OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 2 (Novembro 2019-Abril 2020), pp. 151-161
ENTRE A LIBERDADE DE CONTRATO E O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ: UMA VISÃO
INTERNA DA REFORMA DO DIREITO PRIVADO DO CAZAQUISTÃO
Kamal K. Sabirov
sabirov.k@gmail.com
Doutorando em Ciências Jurídicas na L.N. Gumilyov Eurasian National University e investigador
sénior do Institute of Legislation da República do Cazaquistão. É autor de mais de 40 artigos
científicos nas línguas cazaque e russa no campo das questões de direito privado e participante
ativo do processo de elaboração de leis no Cazaquistão.
Venera T. Konussova
konussova@mail.ru
Diretora Adjunta do Institute of Legislation da República do Cazaquistão; Doutorada em Ciências
Jurídicas. É uma das promotoras do Código Empresarial da República do Cazaquistão e uma das
autoras da lei de advocacia do Cazaquistão.
Marat A. Alenov
lscc@mail.ru
Doutor em Direito, Professor na L.N. Gumilyov Eurasian National University. É um dos principais
especialistas em Processo Civil no Cazaquistão. É autor de um grande número de obras no campo
do direito privado e do processo civil.
Resumo
Ao longo dos anos, desde que o Cazaquistão conquistou a independência, houve mudanças
importantes na economia do país associadas ao influxo de investimentos estrangeiros. Essas
mudanças exigem a implementação de experiência estrangeira na regulação das relações
económicas e, em particular, instituições contratuais estrangeiras. O Centro Financeiro
Internacional "Astana" começou a funcionar no Cazaquistão desde 2018. Os atos do Centro
Financeiro Internacional são baseados nos princípios e normas de direito da Inglaterra e do
País de Gales. Nesse sentido, foi lançada uma reforma em larga escala do direito privado da
República do Cazaquistão, com o objetivo de identificar uma série de ideias e projetos de
direito civil que podem ser medidos na legislação cazaque a partir da lei inglesa. Os autores
desta pesquisa são participantes diretos da reforma. Este estudo tem como objetivo destacar
uma das questões consideradas no âmbito da reforma do direito privado: o reforço do papel
do princípio da liberdade contratual e do princípio da boa-fé no direito contratual da República
do Cazaquistão.
Palavras-chave
Princípio da boa-fé; liberdade contratual; comprador de boa-fé; legislação do Cazaquistão;
direito privado do Cazaquistão.
Como citar este artigo
Sabirov, Kamal K.;Konussova, Venera T.; Alenov, Marat A. (2019). "Entre a liberdade de
contrato e o princípio da boa-fé: uma visão interna da reforça do Direito Privado do
Cazaquistão". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 10, N.º 2, Novembro 2019-
Abril 2020. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.10.2.10
Artigo recibido em 5 de Março de 2019 e aceite para publicação em 25 de Setembro de 2019.
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uma visão interna da reforma do Direito Privado do Cazaquistão
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ENTRE A LIBERDADE DE CONTRATO E O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ: UMA VISÃO
INTERNA DA REFORMA DO DIREITO PRIVADO DO CAZAQUISTÃO
1
Kamal K. Sabirov
Venera T. Konussova
Marat A. Alenov
Introdução
Apesar do sistema legal da República do Cazaquistão fazer parte do direito civil, foi
formado sob a influência do sistema jurídico soviético do qual herdou muitos elementos.
O direito privado da República do Cazaquistão é muito parecido com o direito privado
russo. Isso não é surpreendente, porque os dois sistemas de direito privado baseiam-se
no código modelo dos países da CEI e também tinham uma história comum de formação
no âmbito do direito civil soviético. No entanto, mais de 27 anos se passaram desde o
colapso da União Soviética e o direito privado dos países da CEI mudou
consideravelmente (Akyn e Rakhymbai, 2017).
A reforma da legislação civil está em andamento vários anos na Federação Russa.
Vários atos legislativos foram adotados para alterar o Código Civil da Federação Russa;
em particular, a lei das obrigações foi reformada. No decorrer desta reforma, algumas
instituições legais de direito comum foram implementadas.
O International Financial Center “Astana” começou a funcionar na República do
Cazaquistão desde 2018. O tribunal do International Financial Center baseia-se no direito
contratual inglês; nesse sentido, pode-se afirmar que o processo de implementação de
elementos da lei comum no sistema jurídico da República do Cazaquistão é objetivo.
Em conexão com o início da atividade do International Financial Center, está em
andamento uma reforma em larga escala da legislação sobre a implementação de certas
disposições do direito inglês e europeu. Os participantes desta reforma são os autores
deste artigo. Atualmente, o Ministério da Justiça desenvolveu um esboço de Conceito
para o projeto de lei futuro, que despertou imediatamente muitas discussões na
comunidade científica e jurídica (Konussova e Nesterova, 2016).
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2019, e tem como
objetivo a publicação no JANUS.NET. Texto traduzido por Cláudia Tavares.
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O objetivo da reforma da legislação civil na República do Cazaquistão é a modernização
e o desenvolvimento do direito privado. Nesse sentido, foi necessário comparar
abordagens à regulamentação de instituições similares, entender a lógica jurídica e
identificar pontos de contato com ela. E apenas nessa base negar ou aceitar inovações
que o direito comum traz para o desenvolvimento do direito continental.
Devido ao facto de a legislação civil da República do Cazaquistão e da Federação Russa
serem amplamente similares, foi dada considerável atenção à experiência russa. Mas, de
acordo com os respetivos cientistas jurídicos cazaques, nem todas as ideias incorporadas
no decorrer da reforma do direito privado russo podem ser consideradas bem-sucedidas
(Sulejmenov, 2016).
A reforma do direito privado na Federação Russa foi confrontada com opiniões
conflitantes entre os defensores do direito contratual inglês e os adeptos da escola de
direito clássico alemã. Por fim, durante a reforma, uma tentativa de encontrar um
compromisso e as emendas de ambos os lados foram levados em consideração.
Durante a preparação do projeto de lei, várias questões foram levantadas, incluindo o
fortalecimento do papel da prática judicial, o desenvolvimento do princípio da boa-fé e o
princípio da liberdade contratual, a introdução do conceito de "corporação" e a
regulamentação legislativa das relações corporativas, o desenvolvimento da legislação
societária, a implementação de instituições individuais do direito contratual
(impedimento, indemnizações, representações e garantias liquidadas, cláusula de
indemnização, etc.). Assim, a reforma previa mudanças bastante revolucionárias na
legislação atual, que logicamente provocaram resistência por parte dos advogados
conservadores. No final, algumas das inovações propostas do projeto tiveram que ser
abandonadas.
No âmbito deste artigo, propõe-se discutir um dos elementos da reforma do direito
privado na República do Cazaquistão, a saber, a expansão da liberdade de contrato e,
como contrapeso, o fortalecimento do princípio da boa-fé.
Geralmente, no direito contratual, existem dois princípios fundamentais que coexistem:
o princípio da liberdade contratual e o princípio da boa-fé na execução do contrato. E se
a lei inglesa presta mais atenção ao princípio da liberdade de contrato, na lei continental
o princípio da boa-fé pode ser considerado como um princípio fundamental.
A doutrina da liberdade de contrato implica que as partes do contrato tenham exatamente
as mesmas obrigações que as previstas no seu contrato. O princípio da boa-fé sugere
que as partes do contrato tenham frente a frente uma série de outras obrigações que
não surgem do contrato, mas do requisito de agir de boa-fé, como é entendido por esta
lei e ordem. O princípio da boa-fé também pode isentar uma parte do cumprimento de
suas obrigações contratuais, se este estado de direito o considerar justo nessa situação.
Além disso, baseando-se no princípio em questão, o tribunal pode atribuir as
responsabilidades à parte que não foi prescrita no contrato. Tudo isso contradiz o
princípio da liberdade do contrato.
Como parte da reforma em curso do direito privado no Cazaquistão, houve uma tentativa
de encontrar um compromisso entre o princípio da boa-fé e a liberdade de contrato.
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Métodos de investigação
Realizámos uma análise das normas legais existentes, assim como do conteúdo de
materiais de investigação de especialistas cazaques, russos, ingleses, americanos e
alemães no campo do direito privado, com o objetivo de analisar, de maneira
abrangente, algumas questões da reforma do direito privado de República do
Cazaquistão. Durante a investigação foram utilizados os trabalhos de autores cazaques
e estrangeiros - representantes das faculdades de direito alemã e inglesa. A base
metodológica do estudo inclui: análise do sistema, comparação, previsão teórica e
legal.
Principais resultados e discussão
Expandindo os Limites da Liberdade Contratual
As raízes históricas do princípio da liberdade contratual remontam ao direito romano, que
deu grande prioridade à livre expressão da vontade das pessoas e negou qualquer
pressão externa. O princípio da liberdade contratual atingiu o seu auge em meados do
século XIX, depois de se começar a restringir cada vez mais a várias ordens legais.
Nos Estados Unidos, a liberdade contratual é reconhecida como um dos direitos
constitucionais de um cidadão. O Supremo Tribunal confirmou o fortalecimento desse
direito no caso Frisbie v. Estados Unidos, 157 U.S. 160 [1895] (Bernstein, D., 2008).
Em geral, podemos distinguir três elementos sicos da liberdade contratual: a liberdade
de concluir um contrato, a liberdade de escolher um contrato e a liberdade de determinar
o conteúdo do contrato.
Esses elementos são descritos nos comentários ao Código Civil da República do
Cazaquistão da seguinte forma: " Qualquer pessoa, a seu critério e sem coerção externa,
tem o direito de: a) decidir se deve entrar ou não num contrato; b) eleger um parceiro
que deseje concluir um contrato; c) determinar os termos do contrato ".
Polémicos são os contratos que, embora o sejam explicitamente proibidos por lei,
podem ser considerados antiéticos ou imorais. Por exemplo, os contratos de transplante
de órgãos humanos, que causam polémica entre os seus apoiantes e oponentes
(Trebilcock, 1993). É também necessário abordar a questão da limitação do princípio da
liberdade contratual. Existem casos separados de restrição de liberdade contratual,
mesmo na lei inglesa. Para tal, Craswell inclui regras contra danos liquidados e regras
que proíbem a execução de promessas não suportadas pela consideração (Craswell,
1995).
A legislação civil da República do Cazaquistão, no parágrafo 4 do artigo 8 do Código Civil
da República do Cazaquistão, estabelece requisitos gerais para o comportamento dos
cidadãos e entidades jurídicas. Esses conceitos avaliativos possibilitam estabelecer
limites gerais do contrato, protegendo as partes de abusos.
Além disso, o funcionamento do princípio da liberdade contratual tem certas exceções,
atribuídas nas normas legislativas. O artigo 380 do Código Civil da República do
Cazaquistão proíbe a obrigação de celebrar um contrato, esclarecendo que isso não se
aplica aos casos em que a obrigação de celebrar um contrato está prevista na legislação
ou numa obrigação voluntariamente aceite.
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O princípio da liberdade contratual desempenha um papel fundamental no
desenvolvimento das relações económicas e de mercado. Na opinião de A. Didenko, o
contrato serve como instrumento de “democratização” da economia e, por meio dela, da
sociedade (Didenko, 2000). O princípio da liberdade contratual é uma continuação lógica
dos direitos e liberdades garantidos pela Constituição da República do Cazaquistão deste
ponto de vista.
Como decorre das disposições constitucionais relativas à realização dos direitos e
liberdades dos cidadãos, é utilizado um método discricionário de regulamentação da
legislação, permitindo o que não é diretamente proibido pelas leis. O princípio da discrição
em relação à realização pelo homem de seus direitos e liberdades é estabelecido no artigo
29.2 da Declaração Universal dos Direitos e Liberdades Humanos e Civis, que declara
que "todos devem estar sujeitos apenas às limitações que são determinadas por lei
exclusivamente com a finalidade de garantir o devido reconhecimento e respeito pelos
direitos e liberdades de terceiros".
No entanto, apesar dessas regras, a legislação civil da República do Cazaquistão
pressupõe a natureza obrigatória das regras do direito contratual. Presume-se a discrição
das normas apenas se houver uma cláusula especial "salvo disposição em contrário por
acordo entre as partes". As regras que não possuem essa cláusula são consideradas
obrigatórias.
Por outro lado, notamos que existem normas obrigatórias que sublinham a sua natureza
imperativa com uma cláusula especial no direito civil. Atualmente, a prática judicial
mostra que, em questões contestáveis, a questão de determinar a natureza da norma é
decidida pelo tribunal.
Nesse sentido, parece natural expandir o princípio da liberdade contratual para melhorar
o ambiente dos negócios. Ao mesmo tempo, é necessário desenvolver as limitações
naturais do princípio da liberdade de contrato através do princípio da boa-fé.
Basin observou que os princípios estabelecidos na legislação civil da República do
Cazaquistão se opõem diretamente aos princípios básicos sobre os quais o Código Civil
anterior da RSS do Cazaquistão foi construído (Basin, 2003). A lei soviética decorreu do
facto de que é possível fazer apenas o que é permitido pela lei. Tudo isso sugere que as
normas discricionárias do direito contratual devem ser apresentadas no direito civil em
maior extensão do que as normas obrigatórias. No entanto, como apontado por Klimkin,
o direito contratual, onde o princípio da liberdade contratual deve “funcionar”
plenamente, consiste em normas obrigatórias para quase 90% (Klimkin, 2014).
Assim, a legislação civil da República do Cazaquistão procede de uma abordagem que
pressupõe as normas obrigatórias se a norma o estabelecer diretamente o seu caráter
obrigatório. Em outras palavras, "tudo o que não é permitido por lei é proibido". Essa
restrição não cumpre os princípios básicos do direito civil; direitos e liberdades garantidos
pela Constituição, assim como pela prática mundial e requer mudanças.
Para encontrar a melhor opção para expandir os limites da liberdade contratual, é
necessário considerar as formas existentes de limitar esse princípio. Na opinião de S. V.
Scriabin, existem duas tendências principais na restrição da liberdade contratual. O
primeiro implica a inclusão em cláusulas especiais do direito civil, por exemplo, indicando
a necessidade de exercer os direitos civis de boa-fé, de maneira razoável e justa
(Cláusula 4, do artigo 8 do Código Civil da República do Cazaquistão). O segundo implica
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o fortalecimento na lei de regras obrigatórias relativas às condições de certos tipos de
contratos (Scriabin, 2003).
A análise da legislação civil da República do Cazaquistão mostra a aplicação de ambas as
formas de restrição da liberdade contratual. A restrição da liberdade de contrato por meio
de reservas gerais é típica para as normas sobre transações contestáveis e a restrição
da liberdade de contrato por restrições diretas para as regras sobre transações nulas.
Com base no exposto, acreditamos que a extensão do princípio da liberdade contratual
não deve advir da ideia de eliminar as limitações existentes do princípio da liberdade
contratual, mas do fortalecimento de princípios permissivos na legislação.
Resumindo, o princípio da liberdade contratual é atualmente um princípio fundamental
da legislação civil. No entanto, para garantir a proteção integral desse princípio nas
transações comerciais, é necessário esclarecer significativamente as normas da
legislação civil para fortalecer a liberdade contratual.
Em primeiro lugar, é necessário acrescentar ao artigo 2 do Código Civil da República do
Cazaquistão o esclarecimento de que a liberdade contratual é de facto o princípio do
direito civil. Em segundo lugar, a proteção do princípio da liberdade contratual pode ser
alcançada mediante o fortalecimento da natureza discricionária do direito civil.
A introdução de mudanças apropriadas melhorará significativamente a legislação civil da
República do Cazaquistão torná-la-á mais amigável para o ambiente dos negócios.
Fortalecendo o Princípio da Boa-
Uma indicação dos requisitos de boa-fé, justiça e razoabilidade apareceu no direito
continental sob a influência da revolução francesa, que levou as ideias de liberdade
individual, igualdade perante a lei e justiça. Estes princípios contribuíram para o
desenvolvimento das relações sociais, ideias sobre a livre expressão da vontade do
indivíduo com base em contratos celebrados com outras pessoas. Quase todos os
sistemas de direito dos países que se identificam com o direito civil contêm uma ou mais
disposições sobre boa-fé (Mackaay, 2011).
O princípio da boa-fé também desempenha um papel central na lei do tipo misto (baseada
na lei comum e na lei civil). Por exemplo, no estado da Louisiana, o princípio da boa-fé
é aplicado na lei sobre obrigações gerais e convencionais, direito comercial, direito da
família, direito da propriedade, etc. (Lovett, 2018).
Não praticamente nenhuma definição do conceito de boa-fé na lei. Mas, no entanto,
esse princípio desempenha um papel importante, especialmente no direito contratual
(Podshivalov, 2018).
Na lei comum, cada contrato implica a existência de boa-fé na sua interpretação e
execução. Ao mesmo tempo, a boa-fé é percebida como a ausência de má fé. No direito
continental, a boa-fé é observada como uma categoria de moralidade e como um
requisito que segue a linha no comportamento.
O princípio da boa-fé tem um papel fundamental na lei alemã. Os tribunais alemães
sentem-se autorizados e até obrigados a interferir nas relações contratuais quando essas
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relações são injustas com uma das partes. Quanto à França, o princípio da boa-fé nas
relações contratuais estava presente desde o Código de Napoleão.
Na nossa opinião, a importância do princípio da boa-fé é comprovada pela experiência
do Reino Unido, onde ele não foi reconhecido por um longo período de tempo. Como
observa Mackaay, foram os advogados ingleses que mais resistiram a essa doutrina. Ao
contrário da lei dos EUA, onde a boa-fé é reconhecida nas relações jurídicas pré-
contratuais, a lei inglesa tratou essa instituição criticamente (Mackaay, 2011). Por
exemplo, o direito do tribunal de contestar os termos do contrato de consumo ex post
sob a égide da luta contra cláusulas abusivas de contrato foi reconhecido em Inglaterra
apenas no início dos anos 90 e depois apenas sob a pressão das obrigações para com a
UE. Seguiu-se uma animada discussão entre advogados europeus e britânicos sobre
quanta integridade económica deve prevalecer sobre a identidade cultural e nacional
(Collins, 1994).
Vamos citar algumas posições dos tribunais ingleses do icio dos anos 90 que regulam
a questão da aplicação ao princípio da boa-fé:
Não existe uma doutrina geral de boa-fé na lei de contratos inglesa.
As partes lesadas são livres para agir como desejarem, desde que
não violem o termo do contrato(James Spencer &Co Ltd. v. Tame
Valley Padding Co Ltd. [1998]).
O dever de negociar de boa-fé é inviável na prática (Walford v.
Miles [1992]).
Nestes casos, o tribunal preferiu a aplicação do princípio da liberdade contratual e da
concorrência judicial. Esta foi a posição principal do direito inglês, que elevou a liberdade
de contrato ao princípio fundamental do direito contratual durante muito tempo.
Enquanto isso, é óbvio para os advogados da tradição do direito civil que a liberdade
absoluta do contrato contradiz a consideração justa do caso.
No entanto, a posição dos tribunais ingleses nos últimos anos mudou bastante. No caso
de Yam Seng PTE Ltd v International Trade Corporation (ITC) Ltd. [2013], o tribunal falou
sobre o princípio da boa-fé, reconhecendo que as posições tradicionais da lei inglesa em
relação à boa-fé não são razoáveis (Poole, 2012).
A "boa-fé" na lei dos EUA foi finalmente definida normativamente na codificação no
Uniform Commercial Code (U.C.C.). Neste documento, uma abordagem objetiva para
determinar a honestidade foi aplicada à definição desse conceito. Portanto, é um conceito
geral que pode ser comparado não apenas ao princípio da boa-fé no direito romano-
alemão, mas também aos conceitos avaliativos de racionalidade, justiça e ética nos
negócios.
Tudo isso aponta para a importância do princípio da boa-fé.
O princípio da boa-fé resume os contratos comerciais, tanto no direito continental como
no direito comum. Por exemplo, o parágrafo 4 do artigo 8 do Código Civil da República
do Cazaquistão afirma que " pressupõe-se boa-fé, razoabilidade e justiça nas ações dos
participantes de relações jurídicas". Assim, está implícita a boa-fé em cada contrato
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celebrado, bem como as ões da entidade empresarial. O princípio da boa-fé visa a
formação de um comportamento modelo, baseado nas ideias predominantes na
sociedade sobre a imagem honesta dos pensamentos, o respeito pelos interesses justos
dos outros, o grau permitido de egoísmo no comportamento legal (Mikryukov, 2013). Se
analisarmos o princípio da boa-fé a partir dessa perspetiva, fica claro que a boa-está
subjacente a quase todo o direito privado e é um princípio geral do direito privado.
Na legislação civil da República do Cazaquistão, a boa-fé é usada em dois significados:
objetivo e subjetivo. É uma posição tradicional da doutrina jurídica alemã que salienta a
boa-fé no significado subjetivo guter Glauben e no significado objetivo Treu und
Glauben” (Wieacker, 1956).
Num sentido objetivo, a boa-fé é entendida como uma "boa consciência", isto é, uma
categoria moral e ética e um princípio do direito civil baseado em princípios éticos e
morais. No significado subjetivo, a boa-fé é entendida como um estado concreto e
subjetivo de uma pessoa e sua conformidade com certos critérios baseados no princípio
ético moral da boa-fé.
Além disso, a razoabilidade e a equidade das ões dos participantes de relações jurídicas
civis devem ser assumidas de acordo com o parágrafo 4 do artigo 8 do Código Civil da
República do Cazaquistão de boa-fé. Esta norma marca a boa-fé como uma presunção.
Também deve ser levado em consideração que a categoria de boa-fé tem um conteúdo
moral e ético. Portanto, na legislação civil da República do Cazaquistão não há definição
do conceito de "boa-fé", pois, no caso de tal definição, a boa-fé não poderia ser usada
como uma avaliação moral da questão da proteção dos direitos civis.
No entanto, permanece por resolver a questão de se é possível considerar os requisitos
de boa-fé mencionados no parágrafo 4 do artigo 8 do Código Civil do Cazaquistão como
um princípio da lei. Ao mesmo tempo, a boa-fé na legislação civil da República do
Cazaquistão não foi elevada à categoria dos princípios básicos de direito civil
mencionados no artigo 2 do Código Civil da República do Cazaquistão. Isto provoca vários
problemas na prática da aplicação da lei.
No entanto, a especificação do termo “princípio” no texto do Código Civil da República do
Cazaquistão em relação aos requisitos de boa-fé poderia remover a maioria das questões
relacionadas ao conteúdo dos princípios básicos do direito civil.
Tendo em conta a controvérsia sobre a questão da relação entre os conceitos de
“princípios” e “princípios básicos”, parece necessário esclarecer no texto do Código Civil
que a boa-fé é um princípio geral do direito privado. Isto fortaleceria o princípio de boa-
na legislação civil da República do Cazaquistão e teria um impacto positivo na
circulação civil, fortalecendo significativamente a proteção dos direitos dos seus
participantes.
Além disso, a consolidação da boa-fé como princípio do direito privado ampliará
significativamente o âmbito da aplicação desta instituição, estendendo o seu efeito a
todas as relações jurídicas civis, incluindo relações sobre criação, mudança e cessação
de direitos e obrigações civis, proteção de direitos e interesses.
O possível risco dessa abordagem é que os tribunais obtenham uma ferramenta forte
para regular as relações na forma de boa-fé. Este risco pode ser compensado através do
controlo sobre a prática judicial que pode ser realizada pelo Supremo Tribunal da
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República do Cazaquistão. Atualmente, o Supremo Tribunal da República do Cazaquistão
tem experiência em generalização e explicação da prática judicial. Essa experiência pode
ser estendida à aplicação do princípio da boa-fé pelos tribunais.
Na República do Cazaquistão, as explicações legislativas do Supremo Tribunal são
atribuídas à lei em vigor e são adotadas na forma de decisões regulatórias, ou seja, como
atos que contêm as normas da lei, embora a doutrina científica não tenha desenvolvido
um consenso sobre a natureza legal de tais atos jurídicos do Supremo Tribunal da
República do Cazaquistão.
Além das explicações legislativas, o Supremo Tribunal da República do Cazaquistão
também publica coleções com explicações sobre a prática jurídica - Ylgi, que no
Cazaquistão significa “amostra”. Apesar de essas coleções não serem atos legais
regulamentares oficiais, eles têm uma opinião respetiva para os tribunais. Alguns
cientistas do Cazaquistão apresentaram a ideia de dar a essas coleções uma certa força
legal.
Como parte da reforma em andamento do direito privado, tentamos dar a essas coleções
um caráter recomendatório, uma espécie de análogo da jurisprudência (Konussova e
Nesterova, 2016).
Infelizmente, essa ideia não teve o apoio de advogados académicos do Cazaquistão e,
de momento, já não faz parte do projeto de reforma do direito privado.
No entanto, o Supremo Tribunal da República do Cazaquistão pode adotar decisões
regulatórias que esclareçam os tribunais inferiores da prática de aplicar certas normas.
É necessário delinear os limites do princípio da boa-fé por meio dessas resoluções, que,
em última instância, protegem contra o abuso desse princípio pelos tribunais.
Em consideração ao exposto, é necessário incluir a boa-fé no artigo 2 do Código Civil da
República do Cazaquistão, bem como esclarecê-lo como um princípio de direito. Deve-se
ter em mente que o atual artigo 8 do Código Civil da República do Cazaquistão limita a
aplicação do princípio da boa-fé. Assim, parece necessário estender esse princípio a todas
as relações civis, inclusive as relativas à criação, mudança e rescisão de direitos e
obrigações civis.
Conclusões
No decurso da reforma do direito privado da República do Cazaquistão, tornou-se
necessário expandir o princípio da liberdade contratual. Nesse sentido, os promotores do
projeto de lei futura vieram com a opção de uma possível solução para o problema.
Inicialmente, o mais lógico era a opção de rever as normas obrigatórias da legislação
civil da República do Cazaquistão para expandir o início padrão da legislação.
No entanto, essa opção exigia muito trabalho para ir além do projeto para implementar
certas disposições da lei inglesa e não podia cobrir todas as normas da lei civil. Além
disso, no âmbito de um projeto, é impossível determinar todas as opções possíveis para
abusar do princípio da liberdade contratual ou as exceções a este princípio.
Nesse sentido, decidiu-se manter duas opções possíveis para expandir o princípio da
liberdade contratual.
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Assim, uma maneira possível de expandir o princípio da liberdade contratual é transferir
para os tribunais o direito de interpretar regras controversas da lei que não contenham
indicações de natureza obrigatória ou por decreto. Esta opção é usada na Rússia e em
vários outros estados.
Se a norma não proibir a aprovação de outras disposições, nem uma referência direta ao
direito das partes em concordar com outras disposições, a norma será determinada pela
interpretação do tribunal.
Como alternativa, foi possível aceitar uma abordagem que pressupõe a natureza
discricionária da lei, se ela não tiver uma prescrição obrigatória. No entanto, essa
abordagem pode acarretar casos de abuso do princípio da liberdade contratual. No
entanto, essa abordagem pode acarretar casos de abuso do princípio da liberdade
contratual, pois exigirá, tal como na primeira versão, a revisão de um grande número de
normas que permitam às partes abster-se. No fim, decidiram-se por esta opção.
A fim de amenizar possíveis efeitos negativos da expansão da liberdade contratual, o
princípio da boa-fé também foi significativamente fortalecido. A expansão do princípio
da liberdade contratual implicará a inevitabilidade de melhorar o sistema de controlo do
comportamento injusto dos participantes na rotatividade civil. Nesse sentido, o princípio
da boa-fé pode ser uma maneira de limitar o princípio da liberdade contratual.
Uma dificuldade significativa foi causada pela exclusão da reforma do direito privado do
fortalecimento da prática judicial. No entanto, mesmo os atuais mecanismos legislativos
na República do Cazaquistão podem resolver o problema de aplicar o princípio da “boa-
fé”. Além das mudanças regulatórias, é necessário melhorar sistematicamente a cultura
de aplicação. O país adquiriu experiência em generalizar e esclarecer a prática judicial
sob a liderança do Supremo Tribunal da República do Cazaquistão. Essa experiência pode
ser estendida aplicando o princípio da boa-fé.
Atualmente, o projeto de implementação das normas e disposições do direito contratual
inglês no direito civil da República do Cazaquistão está quase concluído.
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