dos estados aos problemas colocados pelas forças sistémicas globais da competição
interestatal e do capitalismo, que se desenvolveram para além do controlo dos estados
ou uniões de estados mais poderosos (Habermas, 2012: 54). Assim, os esforços
transnacionais de regulação legal democrática, como os da União Europeia, devem ser
complementados por uma maior democratização da política mundial. Nomeadamente,
através de uma reforma das Nações Unidas que democratize o seu papel na definição
legal das condições de fronteira para o funcionamento das relações interestatais e dos
mercados capitalistas. Segundo Habermas (2006: 137), a reforma democrática da ONU
exige uma transição para uma ‘condição cosmopolita’ na política mundial, caracterizada
pela ‘substituição’ do direito internacional pelo direito cosmopolita. Ao contrário do direito
internacional atual, o direito cosmopolita seria o resultado de processos decisórios
envolvendo não apenas estados, mas também cidadãos do mundo na sua qualidade de
sujeitos constitucionais da organização mundial. A ONU teria assim de incorporar
institucionalmente as duas inovações que Habermas vê como imanentes no nível
transnacional da UE. Por um lado, teria que garantir a conformidade dos Estados-
membros com o direito cosmopolita, mesmo que o monopólio sobre os meios de violência
legítima permanecesse ao nível estatal. Por outro lado, teria de incorporar
institucionalmente um ‘duplo sujeito constitucional’ composto por cidadãos do mundo e
povos nacionais, representados pelos seus respetivos estados, ou por outras entidades
representativas, tais como ONGs no caso de povos subestatais ou apátridas (Habermas,
2012: 54).
Enquanto a primeira destas duas condições já pode ser discernida no quadro institucional
das Nações Unidas, a atualização do segundo elemento requer a atribuição, a cada ser
humano do planeta, do estatuto de cidadão do mundo, e a constituição, paralelamente à
Assembleia Geral, de um 'parlamento mundial' composto pelos seus representantes
eleitos (Habermas, 2012: 58; veja-se o paralelismo entre a proposta de cidadania
mundial de Habermas e as avançadas por Apel (2007) que, no entanto, carece do nível
de compromisso de Habermas para com as mudanças institucionais que podem ser
necessárias para concretizar formas de cidadania mundial/cosmopolita). O parlamento
mundial não transformaria as Nações Unidas numa república mundial, mas reforçaria a
legitimidade democrática do direito cosmopolita ao tornar os cidadãos do mundo,
juntamente com os estados, um dos seus sujeitos constitucionais. Por outras palavras,
seria o mesmo que aconteceria numa UE transformada em democracia transnacional, em
que o direito cosmopolita não se sobreporia ao direito constitucional nacional ou às
conceções étnico-nacionais da boa vida. Os Estados-membros, como os segundos
sujeitos fundadores da constituição, seriam capazes de proteger as suas disposições
internas da lei cosmopolita que não cumprisse os seus padrões de liberdades civis
(Habermas, 2012: 58). Além disso, uma vez que a organização mundial não é uma
federação mundial de estados e não possui um monopólio supranacional sobre os meios
de violência legítima, teria que confiar nos ‘monopolistas nacionais’ para assegurar o
cumprimento das suas tarefas, incluindo as que propõem a implementação de medidas
coercivas para restabelecer o cumprimento da lei cosmopolita. A necessidade de que a
organização mundial confie nos Estados-membros dessa forma não apenas confirma a
dissociação entre a lei e o poder estatal que caracteriza a constituição política da
sociedade mundial, mas também assegura a proteção da autonomia dos estados através
da manutenção do monopólio sobre os meios de violência legítima ao nível estatal
(Habermas, 2012: 61). Desse modo, a democratização da política mundial concebida por
Habermas efetivamente ‘uniria’ o ideal kantiano de participação igualitária de um reino