OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10 Nº.1 (Maio-Outobro 2019), pp. 150-158
Notas e Reflexões
A COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA NA EURORREGIÃO
GALIZA-NORTE DE PORTUGAL
1
Vera Ferreira
veralsf.vf@gmail.com
Doutoranda em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável no Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Portugal) e investigadora júnior no Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra, onde integra o Núcleo de Estudos sobre Ciência, Economia e
Sociedade. Mestre em Relações Internacionais (Especialidade de Estudos da Paz e da Segurança)
pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (2017), com a dissertação “Migrações
climáticas e segurança humana”. Licenciada em Relações Internacionais pela Faculdade de
Economia da Universidade de Coimbra (2015).
Introdução
Após séculos de desconfiança e rivalidade, as relações de cooperação territorial e, mais
concretamente, de cooperação transfronteiriça entre Portugal e Espanha caracterizam-
se, na atualidade, por um dinamismo crescente. Com efeito, desde a segunda metade
da década de 1970, tem-se assistido a uma evolução e consolidação paulatina destas
relações. O estabelecimento de Eurocidades, Eurorregiões, Comunidades de Trabalho e
Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial ao longo do Espaço Transfronteiriço
de Espanha e Portugal
2
ilustra bem essa vitalidade.
De acordo com Araújo e Varela (2014: 807), “a cooperação territorial surge como um
objetivo político para promover o desenvolvimento e a coesão a nível local, regional,
nacional ou mesmo transnacional”. Neste contexto, a Eurorregião Galiza-Norte de
Portugal destaca-se pela sua “longevidade institucional” (Araújo e Varela, 2014: 805),
pelo que merece ser objeto de uma reflexão mais aprofundada. Alguns autores referem
mesmo que “o território conjunto constituído pela Galiza e a Região Norte é
1
O presente texto é resultado de um dos estudos do projecto de investigação ‘Cidades e Regiões: a
paradiplomacia em Portugal’, coordenado pelo Professor Doutor Luís Moita, no âmbito da unidade de
investigação OBSERVARE da Universidade Autónoma de Lisboa, beneficiando de financiamento da FCT
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com a referência UID/CPO/04155/2013
2
O Espaço Transfronteiriço de Espanha e Portugal abrange 37 NUT III (Nomenclatura das Unidades
Territoriais para Fins Estatísticos) de ambos os lados da fronteira.
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[provavelmente] o espaço transfronteiriço mais bem definido da Europa” (Pardellas e
Padín, 2017: 32).
Situada no noroeste da Península Ibérica, a Eurorregião Galiza-Norte de Portugal inclui a
Região Norte de Portugal (que integra as NUT III do Alto Minho, Cávado, Ave, Alto
Tâmega, Tâmega e Sousa, Terras de Trás-os-Montes, Douro e Área Metropolitana do
Porto) e a Comunidade Autónoma da Galiza (constituída pelas províncias de Pontevedra,
Ourense, Corunha e Lugo), ocupando uma superfície de 51 mil km
2
.
Na perspetiva de Cancela (2013: 89-90), para além dos elementos tangíveis (como a
construção de pontes e a requalificação das vias de comunicação), a aproximação entre
o Norte de Portugal e a Galiza é portadora de um extraordinário património intangível,
designadamente a criação de um contexto que encorajou a cooperação entre diversos
atores político-administrativos e socioeconómicos, numa tentativa de fundar um território
socialmente e economicamente atrativo e coeso e de reduzir o seu caráter periférico
(relativamente aos principais centros políticos e económicos) originando, no fundo,
uma verdadeira Eurorregião.
Segundo a conceção de Medeiros (2010: 6), uma “Eurorregião” pode ser definida como
uma região ou sub-região, normalmente como um área inferior a
200.000 km
2
, que se estende para além das fronteiras que separam
um ou mais países Europeus e que: (i) está a ser alvo de uma
estratégia de desenvolvimento comum, com carácter de atuação
permanente e reforçado, e que conte com uma importante
participação e colaboração de vários atores dos níveis local ao
regional, e em particular da sociedade civil. […] (ii) o efeito barreira
em todas as suas dimensões é bastante reduzido, permitindo a
passagem intensa de fluxos transfronteiriços que ajudem a
estruturar o território e a proporcionar efeitos socioeconómicos
positivos em ambos os lados da fronteira; (iii) a partilha de
equipamentos sociais e culturais seja uma realidade; (iv) se
verifique uma cooperação intensa e em rede entre principais os
polos de investigação, centros urbanos e entidades empresariais
transfronteiriças.
Como sublinham Varela et al. (2015: 82-83), com a entrada de atores subnacionais nas
relações internacionais
gera-se um novo espaço paralelo aos espaços diplomáticos formais
e centrais, criando uma rede que é formal, mas também periférica
e paradiplomática, em que as interdependências e a cooperação se
enriquecem a si próprias, multiplicando e, em alguns casos,
produzindo impactos através de iniciativas sucessivas de
cooperação transfronteiriça, inter-regional e territorial.
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Deste modo, a adoção do conceito de “paradiplomacia” remete para “o estudo do
relacionamento externo de atores sociais distintos dos poderes centrais dos Estados
nacionais” (Curto et al. 2014: 115). Por conseguinte, para além da contextualização e
caracterização da cooperação entre a Região Norte e a Galiza, pretendemos igualmente
compreender se a Eurorregião Galiza-Norte de Portugal se apresenta como um ator
relevante nesta diplomacia não-estatal.
Assim, em primeiro lugar serão explicitados os fatores que motivaram a cooperação entre
o Norte de Portugal e a Galiza; em segundo lugar, serão identificadas as etapas de
institucionalização da cooperação transfronteiriça entre as duas regiões; de seguida,
serão evidenciadas as áreas estratégicas de cooperação, bem como as iniciativas e
projetos implementados na Eurorregião; posteriormente, proceder-se a uma avaliação
da cooperação entre a Região Norte e a Galiza, antecipando alguns desafios para o
futuro; finalmente, procuraremos aferir se é possível falar de uma paradiplomacia da
Eurorregião Galiza-Norte de Portugal.
Fatores que motivaram a cooperação entre o Norte de Portugal e a Galiza
Historicamente, a convivência e os intercâmbios entre o Norte de Portugal e a Galiza têm
beneficiado da contiguidade geográfica e das afinidades culturais e linguísticas (Cancela,
2010: 152). Ademais, tal como explicam Trillo e Lois (2011: 129), “a procura de
benefícios pelas diferenças de salário, os preços da habitação, solo, matérias primas,
produtos manufaturados ou atividades de ócio explicam movimentos transfronteiriços
diários ou frequentes, o que pode ocorrer em áreas afetadas pela fronteira”. Não
obstante, existem outros fatores de cariz político e institucional que favoreceram esta
cooperação.
A transição democrática de Portugal e Espanha na segunda metade da década de 1970
influenciou decisivamente a reorientação das respetivas políticas externas, o que
impulsionou a cooperação transfronteiriça entre os dois Estados. Com efeito, em 1977
foi assinado o Tratado de Amizade e Cooperação entre Portugal e Espanha, com o
propósito de “fortalecer os vínculos de amizade e solidariedade que existem entre os dois
países”. Considerava-se que o reforço da cooperação entre os Estados ibéricos e a
prossecução de uma prática de boa vizinhança contribuiriam para a paz e segurança
internacionais, assim como para o “desenvolvimento harmonioso das relações que
decorrem de um património histórico e cultural compartilhado”. Pretendia-se, portanto,
estimular relações económicas mutuamente vantajosas especialmente nos sectores da
indústria, comércio, mineração, agricultura, pesca, transportes e turismo , desenvolver
novas áreas de cooperação e “promover a proteção e aproveitamento racional dos
recursos naturais de uso comum” (Artigos 3.º, 4.º e 7.º).
Revela-se imprescindível assinalar, igualmente, a descentralização do Estado espanhol
(na sequência da aprovação da Constituição de 1978), que conduziu ao estabelecimento
de comunidades autónomas. Efetivamente, a Galiza é, desde 1981, uma Comunidade
Autónoma, cujos poderes políticos emanam do seu Estatuto de Autonomia. Possui as
suas próprias instituições políticas um Parlamento, um Governo Regional e um
Presidente e o seu território está dividido em províncias e municípios.
Por outro lado, para Pardellas e Padín (2017: 12), o processo de integração europeia
constituiu um ponto de inflexão na história das fronteiras”, desde logo, pela abolição das
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barreiras fronteiriças e pela participação no mercado único europeu (que permite a livre
circulação de pessoas, bens, serviços e capitais). Portugal e Espanha aderiram à então
Comunidade Económica Europeia em 1986, e em 1988 e 1990 ratificaram,
respetivamente, a Convenção-Quadro Europeia para a Cooperação Transfronteira entre
as Comunidades ou Autoridades Territoriais (de 1980), de acordo com a qual os Estados
signatários se comprometiam a “facilitar e a promover a cooperação transfronteiriça
entre as comunidades ou autoridades territoriais sob a sua jurisdição” (Artigo 1.º). Por
conseguinte, entende-se por cooperação transfronteiriça
qualquer tipo de concertação visando o reforço e o desenvolvimento
das relações de vizinhança entre as comunidades ou autoridades
territoriais sob a jurisdição de duas ou mais Partes contratantes,
bem como a celebração de acordos e de concertações que se
mostrem úteis à consecução desse fim (Artigo 2.º).
Além disso, a Política de Coesão da União Europeia cujo principal objetivo consiste em
reduzir as disparidades económicas, sociais e territoriais entre regiões (Artigo 174 do
Tratado de Funcionamento da União Europeia) tem vindo a incentivar a cooperação
regional, designadamente no que concerne à cooperação transfronteiriça. Destaca-se,
neste âmbito, o INTERREG. Esta iniciativa comunitária consiste num conjunto de
programas financiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, que visam
fomentar a cooperação entre regiões da União Europeia. Iniciado em 1989, encontra-se
atualmente no seu quinto período de programação (2014-2020)
3
.
Etapas de institucionalização da cooperação transfronteiriça entre a
Galiza e o Norte de Portugal
Recorrendo à sistematização de Cancela (2010), é possível distinguir duas fases na
institucionalização da cooperação entre a Região Norte e a Galiza: uma fase informal, de
1981 a 1991, e uma fase formal, que o autor situa entre 1991 e 2008, mas que pode ser
prolongável até à atualidade. Deste modo, a fase informal caracterizou-se pelos
contactos preliminares entre a Junta da Galiza e a Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) os dois principais atores e dinamizadores
dos processos de cooperação , que culminaram na celebração de Jornadas Técnicas
entre a Galiza e o Norte de Portugal (em 1988 e em 1990). A partir das II Jornadas
Técnicas, constatou-se a necessidade de estabelecer uma estrutura que favorecesses a
continuidade, coerência e incremento da cooperação transfronteiriça, enquadrada num
programa de trabalho estruturado a nível funcional e institucional (CTGNP, 2019).
Principiou, assim, a fase formal de cooperação. Com efeito, em outubro de 1991, o
Presidente da Junta da Galiza, Manuel Fraga Iribarne, e o Presidente da CCDR-N, Luís
3
No âmbito do INTERREG V-A Espanha-Portugal (POCTEP) 2014-2020, a estratégia de cooperação territorial
entre os dois Estados assenta nos seguintes objetivos temáticos: reforçar a investigação, o desenvolvimento
tecnológico e a inovação; melhorar a competitividade das pequenas e médias empresas; promover a
adaptação às alterações climáticas e a prevenção e gestão de riscos; preservar e proteger o ambiente e
promover a utilização eficiente dos recursos; e reforçar a capacidade institucional.
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Braga da Cruz, assinaram o Acordo Constitutivo da Comunidade de Trabalho Galiza-
Região Norte de Portugal. Neste acordo reconhecia-se que “a cooperação transfronteiriça
é um dos meios mais eficazes para assegurar a aproximação das populações fronteiriças,
a superação das dificuldades que comporta toda a fronteira e o impulso ao
desenvolvimento das zonas fronteiriças”. Nesse sentido, a fundação da Comunidade de
Trabalho Galiza Norte de Portugal (CTGNP) visava reforçar as relações de boa
vizinhança, “com a tripla finalidade de contribuir para o desenvolvimento de ambas as
regiões, para a construção europeia e para melhorar a situação das populações
fronteiriças”. Assim, através da atuação de Comissões Setoriais, a Comunidade de
Trabalho privilegiaria o desenvolvimento económico e o desenvolvimento rural; os
transportes, as comunicações e o turismo; a cultura, a educação e a inovação; a
agricultura e a pecuária; o meio ambiente e o ordenamento do território.
Em 2006, este Acordo foi adaptado, de modo a integrar as disposições da Convenção
entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha sobre Cooperação Transfronteiriça
entre Instâncias e Entidades Territoriais (Convenção de Valência), assinada em 2002. A
referida Convenção tem por objeto “promover e regular juridicamente a cooperação
transfronteiriça entre instâncias territoriais portuguesas e entidades territoriais
espanholas” (Capítulo I, Artigo 1.º). Deste modo, em 2006 foi assinado o Convénio de
Cooperação Transfronteiriça entre a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento
Regional do Norte de Portugal e a Junta da Galiza, que desde então tem vindo a reger o
funcionamento da CTGNP. De acordo com as disposições plasmadas no Convénio
(Capítulo Primeiro, Artigo 3), a ação da CTGNP deveria centrar-se nos seguintes âmbitos
de cooperação: desenvolvimento económico; transportes e comunicações; agricultura,
meio ambiente, recursos naturais e ordenamento do território; pesca; saúde e assuntos
sociais; desenvolvimento local; administração regional e local; educação, formação e
emprego; investigação científica e universidades; cultura, património e turismo.
Também em 2006, e com o objetivo de eliminar os obstáculos à cooperação territorial, a
União Europeia criou instrumentos de cooperação territorial dotados de personalidade
jurídica os Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial
4
. Perante este cenário,
em 2008 foi fundado o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza-Norte de
Portugal (GNP-AECT), através do Convénio de Cooperação Territorial Europeia entre a
Xunta de Galicia e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte
inaugurou-se uma nova etapa histórica na cooperação transfronteiriça entre o Norte de
Portugal e a Galiza, designada por cooperação de “segunda geração” (Cancela, 2010:
155).
Segundo Cancela (2010: 151), esta cooperação pressupõe “o aprofundamento e a
institucionalização da cooperação e a renovação do compromisso político da Junta da
Galiza e da CCDR-N para com este empreendimento comum”. O GNP-AECT iniciou
funções em 2010 e tem como missão facilitar e promover a cooperação territorial entre
a Galiza e o Norte de Portugal em diversas áreas de atuação, produzindo um espaço
eurorregional cada vez mais integrado. Deste modo, o GNP-AECT assume como principais
objetivos: fomentar e simplificar as relações transfronteiriças; ampliar a competitividade
do território e do tecido empresarial; promover as transferências de competências,
conhecimento e inovação; desenvolver o acesso a sistemas de transportes básicos;
incrementar a coesão social e institucional da Eurorregião; assegurar um
4
Regulamento (CE) N.º 1082/2006.
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desenvolvimento sustentável; racionalizar os equipamentos transfronteiriços,
incentivando a sua utilização conjunta. No fundo, trata-se de um agente encarregue de
estabelecer pontes de comunicação, investimento e convergência entre instituições,
empresas e cidadãos de ambos os lados da fronteira (GNP-AECT, 2019).
Por conseguinte, atualmente coexistem dois instrumentos institucionais no espaço de
cooperação eurorregional: a CTGNP, que atua enquanto entidade política e estratégica,
e o GNP-AECT, que funciona enquanto executor efetivo dos projetos de cooperação
(Cancela, 2013: 97).
Áreas estratégicas de cooperação, iniciativas e projetos
No que diz respeito às medidas que consolidam as relações entre o Norte de Portugal e
a Galiza, verifica-se que o GNP-AECT implementa um plano anual de atividades e está
atualmente a executar o Plano de Investimentos Conjuntos (PIC) para o período 2014-
2020 (Quadro 1).
Quadro 1 - Plano de Investimentos Conjuntos da Eurorregião Galiza Norte de Portugal 2014-2020,
com os seus respetivos eixos de atuação e prioridades estratégicas
Eixos
Investigação e transferência
de conhecimento
Competitividade e emprego
Qualidade do meio ambiente
e património
Capacitação institucional ao
serviço da cidadania
Fonte: elaboração própria com dados do PIC.
O PIC previa a elaboração de uma Estratégia de Especialização Inteligente eurorregional,
que se concretizou em 2015, com a adoção da Estratégia de Especialização Inteligente
Transfronteiriça Galiza-Norte de Portugal (RIS3T). O RIS3T enquadra-se na nova Política
de Coesão 2014-2020 da União Europeia, que impulsiona o desenvolvimento económico
através do apoio à investigação e à inovação, tendo em vista uma especialização
económica competitiva de cada região. Nesse sentido, o RIS3T Galiza-Norte de Portugal
define seis áreas estratégicas de colaboração: i) aproveitamento da energia proveniente
da biomassa e do mar; ii) potenciamento da competitividades das indústrias
agroalimentar e biotecnológica; iii) reforço da competitividade do sector industrial
(indústria 4.0); iv) fomento da competitividade das indústrias de mobilidade; v)
modernização das indústrias turísticas e criativas, incluindo o recurso às TIC; vi)
desenvolvimento de soluções avançadas para uma vida saudável e um envelhecimento
ativo.
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Avaliação da cooperação entre o Norte de Portugal e a Galiza e desafios
para o futuro
Mediante um conjunto de entrevistas realizadas com representantes da CCDR-N e do
GNP-AECT, é possível afirmar que o impacto global da Eurorregião Galiza-Norte de
Portugal é deveras positivo.
Contudo, no que concerne à perceção da população da fronteira relativamente à
Eurorregião, os representantes da CCDR-N e do GNP-AECT reconhecem que existe uma
dificuldade em comunicar os resultados das ações empreendidas. Tal não tem invalidado,
contudo, a participação ativa da população da Eurorregião nas iniciativas e programas
lançados pelo GNP-AECT. Consta-se, em suma, que “a cidadania está muito a favor da
Eurorregião”, até porque, se pensarmos em cidades como Valença e Tui separadas
apenas por 3 km , o quotidiano das populações é vivido de ambos os lados da fronteira.
No que diz respeito à avaliação do impacto global das ões realizadas, verifica-se que
esta tem sido maioritariamente de base qualitativa (sobretudo entrevistas). Segundo os
representantes da CCDR-N e do GNP-AECT, a avaliação é dificultada porque no mesmo
território concorrem várias políticas, sendo difícil isolar os resultados que decorrem de
cada uma (e, consequentemente, dos instrumentos de cooperação transfronteiriça). Na
perspetiva dos entrevistados, revela-se premente delinear indicadores de avaliação de
impacto territorial de natureza transfronteiriça, com o intuito de selecionar os programas
que têm mais significado a nível do território, avaliar os seus efeitos e reformulá-los (se
assim se justificar).
Finalmente, relativamente aos desafios para o futuro, constata-se que a principal
fragilidade da cooperação entre a Região Norte e a Galiza é de caráter institucional e
deriva da assimetria de competências entre a Comunidade Autónoma da Galiza
governada por uma Junta mandatada politicamente e que detém autonomia e orçamento
para aplicar políticas e a Região Norte em que a CCDR-N representa um governo
central (não é uma entidade legal per se), não possuindo, por isso, autonomia para uma
intervenção política de maior alcance. Tal significa que muitas das questões associadas
à cooperação transfronteiriça têm de ser tratadas diretamente com o Governo de
Portugal, o que pode constituir uma desvantagem, na medida em que existe um maior
distanciamento de Lisboa face às especificidades da cooperação entre a Região Norte e
a Galiza.
Conclusão: será possível falar de uma paradiplomacia da Eurorregião
Galiza-Norte de Portugal?
No que se refere à coordenação das relações externas da Região Norte com as prioridades
da política externa portuguesa (definidas pelo poder central), constatou-se, na sequência
das entrevistas efetuadas, que convivem duas dinâmicas paradoxais:
i) Existe uma dependência face ao poder central, resultante da carência de autonomia
por parte da CCDR-N. No entanto, “há determinadas experiências que são vividas
pelas áreas que sofrem o impacto da fronteira que não o imediatamente visíveis, de
forma alguma, para pessoas, entidades e organismos que pensam do ponto de vista
central há um distanciamento muito grande”. A entrevistada conclui, assim, que “a
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regionalização pode ser defensável a rios níveis, mas do ponto de vista da resolução
de interesses de natureza transfronteiriça é um elemento óbvio”. Na sua opinião, tal
propiciaria uma interlocução idêntica entre a Região Norte e a Galiza, bem como a
concretização de ões que foram pensadas e orçamentadas, mas cuja execução
tem vindo a ser obstaculizada.
ii) Verifica-se uma vontade explícita de autonomia na condução das relações de
cooperação da Eurorregião. Nas palavras da representante da CCDR-N, “muitas das
ações que nós fazemos até acabam por descrever pretensões, desejos e intenções
mais sentidos do ponto de vista do território, quer ao nível dos municípios, por
exemplo, quer ao nível das NUTS III, e não tanto de cima para baixo”. Já ao nível da
estratégia de internacionalização, a Eurorregião participa em redes que “não se
inscrevem numa lógica central”. A entrevistada acrescenta ainda que essa atuação se
pauta pelo reconhecimento da “importância que estas ações têm no âmbito da nossa
própria Eurorregião, autonomamente, de acordo com o nosso interesse e daquilo que
nós percebemos como sendo um interesse […] de projetar a região, ainda que com os
constrangimentos institucionais que tenhamos”.
Em suma, é possível concluir que o dinamismo e vitalidade que caracterizam os processos
de cooperação transfronteiriça na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal não se traduzem
numa verdadeira diplomacia não-estatal, ou paradiplomacia. Efetivamente, ainda que em
alguns fóruns europeus entre regiões a Região Norte e a Galiza se apresentem enquanto
Eurorregião, atuando de um modo concertado, tal não significa que a Eurorregião
constitua um ator unitário ou um agente de internacionalização autónomo. Pelo contrário,
a inserção internacional Eurorregião continua dependente das políticas externas dos
Estados português e espanhol.
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Como citar esta Nota
Ferreira, Vera (2019). "A cooperação transfronteiriça na Eurorregião Galiza-Norte de
Portugal". Notes, JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 10, N.º 1, Maio-Outobro
2019. Consultado [online] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-
7251.10.1.01