7 relevantes criados em
todos os países. No entanto, devido a várias circunstâncias, as respostas às solicitações
de tais informações podem ser adiadas por um longo período, tornando essas
informações desatualizadas e impedindo a investigação de crimes cibernéticos. Portanto,
a cooperação internacional nessa área precisa de melhorias.
Para uma investigação adequada dos crimes cibernéticos, é importante organizar uma
cooperação estreita das agências policiais com os prestadores de serviços (Provedores
de Internet) para a rápida divulgação de dados e para melhorar os procedimentos de
assistência jurídica mútua relacionados a dados eletrónicos, afim de obter prontamente
evidências eletrónicas. Ao mesmo tempo, as agências de aplicação da lei tem uma
experiência positiva significativa da cooperação intergovernamental no combate ao
cibercrime.
Um exemplo impressionante disso foi a operação para eliminar a rede cibernética
"Avalanche", que funcionou durante cerca de 7 anos e infetou milhares de computadores
diariamente, e as perdas financeiras por ataques somaram mais de 100 milhões de euros.
A investigação foi conduzida pelo Ministério Público de Verdun e pela polícia de Lüneburg
(Alemanha) em estreita cooperação com o Ministério da Justiça e o FBI, Eurojust, Europol
e parceiros globais. 178 pessoas foram presas por agentes da lei com o apoio do Centro
Europeu de Cibercrime (EC3) e da Taskforce de Ação Conjunta de Cibercrime (J-CAT)
bem como a Eurojust e a Federação Bancária Europeia (EBF). No território da Europa,
foram identificados 580 assim chamados "drones" (pessoas envolvidas na retirada de
dinheiro). Um ataque bem-sucedido a esse grupo criminal organizado internacional foi
apoiado por 106 bancos e parceiros privados. Mais de 130 TB de dados recolhidos foram
analisados na etapa de preparação de uma operação especial pela ciberpolícia. Durante
a operação conjunta, realizada em 30 de novembro de 2016 em 30 países, cinco
organizadores da rede foram detidos. Três deles o ucranianos; um foi detido na
Alemanha, mais dois - no território da Ucrânia. Um dos organizadores do grupo criminoso
é acusado de 1152 crimes, que causaram uma perda de 6 milhões de euros (Rede da
Avalanche desmantelada em operação cibernética internacional, 2016).
E em fevereiro de 2018, o Departamento de Justiça dos EUA apresentou uma acusação
de fraude cibernética sobre cerca de 36 pessoas suspeitas de participar em grupos
internacionais da Organização Infraud, criada por um cidadão da Ucrânia. Note-se que o
grupo roubou mais de 530 milhões de dólares americanos. A organização recebeu e
vendeu ilegalmente dados pessoais de utilizadores de rede, participou em invasões de
contas bancárias e eletrónicas e também distribuiu software malicioso. De acordo com
as autoridades policiais dos EUA, cerca de 11.000 pessoas estavam envolvidas na
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Organização Infraud, a maioria das quais nunca se encontrou pessoalmente (Trinta e seis
acusados indiciados…, 2018).
Com a crescente popularidade da Internet, e considerando que o comércio eletrónico
está a tornar-se a parte mais importante da economia com a rotatividade, medida em
triliões de dólares americanos (Vendas a retalho no comércio eletrónico em todo o mundo
de 2014 a 2021, 2019), o número de crimes cibernéticos aumentará em conformidade.
Portanto, é necessário criar e usar meios de análise de informações nacionais e,
idealmente, até internacionais. Além disso, os crimes cibernéticos exigem uma análise
por um período menor do que dias, semanas ou até meses, que tendem a basear-se na
análise de crimes tradicionais. Ao mesmo tempo, deve-se notar que as organizações de
direitos humanos argumentam que grandes quantidades de informações acumuladas não
permitem impedir sistematicamente o cibercrime, em vez disso, o armazenamento em
massa de dados pessoais abre grandes oportunidades para vários tipos de abuso. Diante
disso, em maio de 2014, a decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
(TJCE) declarou que a Diretiva Europeia de Conservação de Dados constituía uma
violação grave dos direitos de privacidade ao abrigo do direito europeu e era, portanto,
inválido (acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, 2014).
Finalmente, além de combater o cibercrime, um elemento necessário para o
funcionamento seguro e eficiente de uma sociedade digital é a identificação confiável dos
seus participantes. Como sabemos, todos os criminosos tentam esconder a sua
identidade. Portanto, ao contrário do Darknet, cuja principal característica é o anonimato,
é preciso criar serviços eletrónicos que funcionem apenas com utilizadores verificados. É
provável que assinaturas digitais eletrónicas ou outros mecanismos, como documentos
de identificação eletrónica, sejam usados para verificação para garantir que o utilizador
do serviço e o recurso da Internet sejam verificados. Isso, por sua vez, reduzirá
significativamente o número de fraudes cibernéticas e outras ofensas no ciberespaço.
Conclusões
Na nossa opinião, entre as questões de efetiva contração ao crime cibernético ainda são
relevantes hoje, as seguintes:
1. Elaborar regras legais para a realização de pesquisas de evidências eletrónicas,
levando em consideração a possibilidade de encontrá-las em diferentes jurisdições
(Khakhanovskyi, Hutsaliuk, 2019).
2. Desenvolvimento de software e hardware especializados para a recolha,
armazenamento e análise de evidências eletrónicas, incluindo grandes casos de
evidências informáticas.
3. Melhoria da rede de pontos de contacto nacionais para responder ao cibercrime (24/7)
e mecanismos existentes de assistência jurídica internacional.
4. Organização de estreita cooperação entre agências de aplicação da lei e fornecedores
para obter evidências eletrónicas.
5. Levantamento regular de qualificações de investigadores e outros agentes envolvidos
na aplicação da lei, afim de estudar questões atuais das táticas de condução de ações
investigativas para obter evidências eletrónicas na investigação de crimes
cibernéticos.
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6. Para aumentar a eficácia das investigações sobre crimes cibernéticos, unidades
estruturais especializadas devem ser estabelecidas nos gabinetes da polícia e do
Ministério Público e, possivelmente, em tribunais especializados.
7. Aumentar o nível de segurança cibernética nos setores blico e privado, bem como
desenvolver novas tecnologias para proteger e identificar utilizadores do ciberespaço.
O Centro Global de Cibersegurança, criado em Genebra sob os auspícios do Fórum
Económico Mundial, deve ajudar na estreita colaboração de empresas, académicos e
funcionários do governo sobre segurança cibernética.
Apenas através da cooperação de todas as partes interessadas, troca de informações e
padrões comuns, a comunidade mundial poderá combater com êxito o cibercrime. O
cumprimento dessas medidas permitirá obter plenamente as vantagens da sociedade
digital.
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OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
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COMUNICAÇÃO VERBAL: UM FATOR ESSENCIAL NO COMÉRCIO
INTERNACIONAL
Sandra Ribeiro
sandra.chillout@gmail.com
OBSERVARE, Observatório de Relações Exteriores, Universidade Autónoma de
Lisboa (Portugal)
Maria João Ferro
mjoaofv@gmail.com
Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa (CLUNL)
Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL, Portugal)
Resumo
O estabelecimento de uma relação comercial é uma ação complexa, influenciada por
diferentes variáveis. Quando abordamos o contexto internacional a complexidade é ainda
maior, cabendo à comunicação entre os atores comerciais um papel crucial. Nesse sentido, a
promoção de uma comunicação verbal efetiva e sem entraves entre os parceiros
internacionais é crucial para o sucesso de qualquer transação.
É neste âmbito que a economia da língua ganha relevância, permitindo a inclusão da língua
falada pelos parceiros comerciais como um dos fatores explicativos do comércio internacional,
surgindo nos modelos gravitacionais explicativos dos fluxos de comércio entre países como
um elemento facilitador das trocas comerciais ou, pelo contrário, como um entrave na relação
comercial.
Os estudos na área da economia da língua revelam que as relações económicas são
fortemente influenciadas pela língua, mas as escolhas linguísticas podem ser também
influenciadas por fatores económicos, razão pela qual esta é uma relação bilateral. O estudo
que aqui apresentamos incide sobre a forma como a comunicação verbal (medida pela
proximidade linguística, ou seja, um maior ou menor grau de semelhança entre a língua falada
por dois parceiros comerciais) influencia as relações comerciais estabelecidas num contexto
internacional.
Neste estudo, concluímos que, com os dados relativos ao volume de exportações portuguesas
para 2015, a facilidade de comunicação verbal com o parceiro comercial tem uma influência
positiva no aumento das trocas comerciais em termos empíricos, esta conclusão é
corroborada pelo facto de Espanha ser o principal parceiro comercial de Portugal.
Concluímos que o fator língua não está a ser bem aproveitado pelo Estado português, na
medida em que a proximidade linguística poderia servir para uma maior promoção das
exportações portuguesas, nomeadamente com os países que compõem a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP) e com os que integram o Mercado Comum do Sul
(Mercosul).
Palavras chave
Comércio Internacional; Comunicação Verbal; Economia Internacional; Modelo Gravitacional;
Multilinguismo.
Como citar este artigo
Ribeiro, Sandra; Ferro, Maria João (2020). "Comunicação verbal: um fator essencial no
comércio internacional". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 11, N.º 1, Maio-
Outubro 2020. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.3
Artigo recebido em 13 de Agosto de 2019 e aceite para publicação a 30 de Março de 2020
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Comunicação verbal: um fator essencial no comércio internacional
Sandra Ribeiro, Maria João Ferro
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COMUNICAÇÃO VERBAL: UM FATOR ESSENCIAL NO COMÉRCIO
INTERNACIONAL
Sandra Ribeiro
Maria João Ferro
1. Introdução
O homem o consegue organizar-se em sociedade se não tiver um sistema que lhe
permita comunicar com o outro. Apesar de a comunicação não ser exclusiva dos seres
humanos, na medida em que existem animais que dispõem igualmente de sistemas
estruturados que permitem a comunicação entre os membros de uma espécie, a
linguagem humana distingue-se pelo seu enorme potencial criativo com um número
limitado de signos linguísticos, o ser humano é capaz de produzir um número ilimitado
de expressões. A comunicação não depende, porém, apenas da linguagem verbal, na
medida em que a comunicação não verbal desempenha um papel fundamental para o
sucesso da interação humana ― os gestos, as expressões faciais, o silêncio, todos estes
elementos contribuem para o estabelecimento de relações interpessoais.
É nesta linha que se insere o desenvolvimento das relações comerciais bilaterais: sem a
existência de um sistema estruturado e partilhado, as relações interpessoais, inter-
grupos e interorganizações não são possíveis; logo, as trocas comerciais são se não
impossibilitadas, pelo menos extremamente dificultadas quando não existe uma base
linguística de entendimento.
É nosso objetivo neste artigo demonstrarmos a importância da comunicação verbal no
comércio internacional, consubstanciada no fator “língua”, o sistema de comunicação
estruturado e partilhado que garante a inteligibilidade entre os parceiros comerciais.
Começaremos, portanto, por desenvolver o tópico da economia da língua, passando
depois para a análise do papel da comunicação verbal nas trocas comerciais
internacionais. No ponto 4, abordaremos a comunicação como fator determinante nos
modelos gravitacionais, seguindo-se a apresentação da metodologia e dos resultados.
Por fim, concluímos com algumas observações e recomendações.
2. A Economia da Língua
A relação entre a língua e a ciência económica foi formalmente descrita na década de
1960 por Jacob Marschak (1965), que cunhou o termo “economics of language”, ou seja,
a “economia da língua”. Na análise que propôs, o autor considerou conceitos económicos,
como custo e benefício, aplicados à língua.
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Os estudos na área da economia da língua revelaram já que as relações económicas são
fortemente influenciadas pela língua, mas as escolhas linguísticas podem ser também
influenciadas por fatores económicos, razão pela qual esta é uma relação bilateral. As
três grandes áreas de investigação neste campo giram em torno dos seguintes eixos:
- migração: estudando-se, por exemplo, a influência do domínio da língua falada no
país anfitrião sobre o rendimento pessoal dos imigrantes;
- investimento direto estrangeiro: analisando-se a forma como as escolhas que os
investidores fazem podem ser motivadas pela língua falada no país em que decidem
investir; e
- comércio internacional: examinando-se concretamente o papel determinante da
língua nas relações bilaterais no contexto do comércio internacional.
Em todas estas áreas de estudos, a língua sobressai como um fator que pode constituir
uma mais-valia ou, pelo contrário, uma barreira em cada setor da vida social, quer na
esfera do indivíduo, quer na esfera das organizações. Considerando a imigração, por
exemplo, a escolha do país para onde o imigrante pretende dirigir-se é, muitas vezes,
condicionada ou, pelo menos, influenciada pelo domínio da língua falada nesse país ou
pela facilidade de aprendizagem dessa língua (Adserà e Pytliková, 2015). Nesta medida,
a aprendizagem da ngua falada num país (ou de uma das línguas faladas no país em
casos de sociedades multilingues) resulta num acréscimo real do rendimento pessoal de
um imigrante. Analisando a endogeneidade entre língua e rendimento, Chiswick e Miller
(1995) consideram que o “ajustamento linguístico”, ou seja, o desenvolvimento da
fluência na ngua do país anfitrião, influencia os resultados do mercado de trabalho,
concretamente os salários auferidos pelos imigrantes.
O estudo que aqui apresentamos parte do mesmo princípio de que a ngua é um bem
valioso, mas insere-se na última vertente acima apresentada, na medida em que
analisamos de que forma a comunicação (medida pela proximidade linguística, ou seja,
um maior ou menor grau de semelhança entre a língua falada por dois parceiros
comerciais) influencia as relações comerciais estabelecidas num contexto internacional.
3. A comunicação verbal e as trocas comerciais internacionais
O processo de globalização, baseado essencialmente na integração económica e cultural,
sentido nas últimas décadas tem vindo a provocar transformações profundas, tanto a
nível cultural como económico. Este movimento foi intensificado exponencialmente pela
criação e popularização de diversas tecnologias que adquiriram um papel fundamental
não para o desenvolvimento da economia mundial, mas também a nível cultural.
As redes de comunicação neste mundo globalizado, cada vez mais rápidas e eficientes,
permitiram a comunicação e o acesso rápido a qualquer parte do globo de forma
instantânea, contribuindo, assim, para a intensificação das trocas a nível internacional.
O comércio internacional representa para as economias dos países a expansão ilimitada
dos mercados, tendo este processo sido acelerado exponencialmente pela facilidade
crescente verificada nas comunicações.
Rahman (2014) defende que as empresas que tentam “conspirar” conseguem obter
benefícios substanciais ao nível da comunicação, especialmente com a ajuda de uma
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associação comercial. A linguagem verbal é essencial para a comunicação num contexto
comercial, influenciando diversos aspetos na área económica, como sejam a comunicação
efetiva nos negócios e no comércio internacional, as oportunidades de emprego e o
turismo, entre outros. Do ponto de vista das organizações, a língua pode tornar-se
igualmente uma barreira ou um incentivo. Segundo Ginsburgh e Weber (2018, p. 6),
“Learning (or not learning) foreign languages results from several economic incentives.
The main is obviously trade.”
Entre outros aspetos relevantes, a escolha de um parceiro comercial deve considerar as
possibilidades de comunicação entre ambos os parceiros. Ferro e Ribeiro (2016)
apresentam cinco estratégias linguísticas que os parceiros comerciais podem utilizar no
caso concreto de comunicação aquando do estabelecimento de uma relação comercial,
são elas:
- ambos os parceiros podem dominar a mesma língua e, portanto, usá-la para
comunicar, como é, por exemplo, o caso da comunicação realizada entre uma empresa
brasileira e uma empresa portuguesa, já que o português é a língua oficial de ambos
os países;
- os parceiros podem recorrer à intercompreensão, ou seja, cada um dos parceiros pode
usar a sua própria língua e ser percebido pelo outro em certa medida, esta é uma
possibilidade viável quando se estabelece uma relação comercial entre Portugal e
Espanha, dado que a comunicação é estreita entre falantes de português e falantes
de espanhol, com a ressalva, tal como defendido por Ferro e Costa (2016), de que os
falantes de português têm mais facilidade de compreender os falantes de espanhol,
não por questões culturais que influenciam a atitude dos falantes de espanhol, mas
também, e muito concretamente, por razões fonéticas, que têm a ver, entre outros
aspetos, com a qualidade das vogais do português;
- ambos os parceiros podem optar por uma das suas línguas, desde que o outro a
domine durante muitos anos o francês foi a principal língua estrangeira falada em
Portugal; apesar de ter sido progressivamente substituída pelo inglês, ainda continua
a ser uma das línguas estrangeiras mais faladas pelos portugueses (Comissão
Europeia, 2012). Assim, e no caso de uma empresa portuguesa que pretenda
estabelecer uma relação comercial com uma empresa francesa, existirá a possibilidade
de ser estabelecida a comunicação em francês;
- na falta de uma língua comum, os parceiros podem optar por utilizar uma língua
estrangeira que ambos dominem e que possivelmente será uma lingua franca no seu
setor de atividade ou na região geográfica em que se encontram para uma empresa
portuguesa, essa língua poderá ser o inglês, a língua estrangeira mais falada e mais
aprendida em Portugal atualmente (Comissão Europeia, 2012; Eurostat, 2015);
- se nenhuma das possibilidades de comunicação direta acima enumeradas for viável,
será possível estabelecer a comunicação através de um mediador, que poderá ser um
profissional da língua (um tradutor ou um intérprete) ou alguém que atue no mercado
em causa especificamente como intermediário.
Na sequência de um estudo relativamente ao papel da língua no comércio internacional,
Melitz (2008, p. 672) defende que
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Comunicação verbal: um fator essencial no comércio internacional
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The underlying hypotheses about the signs of the influences of the
language variables in the study are fairly intuitive, but their full
importance comes out best when we focus on the possible
substitution between domestic and foreign trade. Different
languages are impediments to communication, therefore trade.
Para suplantar as barreiras à comunicação e, logo, ao estabelecimento de trocas
comerciais bilaterais, não é a partilha de uma língua comum que pode melhorar a
comunicação entre os parceiros comerciais e atuar como facilitador dessas relações, a
proximidade linguística, ou seja, o facto de duas línguas partilharem muitos traços em
comum (como o português, o espanhol, o francês, o catalão e o italiano, todas línguas
românicas com uma grande afinidade entre si) faz com que seja mais cil os falantes de
uma das línguas aprenderem a outra, o que terá também repercussões positivas no
comércio internacional.
4. A comunicação como fator determinante nos modelos gravitacionais
Tinbergen (1962) foi pioneiro na aplicação da equação da lei da gravidade para analisar
os fluxos de comércio internacional, fazendo com que o modelo gravitacional do comércio
internacional seja baseado na teoria da gravidade de Newton. Desde então, o modelo
gravitacional tornou-se um instrumento popular na análise empírica do comércio a nível
internacional. Meltiz (2008) defende que a utilização do modelo gravitacional implicará a
existência de duas vantagens básicas: primeiro, o modelo tem sido a ferramenta
exclusiva em pesquisas semelhantes até ao momento e, em segundo lugar, e mais
significativamente, considera que o modelo é particularmente adequado, uma vez que
se concentra nas barreiras ao comércio.
De acordo com o modelo gravitacional básico, as exportações do país i para o país j são
explicadas, de início, pela sua dimensão económica (PIB ou PNB), e pelas suas distâncias
geográficas diretas. Assim, conclui que as exportações entre dois países estão
positivamente relacionadas com o tamanho das suas economias e negativamente
relacionadas com fatores que indiciam a existência de barreiras ao comércio, sendo o
mais importante desses fatores a distância entre os dois países. O modelo inicial é
representado pelos modelos (1) e (2) apresentados de seguida:
T
ij
= f [
(GDP
𝑖
GDP
𝑗
)
D
𝑖𝑗
] (1)
T
ij
= β
0
(GDP
i
. GDP
j
)
β
1
. D
ij
β
2
. e
ε
(2)
Posteriormente, o modelo foi sofrendo algumas alterações e foram sendo acrescentadas
novas variáveis. Neste sentido, muitas consideravam apenas a característica de alguma
variável, constituindo uma variável dummy (uma variável binária que assume o valor de
1 quando a característica a analisar se verifica e 0 em caso contrário).
Ao longo do tempo, o modelo inicial foi sendo melhorado e expandido com diversas
variáveis que pretendem explicar os fluxos comerciais entre dois países. Assim, às
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variáveis básicas consideradas pelo modelo (PIB e distância), foram acrescentadas outras
variáveis, tais como população, PIB per capita (Bergstrand, 1990), dimensão do país e
afinidade comunicacional.
Neste sentido, Melitz e Toubal (2014) referem que os modelos gravitacionais utilizados
para explicar o comércio internacional incluem geralmente alguma variável linguística,
que pode corresponder à língua oficial do país e/ou às nguas estrangeiras dominadas
por uma grande parte da população desse país. rios estudos como Helliwell (1998),
Melitz (2008), Egger e Lassmann (2012) estabeleceram a relação entre a partilha de
uma língua comum e o volume de transações comerciais estabelecidas entre dois países.
Meltiz (2008) afirma que, sem controlar outras barreiras e mais-valias para o comércio
além da língua distância, associação política, relações entre ex-colónias e outras
seria difícil, se não impossível, fazer inferências sobre os efeitos linguísticos como tais.
A equação do modelo gravitacional implica a logaritmização das suas variáveis,
originando um modelo log-log. Assim, um exemplo de um modelo aumentado de outras
variáveis poderá ser apresentado tal como no modelo (3), na seguinte forma:
Ln(T
ij
) = β
0
+ β
1
Ln (PIB
i
PIBj) + β
2
LnD
ij
+ β
3
Lang
ij
+ β
4
Cont
ij
+ β
5
RTA
ij
+ ε
ij
(3)
Onde i e j representam os países e as variáveis são definidas como:
T
volume de trocas comerciais (considerando só exportações, ou só importações ou ambas)
existente entre dois países;
PIB PIB real;
D Distância;
Lang variável dummy que assume o valor 1 quando i e j partilham uma língua comum e 0 em
caso contrário;
Cont variável dummy que assume o valor 1 quando i e j partilham uma fronteira comum e 0
em caso contrário;
RTA variável dummy que assume o valor 1 quando i e j pertencem a uma área de comércio
livre e 0 em caso contrário.
A “variável” “proximidade linguística” é, muitas vezes, utilizada com o objetivo de
quantificar a proximidade entre duas línguas. Esta foi utilizada no passado por diversos
autores: Chiswick e Miller (2005) utilizaram os resultados de testes de avaliação em
contexto de aprendizagem de uma língua estrangeira; Melitz (2008) realizou a divisão
entre línguas de circuito aberto e línguas de comunicação direta; Lohman (2011) criou o
Índice da Barreira Linguística (Language Barrier Index, no original). Ferro e Ribeiro
(2016) criaram um método de classificação da proximidade linguística baseado em
critérios linguísticos, concretamente critérios etimológicos, a partir dos quais
organizaram as línguas segundo a família linguística a que pertencem.
5. Metodologia e resultados
Com o objetivo a que nos propusemos de analisarmos a relação entre as exportações
portuguesas e a proximidade linguística que existe entre Portugal e os países
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considerados os seus principais parceiros comerciais, elaborámos diversos estudos. Em
todos eles, utilizámos o modelo gravitacional, que é o instrumento econométrico mais
comummente utilizado para o estudo do comércio internacional, tendo os seus
fundamentos teóricos sido explorados, por exemplo, nos trabalhos de Anderson (1979),
Helpman e Krugman (1985) e Kalirajan (1999). O incremento da utilização deste modelo
deve-se principalmente à sua facilidade de implementação, bem como ao sucesso que
foi tendo na análise dos fluxos comerciais de diversos países, e até blocos económicos,
estudados.
Embora o nosso enfoque seja a comunicação verbal, é de salientar o facto de que os
modelos gravitacionais incluem outras variáveis cujos autores consideram com
capacidade para explicar as trocas comerciais a nível internacional. Muitos estudos têm
sido elaborados relacionando estas variáveis.
Egger e Lassmann (2012) analisam o efeito de 701 coeficientes captados por distâncias
linguísticas em 81 artigos publicados entre 1970 e 2011 em 24 periódicos. Concluem
que, para uma distância inferior a 10% entre os dois países, o seu comércio aumenta
cerca de 5%. Melitz e Toubal (2014), por outro lado, usam o modelo de comércio bilateral
(para 200.000 observações sobre as transações realizadas de 1998 a 2007) com o
objetivo de destrinçar os muitos efeitos que as línguas podem exercer sobre o comércio.
Neste seguimento, constroem quatro tipos de distâncias bilaterais entre os países: língua
oficial comum, língua materna comum, língua falada comum e distâncias linguísticas,
pois consideram que cada um deles tem um papel específico na facilitação da
comunicação entre os cidadãos de ambos os países envolvidos nas trocas comerciais.
Krisztin e Fischer (2014) utilizam também a variável dummy “língua comum” no modelo
gravitacional no estudo de 21.170 observações que traduzem os fluxos bilaterais entre
146x145 pares de países. Concluem que o impacto no fluxo comercial poderá ser perto
de 90% maior no caso de os países partilharem a mesma língua.
Neste âmbito, também já realizámos diversos estudos, relacionando os fluxos de
comércio entre os países com a proximidade linguística. Em Ferro e Ribeiro (2016), foram
agrupados 56 países principais parceiros comerciais de Portugal (em 2013) de acordo
com suas famílias linguísticas. Os critérios subjacentes à classificação foram: (i) critérios
linguísticos: as línguas foram classificadas de acordo com um princípio etimológico,
baseado na sua família linguística; (ii) semelhança entre idiomas: dado que o português
é uma língua românica, incluíram-se neste grupo as línguas pertencentes a essa família
para explicar a semelhança entre elas; (iii) línguas estrangeiras: onde se incluíram quatro
línguas: o inglês (a língua estrangeira mais comummente estudada em Portugal) que é
uma língua germânica, seguida por duas línguas românicas (francês e espanhol) e depois
outra germânica, o alemão. O objetivo foi analisar se o facto de a língua do parceiro
comercial pertencer a cada uma dessas famílias de línguas tem relação direta com as
exportações portuguesas para aquele país. No estudo, encontra-se o suporte para uma
das suas hipóteses de base ― concretamente o facto de que as exportações portuguesas
são maiores para países que compartilham uma língua semelhante. Conclui-se, portanto,
que uma relação direta entre o volume das exportações portuguesas e o facto de o
país de destino ter uma língua oficial românica. Uma vez que esta é também a família
linguística do português, este resultado era esperado, dado que, quando os países
partilham a mesma língua, a barreira linguística é apagada, facilitando a comunicação
entre ambos e, desta forma, estabelecendo uma comunicação mais próxima; logo, os
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custos tendem a ser mais baixos o mesmo se passa, embora em muito menor medida,
quando existe uma proximidade linguística entre as línguas faladas em ambos os países.
Assim, introduzimos uma nova variável denominada “ProxLing”, que pretende capturar
a proximidade linguística entre dois países. Definimos essa variável levando em
consideração o idioma oficial do país de destino, que deveria ser português, espanhol ou
inglês. O nosso objetivo era captar um efeito triplo: com esta variável, identificámos os
países que partilham uma língua comum com Portugal, mas também incluímos aqueles
que têm o espanhol como língua oficial para refletir a proximidade linguística, e os que
têm o inglês como língua oficial para capturar o efeito da língua estrangeira mais
estudada e falada em Portugal.
Em Ribeiro e Ferro (2017) foi apresentada a relação entre o volume de exportações de
Portugal para os seus 98 principais parceiros comerciais em todo o mundo em 2013,
considerando a pertença desses países à União Europeia (UE) ou ao Mercosul e a
proximidade linguística entre as línguas oficiais desses países e o português. Tendo em
conta apenas os países pertencentes ao bloco económico UE, organizámo-los consoante
a família linguística a que pertence a sua língua oficial. Na linha de um estudo que
havíamos efetuado anteriormente (Ferro e Ribeiro, 2016), propusemos uma abordagem
tripla para a influência da língua no comércio externo português, após agruparmos os 28
estados-membros da UE segundo as suas famílias linguísticas. Dado que, nesta fase do
nosso estudo, nos interessava isolar as duas famílias linguísticas mais relevantes para o
comércio externo de Portugal ― tendo em conta a classificação do português e também
as políticas linguísticas do país no que toca ao ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras classificámos todas as restantes línguas como pertencentes ao grupo
Outras, eliminando assim a necessidade de uma classificação mais pormenorizada.
Concluímos que existe uma relação direta entre o volume das exportações portuguesas
e o facto de o país de destino ter uma língua oficial românica. Quando dois países
compartilham o mesmo idioma ou um idioma muito semelhante, a barreira
comunicacional é esbatida ou mesmo eliminada e, consequentemente, os custos de
transação tendem a ser mais baixos. Concluímos também que tendo em consideração
todos os Estados-Membros da UE, o volume das exportações portuguesas é superior para
os os países cuja língua oficial é semelhante à portuguesa.
Apesar de, nestes estudos apresentados, ser notório o impacto da comunicação no
comércio internacional, e de forma a considerarmos dados mais recentes, realizámos a
análise para o volume de exportações portuguesas em 2015, considerando os principais
61 parceiros comerciais de Portugal, estudando a seguinte equação (modelo 4):
Ln(Tij) = β0 + β1 Ln PIB + β2 UE + β3 LnDij + β4 ProxLingj + εij (4)
Onde, as variáveis representam o seguinte:
T volume de exportações entre dois países (neste caso: Portugal e o seu parceiro comercial);
PIB PIB real;
UE - variável dummy que assume o valor 1 se o país pertence à UE e 0 em caso contrário;
D Distância;
ProxLingi variável dummy que assume o valor 1 se i e j têm Proximidade linguística com
Portugal (língua falada: português, espanhol ou inglês) e 0 em caso contrário.
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Tabela 1 - Resultados da estimação do modelo (4)
Variáveis Explicativas
Ln Exportações
Coeficiente MMQ
Coeficiente estandardizado
(Beta)
Constante
17,036
(1,939)
------
LnPIB
0,421
(0,53)
0,622
UE
-0,062
(0,306)
-0,021
LnD
ij
-1,109
(0,197)
-0,588
ProxLing
0,971
(0,233)
0,319
F = 30,375
R
2
= 0,685
Fonte: elaboração própria
Notas:
Números entre parêntesis são os desvios padrão. Nível de significância de 5%.
Após a realização do estudo da regressão obtida pela utilização do programa informático
SPSS, é de referir que o impacto de todas as variáveis explicativas consideradas no
modelo foi analisado considerando os seguintes indicadores: (i) teste de significância
global (teste F); (ii) teste de significância individual (teste t), considerando, em ambos,
um nível de significância de 5%, e (iii) coeficiente de determinação (R
2
). Neste
seguimento, e de todas as variáveis apresentadas no quadro, os resultados obtidos
revelam que aquela que tem maior capacidade explicativa no nível de exportações é a
proximidade linguística.
Assim, tal como seria de esperar, o facto de um país pertencer à UE tem um impacto
positivo no volume das exportações portuguesas para esse destino, não devido à
importância de pertencer a um mesmo bloco económico, mas também pela questão da
relativa proximidade física que se verifica entre todos os estados-membros da UE. De
facto, pudemos verificar também que o aumento da distância tem um efeito negativo no
volume de exportação, fazendo-o diminuir em 1,109% por cada aumento de 1% no
número de quilómetros que separam ambos os países (contabilizando a distância entre
capitais).
Na linha de estudos que realizámos anteriormente (cf. Ribeiro e Ferro, 2017), também
neste verificámos uma relação direta entre o volume das exportações de Portugal para
um determinado país e a língua oficial desse mesmo país estando em causa um país
de língua oficial românica, existe uma relação positiva e com grande capacidade
explicativa entre o volume de exportações e a proximidade linguística das línguas oficiais
dos dois países envolvidos na relação bilateral. Essa proximidade linguística foi medida
através da variável ProxLing, que inclui o português, o espanhol e o inglês. Esta última
língua foi incluída na variável não pela sua efetiva proximidade com o português, na
medida em que se trata de uma língua de outra família linguística (germânica e não
românica), mas, sim, porque, devido às políticas linguísticas implementadas em Portugal,
o inglês é um idioma falado por grande parte da população.
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Ao esbater ou eliminar a barreira comunicacional, a proximidade linguística permite que
os custos de transação baixem. Estas conclusões são consentâneas com o modelo
gravitacional, tal como apresentado.
Conclusão
A crescente internacionalização das economias tem vindo a implicar uma importância e
valorização cada vez maior do fator língua. Especialmente num contexto global que
impele fortemente a economia portuguesa para a internacionalização, o fator língua
enquanto facilitador da comunicação nas trocas comerciais a nível internacional revelou-
se um eixo de extrema relevância.
Neste sentido, a escolha de um parceiro comercial deverá ter em consideração, entre
outros fatores, a língua. Sendo a comunicação entre os parceiros económicos um fator
essencial para o sucesso da relação, é de todo o interesse desses parceiros eliminarem,
ou esbaterem, as barreiras linguísticas, para assim poderem diminuir os custos das
transações comerciais.
Neste estudo, concluímos que, com os dados relativos ao volume de exportações
portuguesas para 2015, a facilidade de comunicação verbal com o parceiro comercial tem
uma influência positiva no aumento das trocas comerciais em termos empíricos, esta
conclusão é corroborada pelo facto de Espanha ser o principal parceiro comercial de
Portugal, salientando o facto de, como apresentado, outras variáveis também o
explicarem, tal como a proximidade geográfica.
Em nosso entender, a questão da língua não está a ser bem aproveitada pelo Estado
português, na medida em que se podia tirar mais partido da proximidade linguística para
a promoção de relações comerciais bilaterais com os países que compõem a Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e com os que integram o Mercado Comum do
Sul (Mercosul).
Por outro lado, a importância das políticas linguísticas e a influência que estas terão na
formação de gerações futuras de empreendedores não está também suficientemente
disseminada entre a população, apesar do enfoque atual na aprendizagem do inglês, que
constitui, sem dúvida, uma mais-valia para as gerações vindouras.
Consideramos, portanto, que, dada a relevância da proximidade linguística para a
facilidade de comunicação entre os parceiros comerciais e, consequentemente, para o
aumento do volume de exportações, o Estado português deverá desenvolver um conjunto
de políticas linguísticas que visem exatamente a promoção de relações comerciais com
base na proximidade linguística.
Na verdade, apesar de o rumo ainda não ser claro, a possibilidade de o inglês perder
algum terreno como a ngua mais usada no seio da União Europeia está em cima da
mesa. É certo que dificilmente o inglês deixará, nos próximos tempos, de ser
a lingua franca em muitos setores da sociedade, concretamente no mundo dos negócios,
mas outras nguas poderão vir a ganhar preponderância. Numa nova organização
geopolítica, caberá às nguas reorganizarem-se e concretamente às entidades oficiais
portuguesas competirá aproveitar alguma margem de manobra que possa vir a existir,
capitalizando o potencial económico de que a língua portuguesa já dispõe hoje em dia.
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Vol. 11, Nº. 1 (Mayo-Octubre 2020), pp. 44-63
MITOS Y REALIDADES DE LA RELACIÓN ASIMÉTRICA:
CUBA, LA UNIÓN EUROPEA Y EL FIASCO DE LA POSICIÓN COMÚN (2006-2016)
Rogelio Plácido Sánchez Levis
rogeliosl68@yahoo.com
Profesor e investigador del Instituto de Altos Estudios Nacionales (IAEN, Ecuador). Conferencista,
analista internacional, ex diplomático y embajador de carrera y experto en Negociación y Teoría
de Conflictos.
Resumen
El presente artículo tiene como objetivo la presentación de los resultados parciales de una
investigación dedicada a la asimetría en las relaciones internacionales, y que aborda como
uno de sus casos de estudio la Posición Común de la UE sobre Cuba y sus consecuencias para
los vínculos entre ambos actores. La pérdida de los canales de influencia de la UE, las
persistentes fracturas y competencia entre la estrategia supranacional europea y las
diplomacias nacionales de los Estados miembros, y la subestimación de los factores
contextuales y relacionales que actuaron en favor de la Isla, están entre los ejes de la
ponencia.
Palabras clave
Cuba; Europa; asimetría; conflicto; negociación
Cómo citar este artículo
Levis, Rogelio Plácido Sánchez (2020). "Mitos y realidades de la relación asimétrica: Cuba, la
Unión Europea y el fiasco de la Posición Común (2006-2016)". JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 11, N.º 1, Mayo-Octubre 2020. Consultado [en línea] en la fecha
de la última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.4
Artículo recibido el 5 de julio de 2019 y aceptado para su publicación el 28 de febrero de
2020
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Mitos y realidades de la relación asimétrica:
Cuba, la Unión Europea y el fiasco de la posición común (2006-2016)
Rogelio Plácido Sánchez Levis
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MITOS Y REALIDADES DE LA RELACIÓN ASIMÉTRICA:
CUBA, LA UNIÓN EUROPEA Y EL FIASCO DE LA POSICIÓN COMÚN (2006-2016)
Rogelio Plácido Sánchez Levis
Introducción
La Unión Europea surge con la aspiración de constituirse en un actor global, con
responsabilidades compartidas entre sus miembros, en campos como la política exterior
y la seguridad común (PESC), entendida como un nivel supranacional de autoridad
adicional (Wessels, 2013); una forma de gestionar los crecientes desafíos a la
gobernación nacional (Bulmer, 1995); y una respuesta a la necesidad de afirmación e
intervención global (Sánchez, 1995). Sin embargo, el Tratado de la Unión Europea (TUE)
fue insuficiente para los propósitos de una verdadera integración supranacional y
federalista en el capítulo sobre la PESC (Perera, 2017), lo cual ha repercutido en la
eficacia de las “estrategias comunes”.
La adopción de la PCC fue antecedida por los intentos infructuosos de firmar un acuerdo
marco de cooperación con Cuba sobre la base de condicionalidades asociadas a la
organización de su sistema político (Roy & Domínguez Rivera, 2001), el derribo de dos
avionetas civiles por parte de la defensa antiaérea cubana (Foont, 2007), el informe de
la visita del Comisionado europeo descartando la existencia de condiciones mínimas para
la negociación (IRELA, 1996), y los compromisos de campaña del presidente del gobierno
español José María Aznar de endurecer la política, las exigencias y las presiones sobre el
país caribeño. En diciembre de 1996 el gobierno español promovió la adopción por la UE
de lo que se conoce como la Posición Común sobre Cuba (PCC), que es el objeto del
presente estudio.
El “dilema estructuralista de la investigación” de William Zartman nos ofreció una
perspectiva teórica adecuada para la comprensión de las negociaciones y relaciones
asimétrica. Desde este prisma, se abordó uno de los ámbitos de relación asimétrica de
la política exterior de Cuba: los nexos con Europa, y específicamente el fenómeno de la
PCC. Con este artículo nos proponemos analizar los factores que limitaron los alcances,
y propiciaron el fracaso de la PCC como modelo de gestión de la política exterior global
europea hacia Cuba.
El problema que se aborda en este artículo ha sido poco estudiado, quedando más bien
relegado en análisis más generales sobre la PCC. Se han encontrado también
aproximaciones a la cuestión de las relaciones asimétricas tanto de Cuba como de la UE,
pero dedicadas a vertientes s prioritarias de sus respectivas políticas exteriores. Tal
es el caso de Zhou (2018), Criekinge (2009), y Neuss (2011). Asimismo aparecen las
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Mitos y realidades de la relación asimétrica:
Cuba, la Unión Europea y el fiasco de la posición común (2006-2016)
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apreciaciones de Whitman (2011) acerca de la construcción de la hegemonía normativa
de la UE, y de Hughes (2006) sobre la interdependencia asimétrica con Rusia.
Sobre las relaciones asimétricas de Cuba, existe un predominio casi absoluto de los
estudios acerca de sus vínculos con Estados Unidos. López-Levy (2016) analiza el
acuerdo de restablecimiento de vínculos diplomáticos entre las dos naciones desde la
perspectiva asimétrica. La “Crisis de los Misiles” de 1962, fue abordada por Jones & H.
Jones (2005), y Winter (2003), desde la óptica de las percepciones asimétricas de poder.
Domínguez (2006), analizó la penetración de China en América Latina, y la disparidad de
expectativas frente a actores clave de la región, incluyendo a Cuba.
El fenómeno de la PCC en particular, ha sido objeto de estudio desde diversos enfoques
y disciplinas: Perera (2017), desde una perspectiva historiográfica del presente, mientras
Díaz-Lezcano (2007) y Ugalde (2010), lo abordan como fenómeno politológico. Asimismo
destacan Gratius (2005), con su análisis del empleo de las divergencias tácticas entre
Europa y Estados Unidos, entre otros estudios.
La investigación se propone responder a la siguiente pregunta: ¿En qué medida
influyeron las asimetrías existentes entre la UE y Cuba, en el fracaso de la PCC? Asimismo
se formulan tres preguntas directrices que guían la investigación: ¿Cómo impactó la
adopción de la PCC sobre la labor y el interés europeo de aproximar a Cuba a su sistema
de valores, principios e intereses en el ámbito político? ¿Qué explica que dentro de una
relación de naturaleza interdependiente y asimétrica en términos de recursos, se haya
erosionado la capacidad de influencia y control de la UE sobre Cuba? ¿Dentro de una
relación asimétrica totalmente desfavorable, cómo Cuba logra resistir a las exigencias de
la UE, e imponer sus preferencias (se elimina la PC sin cambios políticos internos, y se
firma acuerdo Cuba-UE con compromiso de no intromisión) ante la relación y la
negociación con la UE?
Este análisis parte del presupuesto que indica que el despliegue de los reflejos
soberanistas y nacionalistas frente al planteamiento hegemónico “disuasivo” que
encarnaba la PCC, contribuyó a reforzar el perfil asimétrico de la relación entre Cuba y
la UE, erosionando las ventajas relativas que le otorgan a la UE sus capacidades
materiales para ejercer influencia, mientras que Cuba mantuvo en su favor canales y
factores de relación y contexto que permitieron lograr resultados más apegados a sus
intereses y expectativas (derogación de la PCC, conservación de sus atributos soberanos,
y reanudación de la cooperación oficial sin condicionalidades).
Con este artículo compartimos algunos avances de una investigación empírica de carácter
documental acerca del fenómeno de la asimetría en las relaciones internacionales,
aplicado al caso de la PCC. Se combina el empleo de datos cualitativos y cuantitativos,
extraídos de fuentes directas orales, así como textos y declaraciones oficiales. También
se utilizaron fuentes indirectas como editoriales, artículos aparecidos en revistas
especializadas, y opiniones de reconocidos expertos. Entre las técnicas de recolección de
datos empleadas estuvieron las entrevistas. Por otra parte, el marco cronológico del
estudio coincide con el periodo en el que surge y se mantiene vigente la PCC (1996-
2016).
Partimos de la interdependencia como teoría general de la interacción social de Kelley y
Thibaut (1978), y el “dilema estructuralista” de la negociación de William Zartman con el
objetivo de orientar la investigación hacia el fenómeno de la simetría en las relaciones
internacionales. La segunda entrada teórica se corresponde con la perspectiva de análisis
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Cuba, la Unión Europea y el fiasco de la posición común (2006-2016)
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contextual y relacional del poder en la negociación, y que para este caso de estudio,
complementamos con la perspectiva ampliada de Criekinge (2009), con enfoques
provenientes de la Estrategia de conflicto Schelling (1964) y la teoría de la agencia de
Druckman (2008), Banks (1995), Jensen & Meckling (1976), y Watts & Zimmerman
(1983).
La comprensión del “poder como relación percibida” cuenta entre sus principales
exponentes a Zartman & Rubin (2005) con sus investigaciones empíricas sobre la forma
en que los s débiles tienen éxito en las negociaciones asimétricas, y su
reconceptualización teórica de la noción del poder. Zartman (1997) se propone un
enfoque menos tradicional y más refinado sobre las capacidades y su influencia en el
proceso y los resultados de la negociación como “encuentro social”. Para Zartman (1997,
2005), la percepción no es inmutable, en la medida en que una de las partes puede
contar con la habilidad de cambiar la percepción de la otra.
Los discursos y las plataformas globales y regionales de acción y cooperación multilateral
construidos por el actor “débil” de este caso, pudieran responder al criterio de Bartos y
Wehr (2002), que apunta a que estos le hacen generar solidaridad para manejar el
conflicto asimétrico, y radicarse en la zona de “mejor alternativa ante un no acuerdo”,
reflejada en la perspectiva de Fisher y Ury (1981).
La aplicación de las nociones de Zartman nos condujo a incorporar al análisis a Criekinge
(2009), en consideración de la necesidad de tomar en cuenta los factores contextuales y
relacionales. Este agrupa los múltiples enfoques y aproximaciones desde las relaciones
internacionales a la cuestión del poder en cinco categorías: “fuerza/posesión”,
“relacional-contextual”, “percepción”, “construcción de agenda”, y “visión
constructivista”. A diferencia de este autor, nuestra clasificación es mucho más sencilla,
al identificar la noción "clásica estructuralista" del análisis del poder que considera que
el proceso y los resultados de la negociación son determinados por la forma en que se
distribuyen las capacidades materiales; y la postura racionalista de aquellos que lo
observan como un fenómeno relacional que abarca mucho s que los recursos
disponibles de las partes, incluyendo la ideología y la organización (Michels, 1962), una
relación percibida (Zartman & Rubin, 2005), la capacidad de movilización (Bartos &
Wehr, 2002), y la reputación (Schelling, 1964).
La forma en que los actores formulan preferencias, estrategias y demandas mutuas
frente al otro, constituye un elemento crucial para tener en cuenta al analizar los éxitos
y fallos en un entorno de poder asimétrico (Criekinge, 2009: 17). Persuadidos por el
argumento de este autor, que indica que la superioridad de poder en el sentido
tradicional, no sólo debe ser ostentada sino también percibida (p.18), se incorporó la
reflexión teórica de Schelling (1964) acerca de la credibilidad de las “amenazas” y
“recompensas” dentro de una relación conflictual.
El análisis y la definición de Druckman (2008) acerca del “grado de agencia” nos
aportaron una arista adicional para abordar las limitaciones de la Posición Común como
herramienta de acción política exterior de la UE. Para Druckman el problema comienza
cuando las prioridades individuales difieren de las preferencias de la agencia, el
negociador tiene que decidir qué opción adoptar, y su sentido de obligación se refleja en
la su voluntad para abandonar su propia visión en favor de las del grupo (Druckman,
2008: 144). Dentro de la perspectiva de la teoría de agencia, aparecen las reflexiones
de Banks (1995) acerca del papel de los agentes que surgen con ventajas comparativas,
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y con mejor información en comparación con los representados. Desde el enfoque de
Watts & Zimmerman (1983), se obtuvo un marco de comprensión hacia las “actitudes
oportunistas” mediante las cuales, las partes tienden a defender y maximizar sus
intereses propios en detrimento del acuerdo colectivo. Para Jensen & Meckling (1976), si
todas las partes del acuerdo se enfocan en maximizar sus ganancias, el agente no
siempre actuará en beneficio del principal (representados) (Jensen & Meckling, 1976).
Además de la introducción, la discusión de los resultados y las conclusiones, este artículo
incorpora un orden expositivo de presentación de los resultados parciales de la
investigación, dividido en tres momentos: las consecuencias de la ruptura del diálogo, la
pérdida de ventajas comparativas, y los errores perceptivos de la UE.
Presentación de los resultados
1. De la interdependencia ascendente al alejamiento (1996-2003):
desconfianza, crispación y desencuentros
Las exigencias y planteamientos hegemónicos de la UE, y su rechazo desde La Habana,
ahondaron las percepciones asimétricas mutuas, ya no sólo en cuanto a sus dimensiones
materiales, sino también en los propósitos e intenciones de una parte frente a la otra. Lo
que fuera hasta ese momento una relación promisoria aunque no exenta de
complejidades - se sumergió en un ambiente de distanciamiento, tensiones, no diálogo
y desconfianza.
El texto de la PCC expresaba abiertamente la intención de promover el cambio político
en Cuba, a través de la exigencia del respecto a los derechos humanos y el progreso
real hacia la democracia multipartidista”. Asimismo, se descartaba al gobierno cubano
como receptor de la ayuda humanitaria, proponiendo su canalización mediante
“organizaciones no gubernamentales, iglesias y organizaciones internacionales (…)”
(Official Journal, 1996). Las autoridades de la Isla, por su parte, rechazaron las medidas
europeas, calificándolas de “unilaterales, discriminatorias e injerencistas”. (MINREX,
1996). La dirección cubana se mostró frontal ante las posturas europeas, en particular
las españolas. En esta dirección, negó el beneplácito al embajador propuesto por el
gobierno de Aznar (Vicent, 1996), y censuró la complicidad de las legaciones europeas
con la actividad subversiva de la representación diplomática estadounidense en La
Habana. (Ramonet, 2006: 239).
La codificación de las medidas y sanciones del gobierno estadounidense contra Cuba en
la Ley Helms-Burton enrarecieron las ya complicadas relaciones entre La Habana y
Washington. Sus capítulos tercero y cuarto se dirigían a desestimular las inversiones de
terceros países en la economía del país caribeño, golpeada por la pérdida del grueso de
sus intercambios externos tras el colapso de la URSS y la desaparición del sistema de
naciones socialistas este-europeas. En este contexto, la UE adoptó la Regulación 2271/96
“Protección contra los efectos de la aplicación extraterritorial de la legislación adoptada
por un tercer país” (22 de noviembre de 1996).
1
Sin embargo, la medida nunca se aplicó
debido al Memorándum de Entendimiento sobre la Ley Helms-Burton (11 de abril de
1997), por el cual la UE aceptaba fortalecer las disciplinas contra expropiaciones y las
inversiones efectuadas en dichos bienes y presentar una propuesta común con Estados
1
Con esta regulación, Bruselas consolidar un marco legal de protección ante las medidas extraterritoriales
de Estados Unidos.
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Cuba, la Unión Europea y el fiasco de la posición común (2006-2016)
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Unidos en el marco del Acuerdo Multilateral de Inversiones (AMI).
2
El presidente Fidel
Castro y el titular del Parlamento de la Isla, Ricardo Alarcón, rechazaron con contundencia
los compromisos (Vicent, 1998), que según ellos, no sólo afectaban los intereses cubanos
sino también los europeos.
Dos acontecimientos tuvieron notable impacto en las relaciones Cuba-UE: la visita del
Sumo Pontífice Juan Pablo II (Egurbide, 1996), y la aceptación por parte de la Asamblea
Paritaria UE-ACP, y del Consejo de Ministros de la Asociación de Estados Asia, Caribe y
Pacífico (ACP) de la incorporación de Cuba, primero como observador, al Convenio Lomé.
Este grupo de naciones respal“la plena membresía y la eventual participación en las
negociaciones post-Lomé IV (CARICOM, 1998). La posibilidad de la adhesión cubana a
este Convenio ponía a la UE en una situación de relativa desventaja, en la medida en que
su posición se hacía minoritaria frente a la de 71 países que apoyaban a la Isla, sin ningún
tipo de condicionalidad política. El proceso creaba fisuras al interior de la UE: por una
parte, países como Francia, se mostraban s proclive a la inclusión del país caribeño
en el proceso de Lomé (Josselin, 1998), mientras otros, como es el caso de España
defendían el mantenimiento del canal bilateral (IRELA, 1996).
Al interior de la UE, se comenzaba a apreciar una cierta erosión del apoyo a la postura
condicionante y sancionadora de Bruselas. El gobierno italiano envió a su ministro de
Exteriores, Lamberto Dini con un mensaje de interés en el desarrollo de Cuba y en el
impulso de la cooperación económica y política (Vicent, 1998a), mientras que la
Commonwealth Development Corporation del Reino Unido entregaba un financiamiento
al país caribeño ascendente a 33 millones de dólares, destinados a la reactivación de la
economía cubana (Dolan, 1998). Se observa entonces como la diferenciación entre las
conductas y posturas nacionales y supranacionales, daban forma a la estrategia de la
Isla que tendía a estimularlas, diferenciarlas y utilizarlas en su favor.
Los arrestos a disidentes en la primavera de 2003 volvieron a colocar a los vínculos
cubano-europeos en una nueva crisis. Tanto la presidencia, el Consejo de Asuntos
Generales de la UE, como el Parlamento europeo condenaron los hechos (European
Parliament, 2003), mientras que la Cancillería cubana rechazaba tales posturas (MINREX,
1996). La adopción en 2003 de varias iniciativas adicionales conocidas como “sanciones
diplomáticas”, llevaron a La Habana a responder con acciones similares, incluyendo la
“renuncia a cualquier ayuda o resto de ayuda humanitaria que pueda ofrecer la Comisión
y los gobiernos de la Unión Europea”, con excepción de aquella procedente de “las
autonomías regionales o locales, de las Organizaciones No Gubernamentales y
movimientos de solidaridad, que no imponen a Cuba condicionamientos políticos (Castro
F. , 2003).
La ausencia de diálogo entre las dos partes generó también disparidad en términos de
beneficios y resultados. Mientras la UE vio limitado su acceso a los decisores cubanos y
su influencia en los sectores sociales de su interés, La Habana, mantuvo y abrió hasta
donde le resultó posible, canales de diálogo con autoridades de los Estados miembros,
parlamentos, partidos políticos, gobiernos autónomos descentralizados, y organizaciones
de la sociedad civil. Asimismo, la nación latinoamericana pareció contar con alternativas
al acuerdo no negociado (Fisher & William Ury, 1981), logrando que en el mismo periodo,
2
Esto incluía dos aspectos, que limitarían futuras inversiones en Cuba: se desincentivarán inversiones en
bienes expropiados de forma ilegal o discriminatoria en alusión a Cuba, a través de campañas públicas y
la denegación de apoyo gubernamental en forma de préstamos o seguros; se establecerán y harán públicas
listas de reclamaciones de bienes expropiados.
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Cuba, la Unión Europea y el fiasco de la posición común (2006-2016)
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la ayuda exterior mantenga una tasa de crecimiento acumulado positivo (Pérez, 2014).
Mientras tanto, Bruselas, se enfrentaba a la creciente presión de sectores políticos,
sociales y de opinión que no escatimaban sus críticas ante la ausencia de resultados de
una política de pobres resultados que no respondía a sus expectativas e intereses
(Almont, 2005; Lemoine, 2010; Press, 2010; Stephens, 2014; Smith, 2011).
Al mismo tiempo, la Isla trazaba las líneas rojas para cualquier diálogo y entendimiento
con la UE, insistiendo en que la soberanía y la dignidad de un pueblo no se discuten con
nadie” (Castro F. , 2003). Castro (2003) subrayó que la UE carecía de suficiente libertad
para dialogar con plena independencia”, mientras mostraba su interés en recompensar
las actitudes autónomas y desmarcadas de la visión hegemónica de Estados Unidos, al
enfatizar en que la creación de la UE era lo único inteligente y útil que podían hacer
como contrapeso ante el hegemonismo de su poderoso aliado militar y competidor
económico”. El castigo como vía de influencia sobre los decisores cubanos era
desestimado por el líder cubano, cuando declaró que Cuba “no acata amos, ni acepta
amenazas, ni pide limosnas, ni carece de valor para decir la verdad” (Castro F. , 2003).
Además de la posposición indefinida de la decisión sobre la candidatura cubana a Cotonou
(Ortiz, 2016), las sanciones diplomáticas europeas se resumían en la limitación de las
visitas gubernamentales de alto nivel, la reducción de la presencia de los Estados
miembros en eventos culturales, la invitación de disidentes cubanos a las fiestas
nacionales, y el reexamen de la PCC (MINREX, 2003). Lejos de servir a los objetivos
europeos, estas decisiones más bien ayudaron a Cuba a reafirmar su discurso soberanista
ante desafíos más estratégicos como es el caso del conflicto con Washington, deshacerse
de presiones adicionales que poco favor hacían a su desempeño internacional, y a perfilar
sus estrategias de diferenciación y recompensa frente a actores no adheridos a la línea
de injerencias y condicionalidades con resultados muy favorables para la nación caribeña.
Tan es así que las relaciones comerciales, las inversiones y la cooperación descentralizada
se mantuvieron con Europa (Bayo, 2004), aunque cabe señalar que el peso de dicho
continente, en los intercambios globales de la Isla, tendía a reducirse en favor de países
como China y Venezuela.
3
En el contexto del "no diálogo", y a diferencia de la UE que ve cerrado el grueso de
posibilidades para ejercer influencia sobre los decisores cubanos, y de acceso a diversos
sectores de la sociedad de la Isla, las limitantes estructurales básicas del proceso
construcción europea (Perera, 2017) y la ubicación de la PCC en la agenda de las disputas
políticas internas en España y en las posturas intransigentes de las naciones ex
socialistas, parecen dar forma, en la lógica apuntada por Criekinge, a la estrategia cubana
que consistió, en lo esencial, en enfocarse en los Estados con énfasis en los de mayor
influencia relativa - para estimular los disensos con respecto a la postura supranacional,
ofreciendo recompensas alineadas a sus intereses nacionales. Para el presidente Castro,
la política europea hacia Cuba se encontraba secuestrada por dichos grupos políticos,
Aznar, “sus pensamientos y sus relaciones con la mafia de Miami” (Ramonet, 2006).
En 2005, la situación comenzó a distenderse, al menos parcialmente, con pasos dados
por ambas partes como la suspensión temporal de las medidas diplomáticas de la UE a
solicitud de los gobiernos de Luxemburgo, España y Bélgica y del comisario de Desarrollo
y Ayuda Humanitaria de la UE, Louis Michel (Xalma, 2008); el restablecimiento de los
3
Para mayor información, incluyendo datos estadísticos, ver artículo de Xalma (2008) en
https://eulacfoundation.org/es/system/files/Europa%20frente%20a%20Cuba.pdf
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contactos oficiales del Gobierno cubano con las embajadas de los países comunitarios; y
la gira del ministro de Relaciones Exteriores de Cuba por varios países europeos (Ugalde,
2010). Las visitas oficiales de altas autoridades gubernamentales europeas a Cuba,
estando en pleno vigor la PCC, demostraron que dicha política era objeto de fisuras, y
perdía apoyo incluso de los mismos actores que con anterioridad la habían defendido.
Después de un tiempo de aplicación infructuosa, percibían que esta ya no se alineaba a
sus intereses.
2. La erosión de las ventajas relativas de la UE en la relación asimétrica con
Cuba: la inutilización de las herramientas de influencia y control
Ante la imposibilidad objetiva para construir su hegemonía a través de la fuerza, Europa
emplea el “poder blando”, para atraer e influir en el mundo (Nye & Ikenberry, 2004;
Tuomioja, 2009; Ibáñez, 2011; Aspíroz 2015). La destrucción de la alianza con la Unión
Soviética, el recrudecimiento de las sanciones estadounidenses y la profunda crisis
económica de la Isla, ofrecían a la UE, un terreno inédito para posicionarse en el país
caribeño, tomando ventajas de sus competidores norteamericanos, y ganando presencia
en un país clave e influyente en el contexto político latinoamericano y caribeño. A partir
de 1993, la política de la UE hacia Cuba mostró síntomas de cambio; incrementándose
la actividad en dos terrenos protagónicos de la Comisión Europea: la cooperación, por
medio del desarrollo de acciones puntuales, y la ayuda humanitaria, mediante un flujo
de recursos que aumentó progresivamente en años subsiguientes (Perera, 2017).
Bruselas creaba y ampliaba una base de influencia sobre las autoridades y la sociedad
cubanas, apoyada de un lado por su postura de hegemonía disuasiva diferenciada
claramente de la coerción y la hostilidad de Washington - y de otro, por instrumentos
asociados al “poder blando” que se dirigían a alinear a la Isla a sus opciones. Lo descrito
abría un escenario de franco desbalance en favor de la UE, en la medida que esta no sólo
disponía de recursos y capacidades, sino también de los medios de atracción e influencia.
La CE, en una comunicación oficial remitida al Consejo y al Parlamento, expresaba su
objetivo de promover y lograr una transición pacífica en Cuba, reconociendo la necesidad
de estrechar los lazos con la Isla, así como las capacidades de influencia y el liderazgo
que la UE puede jugar en dicho contexto. Asimismo detallaba y halagaba las reformas
económicas aplicadas en dirección al interés europeo, señalando la existencia de sectores
reformistas dentro de la cúpula política y estatal cubana (Commission of the European
Communities, 1995, págs. 2-3).
El ambiente para el despliegue de las acciones de influencia de la UE en el país se
comenzó a enrarecer a partir de 1996 con la adopción de la PCC hasta llegar a su
momento más complejo, suscitado por las “sanciones diplomáticas de 2003, y la
renuncia por parte de La Habana, a los programas de cooperación oficial. Se pudiera
deducir del texto de la PCC (Official Journal, 1996), que la UE partió de asumir que en
una coyuntura de marcada vulnerabilidad y fragilidad para el país caribeño, su
superioridad relativa en términos de capacidades materiales y recursos, junto a los
castigos y recompensas anunciados, les permitirían alinear a Cuba a sus posiciones de
modo relativamente fácil.
Las presiones de la UE reforzaron la percepción asimétrica entre las partes en términos
de propósitos, alejando las posibilidades de diálogo y compromiso. Las exigencias
europeas eran percibidas por las autoridades de La Habana, como ampliación de la base
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Cuba, la Unión Europea y el fiasco de la posición común (2006-2016)
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de legitimidad de la línea de suma-cero de Estados Unidos, al considerar que Europa
compartía con Estados Unidos “las leyes extraterritoriales que, violando la soberanía de
sus propios territorios, incrementan el bloqueo contra Cuba (…)” (Castro F. , 2008). Ante
tal situación, La Habana decidió cerrar los canales de influencia contenidos en la política
y los programas de cooperación oficial de la UE, mientras que dejaba abiertos los
intercambios con otros actores que no exigían ningún tipo de condición (Castro F. , 2003;
MINREX, 2003).
Se planteaba entonces una situación de asimetría, en la que el actor “fuerte” veía
inutilizados sus instrumentos de influencia y control, mientras que el actor “débil”,
apoyado en las debilidades institucionales de su adversario, demostraba su capacidad
para ganar adeptos, dividir y erosionar la postura del contrario. Es aque la estrategia
cubana para el manejo de la PCC parecía tomar forma frente a la confrontación de los
dos procesos institucionales que han marcado la historia de la UE: de un lado, el
supranacional o comunitario, y de otro, el intergubernamental. Al mismo tiempo, La
Habana parecía aplicar uno de los fundamentos programáticos de su política exterior: la
identificación y empleo de las fisuras y pugnas de intereses “interimperialistas
(Rodríguez C. R., 1980).
La diplomacia cubana percibía que podía aprovecharse de la línea de disenso que se abría
gradualmente por los Estados miembros con posiciones más constructivas y mayor
interés en las relaciones con Cuba (Gratius, 2005; Perera, 2017; Ugalde, 2010), lo que
terminó generando contradicciones, socavando y deslegitimando la posición
supranacional de intromisión de la UE. Sobre este asunto particular, se amplía en el
acápite tercero de este artículo.
Al desestimar, denigrar y descalificar las promesas de recompensas contenidas en la
posición europea, La Habana dejaba a su adversario desprovisto de instrumentos de
atracción suficientes para alcanzar sus propósitos. Su estrategia parecía orientarse sobre
la base de las limitaciones de Europa para ejercer su "poder blando" de forma coherente
y productiva; y la posibilidad de desplegar, sin restricciones significativas, acciones de
influencia al interior de la UE. La ex embajadora de Cuba en España explicaba: […] se
equivocaron en la jugada, porque nosotros pudimos hacer lo que ellos no podían hacer.
Nosotros podíamos limitarles las relaciones a ellos. […] hasta cierto punto (Allende
Karam 2015, citada en Perera, 2017, : 152). De su lado, el diplomático cubano Ángel
Dalmau afirmaba que las embajadas de su país “pudieron trabajar en los términos más
o menos en que una embajada cubana trabaja en Europa” (Dalmau, 2015 citado en
Perera, 2017: 153).
Asimismo se ha planteado el debate acerca de los elementos de carácter contextual que
actuaron en favor de la capacidad de negociación y acción política del país caribeño.
Perera (2017) apunta hacia la reinserción plena y definitiva de Cuba en su entorno
regional favorecida por los cambios políticos de la región
4
, la flexibilización de la
administración Obama frente a La Habana, la reanudación progresiva de la cooperación
bilateral suspendida unilateralmente por el gobierno cubano en julio de 2003 con
diferentes Estados miembros, y la liberación de los detenidos durante los acontecimientos
de marzo de 2003 (págs. 184-185). Ugalde (2010), Alzugaray (2009) y Hernández
4
Aquí cuentan la admisión en el Grupo de Río, miembro fundador de la Comunidad de Estados
Latinoamericanos y Caribeños, los llamados a su inclusión en la OEA y el Sistema Interamericano (Perera,
2017).
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(2009), ponen más énfasis en las consecuencias de la transferencia del mando a Raúl
Castro, los impactos de un discurso s pragmático, las reformas económicas
emprendidas, y en los cambios del escenario hemisférico e internacional. Drouhaud
(2016) y Terranova (2015), le otorgan más peso a las dimensiones de la política exterior
de la Isla y sus alianzas con potencias emergentes como China y Rusia.
3. UE y las percepciones, cálculos y estrategias fallidas: los problemas de
agencia
Esta aproximación empírica al fenómeno de la PCC, identificó dos cuestiones que
contribuyeron a desplazar la asimetría en favor de Cuba y sus preferencias, en particular
aquellas asociadas a la preservación de sus atributos soberanos, al debilitamiento de la
línea injerencista contenida en la estrategia europea, y el mantenimiento de los canales
de influencia ante las instituciones y gobiernos europeos: el papel de agencia (Druckman,
2008; Jensen & Meckling, 1976; Banks, 1995; Watts & Zimmerman, 1983) de la
Comisión Europea, de un lado, y la credibilidad de sus promesas de recompensas y
castigos (Schelling, 1964).
La CE tenía ante un complejo papel de agencia que jugar, al tener que llevar a cabo
los mandatos formales conferidos por las decisiones tomadas en el seno del Consejo de
Ministros, el Parlamento y lidiar con las demandas, exigencias y presiones de algunos
Estados miembros que aunque eran parte de los acuerdos del Consejo, en el plano de
sus respectivas diplomacias, orientaban más su acción hacia la defensa y promoción de
sus intereses nacionales que a las necesidades de la política supranacional. Lo anterior
coincide con la apreciación de Gartius (2005), quien considera que en la UE la Comisión,
el Parlamento Europeo y los 25 Estados miembros no hay una política sino una gran
diversidad de políticas hacia Cuba, que va desde el compromiso incondicional al
distanciamiento político y económico (6).
Después de la adopción de la PCC, España, paradójicamente, fue el primer país que
incumplió su letra, al mantener la cooperación bilateral en diversos ámbitos, consolidarse
como proveedor de bienes, convertirse en el segundo inversor en la economía de la Isla,
y admitir la participación del presidente Fidel Castro, en las Cumbres Iberoamericanas,
cuya novena edición tuvo lugar en La Habana. Asimismo, se identifica un grupo de países
como Francia, Bélgica y Portugal, favorables al compromiso, que demuestran la
prevalencia de los intereses nacionales sobre la estrategia supranacional (Gratius, 2005:
6). Cabe señalar que no todos los Estados miembros acataron las sanciones al pie de la
letra. La representación diplomática de Bélgica en La Habana, por ejemplo, utilizó
fórmulas que le permitieron, sin incumplir de manera radical el compromiso europeo,
hacer visible que su legación estaba acreditada ante el gobierno cubano, cuyos
funcionarios seguían siendo recibidos en sus actividades oficiales. Esto tuvo su
compensación en que la cooperación con Bélgica no fue suspendida (Perera, 2017 :51).
Desde Francia se percibía la insatisfacción por los nulos resultados de la PCC y los
obstáculos que imponía a la consecución de los objetivos nacionales. El presidente
Jacques Chirac apuntó que la iniciativa bloqueaba el “inmenso potencial de las relaciones
entre los dos países” (Chirac, 2005). De su lado, el diputado y presidente del Grupo de
Amistad Parlamentaria Francia-Cuba, Alfred Almont declaraba su intención de comunicar
al jefe de Estado galo su idea de “proponer la derogación de la Posición Común hacia
Cuba” (Almont, 2005). Asimismo, el presidente del grupo empresarial Pernod Ricard,
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Patrick Ricard se pronunciaba por la eliminación de todos los escollos interpuestos a la
relación franco-cubana (Ricard, 2005).
A diferencia del conflicto cubano-estadounidense, el diferendo existente entre La Habana
y Bruselas, no significaba una amenaza existencial para la Isla, considerando la
naturaleza del "poder blando" ejercido por Europa, basado en la atracción y no en la
coerción. De ahí que la nación caribeña, tomara precauciones para no debilitar su poder
negociador en su contencioso principal, insistiendo en “un diálogo respetuoso, entre
iguales, sobre cualquier asunto, sin menoscabo para nuestra independencia, soberanía y
autodeterminación” (Castro R. , 2009). Asimismo manifestaba “la voluntad de Cuba de
mantener una relación respetuosa, que obligatoriamente pasa porque la UE reconozca y
trate a Cuba en igualdad de condiciones" (Declaración oficial del MINREX-Cuba, citada
en Reuters, 2010).
La UE parecía obviar que con mayor capacidad de influencia, los castigos y promesas de
Estados Unidos no habían logrado ningún movimiento significativo de la parte de Cuba.
También pudo haber subestimado la influencia de los intereses nacionales en la definición
de las conductas individuales de los países miembros que desde el inicio, violan la letra
y propósitos de la PCC (Gratius, 2005). Las relaciones comerciales, las inversiones, y el
turismo se mantuvieron muy a pesar de las sanciones que tendieron a ser más simbólicas
que reales.
5
La postura europea se debilitaba ante la gama de alternativas con las que la Isla contaba
en caso de que no se lograra normalizar la relación y alcanzar un acuerdo. Estas incluían
las vinculaciones con gobiernos y actores descentralizados de la propia UE. La ex
embajadora cubana en España recordaba que no le “podían limitar la entrada a nivel de
autonomías, incluso con gente del PP al frente de sus gobiernos (Allende Karam, 2015
citada en Perera, 2017, : 152). Similar situación se encontraba en Francia, en la que los
diplomáticos cubanos contaban con acceso y construían acuerdos e iniciativas con los
consejos regionales, departamentales y alcaldías (Sánchez-Levis, 2005). Según datos del
Banco Mundial, la ayuda oficial neta para el desarrollo recibida por Cuba mantuvo su
curso ascendente. El año en que se adopta la PCC este indicador ascendía a 57 millones
de USD
6
, en 2004 a 99 millones USD hasta llegar al récord de 2678 millones USD en
2016 (Banco Mundial, 2017).
Con la suspensión provisional de las “sanciones diplomáticas” contra La Habana, (Unión
Europea, 2005), y su posterior eliminación definitiva en 2008, la UE parecía intentar la
recuperación de una situación de simetría en la que pudiera reanudar sus contactos,
acceso y labor de influencia sobre las autoridades cubanas, a través del diálogo y los
programas de cooperación. Cuba, de su lado, insistía en la derogación de la PCC como
condición sine qua non para la reanudación de las negociaciones, enfatizando en que no
resultaba “suficiente quitar las sanciones” (Pérez Roque, 2008), y afirmando que la
5
El principal emisor de inversionistas a Cuba es el continente europeo con un 71% del total, siendo España,
Francia, Reino Unido y Alemania los países más representativos (Fonseca, 2017). De 1995 a 2017, el
intercambio total de bienes y servicios de Cuba con el exterior fue triplicado, con un ascenso de 4448
millones de CUP
5
a 12574 CUP, mientras que las relaciones comerciales entre Cuba y la UE se mantuvieron
entre 2012 y 2017, oscilando entre 4233 millones CUP y 3624 millones CUP, lo que significa un peso de
más del 20% en los intercambios externos de la Isla (ONEI-Cuba, 2018). Coincidimos con Díaz-Lezcano
(2007) en el sentido de que “la variable comercial no depende directamente de los resortes políticos que
movilizan la dinámica bilateral”. (Díaz-Lezcano, 2007). Por su parte, los países europeos se mantuvieron
entre los primeros mercados del destino Cuba (ONEI-Cuba, 2018).
6
Dólares estadounidenses.
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“desprestigiada forma de suspender las sanciones a Cuba que acaba de adoptar la Unión
Europea el 19 de junio” no tenían ningún efecto económico para la economía del
bloqueado país (…)” (Castro F. , 2008).
Tras dos décadas de aplicación infructuosa de la PCC, las autoridades europeas terminan
alineándose a la postura cubana que exigía su derogación inmediata, el respeto a la
soberanía, y la reanudación de la cooperación sin ningún tipo de condicionalidades. En el
texto del “Acuerdo de diálogo político y de cooperación” se reafirmaba “el respeto por la
soberanía, la integridad territorial y la independencia política de la República de Cuba”
(…) “así como la adhesión de las Partes a todos los principios y propósitos enunciados en
la Carta de las Naciones Unidas (Consejo de la Unión Europea, 2016)
Resultados y discusión
El fracaso de la PCC se relaciona con fenómenos como la distribución de recursos, el
contexto y la relación. El presente estudio empírico verifica hasta el momento una fuerte
incidencia de la segunda y la tercera categoría sobre el objeto de estudio. Sin embargo,
en el caso de la primera, se precisa aún de un análisis mucho más fino, considerando
que la investigación en sus inicios, tendió a sobredimensionar la disparidad de recursos
entre las partes, para más tarde matizar dicho planteamiento, con la introducción de
apreciaciones teóricas acerca del “problema de la agencia” y la “estrategia de conflicto”.
Las mencionadas perspectivas teóricas nos colocan a su vez, en otro ámbito de reflexión
que deberá determinar si la PCC respondía s a legítimos intereses europeos, si fue
una moneda de cambio en las negociaciones trasatlánticas que combinó retórica dura,
sanciones simbólicas y pragmatismo de las diplomacias nacionales europeas - o si resultó
de la influencia combinada de ambos.
En su condición de estrategia del “más fuerte”, la PCC nos conduce al principio de que
las capacidades y recursos no siempre determinan el resultado de una negociación,
aunque una mejor distribución y empleo de estos, pudo haber mejorado su eficiencia, en
condiciones específicas. ¿Hasta qué punto será factible seguir considerando la PCC, como
un caso clásico de “dilema estructuralista”, cuando esta no logró concentrar el grueso de
recursos europeos en la misma dirección? Aun así, seguimos pensando que el fracaso de
la PCC como instrumento de presión sobre Cuba permitió constatar la validez de las tesis
de Zartman que abren la posibilidad de que no siempre la disparidad en cuanto a recursos
y capacidades determina el proceso de la relación y los resultados de las negociaciones
entre las partes.
El empleo de las condicionalidades del “más fuerte” sobre el “más débil” tendió a
erosionar como bien lo indican Zartman y Rubin, las condiciones mínimas para una
relación-negociación con resultados aceptables para las partes implicadas. En lugar de
mejorar las condiciones de influencia y control sobre los decisores cubanos, las mismas
se reducen a la mínima expresión, tras el cierre de los canales oficiales de comunicación
y la renuncia de la Isla a la cooperación condicionada (recompensas) de la CE. Al mismo
tiempo, las percepciones de los estrategas europeos sobre sus ventajas relativas para
alinear a La Habana a sus posturas, sobre las vulnerabilidades e insuficiencia de
capacidades de Cuba, y el diferencial de poderío entre las partes, constituyeron, a nuestro
juicio, las bases del cálculo erróneo, que los llevó a subestimar y no considerar
adecuadamente el peso de los factores relacionales y contextuales definidos por Zartman,
Zartman & Rubin, y Criekinge. El análisis de los planteamientos de estos autores nos
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permitió identificar los elementos del contexto y la relación que el país caribeño empl
en su favor.
La incorporación de las apreciaciones de Banks, Druckman, Jensen y Zimmerman acerca
de la "agencia" abrieron aún más nuestra perspectiva analítica, conduciéndonos a
replantear la cuestión de las capacidades materiales cuyas dimensiones, en nuestra
opinión, no siempre es lo que más influye, sino el modo en que estas se organizan,
disponen y utilizan. Este estudio constata que los recursos y capacidades de la UE,
aparecen desconcentrados, restando fuerza y credibilidad a la estrategia supranacional.
Mientras Bruselas presionaba y exigía a La Habana, algunos de los Estados miembros se
conducían a través de estrategias propias de sus diplomacias nacionales, con diálogo,
cooperación y relaciones, sin condicionalidades.
Asimismo, las reflexiones derivadas de la aplicación de la teoría de la agencia nos hicieron
regresar a los principios generales de la teoría de la interdependencia (TI), considerando
que en un momento de la investigación, el problema de la disparidad de capacidades
pasa a un segundo plano - con el cuestionamiento de su influencia sobre el proceso y sus
resultados tornándose evidente la adaptabilidad de la TI para el análisis de un proceso
que incluye desde la estructura, la transformación, y la interacción, hasta la adaptación
de los jugadores. Lo anterior permite afirmar que la abismal disparidad y la presión de
esta sobre el actor “más pequeño” eran más aparentes que reales en la medida en que
el comercio, las inversiones, el turismo y la cooperación oficial se mantuvieron. Algo
diferente, pudo haber sido, si las mencionadas vinculaciones se hubieran condicionado a
cambios en la conducta cubana.
Los elementos de la teoría de conflictos de Schelling merecen un análisis similar. Las
promesas de castigos y recompensas muy difícilmente funcionan en un contexto de
asimetría aparente, en el que el actor de mayores recursos no cuenta con medios
efectivos para cooptar y alinear a su adversario. En este caso, ni el ofrecimiento de la
negociación y firma de un acuerdo marco de cooperación bilateral, ni la amenaza de
reducir los contactos diplomáticos, lograron los resultados esperados. Todo indica que la
fuerte interdependencia bilateral (comercio, turismo, inversiones, cooperación
gubernamental y no gubernamental), así como elementos del contexto y de la propia
relación, contribuyeron a relativizar la superioridad relativa de poderío de la UE frente a
Cuba.
Conclusiones
La adopción de la PCC y la posterior aplicación de sanciones diplomáticas, produjeron
resultados contrarios a los esperados por la UE. La percepción cubana de que esta
ampliaba la base de legitimidad de la línea de suma-cero de Washington en su contra,
cerró las posibilidades y canales de influencia de la UE sobre las autoridades y la sociedad
cubanas. Con la mencionada iniciativa se abrió la confrontación entre el enfoque
hegemónico europeo - más persuasivo que coercitivo - y el soberano-nacionalista de la
parte cubana. En este contexto se profundiza la asimetría ya no sólo en términos de
recursos sino también de propósitos e intenciones, lo cual consigue anular las condiciones
mínimas para el relanzamiento y desarrollo del diálogo bilateral.
La disparidad de oportunidades de influencia desfavoreció a las autoridades europeas
habida cuenta del cierre del acceso a sus representaciones en Cuba, mientras que las
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legaciones diplomáticas de La Habana mantuvieron su labor de influencia en condiciones
más o menos normales en las diferentes capitales europeas. La PCC desde un inicio fue
irrespetada por algunos de los Estados miembros y con el paso del tiempo se fueron
creando disensos y fracturas a nivel de dicha estrategia supranacional que empezó a
competir con las políticas bilaterales desarrolladas desde las distintas capitales, sin
condicionalidades.
La percepción europea en cuanto a su superioridad de poderío frente a Cuba, sus
vulnerabilidades, y al diferencial favorable de capacidades la llevó a formular cálculos
estratégicos erróneos, que al parecer, subestimaron los efectos de los factores
relacionales - capacidad de veto de La Habana sobre sus iniciativas y acciones de
influencia, los limitados efectos de sus recompensas y castigos, el peso de las
interdependencias mutuas, etc.- y contextuales - inserción plena de Cuba en el ámbito
regional latinoamericano y caribeño, sus relaciones ascendentes con las potencias
emergentes, y el cambio de política de la administración del presidente Barack Obama,
entre otros.
El caso del presente estudio muestra que en ausencia de castigos y recompensas lo
suficientemente convincentes, el actor débil cuenta con un margen de maniobra que
emplea activamente para resistir e incluso mover a su adversario en dirección de sus
opciones y preferencias. Las evidencias empíricas de este trabajo indican que el jugador
de menor poderío relativo precisa de ciertas premisas para crear valor en condiciones de
asimetría, sin tener que implicarse en un proceso de negociación riesgoso: (1) la no
existencia de amenazas existenciales, (2) el valor global de los beneficios debe superar
al de los costos, (3) la alternativa a un no acuerdo deberá resultar viable, (4) la
constatación de que los castigos prometidos por el actor “fuerte” sean inaplicables o
inefectivos, y (5) que la postura de “no diálogo” resulte mucho más beneficiosa que
aquella de la aceptación de las recompensas que su adversario le ha prometido.
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Relación de fuentes orales consultadas
Alfred Almont, diputado a la Asamblea Nacional y presidente del Grupo de Amistad
Parlamentario Francia-Cuba
Jacques Chirac, presidente de la República Francesa
Pascal Drouhaud, experto en temas latinoamericanos y ex secretario de Relaciones
Internacionales del partido Unión para la Mayoría Popular
Patrick Ricard, presidente del grupo Pernod Ricard
Valerie Terranova, ex consejera de la Presidencia de la República Francesa
Fuentes orales obtenidas de otros estudios
Ángel Dalmau Fernández, investigador y ex Viceministro de Relaciones Exteriores de la
Republicana de Cuba
Isabel Allende Karam, Rectora del Instituto Superior de Relaciones Internacionales "Raúl
Roa García", ex Viceministra de Relaciones Exteriores de la República de Cuba y ex
embajadora ante el Reino de España
OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 64-81
UMA PERSPETIVA HISTÓRICA DO EMPREENDEDORISMO EM ANGOLA
Renato Pereira
rpereira@autonoma.pt
Investigador Integrado do OBSERVARE, Universidade Autónoma de Lisboa (Portugal). Professor
Associado da UAL. Professor Convidado do ISCTE-IUL. Doutor em Ciências de Gestão pela
Université Paris Dauphine.
Resumo
O presente artigo faz uma análise histórica do empreendedorismo em Angola, partindo da
própria evolução histórica do conceito de empreendedorismo para se centrar na evolução
deste fenómeno em Angola, ao longo de quatro períodos históricos distintos. Através da
consulta de fontes bibliográficas de autores de referência sobre a temática em estudo, e de
uma exaustiva análise das mesmas, foi possível obter uma perspetiva histórica do
empreendedorismo em Angola, à qual se juntou uma abordagem crítica à evolução deste
fenómeno no país e uma reflexão sobre possíveis cenários de desenvolvimento futuro.
Palavras chave
Empreendedorismo, Angola, África, História
Como citar este artigo
Pereira, Renato (2020). "Uma perspetiva histórica do empreendedorismo em Angola".
JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 11, N.º 1, Maio-Outubro 2020.
Consultado [em linha] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-
7251.11.1.5
Artigo recebido em 18 de Abril 2019 e aceite para publicação a 4 de Fevereiro de 2020
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Uma perspetiva histórica do empreendedorismo em Angola
Renato Pereira
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UMA PERSPETIVA HISTÓRICA DO EMPREENDEDORISMO EM ANGOLA
1
Renato Pereira
Introdução
A perspetiva histórica do empreendedorismo em Angola está fortemente condicionada
pela conjugação de pelo menos duas circunstâncias históricas: (i) um período colonial de
cerca de cinco séculos marcados por uma preponderância de um regime monárquico; (ii)
um período s-colonial marcado por uma longa guerra civil que viria a terminar
totalmente em 2002 (Schubert, 2015).
Por outro lado, o próprio empreendedorismo é um fenómeno que data da era industrial,
tendo o seu locus onde a iniciativa privada teve mais expressão, ou seja, no Norte da
Europa.
Angola, fruto do modelo económico colonial, primeiro; do recrudescimento desse modelo
económico com a ascensão do Estado Novo português, depois; e, finalmente, do modelo
económico de orientação socialista implementado após a independência do país, a 11 de
novembro de 1975, e que durou até à queda da União Soviética, em 1991, embora sujeito
ainda a um período de “partido único”, encontrou verdadeiramente espaço muito
recentemente (Ovadia, 2018).
Sente-se em Angola, em todas as gerações, a procura de um sentido histórico que ajude
a encontrar soluções para se sair do atual momento de bloqueio financeiro que o país
atravessa.
Nunca antes, como agora, desde que uma paz duradoura foi finalmente alcançada, o
devir histórico preocupou tanto os angolanos. A mudança brusca na perceção das reais
capacidades económicas do país, e a clara inversão na tendência de evolução do nível de
vida, lançou a sociedade no seu conjunto, mas também a classe política e dirigente, em
particular, para uma situação de angústia.
Assim, a História começa a ser cada vez mais utilizada como uma espécie de oráculo
sobre o incerto futuro de um país que viveu, em diversas fases do seu processo
histórico, grandes desafios.
1
O autor expressa o seu mais profundo agradecimento ao Professor Redento Maia, Decano da Faculdade de
Economia da Universidade Agostinho Neto, pelo acesso concedido, durante esta investigação, aos recursos
do CISE Centro de Investigação Sócio-Económica da mesma faculdade.
O autor expressa ainda os seus agradecimentos aos dois revisores anónimos da primeira versão deste
trabalho, cujos comentários muito contribuíram para a melhoria do mesmo.
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Por outro lado, a oralidade enquanto fonte histórica fundamental em África (e.g. Henige,
2005; Cooper, 2005) é plenamente confirmada pela interpelação acima referida, e pelo
diálogo que de seguida se estabeleceu.
Importa, pois, escrever sobre a história dos povos, dos territórios e dos países africanos.
Todos os contributos para a clarificação do sentido histórico das sociedades africanas
atuais é de grande relevância para a sustentabilidade das soluções coletivas a que as
mesmas terão de chegar no momento atual do seu processo histórico.
Os objetivos desta investigação passam assim por dar uma perspetiva histórica sobre o
percurso do empreendedorismo em Angola, sem esquecer o seu caracter geográfico e o
enquadramento histórico do próprio empreendedorismo, enquanto conceito, enquanto
realidade económica e enquanto objeto teórico.
1. Contexto histórico do empreendedorismo
1.1. Do conceito de empreendedorismo
Segundo Haahti (1989), citado por Zinga (2007), o termo empreendedorismo aparece
pela primeira vez referido no Dicionário Universal de Comércio, publicado em Paris em
1723 por Jacques de Brunslons Savary.
A mesma fonte refere que o termo seria corrente no vocabulário francês do século XII,
associado à ideia de “realizar uma atividade” e que no século XV o seu significado teria
uma conotação jurídica, de “alguém que contrata”.
Zinga (2007) e Quiongodi (2013), citando várias fontes, referem a existência de uma
convergência na ideia de que o primeiro teórico do empreendedorismo, também de língua
francesa, terá sido o economista Richard Cantillon (1680?-1734).
Cantillon defende, numa obra póstuma datada de 1755, que o “empreendedor” é um
agente económico de pleno direito, tal como o são “capitalistas” e trabalhadores”,
lançando um debate sobre os distintos papéis de empreendedores” e “empresários”,
discussão essa que dura até aos dias de hoje.
Nesta fase, o conceito já está associado aquele que assume riscos e a análise económica
desenvolvida por Cantillon revela que na França desses dias se vive um capitalismo
inesperadamente sofisticado.
Quiongodi (2013), citando também vários autores, salienta que terá sido esta análise
económica inicial (ou mesmo iniciática) de Cantillon a inspirar os trabalhos de Knight
(1921) sobre incerteza e risco, objecto teórico fundamental para o desenvolvimento das
Finanças no período pós-depressão de 1929.
O segundo autor-chave do empreendedorismo é Jean-Baptiste Say (1767-1832), ele
próprio, tal como Cantillon, considerado fora do lote de economistas clássicos que
começam a publicar a partir do último quartel do século XVIII.
Segundo Zinga (2007), citando Praag (1999), este autor especificou o papel do
empreendedor enquanto gestor das iniciativas (em princípio, empresas) por ele criadas.
O economista (clássico) seguinte a contribuir para o estabelecimento teórico do
empreendedorismo é Alfred Marshall (1842-1924). O seu contributo mais relevante,
também salientado por Zinga (2007) e por Quiangodi (2013), foi ter enquadrado o
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empreendedor como alguém que identifica oportunidades de negócio, objeto teórico de
importância central na tradição teórica do empreendedorismo.
O autor subsequente com elevado peso histórico no empreendedorismo é o economista
austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950), cujo contributo central é a atribuição ao
empreendedor da tarefa fundamental (para a economia) da “destruição criativa” de
mercados através da inovação. Para além de romper com a tradição microeconómica dos
seus predecessores, este teórico relaciona pela primeira vez o empreendedorismo com o
desenvolvimento económico, fazendo de si próprio fonte incontornável de várias
subdisciplinas da ciência económica. Na sua perspetiva, a racionalidade económica não
assenta na procura do equilíbrio mas antes num permanente processo de descoberta,
assimilação de informação e rutura do status quo que exige do empreendedor
características excecionais (Schumpeter, 1911).
Outro contributo de elevada relevância é o do economista americano Frank Knight (1885-
1972) que vai contribuir para o desenvolvimento teórico do empreendedorismo fazendo
a distinção entre risco evento aleatório com probabilidade conhecida e incerteza
evento aleatório com probabilidade desconhecida e estabelecendo a relação entre o
empreendedor e a geração de benefícios económicos pela empresa o agente económico
que transforma a incerteza em risco através do seu julgamento, sendo o lucro a
remuneração pelo risco corrido (Knight, 1921).
Na segunda metade do século XX, observa-se um desenvolvimento espetacular no
empreendedorismo enquanto disciplina científica, fruto da proliferação de publicações
científicas e do próprio desenvolvimento das Ciências de Gestão, que rapidamente
adotam o empreendedorismo, embora lhe dando um estatuto definitivo no século
XXI.
Voltando à metade do século XX, é importante referir Peter Drucker (1909-2005), um
dos grandes teóricos do management que vai relacionar, de forma decisiva, a gestão
com a inovação, e esta com o empreendedorismo Drucker, 1985). Os trabalhos de
Drucker, tal como os de outros autores menos conhecidos, salientados por Sarkar (2014),
a par do fenómeno das chamadas economias emergentes, entre as quais se encontram
(ou encontravam?) vários países africanos, trazem o empreendedorismo definitivamente
à ordem do dia e ao estatuto disciplinar de pleno direito.
1.2. Da sua evolução teórica
O empreendedorismo é um objeto teórico suscetível de diferentes abordagens, que se
tem deparado com diversas perspetivas e mesmo ontologias, originárias de rios
quadrantes, sendo as mais significativas a Economia, as Finanças, a Gestão e a Psicologia
(e.g. Sarkar, 2014).
A sua evolução teórica está associada à evolução histórica referida no ponto anterior,
nomeadamente à sua génese nos primórdios da era industrial em França e posterior
adoção por diversos economistas e teóricos da gestão.
Portanto, a sua génese é “empreender”, levar a cabo qualquer empreendimento, “fazer
coisas”. Em linguagem atual, “fazer acontecer”. Esta ontologia sica mantém-se
constante, apesar de todas as evoluções, até aos nossos dias (e.g. Sarkar, 2014).
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Baumol (1990) relembra que os economistas mais teóricos dos séculos XVIII e XIX não
se interessam substancialmente por esta figura. Para a generalidade dos autores deste
período, “empreendedor” e “empresário” são uma só e mesma coisa, ou seja, o
proprietário do agente económico empresa, independentemente da natureza do ímpeto
fundador.
Por outras palavras, a ciência económica “ficou à porta da empresa”, não se tendo
verdadeiramente interessado pela dimensão organizacional da mesma. Daí o
desenvolvimento das ciências organizacionais logo no século XX e o posterior
aparecimento das ciências de gestão, com nascimento simbólico em 1911, quando as
empresas passaram a ter dimensão (social, económica e financeira) significativa.
A segunda dimensão teórica fundamental do empreendedorismo é o risco e a incerteza,
acima discutidas a propósito de Frank Knight. No início da década de 1920, claros
sinais de um predomínio crescente de especulação nos mercados financeiros norte-
americanos, o que viria a favorecer o eclodir da grande depressão de 1929.
No entanto, aprender a gerir a incerteza, sem ter como objetivo a eliminação do risco, é
uma atitude fundamental dos agentes económicos, tal como a grave crise financeira
mundial de 2008 veio a demonstrar.
O terceiro elemento teórico de relevo é a orientação para a identificação de oportunidades
(de mercado), também chamado de “empreendedorismo de oportunidade”, por contraste
com o empreendedorismo de sobrevivência”, predominante nas economias em vias de
desenvolvimento, como o são a generalidade dos países africanos.
Os trabalhos de Schumpeter, na primeira metade do século XX, são determinantes para
o estabelecimento de um nexo de causalidade entre o empreendedorismo e o
desenvolvimento económico, análise essa que prossegue pelo século XX juntando-se a
compreensão da importância da inovação para a processo empreendedor.
2. Empreendedorismo em Angola
2.1. Contexto do empreendedorismo africano
De acordo com Porter et al. (2002), a esmagadora maioria dos países em vias de
desenvolvimento encontra-se na categoria de factor-driven economies, ou seja,
economias baseadas em recursos naturais, sejam eles hidrocarbonetos com elevado
valor de mercado ou simplesmente terra arável.
Nestas economias, verifica-se essencialmente um empreendedorismo “de
sobrevivência”, uma vez que a base de recursos (tecnológicos) à disposição dos
empreendedores não é suficiente para gerar oportunidades de negócio.
Por força destas circunstâncias, e de fatores contextuais, políticos e culturais cuja análise
será efetuada nos pontos seguintes, tem-se vindo a generalizar em África, desde meados
do século XX, a chamada “economia informal”, ou seja, uma preponderância de
microempresas unipessoais que nunca chegam a formalizar a sua existência nem a sua
atividade económica (Ellis & Fauré, 1995). “The practicing economist present on the
ground is struck by the creativity, by the initiative of people in the urban setting, and by
the emergence of new organizations and an entrepreneurial spirit that escape accounting
records” nas palavras de Hugon (2004, p.115).
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A informação que a origem da economia informal africana ocorre ainda quando muitos
destes países se encontravam em período colonial é abordada explicitamente por vários
autores (e.g. Lopes, 2007) mas foi-nos também transmitida oralmente por várias
pessoas “mais velhas” que ainda sobrevivem desta atividade em Luanda, em Bissau e
em Maputo.
A inexistência de um mercado de trabalho eficiente, a pobreza, a falta de educação básica
e de capacitação profissional elementar, entre outros aspetos, por simples observação
empírica, estarão certamente na origem e no desenvolvimento espetacular desta forma
de organização económica e de empreendedorismo.
Como seria de esperar, as independências dos países africanos não inverteram esta
tendência, apenas a contiveram, nalguns casos e durante algum tempo, até que a
realidade se impôs.
No entanto, existe também, e desde o século XIX, uma base empresarial formal em
África, distinta do mero mercantilismo tradicional, muito dele nómada ou quase-nómada
e oriundo do Magreb ou dos territórios do Sahara. Esse empreendedorismo não logrou,
todavia, uma evolução semelhante à que se verificou na Europa, Estados Unidos ou
mesmo na Ásia durante o século XX pois o legado histórico colonial assentou na
exploração de matérias-primas e não no desenvolvimento de um verdadeiro capitalismo
industrial assente no investimento. Na tentativa de recuperar o tempo perdido, e sob
influência de uma ancestral tradição política e económica centralista e de doutrinas de
inspiração marxista ou afim, muitos governos africanos tentaram acelerar este processo
pela criação de empresas públicas de grande dimensão que não só dificultaram o
estabelecimento de um empreendedorismo indígena ou mesmo estrangeiro, como
criaram sobre estes um anátema que ainda hoje persiste em muitos países do continente
(Spring & McDade, 1998).
Por fim, a situação de fragilidade económica e política em que se encontram muitos dos
países africanos, alguns dos quais mergulhados em infindáveis guerras civis,
convencionais luta pelo poder entre forças internas ou menos convencionais
geradas pelas diferentes formas de jihadismo islâmico deu origem a uma espécie de
“empreendedorismo de guerra” (Hugon, 2006).
2.2. Contexto colonial angolano no século XIX
De acordo com Henriques (1996), o aparecimento de formas embrionárias de um
empresariado africano «tradicional» pode situar-se no último quartel do século XIX, em
consequência de uma dupla situação: as propostas comerciais europeias e a existência
de estruturas comerciais africanas, dinâmicas e flexíveis, capazes de responder aos
desafios vindos do exterior.”
Por seu lado, Fonseca-Statter (2008), afirma que em África “quando se procura fazer
uma reflexão sobre a natureza e origem da empresa enquanto eventual motor do
processo de desenvolvimento, somos forçados a considerar uma abordagem que leva
necessariamente em linha de conta a perspetiva histórica concreta da criação destas ou
daquelas empresas, assim como do seu relacionamento com o papel regulador do
Estado”.
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De uma análise destas fontes, ressalta a constatação da ausência da utilização do termo
“empreendedorismo” para caracterizar a atividade empresarial, tendo os autores optado
ambos pela fórmula de “empresariado”. Outros autores confirmam a mesma perspetiva
(e.g. Reis, 1996).
Assim, e para os propósitos do presente trabalho, consideraremos “empresariado” como
unidade de análise sinónima de “empreendedor”, cujo âmbito mais específico foi objeto
de análise em secção anterior.
Retomando a questão do empreendedorismo angolano do século XIX, o mesmo
enquadra-se numa evolução da perspetiva europeia sobre África resultante de um
acontecimento histórico de capital importância e impacto: o fim (gradual) da exportação
de escravos e da sua progressiva substituição pelo chamado “comércio legítimo”.
Importa também salientar que as transações comerciais inter-africanas, pré-existentes
à chegada dos Europeus, envolvendo chefes políticos e comerciantes, mantiveram-se ao
longo de todo o período colonial e (surpreendentemente) sem qualquer intervenção
daqueles. Mais, procuram impor as suas novas regras aos Europeus!
Carvalho (1984), citado por Henriques (1996, p.56) refere que, no final do século XIX,
ainda prevalecem, no nordeste de Angola, circuitos comerciais africanos baseados no
tráfico de escravos, totalmente fora do controlo português. Este importante facto
histórico para a compreensão da génese da iniciativa empreendedora em Angola,
centrada no comércio, é também salientado por Birmingham (2015).
Henriques (1996, p.57) salienta outro elemento de enorme relevância para os propósitos
do presente trabalho: a saturação africana relativamente às mercadorias europeias (e
asiáticas) e consequente procura de novas “produções, para dispor de mercadorias que,
aceites pelos Europeus, permitam recuperar a autonomia técnica e comercial africana.”
Este facto, sem vida, impacta a atividade empreendedora e representa uma atitude
empreendedora no pleno sentido do termo. De facto, o desenvolvimento do comércio
legítimo permite o aparecimento de pequenos comerciantes africanos, agindo
autonomamente.
A análise histórica permite ainda relacionar esta atividade empreendedora com a
inovação, uma das relações teóricas de causalidade mais fundamentais do ponto de vista
epistemológico.
Na Angola da segunda metade do século XIX, o desenvolvimento do empreendedorismo
leva à introdução de “novas técnicas de circulação e de capacidades de investimento
diversificadas, abre novas áreas de exploração de recursos naturais e de mercados […]
permite/exige inventar práticas comerciais mais adequadas à procura e à resposta,
estimula a produção, incentiva a inovação técnica, organiza novas formas de trabalho,
introduz o salário, banaliza o crédito, gera lucros, cria capital, autoriza novos
investimentos” (Henriques, 1996, p.59).
O impacto do empreendedorismo nas transformações sociais é reforçado por diversos
autores citados por Henriques (1996, p.61). As “iniciativas de tipo empresarial não
podem deixar de colidir com a chefia política, tal como são forçadas a afastar o peso das
estruturas familiares. Não estamos ainda perante a família nuclear moderna, mas já nos
encontramos perante a necessidade de reduzir a intervenção da família, única maneira
de dispor do espaço para a afirmação empresarial” (Henriques, 1996, p.62).
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O aludido desenvolvimento do comércio legítimo tem ainda outra consequência
fundamental para o desenvolvimento do empreendedorismo: o acesso generalizado de
todos à criação e à prossecução de negócios, elemento central do mesmo
empreendedorismo, pelo favorecimento da concorrência e, consequentemente, do
aumento da eficiência dos mercados.
Henriques (1996, p.61) refere-se a um (primeiro?) caso de um empreendedor angolano
bem-sucedido, Narciso António Paschoal de seu nome, que por volta de 1880 seria
rico em virtude de uma impressionante atividade empreendedora. Este caso é
efetivamente um caso emblemático pois trata-se de uma figura que espelha já todas as
características associadas ao empreendedor atual na literatura do século XXI.
Um outro caso interessante é o do mestiço Lourenço Bezerra que, na mesma segunda
metade do século XIX, desenvolve intensa atividade empreendedora em Angola. Entre
outros negócios e iniciativas, “as plantações de tabaco que desenvolve são a prova do
espírito empreendedor e das práticas modernizantes deste comerciante africano”
(Henriques, 1996, p.61).
Não subsistem, portanto, dúvidas sobre a emergência de um empreendedorismo em
Angola durante a segunda metade do século XIX nem sobre o carácter moderno dos
empreendedores dessa época. “Esses homens que dirigem «empresas» comerciais,
organizam os diferentes fatores de produção […] inventado soluções e produções de
forma a responder a solicitações exteriores, constituem as primeiras formas de
empresariado africano […] põem em evidência o dinamismo, a flexibilidade, a vontade e
a capacidade de modernização das sociedades africanas” (Henriques, 1996, pp.64-65).
2.3. Empreendedorismo angolano pré-independência
O período histórico tratado na presente secção ocupa, grosso modo, os primeiros três
quarteis do século XX.
Este período começa com o regicídio de D. Carlos I e do herdeiro ao trono de Portugal, a
1 de fevereiro de 1908, e a subsequente implantação da República a 5 de outubro de
1910. Seguiu-se o período histórico da I República, que termina com um golpe de Estado
a 28 de maio de 1926.
Estas transformações políticas na metrópole vão ter um impacto profundo na orientação
política e na forma de administração das “províncias ultramarinas”, reduzindo
substancialmente a autonomia de que historicamente gozavam as colónias portuguesas.
Não cabe no âmbito do presente trabalho uma discussão sobre a doutrina fascista para
a gestão colonial, com destaque para a nova abordagem ao racismo que vai incluir uma
série de exposições públicas e de monumentos visando construir uma memória oficial da
história desta província ultramarina (Ball, 2018) assim como um reordenamento do
território e relocalização forçada de populações nativas (Coghe, 2017; Cruz, 2019) assim
como o trabalho forçado, o castigo coletivo e as deportações (Keese, 2015; Neto, 2019).
Compete apenas salientar que uma interrupção no desenvolvimento do
empreendedorismo, tal como vinha acontecendo desde meados do século anterior, com
fortes consequências sobre a possibilidade de acumulação de capital dos povos africanos.
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Conjugadamente, estes fatores favoreceram o desenvolvimento do “pan-africanismo”
nas colónias portuguesas, a antítese encontrada para o recrudescimento do imperialismo
lusitano, em Angola e nos demais territórios portugueses em África.
O pan-africanismo é “provavelmente, o movimento político mais inclusivo do seu tempo.
Foi uma espécie de nacionalismo unindo todos aqueles que achavam que África deveria
recuperar o controlo da sua própria terra aliando-se aos descendentes de escravos
africanos do Novo Mundo que ainda eram objeto de exclusão racial lá” (Hart, 2007, p.95).
Durante este período, observa-se então a instituição da “economia informalcomo (nova)
forma de prosseguimento do empreendedorismo, não um empreendedorismo de
oportunidade, por força do devir histórico, mas essencialmente um empreendedorismo
de sobrevivência, fruto da exclusão económica e do agravamento das desigualdades
sociais.
Trata-se de um fenómeno que se começa a desenhar com a revolução urbana ocorrida
em África na dinâmica histórica século XX e que tem o seu apogeu na transição da social-
democracia para o neo-liberalismo, já em período pós-colonial (Hart, 2007, p.97).
Grassi (1998) infere que sendo “a realidade económica predominante, em muitos países
da África subsariana, […] o mercado informal, é neste espaço que, provavelmente,
embora não exclusivamente, se tem que procurar o empresário africano emergente”.
Lopes (2007, p.40) confirma explicitamente a existência de uma economia informal pré-
independência na cidade de Luanda. Essas “actividades informais desempenhavam uma
função estritamente subsidiária do sector formal da economia, dominante, estruturante
e dotado dos indispensáveis mecanismos de controlo e regulação. A economia informal
de Luanda restringia-se às atividades artesanais tradicionais, à prestação de serviços
nomeadamente serviços domésticos , ao comércio ambulante, ao comércio à porta de
casa, aos mercados dos musseques e às atividades relacionadas com construção de
habitação das populações autóctones na sua periferia”.
Embora não existam (naturalmente) estatísticas oficiais que permitam dimensionar o
fenómeno com precisão absoluta, a mesma fonte, citando dados de 1995, refere que “a
economia informal de Luanda assegurava, de forma exclusiva, a subsistência de 42%
das famílias luandenses, representando 56% da população economicamente ativa
(população de 10 anos de idade ou mais) na capital angolana” (Lopes, 2007, p.39).
Vários outros estudos, citados na mesma obra, permitem estimar que a economia
informal representaria cerca de 50% do sector não petrolífero angolano neste período,
com tendência para estabilizar em torno deste percentual, apesar de vários aumentos e
recuos até ao momento atual.
Fora da economia informal, Rodrigues (2008), utilizando dados recolhidos por Rela
(1992), salienta que, em 1955, três quartos das 1.810 empresas com atividade registada
em Angola encontra-se ligada à produção agrícola e a atividades semi-artesanais, como
moagens, padarias e marcenarias. Empresas marcadamente industriais não seriam mais
de 12, quase todas situadas em Luanda.
A mesma fonte refere que “após a segunda guerra mundial, o aumento da importância
do porto de Luanda que passa a concorrer com o maior existente até à data, o do
Lobito associado ao incremento da atividade comercial, tornam Luanda um local
atraente para a implantação de indústria” (Rodrigues, 2008, p.194)
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Em 1962, o mesmo trabalho (p.190) refere que o mero de empresas a funcionar em
Angola teria crescido para 2.057 (13,64%) e o número de empresas com atividade
industrial para 19 (58,33%).
No período de 1962 a 1973, nas vésperas da independência, “a produção industrial
angolana cresceu a um ritmo bastante elevado cerca de 15% ao ano e em 1973 a
produção industrial encontrava-se ligada à indústria ligeira, concentrando-se no ramo da
alimentação (27,4%), das bebidas (11,3%), dos têxteis (12,4%), da indústria química
(11,7%) e no sector metalo-mecânico (6,4%) (Rodrigues, 2008, p.190).
Utilizando dados de Ferreira (1999), Rodrigues (2008, pp.190-191) refere que, aquando
da independência, existiriam 3.846 empresas na indústria transformadora angolana.
No entanto, a dependência externa é de cerca de 50%, sobretudo de produtos semi-
acabados e de matérias-primas.
O que não fica claro, nesta análise, é o peso do empreendedorismo em toda esta
atividade empresarial, por virtude do condicionalismo industrial e agrícola vigente no
império português. De facto, neste período histórico, o empresariado da época pouco
tem que ver com aquele que foi descrito no período histórico anterior.
Outro elemento económico relevante deste período é a generalização do trabalho infantil
em Angola, que se instala paulatinamente desde a proibição total do comércio ilegítimo
e que vai suportar o desenvolvimento das grandes atividades extrativas, nomeadamente
no setor diamantífero (Cleveland, 2010).
2.4. Desenvolvimento do empreendedorismo no período pós-colonial
Lopes (2007, pp.37-38) refere que, até aquela data, se poderia falar de cinco fases
distintas no processo histórico da economia angolana: (i) o período de transição para a
economia centralizada (1975-1977), caracterizado por nacionalizações e criação de
monopólios estatais; (ii) o período da centralização económica e da regulação
administrativa do sistema económico (1977-1987); (iii) o período embrionário da
transição para a economia de mercado (1987-1992), caracterizado pela liberalização
progressiva da economia; (iv) o período da continuidade condicionada (1992-2002),
condicionado pelo esfoço de guerra; e (v) o período da estabilização macroeconómica em
contexto de paz, que correria desde 2002.
Olhando para este percurso, parece claro que se pode voltar a falar de (verdadeiro)
empreendedorismo em Angola, no sentido vigente durante a segunda metade do século
XIX, a partir de 2002 e, mesmo assim, corrigido do fenómeno de informalização
económica.
As condições de dependência económica externa que já eram visíveis no final do período
colonial vão condicionar a trajetória económica do país no período pós-independência.
“[…] os aspetos socioculturais constituíram os fatores determinantes de estagnação das
atividades produtivas em Angola: a fraca qualificação da mão-de-obra, o carácter
“externo” do investimento e do desenvolvimento industrial […] a falta de “cultura
industrial”, fatores estes que aliados à centralização económica e à subsequente
incapacidade de gestão económica e à guerra que se iniciou após a independência,
criaram o cenário industrial existente até ao início dos anos 90 do século XX” (Rodrigues,
2008, p. 191).
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ainda a interferência de um elemento geopolítico (externo) fundamental que vai ter
um impacto determinante nas opções de política económica e do grau de liberalização
económica seguidos em Angola, a guerra fria, que é exportada para Angola a um vel
sem precedentes no continente africano (Sá, 2019).
A partir dos mesmos dados, podemos constatar que uma década após a independência,
o número de empresas em laboração tinha decrescido de 4.000 para apenas 280, fruto
da orientação económica marxista-leninista implementada no país e de um movimento
migratório em larga escala de pessoas que fogem da guerra civil que se instala no país
(e.g. Schenck, 2016).
Da análise efetuada a estas fontes, é possível perceber outros fatores com impacto
significativo sobre a redução da atividade empreendedora até 1990: “dificuldade de
obtenção de matérias-primas e energia, [e] degradação dos equipamentos existentes”
(Rodrigues, 2008, p. 193) como consequência do conflito armado e do modelo económico
adotado.
A guerra civil angolana e os seus efeitos devastadores sobre a frágil economia do país
aceleram o fim do marxismo e a transição para um sistema económico mais aberto e
liberal no período 1987-1992 (Pryor, 2005).
Ainda sobre a década de 1990, importa referir o estudo de Reis (1996) que permite obter
alguma informação sobre, entre outros aspetos, as motivações empreendedoras e a
caracterização da base empreendedora dos PALOP, entre os quais, Angola.
Os dados recolhidos entre 1991 e 1994 permitem concluir que as principais motivações
empreendedoras em Angola, naquele período, eram: “dar segurança à mulher e aos
filhos”, “contribuir para o bem-estar dos familiares” e “continuar a aprender”. Sobre os
valores e a cultura, foi possível concluir que os empresários angolanos concordavam que
“a mudança de status social está ao alcance de todos”. Olhando para os resultados no
seu conjunto, parece que havia uma certa ambivalência na lógica empreendedora, entre
a sobrevivência, o bem-estar e a ascensão social.
A atividade empreendedora evolui em Luanda de forma significativa: em 1997 existiam
611 empresas industriais registadas e no ano seguinte o número ascende a 637, de
acordo com dados do INE de Angola, citados por Rodrigues (2008, p. 203).
A partir de 2002, a situação é de outra envergadura. Graças a uma nova forma de
registo empresarial, o REMPE, contam-se 10.609 empresas registadas em Luanda, das
quais 1.042 da indústria transformadora.
A mesma fonte informa-nos ainda que, entre 2003 e 2004, um enorme crescimento
da produção de peixe congelado, de peixe seco e de sal comum, verificando-se um
retrocesso apenas na produção de peixe artesanal (Rodrigues, 2008, p. 209).
Fonseca-Statter (2008, pp.52-61) refere-se à situação aos anos de 2004-2005, tentando
caracterizar especificamente o empreendedorismo de oportunidade em Angola (e em
Moçambique também).
Em concreto, salientam-se as seguintes conclusões: um predomínio de empresários
oriundos do sector público; um predomínio de empresários “crioulos”; um desconforto
desses empresários relativamente à falta de eficiência da administração pública; a
constatação de um elevado nível de desemprego e de mercados caracterizados por uma
reduzia dimensão.
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Em paralelo, os mesmos empresários apresentavam como objetivo explícito a
diversificação e a expansão sofrendo, consequentemente, da insuficiência de fundos
próprios e da dependência de acesso a fontes de capital alheio como o bancário e o
capital de risco, bem como da falta de mão-de-obra qualificada.
A mesma fonte nota em Angola um ambiente “de quase euforia e ambição, mitigada no
entanto por sentimentos de frustração face a dificuldades encontradas” levando a um
modelo de “reconstrução nacional auto-centrada (do estilo “aqui há de tudo”)”.
Anjos (2009) nota que, de acordo com o relatório “Doing Business 2008” do Banco
Mundial, Angola tem um desempenho empreendedor inferior à média dos países
produtores de petróleo e dos países lusófonos, sendo o 167º entre 178 países estudados.
Como principais barreiras ao empreendedorismo, salientam-se o tempo de criação de
uma empresa e as dificuldades de cumprimento dos vários requisitos administrativos. O
impacto da corrupção, sustentado por dados do Fundo Monetário Internacional, também
é mencionado, sendo considerado uma das mais importantes barreiras ao
desenvolvimento do empreendedorismo.
Ekungu (2016) identifica que o empreendedorismo é tão central para o desenvolvimento
económico dos países africanos que as próprias Nações Unidas, através da ONUDI,
começaram a trabalhar com estes países no sentido do empreendedorismo ser
introduzido no curriculum do ensino secundário.
No caso de Angola, tal trabalho começou a ser feito a partir de 2004, tendo havido um
reconhecimento formal da sua importância em junho de 2007 com a aprovação do
programa nacional “Educação Empresarial no Ensino Secundário em Angola”, que veio a
ser efetivado no ano letivo de 2011 através da publicação do Despacho n.º 214-A/10 do
Ministério da Educação a 5 de novembro de 2010.
2.5. Empreendedorismo no período contemporâneo
O período 2002-2013 é, sem vida, o período de maior expansão do empreendedorismo
no país, devido ao crescimento económico contínuo e a um ambiente de quase euforia
social, mas é também um período de apropriação e mesmo de confisco dos principais
ativos do país por parte da elite política, criando um “empreendedorismo de Estado”
(Ovadia, 2018).
Em meados de 2014, inicia-se uma queda acentuada e persistente do preço de petróleo
nos mercados internacionais provocando uma profunda crise financeira em Angola e
abrindo as portas a uma transição política “de continuidade” através do anúncio do
Presidente José Eduardo dos Santos, em março de 2016, de que não se recandidataria a
um novo mandato em 2018, pondo fim a 39 anos de exercício desse cargo.
O agudizar da crise financeira atinge o seu pico no final de 2015. Entre novembro e
dezembro desse ano, todos os bancos que vendiam dólares americanos físicos (em notas)
a Angola, exceto um, vêm essa autorização revogada pela Reserva Federal Americana
ao mesmo tempo que Angola é impedida de emitir títulos de dívida soberana em moeda
americana, lançando o país numa crise cambial e de liquidez severa.
Esta crise vai ter, entre muitas outras, duas importantes consequências com impacto
negativo sobre a evolução do empreendedorismo em Angola: em primeiro lugar, um
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aumento da importância da China na economia e nas decisões políticas do país e, em
segundo lugar, uma crise bancária de uma dimensão ainda por conhecer.
Relativamente às relações sino-angolanas, as mesmas remontam ao período da luta pela
independência nacional, tendo a China fornecido apoio financeiro à UNITA até 1970 para
depois focar o seu apoio ao MPLA a partir de 1972 (Garret, 1976). Após a explosão do
crescimento económico chinês como consequência da sua adesão à Organização Mundial
de Comércio, as necessidades energéticas chinesas cresceram exponencialmente e a
importância de Angola para a satisfação dessas necessidades tornou-se especialmente
relevante. Em 2007, a China ultrapassou os EUA enquanto principal importador de
petróleo angolano e em 2008 Angola representava 18,2% do total das importações de
petróleo chinesas, tendo atingido 204 milhões de toneladas em 2009 (Burgos & Hear,
2012). Entre 2016 e 2018, a China torna-se o principal financiador da economia
angolana, trocando produtos e serviços diretamente por petróleo, sem circulação de
liquidez pela economia angolana. Esta troca, cujos termos concretos nunca foram
divulgados, vai tornar inviáveis muitas das existentes e potenciais iniciativas
empreendedoras angolanas que os bens e serviços chineses são fornecidos e prestados
diretamente por empresas chinesas utilizando uma esmagadora maioria de mão-de-obra
e de matérias-primas trazidas diretamente daquele país.
Relativamente ao sistema bancário, o mesmo desenvolveu-se durante a fase de
crescimento económico acelerado (2002-2013) numa lógica de financiamento do acima
aludido “empreendedorismo de Estado”, enquanto durou a consolidação oligárquica da
elite dominante do MPLA (Ferreira & Oliveira, 2018), que elevou Angola à categoria de
cleptocracia tal como o escândalo do “Luanda Leaks” noticiou em janeiro de 2020,
revelando o contributo das filiais de três bancos angolanos em Portugal em diversas
operações de branqueamento internacional de capitais sob investigação de diversas
autoridades europeias. Com a crise financeira iniciada em 2014, muitos desses bancos,
fortemente endividados no mercado internacional em dólares para financiar inúmeros
projetos imobiliários de elevada envergadura, entram em situação de iliquidez e deixam
de ter condições para financiar o empreendedorismo nacional e local, mesmo a taxas de
juro de dois dígitos. E até mesmo aqueles empreendedores que tinham adquirido
alguma capacidade financeira por virtude da consolidação da sua operação comercial
doméstica durante o período anterior, ficam impedidos de adquirir matérias-primas no
mercado internacional por falta de acesso a divisas, levando à derrocada da maioria
dessas iniciativas.
Conclusão e reflexão sobre o futuro
O presente trabalho tinha como objetivo dar uma perspetiva histórica sobre o percurso
do empreendedorismo em Angola, valorizando a sua dimensão geográfica e o
enquadramento histórico do próprio empreendedorismo, enquanto conceito, enquanto
realidade económica e enquanto objeto teórico.
A ambição era, naturalmente, a de ser apenas um estudo exploratório devido à relativa
escassez de fontes de informação sobre um tema, porventura, demasiado específico.
Apesar destas limitações, foi possível, ainda assim, retirar algumas conclusões
interessantes sobre este assunto.
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Em primeiro lugar, nota-se que o conceito de “empreendedorismo” nasce fora do
mainstream teórico, mesmo para os padrões do século XVIII, e que em larga medida foi
sempre muito mais um conceito dos “práticos” do que dos “académicos”, até
praticamente ao século XXI.
O contexto do empreendedorismo africano é, atualmente, o de um empreendedorismo
de sobrevivência, dadas as vicissitudes do processo histórico que impediu este
continente, com poucas exceções, de aceder a infraestruturas científicas e tecnológicas
que o suportem convenientemente.
Foi possível também identificar, com recurso a várias fontes, que esse
empreendedorismo está muito ligado em cerca de 50%, com base em estimativas
diversas feitas nomeadamente em Angola à chamada “economia informal” um processo
histórico de desestruturação económica decorrente da revolução urbana ocorrida em
África durante o século XX.
Sobre o desenvolvimento do empreendedorismo em Angola, concretamente, foi possível
situar a génese deste fenómeno no último quartel do século XIX, no contexto que se
estabelece naquele país a partir do fim da exportação de escravos e florescimento do
comércio legítimo.
Conseguiu-se identificar um empreendedor individual com especial interesse histórico,
por ser certamente um dos primeiros empreendedores africanos bem-sucedidos, do
ponto de vista empresarial, em Angola. Trata-se de Narciso António Paschoal e o seu
relato situa-o em 1880. Não será certamente um estereótipo mas a sua história
comprova as possibilidades que se abriam aos empreendedores angolanos nesse período.
A análise ao empreendedorismo angolano no período entre finais de século XIX e 11 de
novembro de 1975, data da independência daquele país, é prejudicada por uma
dificuldade de acesso a fontes de informação.
No entanto, foi possível concluir que as transformações políticas ocorridas na metrópole
na viragem de século, culminando no golpe de Estado de 28 de maio de 1926, vão levar
a um (quase) desmantelamento da base empreendedora africana em Angola, e mesmo
a de origem portuguesa é fortemente limitada pelo condicionamento industrial e agrícola.
A independência de Angola não melhorou o contexto empresarial do país, dada a
instabilidade em que o mesmo submerge fruto da guerra civil que lhe sucede e da opção
política de alinhamento com o bloco comunista liderado pela União Soviética.
Até 1992, só não se pode falar de um retrocesso na atividade empreendedora devido ao
aumento espetacular da economia informal. A partir daqui, em contexto pós-queda do
Muro de Berlim e nos escombros do primeiro processo de paz, existe uma inversão de
tendência.
Outra conclusão deste trabalho é que se pode verdadeiramente falar de
empreendedorismo em Angola a partir de 2002. No entanto, o período histórico que terá,
porventura, terminado em 2014, apresenta como desafio central o combate à corrupção
tal como tem vindo a ser reclamado por importantes organismos internacionais como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
Fica também provado, com base na ênfase dada por estes organismos ao
desenvolvimento do empreendedorismo, a relevância da sua influência sobre o
desenvolvimento económico.
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Assinala-se, também, o programa de introdução do ensino do empreendedorismo no
sistema de ensino secundário em Angola, a partir de 2011, que terá certamente um
contributo positivo no contexto da nova dinâmica histórica angolana, subsequente à
mudança de presidente recentemente ocorrida.
Relativamente ao período contemporâneo, salienta-se que a crise financeira iniciada em
meados de 2014 tem vindo a ter consequências extremamente negativas sobre o
empreendedorismo angolano, quer pelo lado da “invasão” de empresas chinesas em
todos os setores da economia do país, gerando uma concorrência desleal relativamente
aos empreendedores locais, quer pelo lado do colapso da liquidez do sistema bancário
que deixou de ter condições para alavancar a atividade empreendedora existente ou
emergente, quer ainda pela extrema dificuldade de acesso a divisas para importação de
matérias-primas e serviços fundamentais para as empresas.
Por fim, uma breve reflexão sobre cenários de desenvolvimento futuro do
empreendedorismo em Angola, sendo certo que, no curto prazo, todos os fatores que
têm contribuído negativamente para a situação atual agravar-se-ão ainda mais em
virtude da crise pandémica gerada pelo Covid-19 em meados de março de 2020. Num
plano de médio e longo prazo, é previsível que o empreendedorismo aumente de
importância e de peso na geração de riqueza nacional já que não existem alternativas à
estratégia de diversificação económica do país, por um lado, e que as condições de
investimento direto estrangeiro não serão atrativas num previsível contexto de maior
eficiência dos mercados e de menor intervenção política na economia, por outro. Nesse
cenário, e considerando ainda que o saneamento financeiro do país ocorrerá de forma
efetiva embora gradual, Angola poderá contar, entre outros elementos que foram
importantes no passado recente, como a ambição e o otimismo dos seus
empreendedores, com a capacidade criativa dos recursos humanos do país (De Clercq &
Pereira, 2019), com a sua privilegiada localização costeira e com a sua baixa
heterogeneidade étnica (Decker, Estrin & Mickiewicz, 2020), elementos que poderão
atenuar o défice de qualificações e de capacidade científica e tecnológica do país.
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A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO LATINO-AMERICANO
NA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS PMEs PORTUGUESAS
André Brás-dos-Santos
Bras_dos_santos.a@hotmail.com
Doutorando em História pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL, Portugal), Mestre em
Desenvolvimento e Cooperação Internacional e Licenciado em Gestão. Colaborador do Centro de
Investigação em Ciências Históricas (CICH) e do Centro de Estudos de História Empresarial
(CEHE) da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). Tem tido uma ligação às PMEs portuguesas e
à internacionalização do tecido empresarial português por via profissional e da investigação
universitária. Geriu um projeto ligado à “Rede PME Inovação” da COTEC Portugal, esteve
presente em várias missões empresariais através da Associação de Jovens Empresários Portugal-
China, foi consultor do sector agroindustrial.
Joaquim Ramos Silva
jrsilva@iseg.ulisboa.pt
Professor Catedrático, Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade de Lisboa
(Portugal). Doutor em “Analyse et Politique Économiques” pela École des Hautes Études en
Sciences Sociales, Paris. Membro do SOCIUS/CSG Ciências Sociais e Gestão, um Centro de
Investigação FCT. A sua pesquisa tem focado vários tópicos da economia internacional e realizou
estudos sobre as economias global, europeia, portuguesa e brasileira com ênfase no processo de
internacionalização das empresas e no desenvolvimento e caraterização das relações económicas
entre Portugal e o Brasil. Autor de numerosas publicações, onde se destacam capítulos de livros
e artigos em revistas com avaliação de pares, sendo de referir, entre outras, as publicadas em
Tourism Management, Business Process Management Journal, Journal of Business Economics and
Management, Journal of Enterprise Information Management, and WMU Journal of Maritime
Affairs.
Resumo
À luz da transformação sofrida na última década pela economia portuguesa, onde a
internacionalização das empresas portuguesas através das exportações teve um crescimento
considerável, reduzindo a importância da procura interna como a principal variável na
contribuição para o PIB, este trabalho aborda o papel das PMEs nesta transformação
económica, analisando o caso da sua internacionalização para o espaço latino-americano. O
estudo baseia-se numa análise empírica dos dados resultantes de um inquérito realizado em
2014, período em que se começou a tornar clara a evolução referida, tendo sido validadas as
respostas de 50 PMEs portuguesas internacionalizadas para a América Latina. Por fim, e com
foco nesta investigação, o processo foi correlacionado com as principais teorias de
internacionalização, abrindo-se caminho para estudos mais aprofundados e
metodologicamente fundamentados sobre esta relação com potencial, mas ainda pouco
analisada no âmbito da economia portuguesa.
Palavras chave
PMEs, América Latina, Internacionalização portuguesa, Exportações, IDE
Como citar este artigo
Brás-dos-Santos, André; Silva, Joaquim Ramos (2020). "A importância do espaço latino-
americano na internacionaloização das PMEs portuguesas". JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 11, N.º 1, Maio-Outubro 2020. Consultado [em linha] em data
da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.6
Artigo recebido em 7 de Agosto 2019 e aceite para publicação a 10 de Março de 2020
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A importância do espaço latino-americano na internacionalização das PMEs portuguesas
André Brás-dos-Santos; Joaquim Ramos Silva
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A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO LATINO-AMERICANO
NA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS PMEs PORTUGUESAS
André Brás-dos-Santos
Joaquim Ramos Silva
1. Introdução
A última década apresentou um conjunto de profundas alterações na economia
portuguesa, sobretudo considerando os dois marcos mais negativos da recente história
económica portuguesa: a crise económica mundial desencadeada em 2008 e o posterior
pedido de resgate ao FMI em 2011. Deve ser assinalado que o produto interno bruto
português se apresentou recessivo no período de 20102015 com um valor próximo de
-1%
1
. Com efeito, o crescimento económico do país encontrava-se assim em contraciclo
relativamente à recuperação verificada na maioria dos países europeus, os quais
apresentaram uma taxa média de crescimento, modesta mas efetiva, de 0,6% no mesmo
período. Todavia, a partir de 2014, o PIB português retomou gradualmente o
crescimento, com destaque para os anos 20162018 (respetivamente, 1,9%; 2,8%;
2,2%), chegando mesmo a superar, depois de um longo período de não convergência, a
taxa média de crescimento do PIB da União Europeia
2
.
Ainda que as mudanças na economia portuguesa não se tivessem confinado ao setor
externo, o processo da última década foi acompanhado por importantes alterações a este
nível. Assim, a balança corrente do país registou uma modificação fundamental no seu
desempenho, sendo que até ao final da primeira década do séc. XXI, se apresentava
claramente deficitária (atingindo mesmo um défice de 10,2% do PIB em 2010),
evidenciando um modelo económico assente na expansão da procura interna à base de
importações. Ora, a partir de 2013, a economia portuguesa infletiu esta trajetória
deficitária e exibiu um excedente na balança corrente (que representou 1,6% do PIB em
2013)
3
, sugerindo uma viragem para um modelo de crescimento apoiado numa
internacionalização do tecido empresarial. De 2013 a 2017, a referida balança registou 5
anos consecutivos com superavit, respetivamente, em percentagem do PIB, de 1,6%;
0,1%; 0,1%; 0,6%; 0,5%
4
, valores numéricos pouco significativos, mas assinaláveis do
ponto de vista da tendência histórica. É certo em 2013-14, o excedente da conta corrente
pode ainda ter resultado da quebra nas importações provocada pela crise e as medidas
1
Fonte: UNCTAD database 2018 (Gross domestic product: Total and per capita, growth rates, annual, 1970-
2016).
2
Fonte: Pordata 2019.
3
Fonte: UNCTAD database 2018 (Balance of payments, Current account balance, annual, 1980-2016).
4
Fonte: Pordata 2019.
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que lhe estiveram associadas, mas a sua persistência ao longo de um período mais vasto
e conjunturas económicas diversas pode criar condições para mudanças mais estruturais.
Importa sublinhar que, à luz da experiência das últimas décadas, e no sentido de uma
aproximação ao modelo existente em economias comunitárias com dimensão
comparável, a modificação verificada ao nível da balança corrente (que, aliás, se podia
ilustrar a outros níveis das contas externas como a balança de bens e serviços, que
melhorou substancialmente o seu saldo, ou da balança financeira; Silva, 2019: 72-3) foi
uma das principais transformações da economia portuguesa no período em análise,
embora só a prática futura nos possa dizer se se trata de uma viragem estratégica, que
reduza os tradicionais constrangimentos externos. Por outro lado, este processo levou a
um aumento da internacionalização por parte do tecido empresarial induzido por fatores
conjunturais como a falta de estímulos internos, traduzida em especial pela forte quebra
da procura doméstica nos anos 2011-2013, correspondente a -5,5%, -7,3%, -2,5%
,
respetivamente em termos de variação homóloga (quadro 1) e a falta de crédito que
afetou de forma latente a indústria portuguesa, com destaque para as suas Pequenas e
Médias Empresas (PMEs)
5
. A este propósito foi salientado como as estimativas relativas
à margem extensiva e intensiva sugerem que uma fração significativa das PMEs
portuguesas foi afetada por restrições de financiamento. Os resultados sugerem ainda
que as empresas mais pequenas e mais jovens foram as mais afetadas” (Farinha e Félix,
2014: 16).
Quadro 1 Indicadores da economia portuguesa 2010-2018: variação anual da procura interna e
das exportações
Fonte: Boletim Económico de primavera do Banco de Portugal, anos 2010-2018 e Pordata,
tratado pelos próprios autores.
Tendo em conta os objetivos deste artigo, partindo do que foi anteriormente assinalado,
importa ir mais além no estudo da internacionalização da economia portuguesa, focando
as PMEs, visto que estas são um seu pilar fundamental (quadro 2). Sem querermos
menosprezar o papel e o potencial das grandes empresas nem a diversidade dentro das
PMEs, importa realçar que a internacionalização tem um grande impacto no desempenho
económico destas empresas, nomeadamente na introdução de novos produtos e serviços
nos setores em que se inserem, bem assim como as PME internacionalizadas têm uma
maior propensão para internalizar processos mais ativos de inovação, relativamente às
que só atuam no mercado doméstico (European Commission, 2010).
5
Consideramos PMEs a partir da definição europeia inscrita na recomendação da Comissão 2003/361, a qual
integra neste conjunto as empresas que têm menos de 250 trabalhadores, um volume de negócios inferior
a 50 milhões de euros, um balanço total inferior a 43 milhões de euros; para um panorama mais detalhado
sobre a importância das PMEs em Portugal, ver Silva e Simões, 2012: 824.
Anos 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
PIB (%) 1,9 -1,3 -4 -1,6 0,9 1,8 1,9 2,8 2,1
Contribuição da procura interna no PIB 0,4 -2,9 -7,6 -2,5 0,3 1,1 0,9 1,3 1,3
Contribuição das exportações no PIB 1,5 1,7 3,6 0,9 0,6 0,6 0,9 1,5 0,8
Procura interna variação anual (%) 1,9 -5,5 -7,3 -2,5 2,2 2,7 2 3 2,8
Exportações (peso no PIB em %) 30,1 35 38,2 40,3 40,9 41,2 40,7 43,3 (prov.) 44,3 (prov.)
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Quadro 2 Estrutura das PMEs e das Grandes Empresas no tecido empresarial não financeiro
português
Fonte: INE - Estatísticas das empresas 2016, e tratado pelos próprios autores.
Este trabalho visa assim aprofundar as investigações que têm vindo a ser efetuadas sobre
a internacionalização das empresas portuguesas. Em particular, analisamos aqui a sua
orientação para os países latino-americanos (com foco no caso dos países ibero-
americanos),
6
por se tratar de um espaço próximo em termos linguísticos e da partilha
histórica com Portugal, e por se ter verificado um incremento do potencial económico
desta região desde o começo do século. Por estes fatores, e embora esta região do mundo
esteja longe de ser homogénea (gráfico 1), os mercados latino-americanos são
importantes para as empresas portuguesas, em especial as PMEs, e mesmo em geral
para a economia portuguesa em busca de uma maior diversificação das suas relações
externas.
Gráfico 1- Países Latino-americanos: Tendências de crescimento, 2009-2017 (Taxa de
variação homóloga do PIB trimestral, entre o 1º trimestre de 2009 e o 1º trimestre de 2017)
Fonte: CEPAL Panorama Económico y Social de la Comunidad de Estados Latinoamericanos y
Caribeños, 2017.
Procuramos assim trazer um novo ângulo para a investigação sobre internacionalização
das PMEs portuguesas, sabendo que existe uma escassez de estudos sobre a questão da
análise das relações económicas externas de Portugal com o espaço Latino-Americano
(Silva, 2008), sobretudo se excluirmos o Brasil, bem como os seus resultados são ainda
pouco divulgados. Para a construção e validação deste estudo, partimos de um conjunto
de questões: Quais as principais dificuldades e exigências que as empresas depararam
6
A questão será detalhada adiante, na secção 3. Tendo em consideração que os problemas atinentes às
relações económicas entre Portugal e Espanha têm um contexto muito diferente comparativamente ao dos
países congéneres americanos, a Espanha não será assim considerada para efeitos do tema central deste
trabalho, ao que iremos abordar o seu caso, na conjuntura do processo de integração ibérica na
Comunidade Europeia, e dentro dos posteriores passos que foram dados com vista a uma integração
Iberoamericana, na medida em que estes processos (integração económica) são relevantes no âmbito das
relações entre Portugal e os países latino-americanos.
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ao entrar nestes mercados? Qual o processo internacionalização que seguiram? Que tipos
de apoios tiveram e como os avaliam? Ao nível da metodologia, este nosso trabalho
baseia-se na análise de séries estatísticas, mas sobretudo tem por base um inquérito
direto realizado em 2014 a um conjunto significativo de PMEs portuguesas que se
internacionalizaram para este espaço, reforçando-se assim através uma base empírica
de relevo o estudo do processo de transição para uma maior internacionalização da
economia portuguesa.
Tendo em conta a caraterização da economia portuguesa até meados dos anos 2010 que
acabámos de fazer, particularmente ao nível das suas relações externas, e os objetivos
desta investigação, relacionados com a internacionalização das empresas portuguesas,
em particular das PMEs para a América Latina, o artigo prossegue através de várias
secções. Na secção 2, apresentamos um breve enquadramento teórico, expondo as
principais teorias relativas ao comércio internacional e o investimento direto estrangeiro
(IDE), com pertinência para o caso estudado. Na secção 3, abordamos a questão do
Espaço Ibero-Americano, considerando o conjunto destas nações, e os contextos de
integração em que estão envolvidas, em particular o da União Europeia para Portugal e
Espanha, um vetor importante, pois regula uma boa parte das relações em estudo. A
secção 4 é essencial no âmbito deste artigo, visto que apresenta o inquérito realizado às
PMEs portuguesas na sua internacionalização para a América Latina, refere a metodologia
que foi seguida, sublinha os resultados que foram alcançados, comentando-os e
extraindo um primeiro conjunto de conclusões sobre o processo estudado. Finalmente, a
secção 5, sintetiza as conclusões fundamentais e enumera algumas direções para o
prosseguimento da pesquisa.
2. Enquadramento teórico
Considerando a importância que os processos de internacionalização assumiram nas
últimas décadas para a generalidade das economias, impõe-se uma apresentação das
teorias que os explicam, em particular no que diz respeito aos seus fluxos mais
significativos e de maior impacto: comércio externo e investimento direto estrangeiro. É
o que fazemos, seguidamente, de uma forma abreviada e focando o essencial.
Basicamente, de acordo com as principais teorias sobre comércio, a internacionalização
das economias passa por um processo que leva à sua especialização em determinados
bens ou produtos, baseada em vantagens que o país dispõe, criando condições para a
troca entre parceiros, através de uma maior eficiência que se traduz num aumento do
output (com os mesmos recursos) a ser partilhado. Essa abordagem foi central nos
autores clássicos da ciência económica, nomeadamente Adam Smith na sua obra Riqueza
das Nações (1776), cuja lente utilizava o que viria a ser designado como Teoria das
Vantagens Absolutas. Segundo Smith, os países deviam especializar-se nas produções
que tivessem menor custo (medido pelo custo do trabalho, o único fator de produção
considerado pelos autores clássicos). Todavia, de acordo com esta teoria, ao
considerarmos dois países, se um tivesse menores custos em todas as produções
relevantes, não teria o menor interesse em realizar comércio com o outro e não haveria
especialização internacional. Esta limitação vai ser ultrapassada por David Ricardo na sua
obra de referência Princípios de Económica Política e Tributação (1817), o qual através
da Teoria das Vantagens Comparativas, reformula a questão noutros termos,
justificando-se o comércio mesmo para o caso em que um dos países dispusesse de todas
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as vantagens absolutas de custo na produção de bens. Os países deviam antes
especializar nas produções que tivessem menor custo relativo (e não absoluto),
concentrando-se no que faziam de modo mais eficiente e abrindo um espaço mais vasto
para o comércio internacional baseado na especialização com benefícios mútuos para as
partes envolvidas. Mais tarde, John Stuart Mill completou a contribuição dos autores
clássicos, chamando a atenção para a Lei da Procura Recíproca, i.e., a relação de troca
está dependente da força recíproca das procuras de cada país em cada produto.
Embora não seja objetivo deste artigo analisar a questão em profundidade,
naturalmente, as posições dos autores clássicos foram submetidas a muitas críticas ao
longo dos últimos dois séculos; por exemplo, especializar-se num ou noutro tipo de bens
pode ter consequências completamente diferentes no longo prazo (a título ilustrativo,
veja-se que certos produtos se situam numa lógica de rendimentos crescentes enquanto
outros na de rendimentos decrescentes, isto é, podendo a prazo originar resultados
completamente diferentes, como foi sublinhado por muitos autores; e.g. Reinert, 2007).
Seja como for, as teorias clássicas permaneceram como um grande referencial para a
internacionalização, quer em termos analíticos quer de política económica, ainda que
muitos dos seus pressupostos iniciais também tenham sido flexibilizados e/ou alterados.
Na via aberta pelos clássicos, um dos principais desenvolvimentos foi o surgimento da
teoria neoclássica do comércio internacional durante a primeira metade do séc. XX, bem
exemplificada pelo Teorema de Hecksher-Ohlin, que teve depois várias extensões. Estes
autores abandonaram uma das hipóteses básicas dos clássicos, considerando não apenas
um fator de produção, mas dois: o capital e o trabalho, explicando a especialização
internacional pela dotação de cada país nestes fatores. No caso de uma maior abundância
de um fator (por exemplo o trabalho) em detrimento do outro, devia o país especializar-
se nos bens intensivos nesse fator, na medida em que, dispondo de uma vantagem de
custo determinada pela sua abundância, era competitivo (Santos, 2014).
Evidentemente, não é nossa intenção apresentarmos aqui em pormenor o
desenvolvimento destas teorias e toda a problemática que criaram (que dominam a maior
parte dos manuais de economia internacional), mas mostrar como as teorias de
internacionalização das economias e das empresas seguem determinadas regras e
princípios, fundamentais para a sua boa compreensão. O mesmo é também válido para
o caso do investimento direto estrangeiro, que ganhou muita relevo nas últimas décadas.
As teorias sobre os movimentos de capital, incluindo o IDE, tiveram um desenvolvimento
mais tardio, pois os autores clássicos postularam a imobilidade internacional deste fator.
Esta premissa foi durante muito tempo aceite, ainda que tal não correspondesse
totalmente aos factos, mesmo em épocas mais recuadas. Assim, será a partir dos
anos 60 e 70 do culo passado, que as teorias sobre os movimentos internacionais de
capitais emergiram de uma forma clara e autónoma e se mostraram aderentes aos fluxos
efetivamente registados (que são aliás muito diversos na sua natureza desde os
financeiros aos empréstimos e ao investimento direto). No âmbito da nossa investigação,
e dada a sua importância para os processos de internacionalização de empresas,
focaremos duas teorias sobre IDE: o Paradigma OLI (ou Eclético) formulado por John
Dunning e o contributo da Escola Nórdica de Negócios.
O Paradigma OLI é um modelo desenvolvido por John Dunning durante a década de 1970,
tendo sido objeto de uma constante reflexão por parte do autor entre os anos 70 e o
início do séc. XXI (Dunning, 2000, 2001), o que conduziu a importantes ajustamentos e
clarificações. O termo Eclético advém do facto deste Paradigma se basear de forma
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combinada nas três principais áreas em que se pode perspetivar o IDE: as vantagens de
propriedade (Ownership Advantages - O) que já existem nas empresas, ou que podem
vir a ser potenciadas na sua expansão internacional; as vantagens de localização
(Localization Advantages - L) que os países ou mercados internacionais podem oferecer
relativamente aos ativos que se deslocam (por exemplo, vantagens decorrentes de
recursos humanos ou naturais que dispõem); e as vantagens de internalização
(Internalization Advantages - I), que correspondem a uma tendência das empresas que
detém vantagens específicas de propriedade com a possibilidade de combinar os ativos
que possuem em diferentes mercados externos, sem passar diretamente pelo mercado.
Apesar do seu ecletismo, na ótica do autor, este paradigma apresenta algumas
limitações, em primeiro lugar o seu foco é destinado às empresas multinacionais, e em
segundo lugar porque o paradigma está limitado à interdependência das suas variáveis
OLI (Santos, 2014).
Neste sentido existe outra abordagem teórica relevante para o nosso estudo, em especial
no que concerne à internacionalização das PMEs. A Escola Nórdica de Negócios ou Escola
de Uppsala que procurou modelar o processo de internacionalização das empresas suecas
na década de 1970, concluindo que se baseia mais numa sequência gradual (Johanson e
Vahlne, 1977, 1990; Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975). Assim, a estratégia de
internacionalização das empresas pode ter mais ou menos fases, inclusive podem-se
verificar “saltos” da sua sequência ao longo do processo de internacionalização (Silva,
2002a: 61), reconhecendo no entanto, que as principais fases são: exportação, agentes
de exportação, subsidiária de vendas, e filial de produção (Johanson e Vahlne 1990;
Santos, 2014). De acordo com este modelo, na fase inicial do processo de
internacionalização, nomeadamente na exportação, as empresas tendem a efetuar
negócios com países ou mercados com uma menor “distância psíquica
7
. Nas fases mais
avançadas do processo de internacionalização, em especial na instalação de uma filial de
produção, a distância psíquica não é um fator tão determinante na estratégia de IDE
das empresas, mas sim, fatores como a dimensão do mercado, ou caraterísticas
específicas desses mesmos mercados, no que concerne à atratividade percetível para o
IDE, podendo essa atratividade estar associada a fatores como as tarifas alfandegárias,
a inserção em grandes espaços económicos, os custos de transporte, ou o poder de
compra a nível interno (Johanson e Vahlne, 1977, 1990; Johanson e Wiedersheim-Paul,
1975).
Relativamente às PME, e contrapondo com a crítica que foi anteriormente abordada no
Paradigma OLI (elaborado a pensar em grandes empresas, com vastos recursos, por
exemplo, com vantagens de propriedade que permitem importantes ganhos em
concorrência imperfeita, ou com vantagens de internalização através de muitas filiais
espalhadas pelo mundo), o modelo da Escola Nórdica de Negócios tem por base uma
teoria que sustenta um modelo explicativo, que tem em conta as caraterísticas de
dimensão e de recursos das PME, em especial no processo inicial da sua
internacionalização (Johanson e Vahlne, 1990).
7
O conceito de distância psíquica foi desenvolvido por Vahlne e Wiedersheim-Paul em 1973, numa obra na
sua língua original e depois desenvolvido em outros trabalhos como por exemplo em Hállen e Wiedersheim-
Paul (1979). Trata-se do somatório de todos os fatores (língua, a cultura, habilitações, sistemas políticos,
história, cultura empresarial) que possam causar entropia na comunicação, circulação e análise da
informação entre países, mercados e empresas, na medida em que se verificam diferenças mais profundas
entre o país de origem e o país recetor do IDE.
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Mais recentemente Johanson e Vahlne (2009) refletindo sobre o modelo da Escola de
Uppsala, destacaram o papel das Redes (Networks) no processo de internacionalização,
onde as empresas que se encontram dentro da Network beneficiam de um contexto de
comunicação e interligação privilegiado, originando relacionamentos em que se partilham
aprendizagens e conhecimento, oportunidades de negócio, e sinergias no processo de
internacionalização (Raposo et al., 2004). No seu conjunto, estes investigadores
remetem-nos ainda para mais uma lacuna a suprir do modelo inicial:
“Quando construímos o nosso modelo original, não estávamos
conscientes da importância do compromisso mútuo para a
internacionalização. Agora, nossa visão é que a internacionalização
bem-sucedida requer um compromisso recíproco entre a empresa e
suas contrapartes (Johanson & Vahlne, 1990; Vahlne & Johanson,
2002)” (Johanson e Vahlne, 2009:1414).
A concluir esta secção, deve-se ainda sublinhar que trabalhos empíricos recentes,
contribuíram para esclarecer importantes questões teóricas relacionadas com a
substância deste trabalho. Por exemplo, os modelos gravitacionais que à partida visavam
explicar o comércio e o investimento internacionais por fatores de natureza física como
a distância geográfica ou então pelo valor da produção, medido pela dimensão do PIB
(Cechella et al., 2009: Cechella et al., 2012), evidenciaram limitações levando a concluir
que este tipo de influências não é hoje tão importante como era no passado ou se julgava
que fosse (Eichengreen e Irwin, 1998), enquanto que fatores como a língua e
proximidades históricas e institucionais têm vindo a ganhar relevância tendo um papel
que não deve de forma alguma ser subestimado (Silva, 2005; Costa, 2005, Cechella et
al., 2014). Para além de outros aspetos, estas considerações implicam que na explicação
dos fluxos internacionais se deve levar também em conta a contributo de outras áreas
científicas, como a história, a ciência política e as relações internacionais que estudam
factos e dimensões que influenciam muitos laços e parcerias que se estabelecem à escala
global.
3. O Mercado Ibero-Americano
3.1. A Natureza Socioeconómica
O Espaço Ibero-Americano é um importante espaço cultural e económico que junta vinte
e dois Estados, dezanove no continente americano, sendo eles: Argentina, Bolívia, Brasil,
Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México,
Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, e Venezuela, mais
os três Estados que compõem a Península Ibérica: Andorra, Espanha, e Portugal, com
duas línguas de origem latina - o português e o castelhano
8
. A população deste espaço
corresponde a cerca de 9% da população mundial, prevendo-se um aumento de cerca
de 90% no período de 1990 a 2030, de 477 milhões de habitantes para 748 milhões de
habitantes. Sendo que a mesma se encontra subdividida num rácio de 33,33% da
8
Conforme consta no site da Secretaria-Geral Ibero-Americana, https://mandatos.segib.org/pt-br
[Consultado em 18/02/2019].
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A importância do espaço latino-americano na internacionalização das PMEs portuguesas
André Brás-dos-Santos; Joaquim Ramos Silva
90
população de países de língua portuguesa, e de 66,67% da população de países de língua
castelhana, com a tendência para um ligeiro aumento do peso da população desta língua,
pois tem crescido a um ritmo mais elevado (quadro 3).
Quadro 3 População Ibero-americana*
* Inclui todos os países deste Espaço, situem-se na Península Ibérica ou no Continente Americano.
Fonte: UNCTADSTAT, e tratado pelos próprios autores.
No que concerne à economia do Espaço Ibero-Americano podemos dividir o mesmo em
três regiões económicas: países Ibéricos, países da América do Sul, e países da América
Central e das Caraíbas. O espaço económico no seu conjunto apresentou um crescimento
constante do PIB e do PIBpc nas duas décadas de 1990 e 2000, com o respetivo
crescimento global do PIB de 34% e 33%. Na década que se inicia em 2010 registou-se
no entanto uma desaceleração do PIB dentro do espaço, com igual reflexo no impacto do
PIBpc bem como uma redução da sua parte em termos do produto mundial
(quadro 4).
Quadro 4 Dados Macroeconómicos do Espaço Ibero-Americano (PIB e PIBpc a preços constantes
de 2010)*
* Dados incluem todos os países deste Espaço, situem-se na Península Ibérica ou no Continente
Americano.
Fonte: UNCTADSTAT, e tratado pelos próprios autores.
3.2. Análise do mercado Ibero-Americano
A natureza do mercado das três regiões que compõem o Espaço é um pouco distinta, em
especial entre os países americanos e os Estados que compõem a Península Ibérica. Para
os primeiros, podemos identificar que uma maior ênfase das atividades primárias e
de extração, bem como na construção, o que revela o gap relativo no desenvolvimento
destas regiões, onde se evidencia a necessidade de edificação de infraestruturas de
suporte às atividades económicas. Comparando com Portugal, notamos ainda que nas
Regiões Americanas existe um peso muito inferior das indústrias e manufaturas. Estas
são algumas das conclusões que podemos extrair através de uma leitura atenta dos
gráficos 2 a 4.
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André Brás-dos-Santos; Joaquim Ramos Silva
91
Gráfico 2- Distribuição das Atividades da Economia Portuguesa pelo Produto Ano 2016
Fonte: PORDATA 2019. Editado pelos autores.
Gráfico 3 - Distribuição das Atividades da Economia dos países da América Latina pelo Produto
Ano 2017
Fonte: CEPAL Anuario Estadístico de América Latina y el Caraíbas, 2018. Editado pelos autores.
Gráfico 4 - Distribuição das Atividades Económicas dos países das Caraíbas pelo Produto Ano
2017
Fonte: CEPAL Anuario Estadístico de América Latina y el Caraíbas, 2018. Editado pelos autores.
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92
De acordo com o que vimos na parte teórica, e analisando a distribuição da produção dos
países da América Latina e Caraíbas pode-se concluir que têm uma forte dotação em
recursos naturais, pelo que não surpreende que as suas exportações tenham um peso
significativo de produtos associados a matérias-primas, o que os torna muito sensíveis
às flutuações dos seus preços nos mercados internacionais. Por exemplo, a quebra na
cotação das commodities” em meados da década de 2010, foi um dos fatores que mais
contribuiu para o fraco desempenho económico em vários países da região, relativamente
à primeira década do séc. XXI.
3.3. A Cooperação Internacional no Espaço Ibero-Americano
O processo de integração do Espaço Ibero-Americano, tem diversos patamares, visto que
se encontra subdividido pelo conjunto das relações de cooperação internacional entre os
Estados. Portugal e Espanha estão num patamar de integração superior, visto que
pertencem à Comunidade Europeia (desde 1986), à União Europeia (desde 1992 com o
tratado de Maastricht), e à União Monetária (desde 1999), tornando-os parceiros de
excelência no que concerne à maioria das políticas internacionais comunitárias,
constituindo em particular um importante fator para o enriquecimento do processo de
aproximação entre a União Europeia e os Países Latino-Americanos (Trein e Guerra
Cavalcanti, 2007). Com efeito, as fortes ligações dos dois países ibéricos à América Latina
são uma das vertentes que mais valoriza o seu posicionamento no contexto europeu.
Não surpreende aliás que a I Cúpula/Cumbre Ibero-Americana
9
tenha sido realizada em
Guadalajara no México em 1991, dando o primeiro passo no processo de integração do
Espaço Ibero-Americano na sua totalidade, poucos anos após a adesão de Portugal e
Espanha à Comunidade Europeia.
Por seu turno, o Mercado Latino-Americano é distinto do ponto de vista da cooperação e
da integração das Regiões da América Central e Caraíbas, e da América do Sul.
Assinalamos em seguida os dois casos mais relevantes sob este ponto de vista. Em 1991,
foi assinado o Tratado do Mercosul, originalmente por quatro países da América do Sul:
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e posteriormente em 2012 aderiu também a
Venezuela, surgindo com o objetivo de promover uma lógica de integração, visando um
mercado ampliado e mais aprofundado, que sirva de plataforma a inserção destes
Estados no mercado global em condições mais favoráveis (Diz e Luquini, 2011; Kegel e
Amal, 2013). Mais recentemente em 2012, foi criada a Aliança do Pacífico, “composta
por Colômbia, Peru, Chile e México, que aglomera países com padrões de inserção
internacional muito próximos, pautados pela liberalização comercial e a assinatura de
tratados de livre-comércio com países desenvolvidos e em desenvolvimento” (Bressan e
Luciano, 2018: 74).
Relativamente às relações institucionais entre a União Europeia e a América-Latina,
importa ainda fazer referência à assinatura do acordo Inter-Regional entre a UE e o
Mercosul, com o objetivo de abranger questões comerciais e económicas, a cooperação
em matéria de integração e de outras áreas de interesse mútuo, de modo a estreitar as
relações entre as duas regiões (Santos, 2014: 24)
10
. No entanto, e de acordo com Diz
9
Tendo sido até ao momento realizadas XXVI Cúpulas/Cumbres, sendo que instituída na IX Cúpula em
Havana, Cuba, no ano de 1999, a Secretaria de Cooperação Ibero-americana (SECIB). Órgão esse que
estipula a verdadeira institucionalidade do sistema ibero-americano (Freres, 2005).
10
Acordo Inter-Regional assinado em 1995, no entanto, o mesmo só foi aprovado pelo Conselho de Ministros
Europeus em 1999.
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e Luquini (2011), não se tem verificado uma grande evolução na integração destes dois
Espaços, sendo que ao longo das duas últimas décadas ocorreram alguns avanços, mas
também se levantaram inúmeros obstáculos ao processo. Todavia, e mais recentemente,
a União Europeia e o Mercosul celebraram um novo acordo no dia 28 de junho de 2019,
que pode levar a uma integração económica entre estes dois espaços, ou seja, como foi
noticiado, “chegaram hoje a um acordo político com vista a um acordo comercial
ambicioso, equilibrado e abrangente. O novo quadro comercial que faz parte de um
acordo de associação mais vasto entre as duas regiões iconsolidar uma parceria
estratégica ao nível político e económico e criar importantes oportunidades de
crescimento sustentável para ambas as partes”
11
. Independentemente deste passo em
frente, convém lembrar que o processo conducente a maior grau de comércio livre entre
a UE e o Mercosul foi lançado nos anos 1990 e os resultados até hoje foram magros,
12
pelo que o novo acordo deve ser acompanhado com cautela, tanto mais que persistem
dúvidas importantes sobre a sua implementação de parte a parte.
3.4. Portugal e o Mercado Latino-Americano
Importa ainda fazer uma breve análise das relações económicas entre Portugal e os
países latino-americanos.
Como referimos, as exportações têm vindo a ser fundamentais para o desenvolvimento
da economia portuguesa, o país tem vindo a ter um crescimento consolidado das
mesmas, onde podemos observar que o peso das exportações relativamente ao PIB
português tem crescido. Através do quadro 1, verificámos que em 2010, o peso das
exportações (bens e serviços) no PIB apresentava um valor de 30,1%, e que, em 2018,
se previa atingir um valor da ordem de 43,3% do PIB, o que corresponde a uma
verdadeira transformação da economia transacionável portuguesa. No que respeita às
exportações de bens (as que têm maior peso no conjunto), elas apresentam alguma
diversificação das matérias produzidas pela indústria, visto que não existe uma excessiva
concentração em um ou dois produtos principais. Assim podemos identificar as principais
matérias exportadas por Portugal no ano de 2017, em percentagem do total das
exportações: Produtos Petrolíferos Refinados (4,7%), Veículos Automóveis (4,2%),
Componentes Automóveis (4,1%), Calçados de Couro (3,5%), Papel o Revestido
(1,9%), Pneus de Borracha (1,8%), Medicamentos Embalados (1,7%), Assentos (1,7%),
Camisolas de Malha (1,4%), Vinho (1,4%). Sendo que estes dez produtos equivalem a
cerca de 26,4% do total das exportações portuguesas.
13
Analisando agora as exportações portuguesas para o mercado latino-americano,
verificamos que este espaço não tem um grande peso no total das exportações nacionais,
tendo na última década variado entre os 3,1% e os 4% (gráfico 5). Por outro lado, e de
acordo com o quadro 5, na região, os principais países de destino das exportações
portuguesas, o: o Brasil com um peso entre os 1,26% e 1,73%; o México entre os
0,65% e 0,97%; a Argentina entre os 0,15% e 0,36%; o Chile entre os 0,18% e 0,27%;
a Colômbia que apresentou um crescimento nesta década dos 0,06% em 2010 para os
0,18% em 2016; por último, a Venezuela, país onde vive uma vasta comunidade da
11
https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_19_3396 [Consultado em 12/07/2019]
12
Para uma análise da fase inicial deste processo e dos principais problemas que se colocam, bem a sua
permanência e difícil resolução, ver o cap. 3 de Silva, 2002b: 161-202.
13
Conforme os dados retirados no Observatory of Economic Complexity (OEC) -
https://atlas.media.mit.edu/pt/profile/country/prt/ [Consultado em 08/04/2019].
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diáspora portuguesa, que nos últimos anos tem atravessado uma forte crise económica,
com repercussão direta nas exportações portuguesas. Podemos ver que a Venezuela
chegou a absorver 0,64% das exportações nacionais em 2013, e que não vai além de
0,02% em 2017. Apesar de se verificar que o mercado ibero-americano não tem um peso
muito significativo nas exportações portuguesas, o mesmo não deve ser descurado,
muito pelo contrário, pois trata-se de um mercado que permite uma expansão do
comércio externo português. Devido à sua proximidade linguística e cultural latina,
incluindo os movimentos migratórios, cuja influência referimos na parte teórica, mas
também à dimensão do próprio mercado, ambos os fatores o posicionam como um
espaço importante nas futuras estratégias de internacionalização portuguesa.
Gráfico 5 Peso do Espaço Ibero-Americano no Total das Exportações Portuguesas de 2010 a 2017
Fonte: Observatory of Economic Complexity (OEC) 2019. Editado pelos autores.
A este propósito vale a pena referir o exemplo da Espanha, que atualmente é o principal
mercado externo de Portugal com uma quota entre 1/4 a 1/5 das exportações nacionais
(gráfico 5), e onde os últimos 50 anos testemunharam uma alteração radical no contexto
da internacionalização portuguesa. Com efeito, em 1968 a Espanha representava
somente 1,5% das exportações portuguesas, passando a ter um peso significativo nas
mesmas no pós-adesão à CEE, em 1986, verificando-se no ano de 1988 já atingiam um
peso de 11,2% e em 1991 de 14,9% (Silva, 1993: 182). Este exemplo demonstra que
as relações económicas entre Estados não são estáticas, e que muitas vezes dependem
das estratégias de internacionalização e das próprias relações institucionais entre países,
daí afirmarmos que à imagem do caso espanhol no último meio século, o mercado ibero-
americano pode vir a ter um papel de relevo nas futuras estratégias de
internacionalização portuguesas, com importantes efeitos ao vel das empresas e da
sua preparação.
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Quadro 5 Exportações portuguesas para o espaço latino-americano (em percentagem do total
das exportações portuguesas).
Fonte: Observatory of Economic Complexity (OEC) 2019. Editado pelos autores.
4. Análise da internacionalização das PMEs portuguesas para o Espaço
Latino-Americano
4.1. Caraterização dos inquéritos e metodologia utilizada
No âmbito deste trabalho, em junho de 2014, foi realizado um inquérito a PMEs
portuguesas, com vista a caraterizar o seu processo de internacionalização para a
América Latina, os seus resultados o analisados nesta secção. Partiu-se de uma base
de dados de PME e de exportadores para os países da América Latina de 5872 empresas
como universo do estudo. Chegou-se a este total, juntando uma lista de PMEs de
excelência do ano 2013 do IAPMEI com 3920 empresas, e uma base de dados das
empresas exportadoras para os mercados da América Central e do Sul da AICEP com
1952 empresas. No desenvolvimento do inquérito, contámos ainda com o auxílio de
associações empresarias
14
que o partilharam e divulgaram junto dos seus associados.
Obtivemos respostas de 107 empresas, o que corresponde a 1,8% da população do
universo, dos quais 50 questionários foram validados dentro dos parâmetros do estudo
(0,85% da população), por serem PMEs de acordo com os critérios referidos atrás e por
estarem internacionalizadas para a América Latina.
O inquérito foi dividido por quatro categorias de questões: I - Dados da empresa, II -
Perfil de exportação das PMEs, III - Caraterização do perfil de investimento internacional
14
ACIB Associação Comercial e Industrial de Barcelos, CCILC Câmara de Comércio e Indústria Luso
Colombiana e a CCILM Câmara de Comércio e Indústria Luso Mexicana.
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Espanha 23% 23% 20% 21% 21% 22% 22% 21%
América-Latina 3,5% 3,4% 3,9% 4,0% 4,0% 3,7% 3,1% 3,7%
Argentina 0,20% 0,15% 0,19% 0,36% 0,18% 0,32% 0,16% 0,23%
Bolivia 0,00% 0,01% 0,01% 0,01% 0,02% 0,03% 0,01% 0,02%
Brazil 1,26% 1,46% 1,70% 1,69% 1,73% 1,45% 1,18% 1,68%
Chile 0,27% 0,21% 0,22% 0,18% 0,23% 0,23% 0,25% 0,26%
Colombia 0,06% 0,09% 0,13% 0,10% 0,16% 0,16% 0,18% 0,12%
Costa Rica 0,03% 0,02% 0,02% 0,02% 0,02% 0,03% 0,03% 0,01%
Cuba 0,05% 0,05% 0,10% 0,07% 0,07% 0,09% 0,09% 0,08%
Dominican Republic 0,02% 0,02% 0,03% 0,03% 0,03% 0,04% 0,04% 0,05%
Ecuador 0,03% 0,03% 0,03% 0,07% 0,05% 0,10% 0,07% 0,04%
El Salvador 0,02% 0,02% 0,02% 0,02% 0,03% 0,03% 0,02% 0,03%
Guatemala 0,01% 0,01% 0,01% 0,02% 0,02% 0,04% 0,03% 0,02%
Honduras 0,01% 0,01% 0,01% 0,01% 0,01% 0,01% 0,01% 0,01%
Mexico 0,97% 0,88% 0,65% 0,61% 0,75% 0,70% 0,71% 0,94%
Nicaragua 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,01% 0,00% 0,01%
Panama 0,02% 0,02% 0,04% 0,03% 0,04% 0,04% 0,04% 0,04%
Paraguay 0,00% 0,04% 0,05% 0,06% 0,05% 0,03% 0,03% 0,04%
Peru 0,06% 0,06% 0,08% 0,08% 0,08% 0,10% 0,08% 0,08%
Uruguay 0,02% 0,02% 0,03% 0,04% 0,09% 0,03% 0,02% 0,02%
Venezuela 0,44% 0,30% 0,59% 0,64% 0,44% 0,27% 0,15% 0,02%
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das PMEs, IV- Caraterização do processo de internacionalização e avaliação do papel
institucional. Na elaboração do mesmo tomámos por base o inquérito elaborado por
Simões (2010), adaptado para se estudar as PMEs (Silva e Simões, 2012), e
complementado com novas questões, destinadas à obtenção de dados sobre a avaliação
das organizações, com base nas metodologias de Hill e Hill (2008) e Manheim et al.
(2007). Foi ainda utilizado o SPSS (na versão 22) para proceder à tabulação, codificação
e análise da informação, tendo por base uma análise descritiva de frequências.
4.2. Caraterização do perfil das PMEs e da sua Internacionalização
A maioria das empresas que compõem a amostra tem proveniência de 5 distritos do
Litoral do país (Porto, Aveiro, Lisboa, Leiria e Setúbal) que correspondem a 76% do total.
Estas empresas na sua maioria estão ligadas às indústrias transformadoras, 64%, bem
como a maioria das empresas tem um capital social superior a 100 mil euros, 69,4%. Do
ponto de vista dos postos de trabalho, identificámos que 88% das PMEs inquiridas têm
mais de 10 trabalhadores. Pudemos ainda observar que na atividade internacional, 70%
das empresas dedicam-se à exportação, 16% exportam e efetuam investimento direto,
e que 14% mantém outro tipo de atividade internacional, como por exemplo, parcerias.
Do ponto de vista da consolidação da internacionalização das empresas, os resultados do
inquérito mostram que dois terços têm atividade internacional mais de dez anos, ou
seja 66%. Relativamente à importância da atividade internacional na faturação das
empresas, verificamos que o peso foi superior a 50% da faturação em 40% da amostra,
e entre 25 a 50% da faturação em 23% da amostra. Quanto ao tipo de presença nos
países para onde exportam, através do quadro 6, podemos verificar que nos meios
utilizados a forma mais frequente é a «abordagem direta ao cliente» (28%), seguida da
«sem presença» (8%), da existência de um «agente» (8%), e de «rede de distribuidores»
(8%).
Quadro 6 Tipos de presença externa?
Tipos de Presença
Frequência
Percentagem
Percentagem
acumulada
Abordagem direta ao cliente
14
28%
28%
Sem presença
4
8%
36%
Agente
4
8%
44%
Rede de Distribuidores
4
8%
52%
Agente e Abordagem Direta ao Cliente
3
6%
58%
Rede de Agentes, Abordagem Direta ao Cliente
3
6%
64%
Rede de Distribuidores, Abordagem Direta ao Cliente
3
6%
70%
Agente, Rede de Agentes, Rede de Distribuidores
2
4%
74%
Filial/Sucursal
2
4%
78%
Agente, Rede de Agentes, Abordagem Direta ao Cliente
1
2%
80%
Agente, Rede de Agentes, Rede de Distribuidores,
Abordagem Direta ao Cliente
1
2%
82%
Agente, Rede de Distribuidores
1
2%
84%
Agente, Rede de Distribuidores, Abordagem direta ao
Cliente
1
2%
86%
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Tipos de Presença
Frequência
Percentagem
Percentagem
acumulada
Agente, Rede de Distribuidores, Filial/Sucursal
1
2%
88%
Agente, Rede de Distribuidores, Filial/Sucursal,
Abordagem direta ao Cliente
1
2%
90%
Filial/Sucursal, Abordagem direta ao Cliente
1
2%
92%
Prestação de serviços deslocado
1
2%
94%
Rede de Agentes
1
2%
96%
Rede de Agentes, Rede de Distribuidores, Abordagem
direta ao Cliente
1
2%
98%
Turismo
1
2%
100%
Total
50
100%
Relativamente às atividades (de exportação) que foram desenvolvidas, verificou-se
que o país mais mencionado pelas empresas, foi o Brasil (31% das menções), seguido
da Colômbia (16%), México (12%), Chile (10%), Argentina (7%), e Uruguai (7%),
exportam ainda com pouca frequência para dez outros países e sete outros não são
sequer mencionados (quadro 7). Porém, verificamos que 47% das empresas manifesta
ter interesse em exportar futuramente para a América Latina, com especial relevância
para a Colômbia (13%), Brasil (10%) e México (8%) (quadro 8).
Quadro 7 - Países da América-latina para onde exportam?
País
Total de Menções
1ª Posição
2ª Posição
3ª Posição
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Brasil
18
31%
16
57%
1
5%
1
8%
Colômbia
9
16%
2
7%
4
18%
3
23%
México
7
12%
4
14%
2
9%
1
8%
Chile
6
10%
4
14%
1
5%
1
8%
Argentina
4
7%
1
4%
2
9%
1
8%
Uruguai
4
7%
0
0%
2
9%
2
15%
Honduras
2
3%
0
0%
2
9%
0
0%
Peru
2
3%
0
0%
1
5%
1
8%
Venezuela
2
3%
0
0%
1
5%
1
8%
Costa Rica
1
2%
0
0%
0
0%
1
8%
El Salvador
1
2%
1
4%
0
0%
0
0%
Panamá
1
2%
0
0%
1
5%
0
0%
Paraguai
1
2%
0
0%
0
0%
1
8%
Bolívia
0
0%
0
0%
0
0%
0
0%
Cuba
0
0%
0
0%
0
0%
0
0%
Equador
0
0%
0
0%
0
0%
0
0%
Guatemala
0
0%
0
0%
0
0%
0
0%
Haiti
0
0%
0
0%
0
0%
0
0%
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País
Total de Menções
1ª Posição
2ª Posição
3ª Posição
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Nicarágua
0
0%
0
0%
0
0%
0
0%
República Dominicana
0
0%
0
0%
0
0%
0
0%
Total Validado
58
100%
28
100%
17
77%
13
100%
Outros s/ indicar
15
5
15%
5
23%
5
28%
Total
73
33
22
18
Jamaica
1
0
Guiana
1
Do ponto de vista do investimento direto estrangeiro, notamos que a sua importância é
reduzida quando comparada com as exportações. Neste sentido para o inquérito
responderam somente 46% das empresas da amostra, ainda assim pudemos identificar
o seguinte: 65% destas empresas detêm IDE nos países da América Latina há menos de
2 anos. O peso destes investimentos na faturação é ainda reduzido, pois para 44% dos
inquiridos o mesmo é inferior a 5% da faturação, e com um valor acumulado de 88% das
empresas onde o peso é inferior a 25% da faturação. Ao nível dos países que recebem o
IDE, dos 20 possíveis, afigura-se que apenas 8 países atraíram investimento direto por
parte das empresas inquiridas, onde se destaca o Brasil (22%), Argentina (11%), Chile
(11%), Colômbia (11%), Costa Rica (11%), México (11%), Panamá (11%), e Peru
(11%). Na resposta à questão sobre interesse em futuros movimentos de IDE, só foram
considerados 18% de possibilidades para investimentos na América Latina, sendo os
restantes 82% em diversos países de outros continentes.
Quadro 8 - Países Futuros para Exportação no Contexto Geral
País
Total de Menções
1ª Posição
2ª Posição
3ª Posição
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Colômbia
8
13%
3
13%
3
14%
2
12%
Brasil
6
10%
5
21%
1
5%
0
0%
EUA
5
8%
3
13%
1
5%
1
6%
México
5
8%
0
0%
3
14%
2
12%
Alemanha
4
6%
1
4%
1
5%
2
12%
França
3
5%
0
0%
3
14%
0
0%
Rússia
3
5%
2
8%
0
0%
1
6%
Angola
2
3%
1
4%
1
5%
0
0%
Argentina
2
3%
1
4%
0
0%
1
6%
Espanha
2
3%
1
4%
0
0%
1
6%
Panamá
2
3%
1
4%
1
5%
0
0%
Peru
2
3%
2
8%
0
0%
0
0%
Polónia
2
3%
0
0%
1
5%
1
6%
Uruguai
2
3%
0
0%
0
0%
2
12%
Arábia
Saudita
1
2%
0
0%
0
0%
1
6%
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Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 82-104
A importância do espaço latino-americano na internacionalização das PMEs portuguesas
André Brás-dos-Santos; Joaquim Ramos Silva
99
País
Total de Menções
1ª Posição
2ª Posição
3ª Posição
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Bélgica
1
2%
1
4%
0
0%
0
0%
Belize
1
2%
0
0%
1
5%
0
0%
Cabo Verde
1
2%
1
4%
0
0%
0
0%
Chile
1
2%
1
4%
0
0%
0
0%
China
1
2%
0
0%
1
5%
0
0%
Coreia do
Sul
1
2%
0
0%
1
5%
0
0%
Holanda
1
2%
0
0%
1
5%
0
0%
Indonésia
1
2%
0
0%
0
0%
1
6%
Moçambique
1
2%
0
0%
1
5%
0
0%
Noruega
1
2%
0
0%
0
0%
1
6%
Paraguai
1
2%
0
0%
1
5%
0
0%
Reino Unido
1
2%
0
0%
0
0%
1
6%
Trinidad e
Tobago
1
2%
1
4%
0
0%
0
0%
Total
62
100%
24
100%
21
100%
17
100%
América
Latina
29
47%
13
54%
9
43%
7
41%
Outras
regiões
33
53%
11
46%
12
57%
10
59%
4.3. Avaliação do Processo de Internacionalização e das Instituições
portuguesas que prestam apoio
Foram ainda questionados outros aspetos relevantes para o processo de
internacionalização, nomeadamente quais as formas preferenciais de abordagem? Quais
os seus motivos? Quais os principais entraves ao processo?
Em termos das formas preferenciais de abordagem, identificámos que as principais
passam pela «Deslocação e contacto direto» (74%), e pela «Participação em feiras»
(68%). Relativamente aos motivos, o mais mencionado foi o «Aumento da quota de
mercado» (82%), seguido da «Notoriedade e reconhecimento no mercado nacional»
(30%) e «Proximidade dos clientes» (28%) (quadro 9). Quanto aos entraves
identificados no processo os mais relevantes foram os «aspetos burocráticos» (64%),
como segundo motivo mais frequente surge a «falta de incentivos» (34%), seguindo em
terceira posição, em simultâneo, a «dificuldade para obter financiamentos» e a «falta de
informação» (22%). Motivo ainda muito relevante é a «dificuldade de acesso às
instituições» (18%).
Quadro 9 - Principais motivos para a internacionalização?
Sim
Não
Motivos para internacionalização
Frequência
Percentagem
Frequência
Percentagem
Total
Aumento de quota de mercado
41
82%
9
18%
50
Notoriedade e reconhecimento no mercado nacional
15
30%
35
70%
50
Procura de recursos
7
14%
43
86%
50
Proximidade dos clientes
14
28%
36
72%
50
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A importância do espaço latino-americano na internacionalização das PMEs portuguesas
André Brás-dos-Santos; Joaquim Ramos Silva
100
Sim
Não
Valorização mais justa do produto
1
2%
49
98%
50
Presença de comunidade estrangeira na região da
empresa
1
2%
49
98%
50
Procedeu-se também a uma avaliação por parte das empresas às principais instituições
que, em Portugal apoiam o processo de internacionalização, de Mau (pontuação 1) a
Muito Bom (pontuação 5), reservando a pontuação 3 para os casos em que a empresa
não sabe ou não responde (posição de indiferença), sendo que o mesmo nos evidenciou
o seguinte (quadro 10): as Associações Empresariais/Comerciais são as mais pontuadas
(165 pontos), seguindo-se as Câmaras de Comércio (152 pontos), o IAPMEI (151
pontos), o AICEP e as Embaixadas/Consulados (140 pontos) e por último o Governo (122
pontos). Não deixa de ser interessante notar que as firmas respondentes valorizam mais
as organizações profissionais como associações empresariais e câmaras de comércio do
que os organismos governamentais como AICEP, embaixadas/consulados (ou o
governo), sendo estas últimas especificamente formadas ou vocacionadas para o efeito.
Quadro 10 Avaliação das Instituições
AICEP
Associações
Empresariais/Comerciais
Câmaras de
Comercio
Embaixadas/
Consulados
Governo
IAPMEI
Mau (1)
16
5
8
15
16
5
Razoável (2)
9
14
7
4
3
13
Bom (4)
13
11
7
4
3
12
Muito Bom
(5)
9
14
9
10
2
6
NS/NR (3)
3
6
19
17
26
14
Pontuação
140
165
152
140
122
151
Solicitou-se ainda às empresas sugestões de melhoria às instituições. Das 50 empresas,
24% apresentaram sugestões, as quais foram sintetizadas no quadro 11.
Quadro 11 Sugestões das empresas com vista à melhoria do processo
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A importância do espaço latino-americano na internacionalização das PMEs portuguesas
André Brás-dos-Santos; Joaquim Ramos Silva
101
Por último, importa saber qual é a avaliação que as empresas têm do seu processo de
internacionalização, sendo que apenas 6% das empresas consideram a sua experiência
insatisfatória (quadro 12). As restantes empresas, com exceção de 6% que não têm
opinião, consideraram a experiência como positiva, ainda que em graus diversos. De
salientar que 42% avaliam a experiência como boa e 16% como muito boa.
Quadro 12 - Como avalia a sua experiência de internacionalização?
Frequência
Percentagem
Percentagem acumulada
Insatisfatória
3
6%
6%
Satisfatória
15
30%
36%
Sem opinião
3
6%
42%
Boa
21
42%
84%
Muito boa
8
16%
100%
Total
50
100%
5. Conclusões
Este trabalho teve por objetivo fazer uma análise política e económica da
internacionalização da economia portuguesa para a América Latina, em especial no que
concerne às suas PMEs. Vimos inicialmente como as PMEs o um grande motor da
economia portuguesa, tanto pelo seu número como pelo peso que têm no VAB e no
emprego. O clima recessivo da economia portuguesa no início dos anos 2010, tornou
imperiosa a necessidade de se internacionalizarem. É neste contexto que pretendemos
aferir de que forma a América Latina, uma área onde existem proximidades linguísticas
e históricas (basta lembrar as grandes correntes migratórias do passado) se mostram
um destino internacional importante para as PMEs portuguesas.
À luz das teorias de internacionalização que focámos na parte teórica, procurámos
identificar os contornos deste processo, por exemplo, verificando a pertinência de alguns
conceitos como Distância Psíquica. Neste sentido, foi possível confirmar que o mercado
Ibero-Americano não é muito expressivo nas exportações portuguesas pois não
correspondeu a mais do que 3,7% em valores médios das exportações no período de
2010 a 2017. Ainda assim, e pelas respostas ao inquérito verificámos que o espaço latino-
americano deve ser tido seriamente em conta na internacionalização futura das PMEs
portuguesas, pois correspondente a 47% das intenções de exportação das empresas
inquiridas.
Numa avaliação ao processo de internacionalização das PMEs que responderam ao
inquérito, podemos identificar que as mesmas apresentam um comportamento algo
semelhante ao processo aplicado dentro da Teoria da Escola Nórdica de Negócios,
processo gradual de internacionalização. Visto que a maioria das empresas (cerca de
70%) se dedica à exportação, e procurando diretamente o cliente, ao que notamos
um residual número de empresas que detêm um «agente» ou uma «rede de
distribuição». No que concerne ao IDE verificamos que são poucas as empresas da
amostra que realizaram investimentos na América Latina, o que para o caso das PME o
deve surpreender atendendo ao que referimos na parte teórica deste trabalho quando ao
seu acesso a recursos, nomeadamente financeiros e humanos. Considerando um outro
inquérito recente (Return on Ideas, 2018), o mesmo corrobora a análise que
expressamos anteriormente no que respeita à internacionalização das PMEs portuguesas
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A importância do espaço latino-americano na internacionalização das PMEs portuguesas
André Brás-dos-Santos; Joaquim Ramos Silva
102
para o mercado mundial. Com efeito, refere que a exportação direta para clientes
internacionais (61%), exportação ocasional (25%), e exportação através de agente
internacional (16%) são as principais formas de internacionalização das PMEs
portuguesas, enquanto que o recurso ao IDE por estas empresas é residual, assumindo
a forma de sucursal e/ou filial própria (9%) e raramente a presença no estrangeiro se
traduz em unidades de produção/fabrico (1%).
Apesar do perfil que se acaba de caraterizar, importa sublinhar que a importância da
componente internacional no peso da faturação é bastante significativa para as empresas
inquiridas, mostrando que as PMEs se encontram num processo de gradual crescimento
positivo de internacionalização, eventualmente no futuro realizando até investimentos
externos de médio e longo prazo, proporcionando assim uma aprendizagem contínua do
processo. O que pode permitir a existência de estratégias e operações internacionais
acertadas, não excluindo até investimentos. Considerando esta análise parece-nos
consistente a autoavaliação efetuada pelas empresas.
Este trabalho está longe de marcar uma conclusão das investigações realizadas, é sim
mais um passo no processo de investigação sobre a internacionalização da economia
portuguesa, para uma região mundial importante, onde as empresas portuguesas podem
usufruir, se a sua ação for adequada e conhecerem o terreno que pisam, de vantagens.
Neste sentido, temos em mente o prosseguimento da investigação, desenvolvendo a
temática da internacionalização das PMEs para a América Latina, alargando a amostra, e
complementando-a com estudo de casos, o que permitiria ultrapassar os limites que um
inquérito realizado em determinado ano, ainda que recente, comporta, e levaria a uma
visão mais longitudinal do processo analisado. Outro objetivo suscitado por esta
investigação é a de um estudo empírico que permita comparar de forma aprofundada o
caso português, com o processo das PMEs espanholas para o mesmo espaço, aferindo
semelhanças e diferenças e as suas causas.
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 105-119
EMPREENDEDORISMO E CRESCIMENTO ECONÓMICO:
O PAPEL DE MEDIAÇÃO DO ACESSO AO FINANCIAMENTO
Mohsen Mohammadi Khyareh
m.mohamadi@ut.ac.ir
Professor departamento de Ciências Administrativas e Económicas,
Universidade Gonbad e Kavous (Irão).
Resumo
O objetivo do presente trabalho consiste em examinar o papel mediador das finanças na
relação entre crescimento económico e empreendedorismo numa amostra de 17 países da
OCI. Desenvolvemos um modelo em que o financiamento bancário, como alternativa ao
acesso ao financiamento, medeia a relação entre o empreendedorismo na fase inicial total
(TEA) como alternativa para o empreendedorismo e o crescimento económico. A correlação,
a abordagem Baron e Kenny (abordagem por etapas causais) e a PROCESS Macro (teoria do
teste normal) desenvolvida por Hayes foram utilizadas para descobrir os efeitos diretos e
indiretos do financiamento entre o empreendedorismo e o crescimento económico. Os
resultados da mediação inicial indicaram que o financiamento era um indicador significativo
do empreendedorismo e que o empreendedorismo era um indicador significativo do
crescimento económico. Estes resultados corroboram a hipótese da mediação. Além disso, as
conclusões mostraram que existe uma relação positiva entre empreendedorismo e
crescimento económico e uma relação positiva entre finanças e crescimento económico nos
países da OCI. Além disso, os resultados deste estudo indicam que a associação total entre
empreendedorismo e crescimento económico nos países da OIC não é direta, como também
que o empreendedorismo contribui para os níveis de crescimento económico através do
aumento dos níveis de financiamento. Em consequência, os países com níveis mais elevados
de acesso ao financiamento tenderam a apresentar um empreendedorismo em níveis mais
elevados, o que, por sua vez, contribuiu para a emergência de maiores níveis de crescimento
económico. Os resultados indicaram que o efeito direto do empreendedorismo sobre o
crescimento económico continuou a ser significativo no controlo do financiamento, sugerindo
assim uma mediação parcial. Por outras palavras, as finanças apenas medeiam parte do
efeito do empreendedorismo no crescimento económico.
Palavras chave
Finanças, Empreendedorismo, Crescimento económico, efeito de mediação
Como citar este artigo
Khyareh, Mohsen Mohammadi (2020). "Empreendedorismo e crescimento económico: o papel
de mediação no acesso ao financiamento". JANUS.NET e-journal of International Relations,
Vol. 11, N.º 1, Maio-Outubro 2020. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.7
Artigo recebido em 3 de Setembro 2019 e aceite para publicação a 28 de Fevereiro de
2020
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 105-119
Empreendedorismo e crescimento económico: o papel da mediação do acesso ao financiamento
Mohsen Mohammadi Khyareh
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EMPREENDEDORISMO E CRESCIMENTO ECONÓMICO:
O PAPEL DE MEDIAÇÃO DO ACESSO AO FINANCIAMENTO
Mohsen Mohammadi Khyareh
1- Introdução
O empreendedorismo é geralmente visto como um estímulo essencial para o crescimento
económico através do ambiente. Por conseguinte, considera-se essencial reconhecer o
papel do empreendedorismo para alcançar o fator de progresso económico, com vista ao
reconhecimento do progresso da sociedade (Al-Sokari et al., 2014). Um conjunto
crescente de pesquisas tem demonstrado um impacto positivo do empreendedorismo
numa série de indicadores económicos, incluindo o investimento e o investimento direto
estrangeiro (Goel, 2018), produtividade (Williams & Thompson, 1998), igualdade de
rendimentos e riqueza (Lippman et al., 2005; Packard & Bylund, 2018), desenvolvimento
do capital humano (Martin et al., 2013; Marvel et al., 2016) e exportações (Cumming et
al., 2014). Além disso, estudos empíricos anteriores analisaram a relação entre
empreendedorismo e crescimento económico (Wennekers & Thurik, 1999; Audretsch et
al., 2006; Carree & Thurik, 2010; Valliere & Peterson, 2009; Baumol & Strom, 2007).
Defendem que o empreendedorismo pode contribuir significativamente para o
crescimento económico, servindo como meio para inovar, divulgar conhecimentos,
aumentar a concorrência e aumentar a diversidade. Além disso, a maioria dos estudos
utilizou relações diretas para confirmar o impacto do empreendedorismo no crescimento
económico. Alguns deles têm demonstrado o impacto significativo do empreendedorismo
no crescimento económico (Baumol 1990, Kreft & Sobel, 2005; Nyström, 2008; Parker,
2018), enquanto alguns estudos demonstraram uma influência insignificante do
empreendedorismo no crescimento económico (Caree et al., 2007). Do acima exposto,
estudos empíricos mostram resultados mistos sobre o papel do empreendedorismo no
crescimento económico devido à diversidade de tipos de empreendedorismo, mas
também sobre as características do ambiente macroeconómico em que ocorre o
crescimento económico.
Algumas contribuições abordaram a natureza e o alcance da relação entre finanças e
crescimento económico (Allen et al., 2005; Law & Singh, 2014). O papel do sistema
financeiro para o desenvolvimento económico tem recebido uma atenção crescente por
parte de académicos e decisores políticos (Ndikumana 2001), conduzindo a diferentes
pontos de vista. O foco nesta área tem aumentado nas últimas décadas com resultados
mistos, mantendo-se uma controvérsia teórica e empírica (Boulika and Trabelisi 2002).
A principal razão pela qual as finanças são importantes é que o desenvolvimento
financeiro e a corretagem provaram ser empiricamente um importante impulsionador do
crescimento económico e do desenvolvimento. evidências de que este processo não
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107
conduz ao desenvolvimento económico, mas também pode desempenhar um papel
positivo na redução da pobreza e da desigualdade de rendimentos. Apesar do seu papel
fundamental no avanço da eficiência e igualdade na sociedade, 2,7 biliões de pessoas
(70% da população adulta) nos mercados emergentes ainda não têm acesso aos serviços
financeiros básicos, e uma grande parte delas vem de países com uma população
predominantemente muçulmana. Dado o crescente interesse no desenvolvimento de um
sistema financeiro, vale a pena examinar a contribuição do financiamento para a relação
entre empreendedorismo e crescimento. O acesso ao financiamento está a aumentar
rapidamente em todo o mundo, devido à procura de produtos e serviços financeiros.
Todas estas diferentes perspetivas fornecem razões suficientes para pensar na relação
indireta e mediadora que é o principal objetivo do presente estudo. Enquanto a pesquisa
anterior se concentrou principalmente em determinar se existe uma relação entre um
par destas três variáveis. "Consequentemente, a principal preocupação do presente
estudo é preencher a lacuna e examinar a relação entre estas três variáveis,
considerando as relações indiretas entre empreendedorismo e crescimento económico e
o impacto do desenvolvimento financeiro na relação entre empreendedorismo e
crescimento. Neste contexto, o objetivo da nossa pesquisa é examinar o papel mediador
do financiamento bancário como um instrumento para o acesso ao financiamento na
relação entre o empreendedorismo total na fase inicial (TEA) como um instrumento para
o empreendedorismo e o crescimento económico (expresso como PIB per capita (produto
interno bruto)) e para determinar se a contribuição do empreendedorismo para o
crescimento económico difere em função do acesso ao financiamento dos empresários
de um país. A nossa análise empírica baseia-se nos dados do painel que cobrem o período
2013-2018 e 17 países membros da Organização de Cooperação Islâmica (OCI) (Bahrain,
Bangladesh, Brunei, Egipto, Indonésia, Irão, Jordânia, Kuwait, Malásia, Nigéria, Omã,
Paquistão, Qatar, Arábia Saudita, Sudão, Turquia e Emirados Árabes Unidos), que foram
selecionados com base na disponibilidade de dados relativos, em particular, ao
empreendedorismo. O estudo contribui para a literatura sobre empreendedorismo e
crescimento económico de três formas. Primeiro, oferecemos novos insights sobre o
papel mediador do acesso ao financiamento sobre o nexo entre o crescimento e o
empreendedorismo. Segundo, tanto quanto sabemos, nenhum artigo examinou a relação
entre desenvolvimento financeiro, empreendedorismo e crescimento económico nos
países da OCI. Em terceiro lugar, este artigo contribuirá igualmente para a literatura,
incorporando dados de ries de tempo atualizados que abrangem estratégias recentes
para as principais variáveis utilizadas. Nesta perspetiva, este trabalho tenta responder à
seguinte questão de pesquisa: se o financiamento medeia a relação entre
empreendedorismo e crescimento económico nos países da OCI?
O resto do estudo foi dividido em cinco secções. A secção dois discute a literatura sobre
empreendedorismo e a sua relevância para as finanças e o crescimento económico.
Enquanto a terceira apresenta o método empírico e os dados utilizados; a quarta secção
trata da metodologia de investigação e a última secção trata das implicações práticas,
conclusões e limitações deste artigo.
2- Revisão da Literatura
2.1- Empreendedorismo e crescimento económico
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O empreendedorismo é considerado um dos motivos básicos para o crescimento
económico, na medida em que aumenta a prosperidade da sociedade que produz e
fornece mais serviços e cria novas oportunidades de emprego. Por esta razão, muitos
países tentaram consolidar as atividades empresariais e procurar os fatores que
melhoram essa atividade, uma vez que esta desempenha um papel ativo no crescimento
económico (Méndez-Picazo et al., 2012).
O empreendedorismo suscitou grande interesse nas últimas décadas e é visto como um
importante motor do desenvolvimento económico, da sociedade inclusiva, do bem-estar
e uma fonte de inovação. Há duas tendências na literatura empresarial quando se avalia
o impacto do empreendedorismo no desenvolvimento económico. Um deles baseia-se
em modelos horizontais de crescimento da inovação e numa gama de produtos cada vez
maior. (e.g. Romer, 1990). A outra baseia-se em modelos de crescimento vertical da
inovação e no aumento da qualidade (e.g. Schumpeter 1934; Aghion & Howitt, 1992), o
que se explica principalmente pelo famoso argumento de Joseph Schumpeter de
"destruição criativa", segundo o qual um empresário diz que quando um novo produto é
comercializado ou quando uma inovação tecnológica é comercializada, as empresas
menos produtivas são retiradas do mercado e é criado um ambiente mais competitivo
que conduz a uma maior produtividade e crescimento económico (Schumpeter, 1934).
Desde então, Acs et al., (2012) completaram a literatura económica com a teoria da
difusão do conhecimento sobre o empreendedorismo. Os autores assumem que o
conhecimento economicamente relevante é o mais importante, com o empreendedorismo
a desempenhar o papel de elo de ligação entre conhecimento, comercialização e
crescimento económico. Existem várias explicações teóricas para a relação entre
crescimento económico e empreendedorismo (Baumol, 1990; Desai et al., 2013).
Enquanto Solow (1956) considerava o capital físico e humano como os motores do
crescimento económico, Romer (1990) desenvolveu o modelo de Solow (1956),
sublinhando a importância do capital do conhecimento como fator endógeno, tendo o
capital humano e as inovações tecnológicas como os principais impulsionadores do
crescimento económico. Romer (1990) defende ainda que as novas ideias e a maior parte
da investigação e desenvolvimento (I&D) são produzidas por empresários bem formados
que criam e exploram novos avanços tecnológicos e, em última análise, impulsionam o
crescimento económico. Embora o modelo de crescimento económico de Romers (1990)
tenha ajudado a explicar as diferentes taxas de crescimento entre países, Acemoglu et
al. (2014) argumentaram que se estas instituições proporcionarem incentivos adequados
para que os empresários sejam mais produtivos e, em última análise, contribuam para o
crescimento económico, as instituições poderão desempenhar um papel central na
produção e organização dos fatores de produção (i.e. capital físico, capital humano e
inovações tecnológicas). Historicamente, Schumpeter (1934) introduziu pela primeira
vez o importante papel do empreendedorismo no crescimento económico. Afirmou que
os empresários inovadores eram referidos como "agentes de destruição criativa". Estes
"agentes" destroem o valor dos mercados existentes, criando novos mercados com novos
produtos, serviços e inovações tecnológicas que oferecem maiores retornos do que as
empresas existentes. Contrariamente aos modelos de crescimento anteriores,
Schumpeter (1934) concluiu que a destruição criativa é a fonte final do crescimento
económico. Dado o crescimento económico e o desenvolvimento, é melhor privilegiar o
empreendedorismo que pode conduzir ao crescimento económico (Acs, 2006).
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2.2- Finanças e crescimento económico:
O crescimento económico tem sido de grande interesse em muitos trabalhos e pesquisas
macroeconómicas. Por conseguinte, é imperativo que este tema seja também abordado
à luz do acesso ao financiamento. A relação entre finanças e crescimento começa com
os artigos de Bagehot (1873) sobre o pensamento clássico e, mais tarde, com o trabalho
de Schumpeter (1912). Por outro lado, a literatura moderna sobre crescimento
económico começa frequentemente com a pesquisa que levou Robert Solow a receber
um Prémio Nobel em meados da década de 1950. Ainda assim, a literatura teórica e
empírica da época focava principalmente o papel dos recursos de capital e de mão-de-
obra e a utilização da tecnologia como recursos de crescimento para assegurar o
crescimento económico.
O papel do desenvolvimento financeiro é particularmente importante na atribuição de
recursos para a sua utilização mais produtiva. Além disso, os serviços prestados pelo
setor financeiro podem contribuir para o crescimento económico: (i) produção de
informação ex-ante sobre oportunidades de investimento; (ii) melhorar o
acompanhamento ex-post do investimento e exercer o controlo das empresas; (iii)
facilitar a gestão e diversificação do risco; (iv) mobilização e agrupamento das
poupanças; e (v) facilitar a troca de bens e serviços (Levine, 2005).
Além disso, muitos dados apontam no sentido de o desenvolvimento financeiro ser um
motor do crescimento económico (ver, por exemplo, Levine et al., 2000; Beck et al.,
2000). Além disso, Levine (2002) afirma que a evolução financeira global está fortemente
ligada ao crescimento económico, independentemente de se basear em bancos ou no
mercado. A falta de acesso adequado às fontes de financiamento para os empresários é
considerada como um dos principais desafios para a criação de uma empresa. Devido às
desvantagens dos bancos comerciais e das instituições financeiras ativas no domínio dos
serviços financeiros dos países, o financiamento e a prestação de outros serviços
financeiros às micro, pequenas e médias empresas é frequentemente oneroso. A
pesquisa existente sobre o acesso dos empresários ao financiamento considera tanto os
fatores do lado da procura como da oferta que afetam o acesso dos empresários ao
financiamento (Carter et al., 2003). Os argumentos do lado da procura aumentam a
aversão ao risco como fator de redução da disponibilidade dos empresários em recorrer
a recursos financeiros externos (Mittal & Vyas, 2011). Por outro lado, a argumentação
do lado da oferta discrimina as instituições financeiras quanto ao pagamento de recursos
financeiros baseados no empreendedorismo (Carter & Shaw, 2006). O acesso ao
financiamento é também o objeto mais amplamente reconhecido da política de
empreendedorismo, e os não empreendedores citam regularmente a insuficiência de
financiamento como um obstáculo à criação de uma empresa (Choo e Wong, 2006). Além
disso, o domínio do empreendedorismo, com contribuições seminais de Williamson
(2000), defende que o empreendedorismo desempenha um papel fundamental no
desenvolvimento económico. Estudos recentes sobre o crescimento económico mostram
que os empresários são uma causa fundamental do crescimento económico, dando forma
a causas mais próximas como a acumulação de capital físico e humano (Hall e Jones
1999; Acemoglu et al. 2014). A literatura, porém, separa em grande parte as análises
do financiamento sobre a relação entre empreendedorismo e crescimento económico.
Alguns autores pesquisam as ligações entre o financiamento, o empreendedorismo e o
crescimento económico.
Assim, com base na literatura acima referida, chegámos às seguintes hipóteses:
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H1: Existe uma associação positiva entre financiamento e crescimento económico
H2: “Existe uma associação positiva entre financiamento e empreendedorismo
H3: O financiamento medeia a relação entre crescimento económico e
empreendedorismo
3- Os desafios do desenvolvimento e o papel do financiamento nos países OCI
O sistema financeiro tem um papel proeminente na canalização eficiente de fundos para
investimentos
para apoiar o crescimento económico que resulta na diminuição da desigualdade de
rendimentos, especialmente nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, tais
como os membros da Organização de Cooperação Islâmica (OCI). O sistema financeiro
desempenha um papel proeminente na canalização eficiente de fundos para
investimentos de apoio ao crescimento económico, o que leva a uma redução da
desigualdade de rendimentos, especialmente nos países em desenvolvimento e
subdesenvolvidos, tais como os membros da Organização para a Cooperação Islâmica
(OCI). A componente-chave de um sistema financeiro é a banca. Atuam como
intermediários entre os fornecedores de fundos e aqueles que necessitam de fundos que
contribuam para o crescimento económico. Os bancos também desempenham um papel
na implementação da política monetária de um país. Desta forma, os bancos rentáveis
assegurarão a continuidade do crescimento económico e a estabilidade do sistema
financeiro.
Com base nas perspetivas económicas da OCI (2019), os países OCI estão bem-dotados
de recursos produtivos, especialmente humanos e naturais. A utilização eficiente destes
recursos pode conduzir a taxas de crescimento económico e de bem-estar humano mais
elevadas. A utilização ineficaz dos recursos produtivos leva a taxas de crescimento e
níveis de rendimento mais baixos. Tal deve-se também ao facto de as economias da OCI
se caracterizarem sobretudo por uma elevada concentração das exportações e por uma
diversificação limitada da economia nacional. Outra consequência importante da
utilização ineficiente dos recursos produtivos é a falta de competitividade. Neste
contexto, os países membros da OCI não puderam crescer a longo prazo como os países
industrializados no século passado. uma série de instrumentos que os países da OCI
podem utilizar para enfrentar os desafios do desenvolvimento e alcançar taxas de
crescimento mais elevadas. Isto inclui o investimento na capacidade humana e
institucional, facilitando o progresso tecnológico e a inovação, e a canalização de recursos
para o investimento produtivo através do desenvolvimento financeiro. Um elemento
importante na combinação de políticas para aumentar a produtividade e a
competitividade é a necessidade de manter a estabilidade macroeconómica, uma vez que
isso criaria um ambiente empresarial livre de incertezas e de custos inesperados. Para
além da instabilidade económica, a instabilidade política tem também um impacto
importante nas vias de crescimento em alguns países da OCI, onde o impacto negativo
do conflito armado vai muito além do custo social e económico mensurável. As iniciativas
a nível mundial, os mecanismos de resolução regional e os esforços a nível nacional não
satisfizeram as necessidades crescentes dos países em desenvolvimento para financiar o
seu desenvolvimento e permitir-lhes completar o estatuto de país em desenvolvimento.
A CNUCED estima que as necessidades totais de financiamento, incluindo as
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necessidades de investimento, nos países em desenvolvimento variam entre 3,3
triliões de dólares e 4,5 triliões de dólares por ano. Alguns países da OCI são ricos em
recursos onde estes têm um grande potencial para promover o desenvolvimento. Do
ponto de vista financeiro, o financiamento islâmico nos países da OCI oferece uma janela
de oportunidade que poderia ser utilizada para preencher a lacuna do financiamento do
desenvolvimento. Os países da OCI têm uma longa história de colaboração ativa no
âmbito da OCI em muitos domínios, desde o desenvolvimento do comércio e das
infraestruturas até ao reforço das capacidades e dos investimentos. Isto facilita a
transferência de capital, saber-fazer e conhecimentos especializados entre os países
membros da OCI, que são cruciais para o desenvolvimento. Isto facilita a transferência
de capital, saber-fazer e conhecimentos especializados entre os países membros da OCI,
que são cruciais para o desenvolvimento. Finalmente, os países da OCI dispõem de
instrumentos e mecanismos únicos, incluindo instrumentos financeiros islâmicos, fundos
Zakat e Waqf, com potencial para dar um contributo positivo significativo para o
financiamento do desenvolvimento. Globalmente, estes fatores melhorariam o
financiamento do desenvolvimento nos países da OCI, ajudando a ir além da
compreensão tradicional e a beneficiar de mecanismos de solução únicos.
4- Dados e Metodologia
4.1- Dados
No presente estudo, o empreendedorismo, enquanto variável independente, decidiu
assumir uma parte da atividade empresarial total na fase inicial da empresa (TEA). Os
dados sobre empreendedorismo foram retirados da base de dados Global
Entrepreneurship Monitor a partir de 2013-2017. O documento utiliza o crédito interno
ao sector privado pelos bancos como um substituto para o acesso ao financiamento. Para
termos um painel de dados equilibrado, limitámos os dados utilizados aos anos
abrangidos por todos os conjuntos de dados e, em seguida, teríamos acabado por
constatar que os dados são constituídos por 17 países de todo o mundo e rastreiam a
informação desde 2013 até 2017. O conjunto de dados para o crescimento económico foi
obtido junto do Banco Mundial.
O crescimento do PIB dos países da OCI abrandou para 3,1% em termos reais em 2018,
em comparação com 3,8% em 2017. O crescimento económico nos países da OCI deverá
diminuir para 2,4% em 2019 e continuar a ser inferior à média mundial. Só em 2020 se
prevê que os países da OCI cresçam acima da média mundial. Os países OCI com
rendimentos mais baixos têm vindo a crescer a um ritmo inferior à média OCI no período
2014-2018, o que implica um fosso cada vez maior entre os países ricos e os países
pobres da OCI. A vel de cada país, a Líbia, com uma taxa de crescimento de 17,9% em
2018, era a economia em mais rápido crescimento no grupo de países da OCI. No total,
26 países da OCI registaram uma taxa de crescimento superior à média mundial de 3,6%
em 2018 (Perspetivas Económicas da OCI).
O nível de desenvolvimento do sector financeiro nos países da OCI continua a ser
superficial. As verbas avultadas em relação ao PIB dos países da OCI foram registadas
em 60,1% em 2, ou seja, 137% nos países em desenvolvimento não-OCI e 124% da
média mundial. O crédito interno concedido pelo sector financeiro nos países da OCI
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representava, em média, 141,8% do PIB, enquanto nos países em desenvolvimento não-
OCI, por outro lado, o acesso ao financiamento nos países da OCI melhorou
significativamente, passando de 27,8% em 2011 para 46,3% em 2017. A profundidade
financeira nos países da OCI continua a ser pouco profunda e necessita de ser melhorada.
Sem o acesso ao financiamento, seria difícil esperar que as atividades empresariais
florescessem e contribuíssem para o desenvolvimento económico. O acesso ao
financiamento nos países da OCI continua a ser uma das mais importantes limitações
enfrentadas na promoção da atividade empresarial. Além disso, as pequenas empresas
referem sistematicamente obstáculos de financiamento mais elevados do que as médias
e grandes empresas, sendo também mais adversamente afetadas no seu funcionamento
e crescimento por esses obstáculos. Por conseguinte, são necessárias abordagens
inovadoras para resolver as limitações de financiamento das empresas para que estas
invistam em oportunidades de investimento produtivo. Nos capítulos seguintes será
discutida mais detalhadamente a questão da mobilização de recursos para o
financiamento do desenvolvimento (Perspetivas Económicas da OCI, 2019).
4.2- Modelo
O método de Baron e Kenny para determinar se uma variável independente influencia
uma variável dependente através de um mediador é tão bem conhecido que é utilizado
pelos autores e solicitado pelos revisores de forma quase reflexiva. Para determinar que
uma variável independente X influencia a variável distal dependente Y através de uma
variável mediadora M, como mostra a figura 1, Baron e Kenny (1986) recomendam três
testes.
Figura1: Diagrama de um modelo básico de mediação
Uma variável atua como mediadora se preencher as seguintes condições: (a) As
variações nos níveis das variáveis independentes explicam variações significativas no
mediador suspeito (ex., caminho a), (b) As variações no mediador explicam variações
significativas na variável dependente ( ex., caminho b) e (c), quando os caminhos a e b
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são controlados, uma relação anteriormente significativa entre as variáveis
independentes e dependentes deixa de ser significativa, sendo que a evidência mais forte
de mediação ocorre quando o caminho c é zero. Note-se que a condição c exige um teste
de significância para o caminho "direto" c. Os caminhos a, b e c são testados e estimados
pelas equações 1, 2 e 3:
 
(1)
 
 
(2)
 
(3)
Baron e Kenny afirmam, então: Para testar a mediação, deve-se estimar as três
seguintes equações de regressão: primeiro, fazendo a regressão do mediador sobre a
variável independente; segundo, fazendo a regressão da variável dependente em relação
à variável independente; e em terceiro lugar, fazendo a regressão da variável dependente
tanto da variável independente como do mediador… Para estabelecer a mediação, devem
ser cumpridas as seguintes condições: em primeiro lugar, a variável independente deve
afetar o mediador na primeira equação; em segundo lugar, deve ser demonstrado que a
variável independente influencia a variável dependente na segunda equação; e, em
terceiro lugar, o mediador deve influenciar a variável dependente na terceira equação.
Baron e Kenny continuam a recomendar o teste Z de Sobel para o caminho indireto  
na figura 1, como mostra a equação l teste Z para o caminho indireto a ×b na figura 1,
como mostra a equação (4):


(4)
Aqui a, b, e os seus erros-padrão ao quadrado provêm das equações 1 e 3,
respetivamente. Iremos contestar três destes pontos. Primeiro, Baron e Kenny afirmam
que a mediação é mais forte quando existe um efeito indireto, mas nenhum efeito direto
na equação 3. Mas a força da mediação deve ser medida pela dimensão do efeito indireto
e não pela ausência do efeito direto. A presença do efeito direto pode informar a
teorização sobre outros mediadores. Em segundo lugar, não deve haver um "efeito
mediador" significativo na Equação 2. Deve haver apenas um critério para estabelecer a
mediação de que o efeito indireto    é significativo. Outros testes Baron e Kenny são
especialmente úteis na classificação do tipo de mediação. Em terceiro lugar, o teste Sobel
é, em alguns casos, extremamente pobre em comparação com um teste de bootstrap
popular de Preacher e Hayes (2004). Além disso, um investigador que espera um efeito
indireto positivo   pode ignorar o facto de, apesar das correlações positivas entre X
e Y, X e M e Y e M, poder ser significativo e negativo. Baron e Kenny (1986) afirmam
que as provas da mediação o mais fortes, mas quando um efeito indireto, não há
um efeito direto a que chamam "mediação total". Se houver efeitos indiretos e diretos,
chamam-lhe "mediação parcial". Embora a mediação completa seja o padrão-ouro,
Iacobucci (2008) afirma: "Se todos os testes forem feitos e relatados adequadamente, a
maioria dos artigos termina com" mediação parcial". Ou seja, a mediação é normalmente
acompanhada de um efeito direto.
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5- Resultados e Análise
Foram realizadas ltiplas análises de regressão e mediação para avaliar cada
componente do modelo de mediação proposto, utilizando o PROCESS Macro (Hayes,
2013) e o SPSS 23.
No primeiro passo, verificou-se que o espírito empresarial estava positivamente
associado ao crescimento económico (efeito total) (b = 23.2, t = 18.23, p < .001). No
segundo passo, verificou-se que o financiamento estava positivamente relacionado com
o empreendedorismo (b = 10.34, t = 12.82, p < .001). Por último, na terceira etapa, os
resultados indicaram que o aumento do financiamento estava positivamente associado
ao crescimento económico (b = 1.225, t = 4.32, p < .001).
Figura 2: Modelo de acesso ao financiamento como mediador
Empreendedorismo - crescimento económico
Os quadros 2 e 3 ilustram que todas as vias são estatisticamente significativas. Os
resultados da análise da mediação confirmaram o papel mediador do financiamento na
relação entre o acesso ao espírito empresarial e o crescimento económico nos países
OCI. (b = 12.67; CI = 4.231 to 8.581).
Além disso, os resultados indicam que o efeito direto do empreendedorismo sobre o
crescimento económico continua a ser significativo (b = 12.67, t = 5.36, p < .001) ao
controlar para fins de financiamento, sugerindo assim uma mediação parcial. Por outras
palavras, o financiamento apenas medeia parte do efeito do empreendedorismo no
crescimento económico, ou seja, a intervenção (empreendedorismo) tem algum efeito
direto residual mesmo depois de o mediador (financiamento) ser introduzido no modelo.
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Tabela 2: Efeito mediador do acesso ao financiamento no crescimento económico através do
empreendedorismo
Efeito
Caminho
Média
SD
95% Limite
inferior (BC)
95% Limite
superior (BC)
Efeito
indireto
FIN ENT GDP→→
12.67
1.351
4.231
8.581
Nota: SD: desvio-padrão; BC: Corrigido de enviesamento
Do intervalo de confiança do percentil bootstrap apresentado no Quadro 2, todo o
caminho é 95% das estimativas bootstrap, não incluindo zero. Este intervalo de confiança
leva a concluir que os efeitos indiretos do acesso ao financiamento sobre o
empreendedorismo são significativamente diferentes de zero.
Tabela 3: O efeito direto, o efeito indireto e o efeito total
caminho
Direto
Indireto
Total
FIN ENT
10.53
12.67
23.2
ENT GDP
1.225
-
1.225
Tabela 4: Resumo das Correlações de Ordem Zero, Correlações Semi-parciais e Coeficientes de
Correlação Semi-parcial Quadrada
variável
2
R
Ordem zero
parcial
Semi-parcial
(part)
*
Financiamento
0.489
0.598
0.259
0.262
0.146
Empreendedorismo
0.421
0.135
0.142
0.171
* Correlação semi-parcial quadrada
A tabela 4 mostra a realização da correlação entre a ordem zero, parcial e de parte (semi-
parcial) de acesso ao financiamento e o controlo do crescimento económico para o
empreendedorismo. A correlação parcial entre o acesso ao financiamento e o crescimento
económico é de 0,259, o que é inferior à correlação quando o efeito do
empreendedorismo não é controlado para (r = 0.598). Em termos de variância, o valor
de R
2
para a correlação parcial é de 0,13, o que significa que o empreendedorismo
partilha agora apenas 13% da variação do crescimento económico (em comparação com
35,8% quando o financiamento não era controlado). A realização desta análise mostrou-
nos que o empreendedorismo, por si só, explica algumas das variações do crescimento
económico. As correlações semi-parciais (também chamadas correlações parciais)
indicam a contribuição "única" de uma variável independente. Especificamente, a
correlação semi-parcial ao quadrado para uma variável diz-nos o quanto R
2
idiminuir
se essa variável for removida da equação de regressão. Se quisermos saber o que seria
o R
2
se o acesso ao financiamento fosse eliminado da equação, basta calcular
2
R
-
2
1
sr
= 0.489 - 0.146 = 0.343;
e, se quisermos saber o que aconteceria se o espírito empresarial fosse eliminado da
equação, calcula-se
2
R
-
2
2
sr
= 0.489 - 0.131 = 0.318.
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Empreendedorismo e crescimento económico: o papel da mediação do acesso ao financiamento
Mohsen Mohammadi Khyareh
116
Dos resultados acima referidos, podemos concluir que o acesso ao financiamento tem
um efeito positivo sobre o empreendedorismo, o que indica que a nossa primeira hipótese
se confirma empiricamente. Além disso, o empreendedorismo tende a aumentar o nível
de crescimento económico; estes resultados apoiam a nossa segunda hipótese. Além
disso, um exame do efeito indireto específico (ver tabela 1) indica que o acesso ao
financiamento é um mediador.
6- Conclusão
O principal objetivo desta pesquisa foi fornecer informações sobre o papel mediador do
financiamento na relação entre o empreendedorismo e o crescimento. Encontramos
provas claras de que o empreendedorismo após o controlo do acesso ao financiamento
tem um impacto positivo significativo no crescimento económico. A relação positiva entre
empreendedorismo e crescimento económico é bem conhecida e documentada. Contudo,
mostramos que o empreendedorismo também tem efeitos positivos indiretos no
crescimento económico, melhorando o acesso ao financiamento e não tendo apenas um
impacto direto. A mediação do financiamento entre o empreendedorismo e o crescimento
económico mostra que um melhor acesso ao financiamento conduziria a uma melhoria
do crescimento económico. Estes resultados mostram que a relação global entre
empreendedorismo e crescimento económico não é apenas direta, mas também que o
acesso dos empresários ao financiamento contribui para o crescimento económico. Em
consequência, os países OCI de nível mais elevado tenderam a experimentar um maior
nível de empreendedorismo, o que, por sua vez, contribuiu para um maior crescimento
económico. Além disso, os resultados mostraram que existe uma correlação positiva
entre o aumento das atividades empresariais e o crescimento económico.
O presente estudo aprofunda a literatura sobre o crescimento económico, tendo em conta
o efeito mediador do financiamento entre o empreendedorismo e o crescimento
económico. As provas do impacto indireto do financiamento na relação entre
empreendedorismo e crescimento económico mostram que o acesso ao financiamento
contribui significativamente para a promoção do crescimento económico. Além disso, os
resultados das pesquisas atuais e anteriores sugerem que, para estimular e melhorar o
crescimento económico, os países OCI devem criar um ambiente que possa melhorar o
acesso ao financiamento e, consequentemente, promover o crescimento económico. Em
termos financeiros, o acesso ao financiamento nos países da OCI proporciona uma janela
de oportunidade que poderá ser utilizada para preencher a lacuna do financiamento do
desenvolvimento. As contribuições financeiras islâmicas, incluindo o Zakat, estão
estimadas em cerca de 2 biliões de dólares em 2015, que deverá aumentar para 3 biliões
de dólares até 2020. Por exemplo, a concessão de subvenções Zakat por instituições
formais pode garantir que mais pessoas sejam alcançadas e se chegue às mais
necessitadas, podendo, por conseguinte, contribuir para a realização do desenvolvimento
sustentável. Muitos países OCI precisam de desenvolver mais esforços para alcançar um
desenvolvimento sustentável, para o qual têm de ser consagrados mais recursos
financeiros.
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Mohsen Mohammadi Khyareh
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NOTAS E REFLEXÕES
A PIRATARIA MARÍTIMA NO GOLFO DA GUINÉ
Henrique Portela Guedes
maildoportela@gmail.com
Capitão-de-mar-e-guerra da Marinha Portuguesa (Portugal), licenciado em Ciências Militares
Navais, pela Escola Naval, pós-graduado em Direito Internacional Humanitário e Direitos
Humanos em situações de conflito, pelo Instituto Europeu/IDN, e em Estudos Avançados de
Geopolítica, pela Universidade Autónoma de Lisboa/IDN. Atualmente é Assessor e investigador
no Instituto da Defesa Nacional (IDN). Tem um vasto conjunto de artigos publicados sobre
Pirataria Marítima, em Portugal, Espanha, Brasil e Reino Unido, é autor do livro ‘A Pirataria
Marítima Contemporânea: as últimas duas décadas’ e coautor de dois subcapítulos no livro ‘A
Segurança no Mar: Uma visão holística’.
A Pirataria marítima remonta aos primórdios da navegação marítima, quando se
iniciaram as primeiras trocas comerciais por mar, tendo sido considerada praticamente
extinta no século XIX.
Começou paulatinamente a aumentar a partir dos finais da década de 1980, contudo o
mundo acordou para esta realidade com o surto de pirataria marítima nas águas da
Somália, em 2008. Desde então, até aos nossos dias, este fenómeno tornou-se uma séria
ameaça à segurança marítima global.
Atualmente é o Golfo da Guiné a grande preocupação da comunidade internacional,
devido ao elevado número de atos de pirataria que aí se vêm registando.
Este crescimento deve-se a diversos fatores, na sua maioria comuns a praticamente
todos os países que fazem parte deste Golfo, tais como: políticas sociais deficitárias,
existência de grande corrupção, elevada demografia, taxas de desemprego altas e
enorme proliferação de redes criminosas. São esses fatores que, associados às faltas de
políticas marítimas por parte dos Estados da região e de meios navais para assegurarem
a vigilância das suas águas, têm feito com que esta zona esteja a registar um cada vez
maior número de ataques piratas e, consequentemente, seja considerada como uma das
mais perigosas do mundo para a navegação marítima.
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A pirataria marítima no Golfo da Guiné
Henrique Portela Guedes
121
1. Causas, preocupações e ações de mitigação
Existem vários locais a nível mundial que são considerados hotspots da Pirataria
marítima
1
e dos Assaltos à Mão Armada Contra Navios (AMACN)
2
, ou seja, lugares que
por diversos fatores se tornaram propensos a este tipo de atos. Esses locais, situados na
proximidade de grandes rotas marítimas, estão normalmente associados à existência de
Estados com governos frágeis ou falhados, onde as políticas sociais são deficitárias ou
inexistentes, as taxas de desemprego muito elevadas, os níveis de pobreza são
extremamente altos e têm uma grande densidade demográfica, na sua grande maioria
jovens. Muitos destes fatores estão presentes, em maior ou menor grau, nos países do
Golfo da Guiné (GG), o que tem contribuído muito para o recrudescimento da pirataria
marítima/AMACN na região, nomeadamente nas águas da Nigéria.
A região do GG está localizada
3
entre a Costa do Marfim e o Gabão, e inclui, além destes
países, o Gana, o Togo, o Benim, a Nigéria, os Camarões, a Guiné Equatorial e o Tomé
e Príncipe. Geograficamente contém o cruzamento da linha do Equador com o meridiano
de Greenwich.
Este Golfo tornou-se, nas últimas décadas, um local de excelência para a navegação
comercial. Este protagonismo está muito associado aos enormes jazigos de
hidrocarbonetos existentes nesta zona e à localização geográfica da região (proximidade
com a Europa e com os EUA).
Apesar de toda esta prosperidade este Golfo é, presentemente, uma das zonas marítimas
mais perigosas do mundo, devido à grande insegurança regional que se faz sentir.
Caso essa não seja ultrapassada num futuro próximo, poderá vir a colocar em risco toda
a estratégia económica mundial para esta região do globo, sobretudo a que está
relacionada com o comércio do “ouro negro” e do gás natural proveniente da Nigéria.
A existência de um número cada vez maior de redes criminosas em terra, associado à
falta de políticas marítimas por parte dos Estados da região, tem feito com que algumas
dessas se dediquem à pirataria marítima/AMACN. Esses grupos rebeldes, na sua grande
maioria oriundos da Nigéria, iniciaram a sua atividade na costa nigeriana, contudo,
paulatinamente, foram estendendo a sua área de atuação às águas do Benim, do Togo,
do Gana, dos Camarões, da Guiné Equatorial e de São Tomé e Príncipe. O aumento da
pirataria marítima/AMACN nesta zona de África é atualmente uma grande preocupação
para a comunidade internacional, pois os Estados da região não conseguem garantir a
segurança marítima nas suas águas. A apreensão com esta insegurança no mar é
denotada até pelos próprios países africanos, pois esses ataques estão a tornar-se um
sério problema para o transporte marítimo, o que tem vindo a causar um ligeiro
decréscimo no comércio da região e, consequentemente, uma redução nas receitas dos
portos, em virtude de haver menos navios a prati-los.
1
Atos ilícitos de violência e/ou de detenção e/ou de pilhagem cometidos, para fins privados, pela tripulação
e/ou pelos passageiros de um navio privado, e dirigidos contra um navio e/ou pessoas e/ou bens a bordo
do mesmo, cometidos para além das 12 milhas náuticas (mar territorial).
2
Atos ilícitos idênticos aos da pirataria, que cometidos no mar territorial ou em águas interiores, sendo
que o mar territorial consiste numa zona marítima, sob soberania nacional, que vai até às 12 milhas
náuticas, contadas a partir da “linha de costa” (linha de base recta ou normal) de um Estado. Uma milha
náutica são 1852 metros.
3
De acordo com a International Hydrographic Organization. Por vezes considera-se que este Golfo se estende
desde o Senegal até Angola, ou seja, que fica situado entre os paralelos 15⁰00’’N e 15⁰0’0’’S.
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A pirataria marítima no Golfo da Guiné
Henrique Portela Guedes
122
Nos últimos anos os Estados deste Golfo começaram a desenvolver algumas políticas
marítimas, pois nas últimas décadas as suas atenções têm estado quase sempre viradas
para o controlo dos seus territórios no continente, não tendo por isso dedicado muita
atenção ao seu mar. Como resultado, as suas forças navais estão mal equipadas, pouco
treinadas e subfinanciadas para poderem assegurar a autoridade do Estado no mar nas
suas águas.
O aumento da pirataria marítima/AMACN no GG fez com que a ONU passasse a
acompanhar regularmente, e com grande preocupação, esta situação. A comprová-lo
está a aprovação pelo seu Conselho de Segurança de duas Resoluções relacionadas com
esta temática, a Resolução 2018 (2011), de 31 de outubro, e a Resolução 2039 (2012),
de 29 de fevereiro. Nessas ficou bem presente a necessidade de uma ação concertada
dos países da região para lidar com a pirataria marítima/AMACN, através do
desenvolvimento de uma estratégia regional abrangente e estruturada, que inclua a troca
de informações e o desenvolvimento de mecanismos de coordenação operacionais.
As várias organizações sub-regionais, desde então, têm-se mostrado muito disponíveis
para ajudar a combater os rios tipos de atividades ilegais na região. A Comunidade
Económica dos Estados da África Central
4
(CEEAC) tem colaborado com os Estados deste
Golfo na implementação de uma estratégia de segurança marítima, na qual se inclui o
apoio às suas marinhas e o auxílio na organização de exercícios conjuntos por forma a
combater a insegurança que se vive na região do GG.
Por outro lado, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
5
(CEDEAO)
também se tem mostrado interessada em colaborar. Uma boa cooperação entre a CEEAC
e a CEDEAO pode vir a permitir ações de patrulha marítima conjuntas, assim como o
direito de perseguição para além das fronteiras marítimas. A Comissão do Golfo da Guiné
6
(CGG) também se tem mantido ativa nos últimos anos e é de todas estas organizações
africanas aquela cujo mandato lhe confere especial abertura para poder tratar
especificamente das questões marítimas.
Todas as políticas de colaboração que têm vindo a ser adotadas em África sobre
segurança marítima ainda estão numa fase embrionária e, se não forem acompanhadas
de perto por uma presença contínua no mar, não passarão de meras ações simbólicas.
Algumas das potências ocidentais com interesses na região têm-se mostrado disponíveis
para apoiar estas iniciativas quer financeiramente quer com a troca de conhecimentos
na área da segurança. Nos últimos anos, países como os EUA, a França e Portugal, entre
outros, m estado muito atentos aos problemas da região e, através de programas de
cooperação, têm participado com navios seus em exercícios conjuntos com as marinhas
do GG. O objetivo principal desses é aumentar a capacidade de resposta por parte dessas
marinhas à pirataria marítima/AMACN ou a qualquer outro tipo de criminalidade
marítima, através da melhoria da interoperabilidade das comunicações, da partilha de
informações e de ações de formação e treino no âmbito das atividades operacionais
relacionadas com a segurança marítima.
4
É constituída por dez países membros: o Burundi, os Camarões, a República Centro-Africana, o Chade, o
Congo, a Guiné Equatorial, o Gabão, São Tomé e Príncipe, a República Democrática do Congo e Angola.
5
Os quinze países membros são: o Benim, o Burkina Faso, Cabo Verde, a Costa do Marfim, a Gâmbia, o
Gana, a Guiné, a Guiné-Bissau, a Libéria, o Mali, o Níger, a Nigéria, o Senegal, a Serra Leoa e o Togo.
6
É constituída por oito países: Angola, os Camarões, a República Democrática do Congo, o Congo, o Gabão,
a Guiné Equatorial, a Nigéria e São Tomé e Príncipe.
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A pirataria marítima no Golfo da Guiné
Henrique Portela Guedes
123
De entre os vários exercícios/atividades
7
multinacionais que se realizam regularmente na
região oeste de África, o exercício OBANGAME EXPRESS, realizado anualmente desde
2011, inclusive, é aquele que conta com o maior número de países/organizações
participantes e tem o patrocínio dos EUA, através do U.S. Africa Command. Em março
de 2019, realizou-se a sua 9.ª edição, que reuniu forças de África, da Europa e das
Américas do Sul e do Norte, num total de 31 países
8
, dos quais 20 africanos, tendo
contado ainda com a colaboração de várias organizações regionais e internacionais, como
a CEEAC e a CEDEAO, entre outras.
Apesar de todas estas iniciativas para combater a criminalidade marítima, existem sérias
dúvidas em relação à sua eficácia e sustentabilidade, pois os meios serão sempre poucos
e os criminosos rapidamente passarão das áreas mais patrulhadas para as menos
vigiadas. Facilmente se antevê que se não houver o envolvimento das instituições
internacionais, com vista a uma estratégia global de segurança marítima para a região,
dificilmente com medidas avulsas se conseguirá levar a bom porto esta árdua tarefa de
combater a pirataria marítima/AMACN no GG.
2. Piratas nigerianos: os protagonistas da insegurança
A Nigéria, apesar de ser o país com a maior economia da região e possuir as maiores
forças armadas do GG, é considerada pelos países vizinhos como o foco dos problemas
deste Golfo, muito devido ao facto de não conseguir estabilizar a sua região do delta do
rio ger
9
, zona densamente povoada e donde provém a maior parte do petróleo
explorado em terra. A economia nigeriana está, ainda, refém da indústria petrolífera, a
qual não tem trazido benefícios ao país, pois também tem contribuído de forma
significativa para acabar com grande parte dos meios tradicionais de subsistência nesse
Delta, como sejam a agricultura e a pesca. A poluição causada pela exploração do
petróleo tem vindo paulatinamente a contaminar as terras devido ao depósito de uma
grande quantidade de resíduos perigosos, o que tem levado ao abandono de muitos
terrenos agrícolas, aumentando assim, ainda mais, as dificuldades de subsistência por
parte da população. Esta última também deixou de poder contar com a pesca em grande
parte dos seus lagos e rios, pois a poluição tem provocado a falta de oxigénio nas águas
e, consequentemente, uma diminuição do quantitativo de peixes e o aumento das
doenças transmitidas pela água.
Por outro lado, o rápido crescimento demográfico que se tem feito sentir na Nigéria, em
que cerca de 62,3%
10
da população, ou seja, 126 679 957 de nigerianos, tem menos de
25 anos, tem sido, sem dúvida, determinante para justificar o quantitativo de jovens
nigerianos que se têm associado à pirataria marítima/AMACN.
Se a situação em terra é de instabilidade, quer na Nigéria quer em praticamente todos
os outros Estados do GG, no mar, a atividade ilícita, em geral, e a pirataria
7
Destaca-se a operação CORYMBE, que tem vindo a ser levada a cabo pela França, de forma quase contínua,
desde 1990, o exercício GRAND AFRICAN NEMO, também liderado pela França, e a iniciativa MAR ABERTO
realizada por Portugal.
8
Angola, Bélgica, Benim, Brasil, Cabo Verde, Camarões, Canadá, Costa do Marfim, República Democrática
do Congo, Dinamarca, França, Gabão, Gâmbia, Alemanha, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial,
Libéria, Marrocos, Namíbia, Holanda, Nigéria, Portugal, República do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal,
Serra Leoa, Espanha, Togo, Turquia e Estados Unidos.
9
Inclui os estados de Cross River, Akwa Ibom, Rivers, Bayelsa, Delta e Edo.
10
The World Factbook.
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Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 120-127
A pirataria marítima no Golfo da Guiné
Henrique Portela Guedes
124
marítima/AMACN, em particular, têm flagelado muito a região nos últimos anos. No
período compreendido entre os anos 2000 e 2018, inclusive, de acordo com os registos
do IMB
11
, ocorreram neste Golfo uma média de 38 atos de pirataria marítima/AMACN por
ano, sendo as águas da Nigéria consideradas as mais perigosas, com uma média de 25
atos, por ano, no mesmo período de tempo.
Figura 1 - Atos de pirataria marítima/AMACN no GG entre 2000 e 2018
no ano de 2018 ocorreram 72 atos de pirataria marítima/AMACN neste Golfo, dos
quais 48 na Nigéria, o que faz com esse ano seja considerado o pior de sempre, no que
respeita a este fenómeno, nos últimos 28 anos
12
, quer neste Golfo quer na Nigéria.
Figura 2 - Atos de pirataria marítima/AMACN no GG em 2018
Fonte: IMB
11
IMB International Maritime Bureau.
12
O IMB faz o registo do número de atos de pirataria marítima/AMACN a nível mundial desde 1991.
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Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 120-127
A pirataria marítima no Golfo da Guiné
Henrique Portela Guedes
125
Os anteriores máximos tinham sido de 54 atos, em 2008, e de 42 atos, em 2007,
respetivamente no GG e na Nigéria. Consta que, no caso da Nigéria, o número de atos
reportados poderá nem chegar a 50% dos que têm ocorrido na realidade.
Apesar dos números evidenciarem o contrário, tem havido desde 2015 uma melhoria do
patrulhamento por parte da Marinha nigeriana, o que, associado ao abaixamento do
preço do crude, fez com que o Modus Operandi dos piratas mudasse. Neste momento,
praticamente não existem sequestros de navios para roubo de crude (Bunkering) e
posterior venda no mercado negro, o que vinha sendo uma prática habitual nos últimos
anos. Um ato de Bunkering pode levar um ou mais dias a consumar, com a forte
possibilidade de os facínoras serem descobertos e presos pelas autoridades. Por outro
lado, tem aumentado o número de ataques com a finalidade de sequestrar tripulantes
dos navios, com vista à obtenção de quantias elevadas pelo seu resgate. Este é o atual
Modus Operandi dos piratas. A sua destreza é tal que conseguem consumar os seus
atos em períodos de tempo relativamente curtos, por vezes cerca de 30 minutos, o que
lhes possibilita ter uma taxa de sucesso bastante elevada nas suas ações. Devido ao
facto de a atividade dos piratas deste Golfo estar agora muito direcionada para o
sequestro de marítimos, para obtenção de resgates, os quantitativos de tripulantes
sequestrados têm vindo a aumentar bastante nos últimos tempos, prevendo-se que a
situação possa ainda vir a piorar num futuro a curto prazo.
3. Conclusões
Apesar da região do GG ser muito rica em recursos naturais, o empobrecimento das
populações, a corrupção, a anarquia e a desarticulação social são comuns a praticamente
todos os países deste Golfo. São estes fatores que, associados à grande proliferação de
armamento ilegal e à proximidade de grandes rotas comerciais, têm incentivado o
ressurgimento da pirataria marítima/AMACN na região.
Na Nigéria, país donde provém a maioria dos piratas que atuam no GG, as tensões
interétnicas, causadas pela instabilidade social que se vive naquele país, têm gerado
muita violência entre grupos armados e entre estes e o governo, em especial nos vários
estados do delta do rio Níger. Alguns desses grupos começaram a dedicar-se à pirataria
marítima/AMACN como forma de arranjarem dinheiro “fácil”, pois veem nesta uma
atividade rentável e de perigosidade não muito elevada, que lhes permite não financiar
as suas atividades como, por vezes, o seu sustento e o dos seus.
Uma vez que nunca se conseguirá erradicar dos mares a pirataria marítima/AMACN, os
esforços dos governos deverão ser feitos no sentido de a minimizar, sendo para tal
necessário que os países do GG adotem medidas de desenvolvimento social que
proporcionem melhores condições de vida, a criação de emprego e promovam a literacia
e a justiça social. No caso particular da Nigéria as avultadas quantias obtidas com a
venda do petróleo deverão ser primeiramente empregues nas áreas donde o mesmo é
extraído, dando mais bem-estar às populações locais.
O combate à pirataria marítima/AMACN no GG, para ser mais efetivo, tem que passar
pelo envolvimento de todos, o que se conseguirá com uma maior consciencialização
da importância da segurança marítima, quer por parte dos governantes quer das
populações locais. Cada vez mais é pelo mar que passam os interesses nacionais,
regionais e globais dos países - em áreas como o comércio, o transporte marítimo, a
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Vol. 11, Nº. 1 (Maio-Outubro 2020), pp. 120-127
A pirataria marítima no Golfo da Guiné
Henrique Portela Guedes
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pesca, a atividade turística e a exploração dos recursos marinhos, entre muitas outras
atividades -, cujo sucesso só será possível com a pirataria marítima/AMACN reduzida ao
mínimo, uma vez que nunca se conseguirá erradicá-la de vez.
Referências Bibliográficas
1. Livros
Guedes, Henrique, 2014. A Pirataria Marítima Contemporânea: as últimas duas décadas.
1.ª Ed. Lisboa: Edições Revista de Marinha. ISBN 978-972-96535-5-1.
Payne, John C., 2010. Piracy Today Fighting Villainy on the High Seas. 1.ª Ed. New
York USA: Sheridan House Inc. ISBN 978-1-57409-291-2.
Lehr, Peter, 2007. Violence at Sea: Piracy in the age of global terrorism. 1.ª Ed. New
York USA: Taylor & Francis Group, LLC. ISBN 0-415-95320-0.
2. Relatórios
International Maritime Bureau, 2019. Piracy and Armed Robbery Against Ships, Annual
Report 2018, United Kingdom: ICC
The Economist. Democracy Index 2018: Me too?, The Economist Intelligence Unit Limited
2019
United Nations Development Programme (UNDP). Human Development Indices and
Indicators: 2018 Statistical Update, 1 UN Plaza, New York, NY 10017 USA
3. Fontes eletrónicas on-line
International Maritime Bureau. Disponível em: http://www.icc-ccs.org [acesso em 15 de
março de 2019].
RINKEL, Serge - Piracy and Maritime Crime in the Gulf of Guinea: Experience-based
Analyses of the Situation and Policy Recommendations. Disponível em:
https://www.ispk.uni-kiel.de/de/publikationen/arbeitspapiere/serge-rinkel-piracy-and-
maritime-crime-in-the-gulf-of-guinea-experience-based-analyses-of-the-situation-and-
policy-recommendations [acesso em 10 de março de 2019].
The World Factbook. Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-
factbook/geos/ni.html [acesso em 5 de março de 2019].
Transparency International. Disponível em: www.transparency.org [acesso em 5 de
março de 2019].
4. Convenções
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de 10 de dezembro de
1982.
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5. Resoluções do CSNU
Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas N.º 2018 (2011), adotada na
sua reunião N.º 6645, de 31 outubro 2011.
Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas N.º 2039 (2012), adotada na
sua reunião N.º 6727, de 29 fevereiro 2012.
Como citar esta nota
Guedes, Henrique Portela (2020). "Apirataria marítima no Golfo da Guiné". JANUS.NET e-
journal of International Relations, Vol. 11, N.º 1, Maio-Outubro 2020. Consultado [em linha]
em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.01