OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 10, Nº. 1 (Maio-Outubro 2019), pp. 31-44
A RELEVÂNCIA DAS SESSÕES ESPECIAIS NO ÂMBITO DO TRABALHO DO
CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS: A PROTEÇÃO DA POPULAÇÃO CIVIL NOS
CONFLITOS INTERNOS ATUAIS
Sónia Roque
sroque@live.com.pt
Doutoranda em Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
Centro de Estudos Sociais (Portugal). Bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)
Resumo
Este artigo centra-se na análise da primeira década (2006-2016) do trabalho do Conselho de
Direitos Humanos (CDH) ao nível da relevância das sessões especiais do Conselho para a
proteção da população civil nos conflitos armados de caráter não internacional (CANI) atuais.
O CDH foi instituído pela Assembleia-Geral das Nações Unidas (AGNU) através da Resolução
60/251 adotada a 15 de março de 2006, em substituição da Comissão de Direitos Humanos.
Esta remodelação institucional tinha como intuito tornar o Conselho num órgão orientado para
a ação, numa tentativa de dar uma resposta mais eficaz e célere aos desafios mundiais de
proteção dos direitos humanos (DH).
No seguimento do Relatório do Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança de
2004, o Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan chamou a atenção para o facto de se
estar a enfrentar um momento decisivo para as Nações Unidas, em particular, para a
concretização das aspirações estabelecidas na Carta constitutiva da Organização das Nações
Unidas (ONU). De entre estes desafios foi salientada a proteção dos DH em geral e da
população civil em particular, dada a complexidade dos conflitos atuais. O CDH surge assim
nesta linha de reestruturação institucional.
As sessões especiais são um dos métodos de trabalho do Conselho que permite que se
considerem situações flagrantes de abusos de DH que necessitam de atenção e tomada de
posição urgente. A autora argumenta que a análise destas sessões é particularmente
pertinente, por permitir examinar que situações foram alvo desta atuação e as diferentes
posições em relação a esta forma de tomada de decisão que nem sempre se revelou
consensual. Argumento ainda que este processo de tomada de decisão reflete algumas
oportunidades e enfrenta desafios ao tentar lidar com as diferentes perspetivas dos atores no
seio do CDH.
Palavras chave
Conselho de Direitos Humanos, sessões especiais, proteção, população civil, conflitos internos
Como citar este artigo
Roque, Sónia (2019). "A relevância das sessões especiais no âmbito do trabalho do Conselho
de Direitos Humanos: a proteção da população civil nos conflitos internos atuais". JANUS.NET
e-journal of International Relations, Vol. 10, N.º 1, Maio-Outubro 2019. Consultado [online]
em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.10.1.3
Artigo recebido em 24 de Março de 2018 e aceite para publicação em 04 de Setembro de
2018
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A relevância das sessões especiais no âmbito do trabalho do Conselho de Direitos Humanos:
a proteção da população civil nos conflitos internos atuais
Sónia Roque
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A RELEVÂNCIA DAS SESSÕES ESPECIAIS NO ÂMBITO DO TRABALHO DO
CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS: A PROTEÇÃO DA POPULAÇÃO CIVIL NOS
CONFLITOS INTERNOS ATUAIS
Sónia Roque
Introdução
O CDH, também denominado neste artigo por Conselho, foi instituído pela AGNU através
da Resolução A/RES/60/251 adotada a 15 de março de 2006, em substituição da
Comissão de Direitos Humanos. A Comissão vinha a ser alvo de diversas críticas, sendo
considerada um órgão extremamente politizado (Sheeran e Rodley, 2013: 745), em que
os países procuravam assento na Comissão para evitar a discussão da sua situação
interna em matéria de DH, e a aprovação de medidas tais como a nomeação de
investigadores ou comissões de inquérito, ou mesmo a aprovação de sanções, sendo que
a missão de proteção das vítimas de abusos de DH que lhe deu origem se transformou
num escudo de proteção para os infratores (Lauren, 2007: 307).
Não é assim de surpreender que quando se falou na necessidade de reformas mais
abrangentes na ONU, uma atenção especial fosse devotada à substituição da Comissão
e à importância dos DH para a segurança coletiva (Lauren, 2007: 330-331), tal como
discutido na sequência da Cimeira Mundial, no relatório do Painel de Alto Nível sobre
Ameaças, Desafios e Mudança intitulado A more secure world: our shared
responsability”, bem como no relatório do próprio Secretário-Geral das Nações Unidas
(SGNU) Kofi Annan “In larger freedom: towards development, security and human rights
for all.
Cox (2010: 95) a este respeito enfatizou o facto de o SGNU, o Painel de Alto Nível da
ONU, e um número crescente de Estados-membros terem feito pressão de tal forma que
a Comissão começou a ser vista por muitos como uma instituição problemática que
precisava de ser substituída. Como a Cimeira Mundial em 2005 demonstrou a ideia de
substituir a Comissão tomou conta da ONU, levando a uma pressão constante para
substituir este órgão que os Estados podem ter percebido como um custo de reputação
se não apoiassem uma nova instituição. O CDH foi criado neste sentido como um órgão
orientado para a ação como consta da Resolução 60/251, sendo elevado o seu estatuto
a órgão subsidiário da AGNU, o que lhe conferiria maior poder de atuação e autonomia
como defendido pelo SGNU.
Sob um ponto de vista construtivista o processo negocial e o estabelecimento do próprio
CDH denotam a influência que os agentes podem ter na estrutura das Nações Unidas
(Ruggie, 1998; Wendt, 1995). O papel do SGNU, tal como o dos Peritos por si designados
e a posição dos Estados-membros responsáveis pela tomada de decisão é central em
todo o processo, uma vez que estamos perante um processo de cariz intergovernamental.
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De entre os métodos de trabalho do CDH estão a realização de sessões especiais que
ocorrem sempre que 1/3 dos Estados-membros considere que existe uma situação
flagrante de abusos de DH que necessita de atenção e tomada de posição urgente
(A/RES/60/251: 4). Procurou-se desta forma contrariar o bloqueio político que tinha
começado a descredibilizar o trabalho da Comissão, o que nos permite inferir sobre a
importância destas sessões para a proteção dos DH.
A realização destas sessões foi também flexibilizada no âmbito do trabalho do CDH
comparativamente ao que acontecia na Comissão. Além da análise da situação em países
específicos, também é possível realizar sessões sobre temas com implicações na área
dos DH. Outra inovação foi a diminuição do número que Estados necessário para a
convocação destas sessões, o que permite que questões urgentes sejam debatidas no
CDH com maior facilidade (ICRC, 2008: 490), procurando-se responder assim de forma
célere às necessidades de proteção dos DH.
Sessões especiais
Entre 2006 e 2016, a primeira década de trabalho do CDH que pode ser considerada um
marco para a análise da sua atuação, em que todas as expectativas estavam postas no
trabalho deste novo órgão, realizaram-se 26
1
sessões especiais. Tal revela, por um lado,
a maior capacidade de atuação e análise do CDH e por outro, a maior facilidade de
convocação destas sessões. Estas sessões serão analisadas do ponto de vista da sua
contribuição para a proteção dos civis em situações de CANI, tendo em consideração a
iniciativa da sua convocação, as contribuições e posições para a tomada de decisão e o
resultado final da sessão no sentido de inferir sobre a concretização destas expectativas.
Sudão
A primeira situação no âmbito da nossa análise a ser levada perante o CDH foi referente
ao Sudão na Sessão especial por iniciativa da Finlândia (A/HRC/S-4/1). A sessão foi
apoiada por Estados dos diversos continentes inclusive Cuba, ssia, China, Índia e
Equador que evidenciam maior susceptibilidade em relação a interferências nos assuntos
internos dos Estados, mas com oposição do Estado visado o Sudão que não obstante
participou na sessão, como aconteceu com os Estados cuja situação interna foi analisada.
Esta situação denota por um lado a aceitação da competência dos órgãos internacionais
nos quais os Estados decidem participar, neste caso, do CDH, e por outro, a sua tentativa
de influenciar a tomada de decisão destes órgãos.
A posição dos Peritos Independentes, Relatores Especiais do Conselho e Representantes
Especiais da ONU é essencial nestas sessões e de forma geral na tomada de decisão do
CDH, uma vez que são responsáveis pela apresentação de informação concreta sobre
cada situação cuja credibilidade ou veracidade é difícil de contentar por estas funções
fazerem parte do mandato que lhes foi conferido no âmbito da Organização e, como tal,
aceite pelos Estados-membros da ONU. Esta é uma componente fundamental no trabalho
do CDH, órgão político de cariz intergovernamental, pela independência dos seus
mandatos em relação aos Estados-membros. Embora a cooperação seja o motor
1
Destas 26, 7 foram referentes ao conflito Israel-Palestina caraterizado pela ONU como internacional (TIJ,
2004: 7-8). A 7ª, 10ª e 13ª não contêm referência a situações de conflito armado.
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essencial desta interação o seu trabalho permite persuadir os Estados a alterarem as
suas posições e perceções em relação às diversas questões como analisado pelo
Construtivismo, no nosso caso em apreço a proteção da população civil
2
.
A gravidade da situação dos DH no Sudão, em especial as infrações e abusos contra civis,
vinha a ser alvo de atenção na Comissão, mas sem grandes resultados práticos. Na
sessão o representante da Comissão de Inquérito sobre o Darfur, o Assessor-Especial do
SGNU para a Prevenção do Genocídio, o SGNU e o Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Direitos Humanos (ACNUDH) enfatizaram os ataques contra civis que foram por
vezes instigados pelo próprio governo. O ACNUDH enumerou especificamente estas
infrações aos DH e ao DIH (tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;
violência sexual e outras agressões; deslocamento de civis; pilhagem de bens civis;
impedimento do acesso humanitário; ameaças de assassinato; impedimento do retorno
das pessoas deslocadas internamente (PDI); prisões e detenções arbitrárias).
Tendo em atenção estes relatos a Finlândia enquanto promotora da sessão apresentou
o projeto de resolução A/HRC/S-4/L.1 no qual se manifestava preocupação com a
situação humanitária e dos DH no Darfur e se solicitava o fim das violações dos DH e do
DIH (A/HRC/S-4/L.1: 1-2). Em alternativa, a Argélia em nome do Grupo Africano (GA),
apresentou os projetos A/HRC/S-4/L.2 e A/HRC/S-4/L.3 que não continham o
reconhecimento das infrações aos DH e ao DIH apesar da informação dos Peritos
Independentes e da proposta da Finlândia. Desta sessão e como resultado da divergência
de posições dos Estados-membros resultou a Decisão S-4/101 adotada sem votação e
na qual, em termos gerais, o CDH manifestou a sua preocupação com a situação
humanitária e dos DH no Darfur, tendo sido decidido o envio de uma missão para avaliar
a situação dos DH e as necessidades do país (A/HRC/S-4/5: 3).
A posição do GA denota a falta de apoio a uma tomada de posição forte e condenatória
em relação à situação vivida no Darfur, o que revela nesta fase inicial do trabalho do
Conselho uma resistência em aprovar medidas com implicações internas. No entanto a
pressão da informação sobre a gravidade da situação levou à nomeação de uma missão
de investigação, demonstrando a importância dos relatos dos Peritos sobre a situação e
a pressão sobre a necessidade de continuar a analisar a situação humanitária e dos DH
no Sudão com vista à proteção dos civis que seria feita nas sessões regulares, nas quais
se obteve o apoio do governo.
Sudão do Sul
A Albânia, Paraguai, Reino Unido e Estados Unidos da América (EUA) solicitaram uma
sessão sobre a situação dos DH no Sudão do Sul a 26ª sessão especial no âmbito do
trabalho do Conselho (A/HRC/S-26/1). Esta sessão contou com apoio inter-regional à
exceção da Venezuela e do Sudão do Sul que, não obstante estava disposto a cooperar,
reservou-se o direito soberano de tomar as medidas adequadas em momento oportuno.
Esta posição revela que a soberania continua a ser um ponto incontornável nas relações
internacionais, embora possamos considerar a cooperação um contrapeso a esta situação
no sentido analisado por Wendt (1995) ao entender que a interação nas estruturas sociais
2
Por civis, como previsto no artigo 50.º do I Protocolo Adicional às CG, entendem-se as pessoas que não
são membros das forças armadas; a população civil compreende todas as pessoas que são civis. Alguma
prática acrescenta a condição de que os civis são pessoas que não participam nas hostilidades (ICRC,
2005).
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(nas quais podemos incluir o CDH) pode moldar as identidades e os interesses dos atores
que nelas participam também com intuito de obter legitimidade e reconhecimento
internacional.
Devemos começar por realçar a independência do Sudão do Sul do Estado do Sudão em
2011 e que apesar da situação de infração aos DH e DIH que vinha a ser relatada desde
2006 aquando, como analisámos, da sessão especial sobre o Sudão, não foi solicitada
neste período de tempo nenhuma sessão extraordinária sobre a situação, sendo os runs
regulares considerados suficientes para acompanhar a situação.
Na sua intervenção nesta sessão o ACNUDH em termos de infrações aos direitos dos civis
fez referência aos sequestros, prisões arbitrárias, deslocamento forçado e violação dos
direitos à liberdade de circulação, expressão e opinião. A Comissão de DH no Sudão do
Sul denunciou as infrações, inclusive contra crianças, salientando o processo de limpeza
étnica também mencionada pela Assessora Especial para a Prevenção do Genocídio; a
iminência da fome; a redução dos grupos da sociedade civil; o aumento do número de
refugiados e PDI. Por seu turno o Comide Coordenação dos Procedimentos Especiais
(CCPE) referiu-se, em particular, à violência sexual e de género como ferramenta de
limpeza étnica e aos ataques a locais e infra-estruturas civis; recrutamento forçado de
crianças; desaparecimentos forçados; tortura e maus tratos e execuções extrajudiciais.
Tomando a iniciativa na tomada de decisão os EUA introduziram o projeto de resolução
A/HRC/S-26/L.1 que foi aprovado sem votação na Resolução S-26/1 (A/HRC/S-26/2: 9),
demonstrando o apoio inclusive do GA em relação à premência de assegurar a proteção
dos civis. Esta Resolução incluiu as referências às infrações à proteção de civis
mencionadas pelos Peritos, tal como a questão da responsabilização dos infratores e a
responsabilidade do governo proteger a sua população do genocídio, crimes de guerra,
limpeza étnica e crimes contra a humanidade (A/HRC/S-26/L.1: 2-4), No projeto referiu-
se ainda a importância de prestar assistência e proteção atempada aos sobreviventes de
violência sexual e de género, tendo em atenção as necessidades das pessoas com
deficiência e a preocupação com as restrições aos DH e liberdades fundamentais
(A/HRC/S-26/L.1: 3). Estas referências interligam de forma evidente o DIH às
salvaguardas do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) na proteção dos civis
um avanço significativo em relação à 4ª sessão especial.
Myanmar
A situação no Myanmar foi analisada por iniciativa da Eslovénia na sessão especial
(A/HRC/S-5/1), que não contou com o apoio do Myanmar, da Rússia e Índia. Esta
situação demonstra que os Estados não concordam em ser visados diretamente numa
sessão específica que os responsabilize por falhas na proteção dos DH, mas que é
conseguida no âmbito das novas regras de funcionamento do CDH, o que evidencia a
importância das estruturas nas quais os Estados participam.
Em relação ao Myanmar o Relator Especial sobre o Myanmar alertou para os ataques
contra manifestantes pelas forças de segurança e as restrições aos meios de comunicação
e informação. Entre as violações flagrantes contaram-se as execuções sumárias;
restrições à liberdade de religião e expressão; tortura e maus tratos; falta de
independência de juízes e advogados, bem como prisões e detenções arbitrárias
reforçadas pela informação apresentada pelo ACNUDH.
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Estes relatos foram incluídos no projeto A/HRC/S-5/L.1 apresentado por Portugal, em
nome da União Europeia (UE) e aprovado sem votação na Resolução S-5/1 (A/HRC/S-
5/2: 8), no qual foi consensual incluir além da proteção da vida e integridade física, os
DH e liberdades fundamentais como a realização de atividades políticas pacíficas, a
liberdade dos meios de comunicação, e o acesso à informação na proteção dos civis
(A/HRC/S-5/L.1: 1-2). Conseguiu-se obter para a Resolução a cooperação do Myanmar
e o consenso da Rússia e da Índia, evidenciando-se os custos de reputação dos Estados,
devido aos relatos dos Peritos e ao próprio mandato que foi conferido ao CDH no qual
participam.
República Democrática do Congo (RDC)
A iniciativa de avaliar a situação na RDC foi da França (A/HRC/S-8/1), a qual foi feita na
8ª Sessão especial.
Em termos de infrações à proteção dos civis o ACNUDH relatou as execuções sumárias
ou arbitrárias, os sequestros e saques generalizados e os abusos, incluindo a violência
sexual contra PDI, em especial contra mulheres e crianças. Neste seguimento enquanto
impulsionadora da sessão a França apresentou, em nome da UE, o projeto A/HRC/S-
8/L.1, mas após longas discussões sobre a proposta A/HRC/S-8/L.2/Rev.2, apresentada
pela Egito em nome do GA e do consenso alcançado retirou o projeto, tendo sido
aprovada sem votação a Resolução S-8/1 no sentido de obter um consenso que
permitisse proteger os civis.
A proposta inicial A/HRC/S-8/L.2 apresentada pelo Egito foi elaborada em termos mais
gerais, não havendo exemplos dos atos de infração. A primeira revisão por pressão dos
promotores do projeto L.1 introduziu a referência às infrações cometidas em Kivu contra
os civis, em particular a violência sexual, o recrutamento pelas milícias de crianças e a
necessidade de responsabilização por violações dos DH e do DIH (A/HRC/S-8/L.2/Rev.1:
2), o que denota a questão das identidades dos atores na estrutura do CDH e a influência
mútua destes agentes. A importância da assistência humanitária (alimentos, água,
medicamentos e abrigo), da liberdade de circulação de pessoas e bens o também
referidas, indo-se além da proteção da integridade física e dignidade dos civis cada vez
mais consensual entre os Estados.
Sri Lanka
A situação no Sri Lanka seria avaliada na 11ª sessão especial por iniciativa da Alemanha
(A/HRC/S-11/l). Esta sessão foi apoiada maioritariamente pelo Grupo dos Estados da
Europa Ocidental e Outros, havendo resistência dos países dos restantes continentes e
do Sri Lanka por considerarem tratar-se de uma situação interna de combate ao
terrorismo.
O ACNUDH procurando conseguir avanços na proteção dos civis denunciou as infrações
aos DH e ao DIH (assassinatos; deslocamentos forçados; destruição de bens e meios de
subsistência: falta de alimentos, água e assistência médica; falta de independência das
instituições nacionais) e referiu-se à importância das timas de violência terem acesso
à justiça e a remédios.
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No entanto, dada a oposição à convocação da sessão e no sentido de influenciar a decisão
final o Sri Lanka apresentou a proposta A/HRC/S-11/L.1 onde apenas as infrações dos
Tigres Tamil foram mencionadas. Na primeira revisão que resultou na Resolução S-11/1
(A/HRC/S-11/2: 10), com vista a conseguir um consenso, pela recusa em aceitar a
proposta da Alemanha, foi acrescentada a responsabilidade de prestar proteção e
assistência humanitária (água potável, saneamento, alimentos, assistência médica) e a
obrigação de respeitar o DIDH e o DIH. Evidenciou-se um avanço nas garantias dos civis
considerado ainda assim insuficiente, pelo que não contou com o apoio dos Estados
promotores da sessão que pretendiam a inclusão das infrações praticadas pelo governo.
Costa do Marfim
Na 14ª Sessão especial foi analisada a situação na Costa do Marfim por iniciativa da
Nigéria (em nome do GA) e dos EUA (A/HRC/S-14/1: 4-5). A posição do GA vinha a ser
de cooperação no âmbito do CDH de forma a tentar resolver ou gerir os problemas no
Continente através de uma posição na tomada de decisão.
O vice-Comissário Adjunto para os DH reiterou, como o ACNUDH, a preocupação com as
violações dos DH caraterizadas pela repressão de encontros e manifestações públicas;
assédio e intimidação; detenção e prisão arbitrária; tortura; desaparecimentos;
assassinatos extrajudiciais; deslocamento forçado; infrações à liberdade de informação
e expressão e à liberdade de circulação que prejudicaram a prestação de serviços e
assistência humanitária.
No seguimento da iniciativa da convocação da sessão a Nigéria em nome do GA
apresentou o projeto de resolução A/HRC/S-14/ L.1 aprovado consensualmente na
Resolução S-14/1 (A/HRC/S-14/1: 6-7). Em relação à Costa do Marfim foram
consideradas as infrações aos DH e ao DIH cometidas por todas as partes como relatado
pelos Representantes Especiais, incluindo os direitos e liberdades fundamentais como a
liberdade de informação e expressão e a questão humanitária, incluindo o impacto
socioeconómico sobre a população. Esta proteção vai além da proteção que seria
conferida ao abrigo do DIH de acordo como artigo 3.º comum às CG, especificando-se os
direitos das PDI e refugiados, incluindo os direitos civis e políticos, económicos e sociais
que garantem o bem-estar e subsistência da população cada vez mais consensuais como
constatado pelas sessões anteriores.
Líbia
A situação na Líbia que vinha a ser alvo de consideração na ONU foi também tida em
atenção no CDH por iniciativa da Hungria em nome da UE na 15ª sessão especial
(A/HRC/S-15/1: 6).
Sobre a proteção de civis o ACNUDH e o CCPE alertaram para a repressão violenta contra
manifestantes pacíficos com homicídios em massa, prisões arbitrárias, detenções e
tortura de manifestantes; bloqueios a áreas residenciais; impedimento à assistência
médica e humanitária; uso de combatentes estrangeiros (mercenários) e infrações aos
direitos e liberdades fundamentais da população.
A iniciativa de apresentar um projeto de resolução A/HRC/S-15/L.1 coube à promotora
da sessão, sendo o projeto adotado sem votação na Resolução S-15/l (A/HRC/S-l5/l: 10-
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11). O projeto continha uma referência explícita às infrações contra os civis de acordo
com os dados apresentados pelos Peritos, incluindo aos direitos e liberdades
fundamentais, embora sem referência aos direitos socioeconómicos ao contrário da Costa
do Marfim, ou ao uso de mercenários (A/HRC/S-15/L.1: 1-2). Dada a gravidade da
situação foi decidido estabelecer uma Comissão de Inquérito para investigar as violações
do DIDH na bia com vista à responsabilização (A/HRC/S-15/L.1: 2), o que não será
consensual, como veremos, em relação à Síria.
Síria
No mesmo sentido dos restantes órgãos da ONU que analisavam a situação na ria assim
que o conflito despoletou, o CDH sob iniciativa dos EUA analisou esta situação na 16ª
sessão especial (A/HRC/S-16/2: 5). Esta foi a primeira de várias sessões extraordinárias
sobre a Síria no intuito de contribuir para a resolução ou gestão da situação, em especial
quando se verificou um bloqueio no Conselho de Segurança (Gowan e Pinheiro, 2014), o
que não aconteceu em relação à Líbia.
A sessão especial como será evidente em relação a todas as sessões convocadas não foi
apoiada pela Síria que considerou a situação como de emergência/manutenção da ordem
pública, pelo que não requeria a atenção do CDH, sendo apoiada pela Rússia, China,
Cuba, Venezuela, Equador, Paquistão e Nicarágua.
Na sessão os Peritos Independentes não se posicionaram em relação à classificação do
conflito, que poderia prejudicar a tomada de decisão, focando a proteção dos civis em
termos dos DH e liberdades fundamentais considerados aplicáveis a todas as situações,
inclusive em situações de emergência. Deste modo, o ACNUDH considerou entre as
infrações o uso de fogo vivo contra manifestantes pacíficos; detenção e
desaparecimentos forçados; tortura e maus-tratos; repressão à liberdade de expressão,
reunião e associação; perseguição e intimidação; ataques contra pessoal médico,
instalações e pacientes; ataques a áreas densamente povoadas; impedimento da entrega
de alimentos e assistência aos feridos e bloqueio a serviços públicos como à eletricidade
e o sistema de transportes, que podiam constituir crimes contra a humanidade. O Relator
Especial sobre o Direito à Alimentação em nome dos titulares de mandatos do CDH
considerou ademais que devia haver reparações e compensações às vítimas e às suas
famílias.
Tomando a iniciativa na tomada de decisão os EUA apresentaram o projeto A/HRC/S-
16/L.1 aprovado de forma não consensual na Resolução S-16/1 onde se reafirmava a
obrigação dos Estados protegerem os DH e liberdades fundamentais dos civis (A/HRC/S-
16/L.1: 1) na linha do contributo dos Peritos, o que denota mais uma vez a importância
destes Peritos na consideração da proteção dos civis através do relato das infrações. No
entanto, os direitos socioeconómicos como a questão da alimentação, cuidados de saúde
não foram mencionados de forma explícita, aludindo-se ao direito à justiça social.
Uma segunda sessão sobre a Síria que correspondeu à 17ª sessão especial foi solicitada
pela Polónia em nome da UE a (A/HRC/S-17/1), já com apoio inter-regional, inclusive de
países árabes, mas que manteve a mesma oposição.
semelhança da sessão anterior o ACNUDH e o Relator Especial sobre a Tortura em
nome dos titulares de mandatos do CDH não se posicionaram em relação à qualificação
do conflito, considerando a proteção dos civis ao abrigo dos DH e liberdades
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fundamentais como previsto pelo DIDH relatadas na 16ª sessão especial agora
confirmadas pela missão enviada à Síria.
Procurando impulsionar a tomada de decisão a Polónia promotora da sessão em nome
da UE apresentou o projeto A/HRC/S-17/L.1 aprovado também de forma não consensual
na Resolução S-17/1. O projeto referiu as informações sobre a situação mencionadas
pelos Peritos, e pela missão de investigação que evidenciaram as violações aos DH
cometidas pelas autoridades sírias que podiam constituir crimes contra a humanidade,
instando-se nesta resolução as autoridades a garantirem a assistência humanitária e
médica (A/HRC/S-17/L.1: 1-3), o que não aconteceu na anterior. Foi também decidido
enviar uma comissão de inquérito nomeada pelo Presidente do CDH para investigar as
alegadas violações do DIDH, incluindo crimes contra a humanidade, no sentido de
identificar os responsáveis (A/HRC/S-17/L.1: 3). Esta nomeação denota o reforço da
competência do CDH em relação às infrações contra civis cujos infratores deviam ser
responsabilizados. Decidiu-se igualmente transmitir o relatório desta comissão à AGNU
que o encaminharia aos organismos relevantes, o que reforça a gravidade das infrações
praticadas contra civis, procurando-se uma tomada de posição também dos órgãos
principais da ONU.
Novamente a Polónia em nome da UE solicitou uma sessão sobre a Síria à luz do relatório
solicitado à comissão de inquérito que foi avaliado na 18ª sessão especial (A/HRC/S-
18/2: 6). Esta sessão teve ainda maior apoio inter-regional, mas manteve a mesma
oposição das sessões anteriores.
A Comissão de Inquérito sobre a Síria relatou, como o ACNUDH, na linha das sessões
anteriores entre os infrações aos DH e liberdades fundamentais contra civis o
assassinato, inclusive de crianças; tortura e maus-tratos; estupro e outras formas de
violência sexual; prisão ou outras formas de privação da liberdade; desaparecimentos
forçados; bloqueios a áreas residenciais com obstrução do acesso à água, alimentos e
outras necessidades básicas; destruição de propriedade e infra-estruturas civis; infração
aos direitos das crianças (incluindo a educação); restrições à liberdade de circulação;
utilização de hospitais como centros de tortura para manifestantes feridos; impedimentos
à prestação de assistência médica e restrições aos direitos civis e políticos como a
liberdade de expressão, reunião ou manifestação pacíficas, no sentido de levar a uma
tomada de decisão forte.
Novamente a Polónia impulsionadora da sessão em nome da UE apresentou o projeto
A/HRC/S-18/L.1 aprovado como os anteriores de forma não consensual na Resolução S-
18/1 (A/HRC/S-18/2: 8-9), onde se mencionavam as infrações aos DH e liberdades
fundamentais na linha dos relatos dos Peritos, realçando-se novamente a importância da
assistência humanitária; o retorno voluntário de refugiados e PDI e a preocupação com
a impunidade (A/HRC/S-18/L.1: 1-3). Na revisão acrescentou-se a referência à
importância do cumprimento dos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais
da população, o que demonstra maior consenso sobre esta questão, solicitando-se
diretamente aos órgãos da ONU a tomada de medidas com base na consideração da
Resolução (A/HRC/S-18/L.1/Rev.1: 2-4). Esta referência denota a pressão crescente
para a proteção dos civis pela ONU através dos seus órgãos principais.
Uma nova sessão foi solicitada por representantes da Dinamarca, Kuwait, Qatar, Arábia
Saudita, Turquia, UE e dos EUA em relação à deterioração da situação dos DH na Síria e
os recentes assassinatos em El-Houleh que seria a 19ª sessão especial (A/HRC/S-19/1).
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Esta sessão contou com um apoio ainda mais extenso, evidenciando a pressão em torno
da resolução da situação.
Os Peritos que participaram na sessão, o ACNUDH e o Relator Especial sobre Execuções
Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias em nome dos titulares de mandatos do CDH, na
linha das sessões anteriores referiram-se à proteção dos civis de acordo com o DIDH que
incluía os direitos e liberdades fundamentais com base no relatório da Comissão de
Inquérito sobre a Síria A/HRC/19/69.
No seguimento destes relatos pela primeira vez por iniciativa de um país árabe, o Qatar,
foi apresentado o projeto A/HRC/S-19/L.1 aprovado também de forma não consensual
na Resolução S-19/1 (A/HRC/S-19/2: 8). Na proposta referiram-se as infrações contra
civis ao nível do uso de artilharia pesada contra áreas residenciais e abusos físicos,
especificando os ataques contra mulheres e crianças, e as infrações aos direitos e
liberdades fundamentais (A/HRC/S-19/L.1:1-2), não existindo ao contrário das
anteriores uma referência aos direitos económicos e sociais. Na revisão A/HRC/S-
19/L.1/Rev.1 também se recordou a declaração do ACNUDH de que as atrocidades
cometidas podiam constituir crimes contra a humanidade e o seu apelo ao Conselho de
Segurança para encaminhar a situação ao Tribunal Penal Internacional. Esta referência
evidência novamente a importância da posição dos Peritos Independentes na tomada de
decisão, que requer, dada a gravidade prolongada da situação, uma responsabilização
dos infratores. No projeto também se solicitou à Comissão de Inquérito que realize uma
investigação sobre El-Houleh, para identificar os responsáveis (A/HRC/S-19/L.1:2) no
seguimento da importância conferida à responsabilização como forma de combater a
impunidade.
A situação da Síria foi novamente analisada na 25ª sessão especial solicitada pelo Reino
Unido devido à situação em Aleppo (A/HRC/S-25/l).
Como intervenientes na sessão o ACNUDH, o CCPE e a Comissão de Inquérito sobre a
Síria referiram as infrações contra os civis na linha dos relatos das sessões anteriores ao
abrigo do DIDH que inclui os direitos e liberdades fundamentais, mas em 2016 já com
referência explícita ao DIH pelo consenso alcançado em relação à qualificação da situação
enquanto “conflito armado”.
Na sequência da iniciativa da sessão o Reino Unido apresentou o projeto A/HRC/S-25/L.1
aprovado novamente de forma não consensual na Resolução S-25/1 (A/HRC/S-25/2: 7-
10). Nesta Resolução foi feita referência às infrações ao DIDH e ao DIH por todas as
partes no conflito, incluindo a violência sexual e baseada no género, praticada também
contra crianças; destruição de infra-estruturas civis (escolas, instalações médicas) em
Aleppo; ataques a civis; remoção de itens de comboios humanitários; interrupções
deliberadas de abastecimento de água; uso indiscriminado de armas; uso da fome como
método de combate e cerco de áreas povoadas (A/HRC/S-25/L.1: 1-3), sem referência
aos direitos económicos e sociais, o que revela ainda algumas reticências em relação a
esta categoria de direitos. Foi igualmente solicitada à Comissão de Inquérito a realização
de um inquérito sobre Aleppo com vista à responsabilização dos infratores (A/HRC/S-
25/L.1: 3-4), sendo o combate à impunidade uma das principais formas consideradas
para dissuadir as infrações.
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República Centro-Africana (RCA)
Por iniciativa da Etiópia em nome do GA foi solicitada uma sessão sobre a situação dos
DH na RCA analisada na 20ª sessão especial (A/HRC/S-20/1). Esta sessão teve um amplo
apoio inter-regional, incluindo da RCA devido ao risco de genocídio pela dimensão étnica
e religiosa da crise, demonstrando a importância que os Estados atribuem à cooperação
através da atuação das instituições internacionais.
O ACNUDH e o CCPE mencionam em relação à situação as execuções sumárias com base
na religião; atos de violência sexual e baseada no género; desaparecimentos forçados;
tortura; mutilações; maus-tratos, prisões e detenções arbitrárias; saques e destruição
de propriedade, em especial de edifícios religiosos e o uso de crianças-soldado que
levaram a um elevado número de refugiados e PDI.
Neste seguimento a Etiópia em nome do GA apresentou o projeto A/HRC/S-20/L.1
aprovado consensualmente na Resolução S-20/1 (A/HRC/S-20/2), na qual foram
consideradas as violações e abusos dos DH e liberdades fundamentais como mencionadas
pelo ACNUDH e pelo CCPE (A/HRC/S-20/L.1: 1-2), novamente sem referência aos
direitos económicos e sociais.
Iraque
O Iraque solicitou uma sessão (22ª sessão especial) sobre a situação dos DH no próprio
país à luz dos abusos cometidos pelo auto-denominado Estado Islâmico, grupo Levante
e grupos associados (A/HRC/S-22/4), a qual teve amplo apoio inter-regional, incluindo
da Rússia e China ao contrário do que aconteceu em relação ao Sri Lanka.
O ACNUDH mencionou as violações ao DIDH e ao DIH praticadas por estes grupos contra
civis (violência sexual; sequestros; tortura; perseguição com base na filiação étnica,
religiosa ou sectária, entendendo-se os direitos culturais e religiosos como direitos à
identidade; uso de crianças-soldado; destruição de infra-estruturas e dos meios de
subsistência da população; impedimento da assistência humanitária; atos de intimidação
e atemorização das populações e proibição dos civis deixarem em segurança os locais de
combate), sendo também constatadas infrações ao DIDH e ao DIH praticados pelas
forças do Iraque e grupos armados contra estes grupos.
Assumindo a iniciativa do processo de decisão a França apoiada pelo Iraque apresentou
o projeto A/HRC/S-22/L.1 aprovado na Resolução S-22/l (A/HRC/S-22/4: 9), no qual se
evidenciaram as infrações ao DH e ao DIH cometidas pelos grupos terroristas que podiam
constituir crimes de guerra e contra a humanidade relatadas pelo ACNUDH; a
necessidade de proteger e prestar assistência aos civis; proteger as infra-estruturas civis;
promover e proteger todos os DH e liberdades fundamentais; investigar os alegados
abusos e promover o regresso das PDI (A/HRC/S-22/L.1: 1-3), interligando-se o DIDH e
o DIH na proteção dos civis que inclui os meios necessários à subsistência da população.
Mas sem referência às infrações cometidas pelo governo, situação que tinha sido criticada
em relação ao Sri Lanka.
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Grupo Boko Haram
A atuação do Grupo Boko Haram que teve implicações nos Camarões, Chade, Níger e
Nigéria, foi levada perante o Conselho pela Argélia em nome do GA na 23ª sessão
especial (A/HRC/S-23/1).
Na sessão o ACNUDH referiu as infrações cometidas pelo Grupo Boko Haram com
dimensões étnicas e sectárias (assassinatos, raptos, escravidão sexual, recrutamento
forçado, saques e destruição de aldeias e cidades) que levaram a um elevado número de
PDI e refugiados que necessitavam de assistência humanitária e psicológica. Também
houve relatos de violações graves ao DIDH e ao DIH pelas forças da Nigéria e outros
países na resposta às atividades do Grupo. O CCPE relembrou ademais a proteção dos
DH e liberdades fundamentais (segurança jurídica; liberdade de pensamento, consciência
e religião e a decisão sobre o retorno ao país).
Tratando-se mais uma vez de uma situação no Continente Africano a Argélia em nome
do GA apresentou o projeto A/HRC/S-23/L.1 aprovado consensualmente na Resolução
S-23/1 (A/HRC/S-23/2: 9), na qual foram mencionadas as atrocidades e abusos ao DIDH
e ao DIH cometidas pela organização terrorista contra civis na linha dos relatos dos
Peritos, incluindo os DH e liberdades fundamentais, tendo também sido manifestada
preocupação com as PDI e os refugiados (A/HRC/S-23/L.1: 3). Mas novamente não foram
referidas as infrações praticadas pelos Estados no combate ao terrorismo à semelhança
do Iraque e do Sri Lanka, não se mencionando também os direitos económicos e sociais
enquanto garantias da população.
Burundi
A gravidade da situação levou os EUA a solicitarem uma sessão sobre o Burundi que seria
a 24ª sessão especial (A/HRC/S-24/l), a qual teve o apoio do Burundi pela consciência
da dimensão étnica do conflito como aconteceu com a RCA.
Na sessão o ACNUDH, o Conselheiro para a Prevenção do Genocídio e o CCPE,
enumeraram as infrações aos DH com base na filiação política e étnica (execuções
extrajudiciais; detenções e prisões arbitrárias; desaparecimentos forçados;
espancamentos; saques; bloqueios a bairros; repressão; tortura; intimidação e a
ausência de meios de subsistência da população).
Neste sentido os EUA apresentaram o projeto A/HRC/S-24/L.1 aprovado
consensualmente na Resolução S-24/l (A/HRC/S-24/2: 9-10), no qual foi reafirmada a
promoção e proteção dos DH e liberdades fundamentais (A/HRC/S-24/L.1: 1) conforme
mencionadas pelos Peritos, solicitando-se ao ACNUDH que organize uma missão de
investigação (A/HRC/S-24/L.1: 5), enfatizando-se novamente a importância do combate
à impunidade.
Conclusões
Dos casos analisados evidenciamos a iniciativa dos Estados da Europa Ocidental e Outros
na convocação da maioria das sessões na linha da defesa de uma maior capacidade de
atuação do CDH em situações de graves infrações aos DH. Também se verificou um
assumir pelo GA das questões em África que geram maior consenso internacional, ao
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contrário de outras regiões como se verificou pela falta de consenso em relação ao Sri
Lanka e à Síria mais próximas das fronteiras de grandes potências.
Não obstante as dificuldades de enquadramento dos conflitos atuais nas categorias ditas
clássicas (CANI, conflito internacional, distúrbios ou tensões internas) aceitação da
inter-relação na proteção dos civis entre o DIH e o DIDH que foi assumida diretamente
nas diversas resoluções como proposto pelos Peritos Independentes. Esta
complementaridade além da proteção mínima nos CANI conferida pelo artigo 3.º comum
às CG, a única aceite consensualmente por todos os Estados, abrange os DH e liberdades
fundamentais com ênfase para os direitos civis e políticos (liberdade de opinião,
expressão, informação, manifestação pacífica, circulação, religião ou crença e exercício
de atividades pacíficas inclusive políticas); a proteção de infra-estruturas e bens civis;
proibição de todos os tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes especificando-se
entre estes a violência, abusos e agressões sexuais; a proibição do uso de crianças-
soldado; a obrigação de prover os meios necessários à subsistência das populações
mesmo que através da assistência humanitária (alimentos, água, cuidados de saúde,
abrigo), com ênfase para a parte da população considerada mais vulnerável refugiados,
PDI, mulheres e crianças e a responsabilização dos infratores.
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