OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 159-162
Recensão Crítica
Sá, Tiago Moreira de; Soller, Diana (2018). Donald Trump: O
Método no Caos. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 227 páginas
Patrícia Caetano
a53710@campus.fcsh.unl.pt
Licenciada em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2017
com distinção de mérito. Mestranda em Ciência Política e Relações Internacionais, especialização
em Dinâmicas Regionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, 2º ano.
Uma história antiga como tempo: Um jacksoniano na Casa Branca
As presidenciais americanas de 2016 foram marcadas por vários acontecimentos atípicos.
O primeiro e mais importante deles foi a vitória de um candidato com promessas
singulares e com um percurso honorifico que nada tinha que ver com política, mas, sim
com negócios. Ao contrário da sua opositora democrata, Hillary Clinton, cuja vida política
esteve sempre no cerne da sua carreira, Donald Trump, pelo lado dos Republicanos,
empresário e self made man, tinha promessas populistas e difíceis de concretizar entre
elas o facto de edificar um muro em toda a fronteira com o México e fazer o México pagá-
lo.
Foi com um certo espanto
1
que os próprios EUA e o mundo receberam a sua vitória em
Novembro de 2016. Como tinha chegado um demagogo à Casa Branca? Como é que os
EUA, o país da liberdade, deixa algo assim acontecer? Eram exemplos das questões que
se ouviam nas ruas, nos media e claro entre o eleitorado. Começaram imediatamente a
surgir testemunhos de insiders e em poucos meses vários livros chegaram às livrarias.
Tais como o provocador FIRE AND FURY por Michael Wolff e até mesmo A HIGHER
LOYALTY por James Comey ex-director do FBI despedido por Donald Trump. O que
faltava ao estado da arte que surgia era compreender a figura Trump, as suas acções
que muitos consideravam aleatórias e sem fundamento e a sua visão política, muito
mais do que limitar-se a descrever as mirabolantes façanhas que ocorriam em DC. É,
neste contexto, e suprimindo esta lacuna, que Donald Trump: O Método no Caos por
Tiago Moreira de doutorado em História das Relações Internacionais e especialista
1
https://www.scientificamerican.com/article/explaining-donald-trump-s-shock-election-win/
https://www.washingtonpost.com/gdpr-consent/?destination=%2fpolitics%2felection-day-an-
acrimonious-race-reaches-its-end-point%2f2016%2f11%2f08%2f32b96c72-a557-11e6-ba59-
a7d93165c6d4_story.html%3f&utm_term=.154915d3cea7
www.abc.net.au%2Fnews%2F2016-11-09%2Fdonald-trump-wins-us-election-defeats-hillary-
clinton%2F8006776&usg=AOvVaw2vepkEhm1hdA2Ji0E7Vobr
JANUS.NET, e-journal of International Relations
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em política norte-americana e Diana Soller doutorada em Estudos Internacionais e
bolseira Fullbright surge. A obra insere-se na tendência explicativa do fenómeno
Trump, procurando deter uma visão imparcial e sem preconceitos alicerçando-se a
movimentos sociais próprios da sociedade americana. Uma das primeiras obras em ngua
portuguesa sobre o tema e uma das mais importantes para o estado da arte quer nacional
quer internacional.
A chegada de Trump
Para entender a ascensão de Trump, a presente obra, delimita-se em quatro capítulos.
O primeiro deles procura compreender: Porquê Trump?, contextualizando espácio-
temporalmente. E os outros em enquadrá-lo na visão das relações internacionais
confrontando-o com as suas limitações e dinâmicas regionais.
Os autores começam por plantear três questões mestre que irão conduzir o livro. São
elas:
Como é que Donald Trump alguém que põe em cheque a “narrativa fundadora” tem
grande aceitação pelo eleitorado americano?
Como foi possível aos media e eleitorado diabolizar” a figura ao passo de tentar
compreender porquê ?
Como é possível haver espanto ao chamar à vitória “imprevisível”?
Desde modo, os autores começam por ir ao encontro dos preconceitos criados pelos
media e sociedade e discutiam-nos. A grande tese do livro debruça-se sobre a
possibilidade de traçar Trump como um candidato expectável e com método. É, então,
possível determinar que houve condições conjecturais e estruturais para a sua eleição.
Se alguns afirmam que os EUA deixaram de ter um presidente como referência para o
mundo livre e nação essencial para temas como multilateralismo e organizações
internacionais
2
, Donald Trump: O Método no Caos começa por traçar quando é que os
EUA começaram assim a ser vistos e como nem sempre assim o foi. Antes de mais parte
para a compreensão do populismo jacksoniano, pelo qual teoricamente Donald Trump se
alinha. Enfatizando questões como o contexto de crise no qual toma sempre forma
identitária, social e económica combinada com narrativas de um passado glorioso que
não existiu. Exposição patente, tal como os autores referem, no discurso inaugural de
aceitação de presidência mas também discurso que ainda domina a retórica Trump
3
,
make America great again. Ainda no primeiro capítulo os autores voltam a focar a questão
da sociedade americana alicerçada numa mitologia vica tal como referem também
autores como Adam Smith em A Identidade Nacional contudo, o primazia a esta
questão aquando combinada com os princípios jacksonianos (honra, igualdade,
individualismo, espírito financeiro, coragem e perseverança, nacionalismo e o complexo
de inferioridade). Isto permite antever alguma retórica do ora presidente dos Estados
Unidos, seja pelo individualismo ou sobreposição da vertente económica e financeira às
causas humanitárias. Os autores propoem, então, compreender Trump pela significativa
2
Almeida, G., 2018. Isto não é bem um presidente dos EUA. 1st ed.: Prime Books
3
Veja-se, por exemplo, o discurso de Trump em Tampa, em 31 de Julho de 2018.
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parte da população que se alinha pelos princípios jacksonianos mas também pela
comunidade folk.
A comunidade folk é para Moreira de e Soller um elemento basilar para a vitória de
Donald Trump. Esta comunidade tinha as razões essenciais parta receber o candidato
republicano de braços abertos eram elas o seu isolamento geográfico, fraco poder
económico e repressão social. Donald Trump era o expoente máximo de um self made
man, de um verdadeiro americano. Alguém com os ideais roubados pela Administração
Obama que começava a utilizar o Estado como uma figura interventiva e dava primazia
a questões sociais e a minorias.
Donald Trump: O Método no Caos defende também que a crise do partido republicano
era propicia a um candidato como Trump. A “inexistência de uma narrativa coerente” pós
Ronald Reagan, o legado de George W. Bush e a vitória de Obama deixaram o partido
republicano quebrado e sem rumo, no dilema de compactuar com Trump e “vender a
alma ao diabo” ou “denunciar o presidente como um falso republicano”, isto o tudo
razões apontadas pelos autores para emergência de Trump dentro do próprio partido e
do leque de candidatos.
Segundo Moreira de e Soller foram estas as condições para que Trump conseguisse o
sucesso eleitoral de 2016, i.e, o ressurgimento folk, crise política, económica e
identitária.
Trump e as dinâmicas internacionais
A nível da política externa e relação com os outros países os autores optam por dividir
em duas partes, por um lado o enquadramento teórico da visão de Trump e por outro a
análise de Trump antagonicamente com a Europa, Ásia e Médio Oriente.
Começam, então, por dar ênfase ao tal pregado pelos media que a Administração Trump
seria imprevisível. Nisto, como algo basilar para desconstruir o pensamento Trump,
definem o porquê dessa percepção. A instabilidade do staff da Casa Branca e os
consecutivos despedimentos da Administração Trump juntando-se ao conjunto de ideias
do presidente, criam a ideia de que Trump acaba por não ter um rumo ideológico. O que
os autores advogam não ser verídico.
A nível da política externa Moreira de e Soller defendem que Trump tem se afastando
da estratégia internacional de Obama e tentando criar algo novo, sublinhando que as
estratégias clássicas se encontravam desactualizadas, uma política externa jacksoniana.
Este realismo jacksoniano com tendência “pessimista, proteccionista” e com a bandeira
da eficiência económica, leva a uma visão prática das relações EUA-Mundo. Essa visão,
defendem os autores, fez o mundo ver uma mudança radical nos EUA que abandonam
alguns dos princípios pelos quais era símbolo (internacionalismo, liberalismo, obrigações
democráticas para com o mundo).
Para mais, traçam quatro pontos que Trump tem como definidos aquando a Política
Externa: 1) Que tragam resultados económico-sociais para os EUA; 2) Tornar novamente
os EUA numa “República Comercial”; 3) Fazer face às potências: China e Rússia; 4)
Isolamento do “Eixo do Mal”, Irão e Coreia do Norte.
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Após a análise dos objectivos da Administração Trump, bem como da sua política
jacksoniana, Moreira de e Soller advogam que Trump é um presidente revisicionaista.
Para o actual presidente o declínio dos EUA começou quando estes se imiscuem na ordem
internacional nos anos 40 do culo XX. Coloca o seu slogan “America First” como
estandarte da sua política, essencial para compreender a persona, e para traçar uma
política da Administração. Concluindo, deste modo, que os EUA não abdicam da sua
posição na política mundial, apenas a transferem para um outro espectro político.
Relativamente às regiões, as estratégias mudam um pouco, ignorando o modelo de
convergência que tinha primazia, por exemplo, na relação com a Europa e adopta
vias realistas. Perfilha a estratégia carrots and sticks com a Coreia do Norte e declara
guerra ao “Islão Radical”.
Conclusão
O Método no Caos é inovador, na medida compreensiva e no enquadramento teórico que
proporciona a Trump e respectiva Administração. O enquadramento histórico permite-
nos traçar o rumo que levou à eleição de um candidato com características populistas e
jacksonianas mas também oferece uma visão ampla de como a sociedade americana
compreendeu este fenómeno.
A nível da dos silêncios é de destacar a relação Trump com os seus parceiros NAFTA,
nomeadamente a questão do México e do Canadá. E ainda as dinâmicas regionais que
poderá alterar ou tentar na América do Norte, particularmente na fronteira sul dos
EUA com o México. Poderia ainda ter havido menção à relação EUA com a América Latina
como um todo, uma vez que o caso de Cuba continua em aberto após os avanços da
Administração Obama e a relação com os países da América do Sul como parceiros
económicos ou ainda a Colômbia com a guerra ao narcotráfico, na qual os EUA sempre
desempenharam um papel fundamental.
Em suma, uma obra fundamental para compreender um dos maiores eventos da política
americana da segunda década do século XXI, com peso e medida na teoria e visão
pragmática do mundo.
Como citar esta Recensão Crítica
Caetano, Patrícia (2019). Sá, Tiago Moreira de; Soller, Diana (2018). Donald Trump: O Método
no Caos. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 227 páginas. Recensão Crítica, JANUS.NET e-
journal of International Relations, Vol. 10, Nº. 1, Maio-Outubro 2019. Consultado [online] em
data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.10.01.1