OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O PAPEL DA POLÍTICA E DO AMBIENTE INSTITUCIONAL NO
EMPREENDEDORISMO: EVIDÊNCIA EMPÍRICA DE MOÇAMBIQUE
Renato Pereira
rpereira@autonoma.pt
Investigador Integrado, OBSERVARE, Universidade Autónoma de Lisboa (UAL, Portugal).
Professor Associado da UAL. Professor convidado do ISCTE-IUL. Doutorado em Ciências da
Gestão pela Université Paris Dauphine.
Redento Maia
Investigador de pós-doutoramento, OBSERVARE, Universidade Autónoma de Lisboa. Professor
Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto (Angola).
Doutorado em Economia pela Universidade de Economia de Sófia (Bulgária).
Resumo
Este trabalho investiga a relação entre o ambiente político e institucional e o desenvolvimento
do empreendedorismo em Moçambique. Com base numa revisão da literatura e com recurso
a dados empíricos recolhidos em entrevistas a 10 pessoas que desempenham funções
diferentes com impacto no cenário empresarial do país, os resultados apoiam a teoria
existente e sugerem que este país africano ainda tem um longo caminho a percorrer na
articulação entre a ação governamental e o desenvolvimento empresarial.
Palavras chave
Estado, Política, Empreendedorismo, Moçambique, África
Como citar este artigo
Pereira, R; Maia, R (2019). "O papel da política e do ambiente institucional no
empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique". JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 10, N.º 1, Maio-Outubro 2019. Consultado [online] em data da
última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.10.1.7
Artigo recebido em 17 de Outubro de 2018 e aceite para publicação em 4 de Fevereiro
de 2019
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
103
O PAPEL DA POLÍTICA E DO AMBIENTE INSTITUCIONAL NO
EMPREENDEDORISMO: EVIDÊNCIA EMPÍRICA DE MOÇAMBIQUE
1
Renato Pereira
Redento Maia
Introdução
O papel desempenhado pelo Estado, autoridades locais, governos, instituições e políticas
públicas sobre o desenvolvimento do empreendedorismo tem sido investigado por
estudiosos de diferentes áreas das ciências sociais.
No caso de África, compreender este tópico é de importância fundamental devido à
relação testada entre empreendedorismo e crescimento económico no continente (por
exemplo, Adusei, 2016) e o baixo nível de desenvolvimento económico em muitos países
africanos.
Alguns dos elementos-chave que relacionam a ação do Estado’ com o empreendedorismo
são o ambiente institucional fornecido pelos governos, onde a burocracia desempenha
um papel desastroso, mas também o custo inicial, a falta de transparência das taxas
públicas, a inexistência de investimento em capital humano, a ausência de coordenação
entre formuladores de políticas governamentais e os funcionários públicos que
implementam políticas, e a suspeita/medo que os políticos sentem dos empresários,
entre outros fatores.
O objetivo deste trabalho é explorar empiricamente as principais relações identificadas
na literatura num dos países menos desenvolvidos de África, contribuindo assim para
avançar o nosso conhecimento sobre empreendedorismo e o papel do Estado em
Moçambique.
1. Empreendedorismo e política em África
1.1. Empreendedorismo, desenvolvimento económico e políticas públicas
Os governos de todo o mundo têm recorrido ao desenvolvimento do empreendedorismo
como resposta a uma das questões económicas que mais desafios coloca a qualquer
regime democrático: o desemprego (por exemplo, Mehari & Belay, 2017). Por causa
disso, os economistas têm testado extensivamente a relação entre empreendedorismo e
crescimento económico, o que constituiu uma base sólida para o aconselhamento de
1
A tradução deste artigo foi financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e
a Tecnologia no âmbito do projeto do OBSERVARE com a referência UID/CPO/04155/2019, e tem como
objetivo a publicação no JANUS.NET. Texto traduzido por Carolina Peralta.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
104
governos e formuladores de políticas sobre o que podem e devem fazer a esse respeito.
Num artigo muito provocador, Shane (2009) aponta dois elementos muito importantes
para o debate sobre o assunto:
(i) os países com a maior percentagem de empresários entre a população são países
pobres, não países ricos; e
(ii) apenas uma pequena percentagem de todas as startups, as designadas ‘gazelas’,
têm realmente um impacto significativo na criação de emprego e riqueza.
Examinemos estas duas hipóteses testadas. Uma evidência económica marcante
é que quando o nível de educação das pessoas aumenta, e consequentemente os
seus salários, o custo da oportunidade de deixar o mercado de trabalho aumenta e
a motivação para correr o risco de começar um novo negócio diminui. Quando o
desemprego sobe, muitas pessoas sentem-se pressionadas para iniciar um negócio
porque não têm outra forma de ganhar a vida ou porque os governos lhes oferecem
incentivos e benefícios nesse sentido. Este facto conduz a um aumento significativo
da atividade empresarial no mercado, assente em empresários mal preparados com
um pequeno potencial de criação de empregos lucrativos, e a um enorme desvio de
recursos financeiros que poderiam ser utilizados para desenvolver
empreendedorismo efetivo através de instrumentos apropriados, como fundos de
capital de risco.
Mthanti & Ojah (2017) realizaram igualmente uma investigação económica interessante
sobre empreendedorismo. A orientação empresarial é importante para o crescimento
económico, não apenas para a atividade empresarial. Os governos devem,
prioritariamente, atrair projetos orientados para o empreendedorismo e empresários
orientados para o empreendedorismo. Os autores recordam a existência de investigação
significativa que apoia as causas políticas e institucionais com vista à redução da pobreza
em África, mas poucos estudos abordam o impacto real do empreendedorismo nesta
questão.
Naudé (2013) já tinha referido que a política deve concentrar-se em encorajar a
capacidade empreendedora em vez da atividade empreendedora. ‘Melhorar a qualidade
da capacidade empreendedora significa não só melhorar as competências e a educação
dos empresários, o seu capital humano, mas também concentrar-se nas capacidades
inovadoras dos empresários. O empreendedorismo inovador é o mais desejável para o
crescimento. A política de inovação deve, portanto, ser um foco central da promoção do
empreendedorismo nos países em desenvolvimento, assim como nas economias
avançadas. Os empreendedores nos países em desenvolvimento tendem muito mais à
inovação do que é frequentemente reconhecido na literatura ou pelos formuladores de
políticas’.
Embora demore algum tempo até que as políticas de inovação e investimento de capital
produzam impacto relevante no crescimento económico em África, a formação, a
aquisição de competências, a partilha do conhecimento, a facilidade de acesso ao capital,
o desenvolvimento de infraestruturas, especialmente a vel de telecomunicações, e
outras que conduzam ao aumento de patentes, são fatores que ajudam a ultrapassar
este desafio (Ojeaga, 2015).
A ligação entre o empreendedorismo inovador e o acesso à educação e gastos com
formação também foi confirmada por Robson et al (2009). Surpreendentemente, esta
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
105
investigação revela que os projetos mais antigos são mais inovadores do que os mais
recentes e os mercados mais consolidados também o mais propensos a promover a
inovação do que os novos mercados, enfatizando a importância das variáveis
institucionais para o empreendedorismo orientado paras as oportunidades.
Schillo et al (2016) também confirmam a importância das variáveis institucionais para o
empreendedorismo. Entre as quatro dimensões consideradas, a regulamentação pesa
menos que as dimensões normativa, cognitiva e condutora.
Outra pesquisa económica interessante (Islam, 2015) revelou que a atividade
empreendedora e a dimensão do governo se correlacionam negativamente, o que parece
ser um proxy interessante sobre a forma como muitos governos africanos entendem o
empreendedorismo.
Juma et al (2017) resumiram o papel do governo (e órgãos públicos) no
empreendedorismo: facilitar (ou bloquear) o desenvolvimento empresarial através de
infraestruturas legais, desenvolvimento de capital humano e concessão de facilidades de
financiamento.
Kiss et al (2012) apontam o difícil acesso ao capital, a regulamentação governamental
inconsistente e a indisponibilidade de locais de negócios como questões em que o
governo poderia contribuir positivamente em países como o Quénia ou o Gana. Em países
pouco desenvolvidos com deficiências institucionais significativas, os empreendedores
não contam com o apoio do governo para transpor os obstáculos ao negócio.
Ao analisar a governança pública e os efeitos relacionados com a economia, Asongu &
Nwachukwu (2016) destacam três conceitos gerais:
(i) político (voz e responsabilidade, e estabilidade política/ausência de violência),
(ii) (ii) económico (eficácia do governo e qualidade da regulamentação), e
(iii) (iii) institucional (controlo da corrupção e estado de direito).
O modelo conceptual de promoção do desenvolvimento empreendedor em rie de
Amankwah-Amoah (2018) coloca o governo como um fator exógeno, com impacto a dois
níveis:
(i) política governamental (restrições regulamentares); e
(ii) (ii) barreiras governamentais.
Baseando-se no estudo de caso do Gana, o autor refere que o período de 30 anos após
a independência, alcançada em 1957, foi caracterizado por políticas ativas para suprimir
o empreendedorismo, porque os empreendedores eram frequentemente considerados
‘potenciais ameaças políticas’. Portanto, fomentou-se uma política de investimento
estrangeiro representado por multinacionais ocidentais. Depois disso, houve uma
mudança em direção a um ambiente regulamentar simpático para com as pequenas
empresas e empresários autóctones, mas que o foi exatamente apoiado por uma ajuda
governamental apropriada, recursos financeiros e condições regulamentares realmente
favoráveis. Esta investigação refere o escasso apoio público ao desenvolvimento de
capacidades de gestão e competências empreendedoras até ao início deste século.
Consequentemente, as empresas locais não adquiriram confiança nem capacidades para
atrair a atenção dos investidores. As instituições encaram os projetos de
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
106
empreendedorismo com suspeita, por terem ‘proprietários estrangeiros’ e empresários
‘corruptos’, ‘fraudulentos’ e ‘trapaceiros’. A burocracia do setor público é uma questão
adicional. Combinados, esses fatores reduzem as hipóteses de obter uma atividade
empreendedora positiva. Sugere-se que o governo desenvolva políticas para
destigmatizar o insucesso empresarial entre os empresários locais e promover as
recuperações. A substanciação dos investimentos públicos em ‘desenvolvimento de
capital humano’, ‘boa governança’ e ‘desenvolvimento de infraestruturas para apoio à
tecnologia e inovação’ também são concedidas.
É importante frisar que o investimento estrangeiro não produzirá o resultado desejado
em África se não aumentar o empreendedorismo autóctone (Mota & Moreira, 2017). Daí
a importância de combinar políticas para atrair tanto os empreendedores externos como
os internos e os empresários.
McDade & Spring (2005) fornecem comprovativos adicionais sobre a angústia dos
governos africanos em relação ao desenvolvimento de negócios africanos, limitando as
suas possibilidades de crescimento. ‘Os líderes governamentais receavam que um setor
privado forte, composto pelos seus próprios cidadãos, pudesse ameaçar os seus próprios
poderes e privilégios’. Consequentemente, depois de todos estes anos, os africanos ainda
detêm menos de um terço das grandes empresas industriais do continente. A nova
geração de empresários africanos exige ‘leis e regulamentações favoráveis aos negócios,
políticas governamentais e programas’, e procura dialogar com os formuladores de
políticas, mas rejeita o ‘clientelismo do governo’.
Baseando-se ainda nos dados do Gana, Hilson et al (2017), no âmbito do
empreendedorismo de mineração artesanal e em pequena escala, identificaram três
áreas-chave de preocupação das políticas públicas:
(i) licenciamento;
(ii) aparelho político; e
(iii) financiamento.
Na mesma linha de pensamento, Amankwah-Amoah et al (2018a) postulam a
importância crítica do governo para fins de adoção de tecnologia em África através da
‘promoção da identificação nacional’, do ‘envolvimento da sociedade’ e da ‘melhoria das
infraestruturas educativas’. A lacuna política foi identificada como sendo a deficiência
crítica da região no apoio ao desenvolvimento tecnológico. É necessário fazer escolhas
sobre as trajetórias de inovação a adotar, apoiadas por iniciativas dirigidas pelo Estado.
Por outro lado, Amankwah-Amoah et al (2018b) destacam algumas restrições
institucionais ao empreendedorismo assente na tecnologia. Embora recentemente a
democracia se tenha tornado mais difundida em África, a intervenção severa do governo
é banal, com excesso de emprego público e legado do socialismo em muitos países. Este
facto provocou um retrocesso em termos de orientação empreendedora quando
comparado com os últimos tempos do colonialismo e até mesmo antes disso. Os
problemas clássicos de excesso de burocracia e da ‘burocracia endémica’ são aqui
recordados. A falta ou mesmo total ausência de propriedade intelectual é outra fraqueza
da maioria dos empresários africanos. O exemplo do desenvolvimento das energias
renováveis é avançado como uma oportunidade para o desenvolvimento empresarial em
África, dadas as enormes deficiências infraestruturais e as atuais ineficiências
monopolistas.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
107
As instituições têm um impacto significativo no comportamento das empresas e, por
consequência, na competitividade das mesmas. Barasa et al (2017) referem o seu papel
na incerteza ambiental e nos custos de transação, mas também na forma como as
empresas se coordenam entre si. Outra sugestão significativa desta investigação é a
descrição da qualidade institucional, que inclui: (i) o processo de nomeação, controlo e
mudança governamental; (ii) a capacidade de gerar e manter políticas fortes; e (iii) a
forma como se relacionam com cidadãos e empresas. Quando comparada a outras
regiões do mundo, a África Subsaariana tem um desempenho pior na aplicação do estado
de direito, na qualidade da regulamentação, no vel de corrupção e na eficácia do
governo. Um bom funcionamento institucional é obrigatório para o empreendedorismo e
a inovação.
Outra linha de pensamento, desenvolvida por Brixiova (2010) e Brixiová et al (2015),
que reflete o trabalho do Banco Africano de Desenvolvimento, enfatiza a importância de
abrir caminho para a criação de empresas, diminuindo os impostos e os custos de
abertura das mesmas. Com base na constatação que esses países têm limitações
orçamentais significativas, a seletividade e o sequenciamento de políticas são de extrema
importância. Os subsídios para o arranque de projetos empresariais e o apoio a
programas de formação de empreendedorismo são identificados como constituindo
políticas importantes para estimular o empreendedorismo.
Em matéria de inovação, por exemplo, Cunningham (2015) identificou uma das principais
deficiências dos países africanos, que é a transmissão de informações entre os que
adotam políticas, geralmente os funcionários governamentais de topo, e os que devem
implementá-las, principalmente os funcionários blicos. O apoio do setor público é
considerado fraco com base na opinião individual de que os empreendedores que
potencialmente beneficiam do apoio governamental são privilegiados quando
comparados com a população em geral, porque são elegíveis para apoio com base num
conjunto de competências superiores, incluindo o acesso prévio à educação.
No que concerne avaliar como as empresas podem ser informadas sobre o contexto
regulatório onde se inserem, Geginate & Saltane (2016) referem que em África esse
assunto é muito opaco. Na região Subsaariana, apenas 4 dos 46 países fornecem
informações decentes e estáveis sobre as tabelas de taxas nas seguintes categorias:
(i) abertura de empresas;
(ii) licenças de construção;
(iii) ligações elétricas; e
(iv) registo de propriedade.
Uma das razões para essa fraqueza institucional em África relaciona-se com uma
particularidade específica do seu legado histórico: antes do colonialismo, havia até
10.000 estados diferentes e grupos autónomos em África, o que deu origem à distância
cultural, dispersão da comunidade e falta de um objetivo comum. Por outro lado, a
recente integração internacional de muitos desses estados levou-os a desenvolver
sistemas de controlo orçamental e fiscal de acordo com todos os requisitos internacionais
de conformidade (George et al, 2016).
A literatura também refere alguns bons exemplos do impacto governamental positivo no
desenvolvimento empresarial africano. O M-Pesa, um caso de ‘investimento ex ante com
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
108
justificação ex post’, disponível em vários países, constitui um exemplo paradigmático
do bom empreendedorismo institucional (Kshetri, 2016).
1.2. Política e formulação de políticas em Moçambique
Moçambique é um dos países menos desenvolvidos do mundo (PMDs) e está muito mal
posicionado nos principais indicadores internacionais de desenvolvimento, como o Índice
de Desenvolvimento Humano e em todos os relatórios sobre ambientes de investimento/
condução de negócios.
‘Este facto prende-se com o acesso precário ao financiamento, a ideia da prevalência da
corrupção, a burocracia governamental ineficiente, infraestruturas inadequadas e o nível
de educação dos trabalhadores’, segundo Libombo & Dinis (2015). Como em muitos
países africanos, a ação governamental relativa ao empreendedorismo tem sido
orientada de forma a reduzir a exclusão económica e não para a capacitação.
Provavelmente devido a isso, os empreendedores continuam a ser um grupo profissional
com uma conotação negativa em termos de status social.
Neste tipo de contextos, os projetos empresariais ‘tendem a responder ao aumento da
burocracia fortalecendo o seu compromisso político com os burocratas e acentuando a
sua influência política na formulação de políticas assente na burocracia’ (Luo & Junkunc,
2008).
Em termos de regime político, Moçambique é, formalmente, uma democracia. Foi
classificado como uma ‘autocracia eleitoral’ por Lührmann et al (2018) desde o fim da
guerra civil a finais de 1992. O partido no poder desde 1975, a FRELIMO, é, pois, o
partido’.
No que diz respeito ao empreendedorismo, o governo vem vindo a aumentar as
referências à importância dessa variável para a formulação de políticas e para a vasta
agenda económica. Algumas das medidas atuais do governo que visam impactar o
potencial empreendedor são:
A prioridade máxima do segundo governo, de acordo com o plano quinquenal de 2015-
2019, é ‘desenvolver o capital humano e social’. Dentro dessa prioridade, o objetivo
estratégico nº 1 é ‘promover um sistema educativo inclusivo, eficaz e eficiente, que
garanta a aquisição das capacidades necessárias em termos de competências, gestão e
atitudes que respondam às necessidades do desenvolvimento humano’.
Dentro desse objetivo estratégico, a ação prioritária l) é ‘estabelecer programas e
sinergias com instituições de ensino superior, técnico, tecnológico, profissional e de
investigação que contribuam para estimular a inovação e o empreendedorismo’.
A prioridade xima do 3º governo, de acordo com o mesmo plano quinquenal de 2015-
2019, é ‘promover a criação de emprego e aumentar a produtividade e a
competitividade’. Dentro dessa prioridade, o objetivo estratégico 1 é ‘aumentar a
produção e a produtividade em todos os setores da atividade económica, especialmente
na agricultura’. Dentro desse objetivo estratégico, a ação prioritária i) é 'consolidar e
expandir polos de investigação e disseminação de tecnologias e inovação para
comunidades, e a ação prioritária n) é 'promover financiamento para projetos de
inovação e investigação que abordem desafios de desenvolvimento socioeconómico'.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
109
2. Estudo empírico
2.1. Amostras de dados e métodos de investigação
O objetivo deste estudo é investigar o impacto do governo no empreendedorismo em
Moçambique, recorrendo à perspetiva de cinco atores diferentes, selecionados de acordo
com sua relevância teórica para o assunto: (i) formulador de política governamental - 1
pessoa; (ii) funcionário público implementador de políticas - 1 pessoa; (iii) financiador -
1 pessoa; (iv) especialista - 1 pessoa; (v) empreendedor - 6 pessoas; foi concebido um
estudo no terreno no país para esse fim.
A investigação é de natureza qualitativa. Esta amostra não tem relevância estatística
sobre a população e não há conclusões inferenciais.
Os atores das categorias (i), (ii), (iii) e (iv) provêm da província da Cidade de Maputo,
três homens e uma mulher. Os atores da categoria (v) são das seguintes províncias:
Cidade de Maputo, Província de Maputo, Sofala, Tete, Niassa e Nampula, um por
localidade, 4 homens, 2 mulheres.
Os entrevistados foram identificados através de dupla verificação individual e foram
devidamente informados sobre os objetivos, o âmbito e o processo da investigação.
Inicialmente, foram contatados por e-mail e, após confirmação da sua disponibilidade
para a investigação, foram novamente contatados, desta vez através de chamada
telefónica. Estabeleceram-se outros contatos por WhatsApp ou mensagens do Skype.
Todos os participantes exigiram o anonimato, que foi assegurado mediante um contrato
assinado de não divulgação designado ‘Declaração de Conduta Ética sob Compromisso
de Honra’.
Todas as entrevistas foram presenciais realizadas em língua portuguesa e gravadas em
áudio no telemóvel do entrevistador. Realizaram-se na cidade de Maputo, entre os dias
17 e 23 de maio de 2018, no local escolhido por cada entrevistado, tanto no local de
trabalho ou escritório profissional do entrevistado ou no quarto de hotel do entrevistador.
Recorreu-se à abordagem de questões abertas, embora um guião básico de 12 tópicos
tenha sido usado para conduzir a discussão. Anotaram-se notas precisas e de memória
de cada entrevista. A entrevista mais longa durou 3h17m e a mais curta, 48m. A duração
média das entrevistas foi de 2h04m. Acordou-se que, em caso de dúvida, os
entrevistados seriam posteriormente contactados para esclarecimentos pontuais.
Os dados foram então tratados usando a análise de conteúdo de entrevistas. Cada
entrevista foi sujeita a repetidas audiências durante o dia 24 de maio de 2018, o primeiro
dia após a conclusão da recolha de dados, para garantir que o significado correto de cada
discussão fosse captado, e as seções principais foram transcritas. Dois entrevistados
foram contatados novamente no dia 25 de maio de 2018, por chamada do FaceTime,
para esclarecimentos diversos.
2.2. Análise de dados e resultados
Todas as entrevistas obedeceram ao seguinte encadeamento: o primeiro tópico discutido
foi o próprio processo de formulação de políticas e como ocorre no país; de seguida,
discutiu-se as restrições institucionais no processo de formulação de políticas, como a
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
110
burocracia e a facilidade de acesso ao capital; o terceiro tópico debruçou-se sobre a
opinião geral sobre os empreendedores e as ameaças que sentiam à sua atividade.
(i) Entrevista com o formulador de políticas governamentais - 1 pessoa
A pessoa em causa tinha ocupado um cargo de topo no governo de Moçambique no
passado.
O entrevistado descreveu a formulação de políticas como um exercício que faz sentido
sujeito à iniciativa de alguém. Existem diferentes agendas que orientam esse processo,
não necessariamente contraditórias. Na maioria dos assuntos, os distintos órgãos têm
uma opinião convergente e a discussão incide mais sobre quem é o dono do processo e
não quem é o dono da ideia.
A única exceção são as iniciativas canalizadas através de instituições internacionais ou
da ‘comunidade internacional’. Neste caso, é necessário que uma posição oficial ou
orientação precisa seja inicialmente emitida pelo Presidente com o apoio formal do
partido.
O empreendedorismo ou o desenvolvimento empresarial é um dos tópicos que tem sido
objeto de recomendações constantes por parte das instituições internacionais, como o
Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento.
O fenómeno parece não ser visto como uma ferramenta crítica para promover o
desenvolvimento. O problema é que a maioria dos políticos separa claramente o
‘empreendedor’ do ‘homem de negócios’, sendo o primeiro o ‘cidadão pobre’
indiferenciado e o segundo ‘a pessoa educada de classe média-alta’ com possibilidades
reais de prosperar. Muitos, se não a maioria desses indivíduos, têm influência (local)
política baixa-média.
Sobre a burocracia e as preocupações gerais em fazer negócios, há uma forte influência
por parte do partido de não desmantelar a estrutura administrativa das questões
empresariais. Quando se lhe perguntou sobre as razões por trás disso, o nosso
entrevistado respondeu que ‘dada a faixa salarial pública, pode especular-se que muitos
funcionários públicos de baixa condição ganham a vida com a burocracia’. O mesmo não
se aplica às tabelas de taxas oficiais. ‘Em Moçambique, você pode perder o seu emprego
se fizer batota com isso. Todos conhecem as taxas e as tarifas de todos os serviços
públicos’.
O acesso ao capital constitui um grande problema para o empreendedorismo no país. As
taxas de juros têm estado elevadas demasiado tempo, mas o Banco Central está a fazer
um bom trabalho. O sistema financeiro é eficiente e credível.
Os empreendedores são encarados como uma ameaça ao poder político? ‘Não, mas
ninguém está interessado em tornar a sua vida mais fácil neste país. Se você tiver
sucesso, será controlado e partilhará os seus ganhos...’
(ii) Entrevista com o funcionário público implementador de políticas - 1 pessoa
Este entrevistado é membro do conselho de administração ou equivalente numa
instituição pública com responsabilidades diretas nas pequenas
empresas/empreendedorismo.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
111
O processo de implementação de políticas foi revisto. Foi mencionado que na maioria dos
casos não transmissão formal de informações ou objetivos. A informação é recebida
através da legislação publicada. Se surgirem perguntas significativas por parte de
pessoas abaixo da hierarquia, são enviadas explicações formais ao gabinete do ministro
em causa. Se ocorrerem erros de interpretação, geralmente deve-se a ignorância ou
incapacidade. o tradição de, ou abertura para, desobediência ou boicote. Ainda
menos para sabotagem. Em alguns departamentos blicos deste país, pode-se
observar, às vezes, passividade ou indiferença. ouviu o ditado? O Estado finge que
nos paga e fingimos trabalhar no duro…’
Empreendedorismo é um conceito de moda, um chavão. Ninguém acredita realmente
nisso, mas todos continuam a mencionar as suas virtudes. O governo está disposto a
mostrar algumas medidas para animar os pobres. Muitos estão apenas à procura de abrir
a sua ‘barraquinha’ e a livrar-se de um emprego mal pago. Mas sem expectativas ou
ambições significativas. Mas por que é que isso acontece? Porque as pessoas estão
conscientes do seu 'despreparo' (falta de competências), nada mais.
Sobre a burocracia, a ideia é que não há nada que alguém possa fazer a esse respeito.
Ao mesmo tempo, para a maioria das pessoas, não constitui uma barreira real. É apenas
um desafio que requer tempo, um tipo de teste de seleção natural. A exceção?
Estrangeiros. Nesse caso, a burocracia poderá ser usada para desencorajar alguns
estrangeiros indesejados a ganhar dinheiro em Moçambique ou para mantê-los em
situação ilegal/ informal. Em casos extremos, os pedidos submetidos simplesmente
desaparecem, tantas vezes quantos são feitos, e nunca fim do processo para certos
pedidos.
Quanto às tabelas de taxas, se não estiverem claras, é porque não foram definidas e/ou
aprovadas. O funcionário blico comum não brinca com esse tipo de coisa. É muito
perigoso e as pessoas já perderam o emprego por causa disso.
Em termos de facilidades de financiamento, são muito caras e de difícil acesso, dadas as
exigências e a baixa credibilidade das contas da maioria das empresas. O governo poderia
fazer mais a esse respeito se reduzisse as taxas de juros para os programas empresariais.
O empreendedorismo não é algo que os políticos querem evitar. É simplesmente algo
considerado neutro para as suas agendas. Portanto, realmente o se comprometem
com isso, a menos que alguns discirnam nisso algum tipo de interesse real.
(iii) Entrevista com o financiador 1 pessoa
A pessoa entrevistada neste grupo era um executivo de topo de uma instituição financeira
líder responsável pelo financiamento de decisões relativas a projetos empresariais.
A discussão começou com a forma como a formulação de políticas é feita no país,
especialmente no que se refere ao empreendedorismo. Na perspetiva dessa pessoa, a
formulação de políticas em Moçambique ‘não é melhor nem pior do que em qualquer
outro país africano em que trabalhei antes’. De um ponto de vista puramente formal, o
processo de aprovação de contas parece ser comparável aos dos países europeus. É difícil
entender como algumas questões atingem o topo da agenda política e outras não. As
instituições internacionais desempenham um papel significativo neste país,
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
112
especialmente em temas como o alívio da pobreza, o combate ao VIH, etc. O
empreendedorismo é identificado como parte dos objetivos no combate à pobreza.
Os funcionários públicos têm um nível de educação e de competências muito baixo. Não
parecem capazes de simplesmente entender as leis e regulamentos. Consequentemente,
são basicamente incapazes de pôr as coisas a andar. Na maioria dos casos, os programas
serão ativados depois de o próprio Ministro o mediatizar ou se envolver numa visita
no local.
A burocracia é sobre defender os ‘pequenos poderes’. Eventualmente, sempre uma
maneira de resolver essas restrições. Por exemplo, para as instituições financeiras, a
burocracia é um mal necessário’ porque a integridade da informação e os registos em
papel simplesmente não são de confiar neste país.
Os governos em África não gostam do empreendedorismo mais do que qualquer outra
coisa que eles o controlam totalmente. O empreendedorismo impulsionado por
oportunidades é quase inexistente em Moçambique porque não existe uma base de
inovação/conhecimento no país. Até a incubação não tem significado real. É uma pena a
ausência de programas científicos e tecnológicos reais de iniciativas internacionais ou
nacionais. O último concurso nacional neste domínio foi, na verdade, par financiar
universidades públicas, não para fomentar a inovação...
Sobre as condições de financiamento para o empreendedorismo, são muito complicadas
e a maioria dos empresários não consegue obter nenhuma quantidade relevante de
capital. A maioria das empresas o possui sistemas de controlo e as suas contas são
‘uma completa ficção’. A inexistência de fundos de capital de risco revela um vazio de
oportunidades de investimento.
Por fim, as tabelas de taxas são um não-assunto.
(iv) Entrevista com o especialista 1 pessoa
O especialista identificado é um indivíduo muito experiente e com um nível de educação
muito elevado, que trabalha como consultor empresarial e governamental e como
professor universitário privado.
A formulação de políticas é um processo complicado. Envolve demasiadas pessoas: o
partido, o conselho de ministros, diferentes gabinetes governamentais, o presidente,
uma quantidade enorme de consultores e assessores e representantes parlamentares,
apenas para mencionar os mais importantes. O mais importante aqui? Não é um processo
eficaz e as decisões importantes são tomadas no último minuto, geralmente sob uma
significativa pressão internacional.
A cadeia de comando também funciona muito mal. Primeiro, porque os próprios ministros
nem sempre sabem exatamente os detalhes dos os ‘seus’ projetos de lei e, segundo,
porque muitos dos funcionários públicos que se lhes reportam, altamente posicionados,
não têm as qualificações e competências suficientes para implementar programas
sólidos. Além disso, muitos deles não estão totalmente empoderados relativamente aos
seus subordinados que foram nomeados por um alto funcionário.
A burocracia é impossível de erradicar neste país. Para muitas pessoas, o salário é uma
pequena percentagem do que fazem com o suborno relacionado com burocracia. Alguns
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
113
deles não realizam nenhuma das tarefas descritas na descrição de funções, e recorrem
a isso como uma forma de ganhar dinheiro ilegal.
O governo não tem uma estratégia real para o empreendedorismo. Não é um assunto
assim tão relevante. Nem mesmo a incubação, uma das coisas mais fáceis de fazer, tem
expressão. Talvez na altura em que alguns projetos empresariais à séria começarem a
ter sucesso, o apenas as 'barraquinhas', o governo passará a considerar o
empreendedorismo como algo sério. Outro pensamento importante sobre este tema é o
papel desempenhado pela juventude do partido. Eles desvalorizam o empreendedorismo
e apenas procuram oportunidades políticas. Se ao menos mudassem a sua mentalidade
em direção aos negócios de risco...
O acesso ao capital constitui uma grande preocupação. Os projetos são muito pequenos
e não têm poder de negociação sobre os bancos. Os business angels não têm expressão
devido a problemas de confiança. O microcrédito funciona bem para os
microempreendedores.
Quanto às tabelas de taxas, além de exceções muito limitadas, não há motivo para
preocupação. No entanto, nos departamentos públicos locais/regionais, pode-se esperar
alguma aldrabice. Por outro lado, os serviços públicos responsáveis por transações
financeiras significativas foram sujeitos a medidas inovadoras: depósito bancário antes
da conclusão da transação e, mais recentemente, o uso de máquinas automáticas de
pagamento.
(v) Entrevistas com os empresários 6 pessoas
Como referido anteriormente, os atores desta categoria provêm das seguintes províncias:
Cidade de Maputo, Província de Maputo, Sofala, Tete, Niassa e Nampula, uma pessoa por
localidade, 4 homens, 2 mulheres, com habilitações literárias médias, a trabalhar nas
seguintes atividades económicas: agricultura, comércio de alimentos, hotelaria,
restauração, serviços comerciais e panificação. Obviamente, o objetivo era ter uma
representação nacional de experiências empreendedoras para avaliar também a
sensibilidade do contexto.
Sobre a elaboração de políticas, nenhum dos empresários expressou fortes sentimentos
sobre esse assunto. Os dois da cidade de Maputo e da província de Maputo pareciam
seguir a política mais de perto do que os outros. Os quatro empresários das regiões
centro e norte referiram que a formulação de políticas não teve relevância significativa
nas suas atividades empresariais, embora todos reconheçam que o governo é um ator
fundamental para o desenvolvimento económico do país.
Sobre os órgãos públicos responsáveis pelo apoio ao empreendedorismo, todos os seis
empresários não hesitaram em classifi-los como ‘quase inúteis’ ou simplesmente
‘secretárias burocráticas’. Como não identificam uma política empresarial clara, lutam
para avaliar a direção que segue. Nenhum deles tinha investigado qualquer programa
existente. O passa palavra parece ser a ferramenta mais eficaz para obter informação
sobre os apoios públicos. Os funcionários públicos que trabalham nesses órgãos o
igualmente vistos como ‘funcionários’, que não acrescentam qualquer valor específico.
Um dos exemplos dados foi a candidatura a uma incubadora pública na região de Maputo.
A candidatura não pôde ser concluída porque faltavam documentos. Mas nenhum
acompanhamento ou qualquer tipo de ajuda foram disponibilizados. Para os quatro
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
114
empresários do Centro e do Norte, não havia quaisquer mecanismos de incubação blica
disponíveis na fase inicial.
A burocracia é a questão-chave para todos os seis empresários, especialmente para os
quatro do centro e norte do país. Começa com o registo da empresa e continua
incessantemente a cada interação administrativa. É lenta e cara e não aporta nenhum
valor. Os funcionários estão sempre à caça de subornos e mesmo assim as coisas não
são feitas no tempo devido’.
As limitações de capital são uma preocupação para todos os seis empresários. As taxas
de juros tornam impossível solicitar empréstimos. O microcrédito é a única opção viável,
mas os valores são demasiado pequenos para desenvolver o negócio num prazo razoável.
Para esses entrevistados, private equity, capital de risco e business angels aparentam
ser conceitos estranhos.
O governo não teme o empreendedorismo. Simplesmente não se importa com isso.
Empreendedorismo em Moçambique significa economia informal, 'barraquinhas' e alívio
da pobreza. Qualquer coisa que não seja isso é puro negócio, não empreendedorismo.
Conclusão
Esta investigação apoia os pressupostos teóricos básicos descritos na revisão da
literatura.
Por exemplo, a hipótese de Juma et al (2017) que o papel positivo do governo no
empreendedorismo ocorre por meio da facilitação da infraestrutura legal e da prestação
de facilidades de financiamento foi mencionado por todos os entrevistados.
As ideias de Shane (2009) e Mthanti & Ojah (2017) sobre a importância do
empreendedorismo e da orientação empreendedora também são confirmadas por essas
entrevistas, de forma explícita e implícita.
As conclusões de Naudé (2013) sobre as políticas centradas na atração de capacidades
empreendedoras, ao invés de atividades empreendedorasm são igualmente confirmadas
nesta investigação.
A referência de Schillo et al (2016) à importância das variáveis institucionais para o
empreendedorismo é feita por todos os entrevistados, mas, curiosamente, devido à
ausência de uma política clara, os empreendedores não conseguem discerni-la.
As referências de Kiss et al (2012) às dificuldade de acesso ao capital, regulamentação
governamental inconsistente e indisponibilidade de locais de negócios também são
explicitamente referidas por todos os entrevistados.
A evidência de Amankwah-Amoah (2018) que os empresários são ‘potenciais ameaças
políticas’ no Gana o se confirma em Moçambique. Poderá especular-se que o baixo
nível de sofisticação empresarial explica essa perceção.
A sugestão de Mota & Moreira (2017) sobre a importância dos governos que atraem
empreendedores externos e internos não é apoiada por este estudo. Em Moçambique,
de acordo com uma das entrevistas, os estrangeiros o são especialmente bem-vindos.
Naturalmente, esse facto pode representar um problema para o desenvolvimento
empresarial, mas são necessárias mais provas que sustentem conclusões conclusivas.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
115
As conclusões de McDade e Spring (2005) sobre a nova geração de empreendedores
africanos que exigem ‘leis e regulamentos favoráveis aos negócios, políticas
governamentais e programas’ e governos que dialogam também não são apoiadas por
este estudo. Mais uma vez, a falta de uma verdadeira base empreendedora orientada
para a oportunidade pode explicar esse tipo de resposta.
Por fim, devemos enfatizar o caráter limitado desta investigação com base em 10
entrevistas. Qualquer investigação futura deverá ampliar o contexto da análise
bibliográfica e aumentar o número de entrevistados e a sua representação territorial,
incluindo empreendedorismo rural versus urbano e empreendedorismo masculino versus
feminino.
Referências bibliográficas
Adusei, M. (2016). «Does Entrepreneurship Promote Economic Growth in Africa?».
African Development Review. 28 (2): 201-214.
Amankwah-Amoah, J. (2018). «Revitalising Serial Entrepreneurship in Sub-Saharan
Africa: Insights From a Newly Emerging Economy». Technology Analysis & Strategic
Management. 30 (5), 499-511.
Amankwah-Amoah, J. & Osabutery, E.L.C. & Egbetokun, A. (2018a). «Contemporary
Challenges and Opportunities of Doing Business in Africa». Technological Forecasting &
Social Change. 131 (3), 171-174.
Amankwah-Amoah, J. & Egbetokun, A. & Osabutery, E.L.C. (2018b). «Meeting the 21
st
Century Challenges of Doing Business in Africa». Technological Forecasting & Social
Change. 131 (3), 336-338.
Asongu, S. & Nwachukwu, J. & Orim, S-M.I. (2018). «Mobile Phones, Institutional Quality,
and Entrepreneurship in Sub-Saharan Africa». Technological Forecasting & Social
Change. 131 (3), 183-203.
Barasa, L. & Knoben, J. & Vermeulen, P. & Kimuyu, P. & Kinyanjui, B. (2017).
«Institutions, Resources, and Innovation in East Africa: A Firm Level Approach».
Research Policy. 46 (3), 280-291.
Braxiova, Z. (2010). «Unlocking Productive Entrepreneurship in Africa’s Least Developed
Countries». African Development Review. 22 (3): 440-451.
Braxiová, Z. & Ncube, M. & Bicaba, Z. (2015). «Skills and Youth Entrepreneurship in
Africa: Analysis with Evidence form Swaziland». World Development. 67 (1): 11-26.
Cunningham, P. (2015). Insights into Open Innovation and ICT Entrepreneurship in
Africa. Proceedings of the 2015 IEEE International Symposium on Technology in Society
(ISTAS).
Hilson, G. & Hilson, A. & Maconachie, R. (2018). «Opportunity or Necessity?
Conceptualizing Entrepreneurship at African Small-Scale Mines». Technological
Forecasting & Social Change. 131 (6): 286-302.
Islam, A. (2015). «Entrepreneurship and the Allocation of Government Spending Under
Imperfect Markets». World Development. 70 (1): 108-121.
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 102-116
O papel da política e do ambiente institucional no empreendedorismo: evidência empírica de Moçambique
Renato Pereira, Redento Maia
116
Juma, N.A., & James, C.D. & Kwesiga, E. (2017). Sustainable Entrepreneurship in Sub-
Saharan Africa: the Collaborative Multi-System Model, Journal of Small Business and
Entrepreneurship, 29 (3): 211-235.
Kiss, A.N. & Danis, W.M. & Cavusgil, S.T. (2012). «International Entrepreneurship
Research in Emerging Economies: A Critical Review and Research Agenda». Journal of
Business Venturing, 27 (2): 266-290.
Kshetri, N. (2016). «Creation, deployment, diffusion, and export of Sub-Saharan Africa-
originated information technology-related innovations». International Journal of
Information Management, 36 (12): 1274-1287.
Libombo, D.B. & Dinis, A. (2015). «Entrepreneurship Education in the Context of
Developing Countries: Study of the Status and the Main Barriers in Mozambican Higher
Education Institutions». Journal of Developmental Entrepreneurship, 20 (3); 1-26.
Lührmann, A. & Tannenberg, M. & Lindberg, S.I. (2018). «Regimes of the World (RoW):
Opening New Avenues for the Comparative Study of Political Regimes». Politics and
Governance, 6 (1): 60-77.
Luo, Y. & Junkunc, M. (2008). «How Private Enterprises Respond to Government
Bureaucracy in Emerging Economies: The Effects of Entrepreneurial Type and
Governance». Strategic Entrepreneurship Journal, 2 (2): 133-153.
McDade, B.E. & Spring, A. (2005). «The ‘New Generation of African Entrepreneurs’:
Networking to Change the Climate for Business and Private Sector-Led Development».
Entrepreneurship & Regional Development, 17 (1): 17-42.
Mehari, A.T. & Belay, C.F. (2017). Challenges and Prospects of Entrepreneurship
Development and Job Creation for Youth Unemployed: Evidence from Addis Ababa and
Dire Dawa City Administrations, Ethiopia. Journal of Innovation and Entrepreneurship,
6(11): 1-22.
Mota, J.H.F. & Moreira, A.C. (2017). «Determinants of the Capital Structure of Portuguese
Firms with Investments in Angola». South African Journal of Economic and Management
Sciences, 20 (1): 1-11.
Mthanti, T. & Ojah, K. (2017). «Entrepreneurial Orientation (EO), Measurement and
Policy Implications of Entrepreneurship at the Macroeconomic Level». Research Policy,
46 (4): 724-739.
Naudé, W. (2013). Entrepreneurship and Economic Development: Theory, Evidence, and
Policy. Discussion Paper No. 7507, Institute for the Study of Labor, Bonn, Gemany.
Ojeaga, P. I. (2015). «Can Africa’s Young Drive Innovation? Investigating the Effect of
Entrepreneurial Innovation on Economic Growth in Africa». Journal of Applied
Quantitative Methods, 10 (4): 15-26.
Robson, P.J.A. & Haugh, H.M. & Obeng, B.A. (2009). «Entrepreneurship and Innovation
in Ghana: Enterprising Africa». Small Business Economics, 32 (3): 331-350.
Schillo, R.S. & Persaud, A. & Jin, M. (2016). «Entrepreneurial Readiness in the Context
of National Systems of Entrepreneurship». Small Business Economics. 46 (5): 619-637.
Shane, S. (2009). «Why Encouraging More People to Become Entrepreneurs is Bad Public
Policy». Small Business Economics. 33 (2): 141-149.