OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 2 (Novembro 2020-Abril 2021)
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A CARACTERIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE GESTÃO NAS INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR EM MOÇAMBIQUE.
A COLEGIALIDADE, O MANAGERIALISMO E OUTROS FATORES CONJUGADOS
MAOMEDE NAGUIB OMAR
manotio@yahoo.com.br
Pós-Doutorado e investigador integrado do OBSERVARE/UAL. Professor Associado e Director-
Geral do ISCIM – Instituto Superior de Comunicação e Imagem de Moçambique (Moçambique).
Doutor em Estudos em Ensino Superior e Mestre em Gestão Pública pela Universidade de Aveiro.
Pós-Graduado em Public Policy and Development Administration pela School of Public and
Development Management da University of Witwatersrand, África do Sul
RENATO PEREIRA
renato.pereira@iscte-iul.pt
Investigador integrado do OBSERVARE/UAL onde coordena a linha de investigação Espaços
Económicos e Gestão de Recursos. Professor de Gestão Geral da ISCTE Business School, ISCTE -
Instituto Universitário de Lisboa (Portugal). Entre 2018 e 2020 cocoordenou o Seminário sobre
Geoeconomia e Transnacionalização das Economias do Doutoramento em Relações
Internacionais: Geopolítica e Geoeconomia da Universidade Autónoma de Lisboa. Doutor em
Ciências de Gestão pela Université Paris Dauphine.
Resumo
O presente artigo discute a transposição dos princípios normalmente aplicados na gestão
empresarial para as Instituições de Ensino Superior (IES). Discute-se, nomeadamente, a
influência exercida pelo managerialismo na estruturação e funcionamento das Instituições de
Ensino Superior. No estudo empírico conduzido em Moçambique, procede-se à análise dos
posicionamentos de distintos atores sobre diferentes dimensões e categorias do problema,
sustentado por uma metodologia de análise qualitativa a partir de uma amostra de 9 IES. As
principais conclusões revelam que no ensino superior moçambicano permanece uma certa
resistência das comunidades do ensino superior, particularmente dos seus profissionais, à
intromissão do managerialismo, destacando-se um posicionamento favorável à colegialidade
e à democraticidade. Não obstante o criticismo existente, alguns atores (minoritários)
reconhecem a influência dos aportes managerialistas aos objetivos do ensino superior e à
conceção e materialização da gestão das IES, propondo um modelo híbrido que associe as
duas dimensões. O estudo revela, igualmente, um deficit de participação da comunidade do
ensino superior nos processos de gestão e de tomada de decisão, dificultando a aplicabilidade
do modelo colegial.
Palavras-chave
Ensino Superior, Gestão, Managerialismo, Moçambique
Como citar este artigo
Omar, Moamede Naguibe; Pereira, Renato (2020). A caracterização dos processos de gestão
nas instituições de ensino superior em Moçambique. A colegialidade, o managerialismo e
outros fatores conjugados. In Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 11, 2
Consultado [online] em data da última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-
7251.11.2.12
Artigo recebido em Maio 21, 2020 e aceite para publicação em Outubro 4, 2020
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A caracterização dos processos de gestão nas Instituições de Ensino Superior em Moçambique.
A colegialidade, o managerialismo e outros fatores conjugados
Maomede Naguib Omar, Renato Pereira
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A CARACTERIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE GESTÃO NAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR EM MOÇAMBIQUE.
A COLEGIALIDADE, O MANAGERIALISMO
E OUTROS FATORES CONJUGADOS
MAOMEDE NAGUIB OMAR
RENATO PEREIRA
Introdução
O presente artigo pretende contribuir para a compreensão dos processos de gestão e de
governação das Instituições de Ensino Superior (IES) em Moçambique.
Para cumprir os nossos propósitos, organizámos o trabalho em duas partes. O objetivo
principal da primeira parte é refletir sobre a governação e as diferentes influências
exercidas sobre a gestão das Instituições de Ensino Superior em Moçambique,
destacando as implicações do managerialismo e, particularmente, da presença da nova
gestão pública no contexto do seu funcionamento e das suas atividades. Na segunda
parte, conduz-se um estudo empírico sobre o posicionamento e as perceções de
diferentes atores relativamente à gestão das IES em Moçambique. A análise resulta da
aplicação de uma metodologia qualitativa, na qual foram consideradas dimensões e
categorias relevantes sobre a matéria em estudo, nomeadamente: a caracterização da
gestão das IES; a participação dos docentes, estudantes e corpo técnico administrativo
(CTA) nos processos de gestão das IES; as escolhas sobre a estrutura organizacional; o
enquadramento dos graus académicos na gestão das IES; a qualidade das IES e os
processos de avaliação interna e externa; as implicações no funcionamento das IES
devido ao mero insuficiente dos docentes a tempo integral e as respetivas
qualificações; a gestão financeira das IES em Moçambique: modalidades de
financiamento. Sobre cada um dos pontos arrolados, foi possível estabelecer um conjunto
de linhas de força, que nos permitem chegar a sínteses conclusivas, através das quais
se procura retratar os resultados da nossa análise.
1. A influência do managerialismo e da Nova Gestão Pública no
funcionamento das Instituições de Ensino Superior (IES)
1.1. Enquadramento
A proclamada crise do Estado providência registada na Europa, de entre outros fatores,
constituiu um marco importante para o surgimento de outras modalidades na
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organização do Estado, nomeadamente os modelos managerialistas (Deem et al, 2007).
Esta condição surge como resultado das pressões exercidas pela economia de mercado
sobre a administração das organizações públicas, conduzindo-as a transformações
profundas visando torná-las mais eficientes e eficazes. No âmbito destas reformas, a
compreensão da influência dos mecanismos de mercado nos negócios públicos torna-se
num fator fundamental para enquadrar o que se designa como “Nova Gestão Pública”
(NGP). Aliás, a pressão da economia e do mercado é considerada por Santiago et al
(2005) como uma das razões que explicam a intromissão do managerialismo no sector
público.
No que se refere ao ensino superior e ao seu contexto, as mudanças de cariz neoliberal
verificadas na economia conduziram ao questionamento da missão, do modo de
organização e do funcionamento das IES com maior ênfase a partir da década de 80 do
século XX. Este quadro, gerador de transformações e de crises, embora não impedindo
a manutenção do papel fundamental da IES como produtora e difusora do conhecimento,
procura impor um modelo de racionalidade económica, competitividade e eficiência - o
“managerialismo” - que resulta de uma crescente influência da globalização e do mercado
no ensino superior. Este movimento implica a alteração de pressupostos organizacionais
e de gestão, bem como o desenvolvimento de novas capacidades humanas e a
reorientação de recursos materiais, financeiros, tecnológicos e de informação, gerando
debates à volta do ensino superior, das suas políticas, governação e gestão. Embora esta
discussão seja desenvolvida em contextos e perspetivas multifacetadas, um dos aspetos
marcantes que merece um destaque particular diz respeito à mudança relacional entre o
Estado e as IES ou seja, “(...) mais especificamente as alterações das medidas
governamentais que conduzem às mudanças no relacionamento” (Maassen, 2003: 31)
entre estas duas entidades. Este mesmo autor chama a atenção que no contexto referido,
qualquer discussão sobre as mudanças nas estruturas de gestão institucional do ensino
superior deverá ter em conta que o os governos, aos vários níveis, que se
responsabilizam pelos quadros regulatórios que influenciam o desempenho das IES e a
gestão das suas atividades. Esta perspetiva, em nosso entender, poderá continuar a ser
válida nos sistemas de ensino superior em que o Estado, mesmo mantendo a função
reguladora, o pretenda outorgar-se o modelo de controlo sobre as IES. Aliás, as
tendências atuais conduzem cada vez mais a uma ação supervisora do Estado sobre as
IES. Neste modelo, igualmente designado de controlo externo, as IES detêm uma ampla
autonomia em diferentes áreas (Han & Xu, 2019).
Outro dos fatores importantes parece ser a mudança na forma de regulação dirigida aos
profissionais, o que se traduz na alteração das tradicionais políticas e práticas de gestão
de recursos humanos. Aliás, estes princípios ganham respaldo no trabalho de Ekman et
al (2018). Este estudo estabelece que no quadro das reformas e da afirmação da
autonomia das IES, estas assumem as responsabilidades principais na gestão e
governação do conjunto das suas atividades, com destaque para as financeiras e dos
recursos humanos (Marques, 2012), não obstante o poder regulatório do Estado.
1.2. A redefinição do papel do Estado e o surgimento da Nova Gestão Pública
As transformações na estrutura do Estado, no sentido de substituir cada vez mais as
formas clássicas de intervenção pela regulação e orientação, a diversificação das formas
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tradicionais de ação pública e, em geral, as mudanças nas formas de governação,
impuseram mudanças estruturais nos modos de atuar da administração. Waring (2017)
refere-se a estas mudanças como a desconstrução de muitos dos instrumentos e
esquemas organizativos que sustentavam a administração estatal tradicional, conduzindo
à discussão, sempre atual, em torno das funções do Estado e dos meios para as realizar.
Para além dos pressupostos acima enunciados, e antes da abordagem de aspetos
específicos, a contextualização e a compreensão do surgimento da Nova Gestão Pública
(NGP) passa por uma análise das diferentes formas de gestão na administração pública
que emergiram ao longo da história da modernidade. Na descrição cronológica que a
seguir apresentamos, exemplificam-se algumas circunstâncias particulares dos países
africanos, nos quais se inclui Moçambique, por conta, em grande medida, da sua história
recente ligada ao colonialismo. Assim, de acordo com Omar (2005), a Administração
Pública Patrimonialista designa o período imperial ou de dominação colonial. Neste
quadro, também se incluem franjas de formas de patrimonialismo (neo-patrimonialismo)
resultantes da organização social local. Fundamentalmente, neste tipo de administração,
o Estado funciona como extensão do poder soberano dos Reis e Senhores, os direitos o
concedidos de acordo com critérios pessoais e os cargos tidos como “prendas”. Neste
caso, a Res Publica é igual a Res Principis.
A “Administração Pública Burocrática” caracteriza-se pela instauração de um poder
racional-legal, fundado basicamente na ideia da carreira e da profissionalização, no
formalismo e impessoalidade e no conceito de hierarquia funcional. Neste modelo, os
controlos administrativos são efetuados a priori constituindo a garantia do poder do
Estado e transformando-se na sua própria razão de ser. “A este modelo corresponde uma
administração que baseia o seu relacionamento com os cidadãos no formalismo, com
base em rotinas e procedimentos estandardizados” (Rocha, 2002: 37).
As bases da autoridade deste modelo, fundados nos princípios teóricos de Max Weber
(e.g. Braun et al, 2015), são sufragadas através da obediência dos seguidores. As
características fundamentais da burocracia weberiana, como sejam a regulamentação, a
estabilidade e a continuidade baseadas na autoridade formal, na impessoalidade do
cumprimento das normas e no profissionalismo dos cargos, constituem elementos que,
embora postos em causa pelos modelos substitutos mais atuais, subsistem como temas
centrais de discussão sobre a organização da administração pública. Em nosso entender,
este conjunto de instrumentos reguladores continuam a ser úteis na modernidade pois
constituem fatores de influência e elementos integrantes do Estado quer nos países
desenvolvidos quer, por maioria de razão, nos países em desenvolvimento.
É nesta esteira, e também como resultado da crise da teoria administrativa, que surge o
modelo gerencialista ou managerialista, assente numa orientação gestionária dos
desígnios públicos, visando uma maior eficiência e eficácia dos serviços. Este modelo,
que se inspira e tende a aproximar-se da gestão empresarial, realça a necessidade e a
importância do estudo e da combinação entre as políticas públicas e o public
management. Referindo-se ao modelo, Rocha (2002), defende a necessidade de
descentralizar e desconcentrar competências. O modelo destaca, igualmente, a
diferenciação entre a política e a administração. À política caberia traçar as orientações,
a serem cumpridas pela administração, num quadro regulamentado pelos princípios da
gestão privada.
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A “Administração Pública Gerencial” é considerada por alguns a gestão pública por
excelência. O modelo preconiza o controlo a posteriori dos resultados. Baseia-se, como
acima referimos, na eficiência de estruturas organizacionais flexíveis e horizontalizadas
e, pelo menos em termos retóricos, numa aproximação ao cidadão. Advoga-se, por outro
lado, a necessidade de descentralizar a tomada de decisões fazendo uso de uma
linguagem pró-ativa e inovadora. Este modelo, que configura basilarmente a Nova
Gestão Pública (NGP) pressupõe uma vertente de cariz neoliberal. Carapeto & Fonseca
(2005) consideram que o que se valoriza é a lógica do mercado.
1.3. O vínculo e a importância do managerialismo no Ensino Superior
Revertendo o conjunto de considerações acima destacadas, as assunções e as práticas
da NGP estenderam-se, igualmente, ao campo da governação e da gestão do ensino
superior. As alterações que emergiram têm sido caracterizadas pela passagem de um
modelo caracterizado por um apertado controle e regulação do Estado relativamente ao
ensino superior para um modelo, menos restritivo, de supervisão (Dopson et al, 2019;
Santiago et al, 2006). Estas novas formas de regulação estatal dos sistemas de ensino
superior é resultado, em grande medida, do processo de globalização (Seixas, 2001).
O crescimento do número de estudantes, pressões políticas, a ascensão da economia do
conhecimento, entre outras razões, têm colocado a governação e a gestão das
Instituições do Ensino Superior (IES) na agenda das reformas educacionais dos países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Este movimento emergiu, principalmente, a partir
dos anos 1980, altura em que se começaram a fazer referências explícitas aos gestores
das IES. A legitimação dos princípios e dos modelos managerialistas, particularmente a
NGP nos sistemas de ensino superior dos diversos países resultou, também, das
tendências internacionais tidas como inevitáveis e recomendadas por agências
supranacionais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OCDE) e o Banco Mundial (BM). Deste modo, é relevante o papel das organizações
internacionais na difusão de um modelo de ensino superior transnacional que veicula e
acentua as tendências da lógica do mercado nos sistemas de ensino superior (Seixas,
2001).
Estas pressões externas a que o sistema tem vindo a ser submetido são, de acordo com
Santiago et al (2005), resultantes da confluência de restrições financeiras devidas, em
parte, ao desmantelamento dos dispositivos do Estado providência a que nos referimos
mas, também, das expectativas e da procura social e, ainda, da relativização do capital
simbólico da IES e das exigências da nova economia (novas qualificações, competências
e perfis). As mesmas convergem para uma relação entre o Estado e o ensino superior
repensada à luz da gestão, tendo como objetivo a orientação das IES para o mercado.
Neste contexto, a introdução de mecanismos de autonomia financeira constitui um dos
seus motes principais (David, 2008).
Outros fatores substantivos, presentes na intenção das narrativas managerialistas no
ensino superior, encontram sustentação em dois tipos de argumentos, que constituem
um dos pilares sobre os quais esta intenção procura legitimar-se. Por um lado, está
disseminada a crença que o sistema de ensino superior e as suas instituições não se
auto-reformam tão rapidamente quanto as mudanças que ocorrem no ambiente
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envolvente; por outro lado, a governação colegial é conotada com práticas e estruturas
académicas tradicionais, alinhadas com os interesses corporativos (Santiago & Carvalho,
2004). Este posicionamento serve de suporte à retórica sobre a irracionalidade e a
ineficiência da colegialidade apoiada no exercício do poder profissional pelos académicos.
De facto, o managerialismo combina premissas políticas, institucionais e organizacionais
com princípios racionais que, aparentemente, parecem não estar bem organizados, mas
nos quais é possível detetar alguma coerência em redor das noções de mercado,
competição, escolha individual, responsabilidade e eficiência (Santiago et al, 2005). Estes
autores consideram que, neste contexto, existe o sentimento de que o managerialismo
influencia o ensino superior a diferentes níveis, em particular ao nível das estratégias de
reorganização do sistema; da gestão e governação das instituições, incluindo as suas
culturas institucionais e o comportamento individual dos seus profissionais. Estes dois
níveis influenciam a conceptualização da missão das instituições e também os seus
objetivos finais, os quais desempenham um importante papel de mediação entre as
intenções políticas e as práticas institucionais concretas. A perceção dos diversos agentes
sobre as finalidades e objetivos do ensino superior constitui, de facto, o quadro orientador
do processo decisório e, nesse sentido, influencia as estratégias e as políticas das
instituições (Akanji et al, 2020).
Para além de se configurar como um instrumento político e gestionário de pressão sobre
as IES, o managerialismo em geral e a NGP em particular encontram, igualmente,
respaldo no próprio interior da academia pois “(...) emergem processos de acomodação
(…) que criam algumas condições facilitadoras para a aceitação das pressões e da sua
naturalização nos e pelos atores académicos” (Santiago et al, 2005: 35). As razões
apontadas pelos autores para que tal aconteça são diversas. Umas ligam-se às próprias
dinâmicas de crescimento e desenvolvimento do ensino superior; outras são inerentes
às dificuldades das estruturas e formas tradicionais de governo das IES em lidarem com
as pressões do exterior. Por outro lado, esta aceitação e materialização, radica,
igualmente, na disseminação e fragmentação do conhecimento científico e tecnológico,
assim como nas transformações das representações dos atores académicos a propósito
das finalidades e das formas de organização do ensino superior (Kozyrev et al, 2019).
No entanto, a questão da influência da NGP no métier da IES não colhe consenso e
consubstancia-se em dois principais posicionamentos distintos. Segundo David (2008),
os defensores da NGP proclamam as vantagens de modelos que estimulam a
competitividade e a eficiência das IES regulados pelo mercado, sob supervisão e com
intervenções pontuais do Estado. Tal teria em vista o aumento da qualidade do ensino,
da investigação, da transferência de tecnologia e da relevância dos serviços prestados à
comunidade. Por seu lado, os opositores a estes modelos alegam a redução da
democracia interna na vida das IES, a excessiva subordinação das IES à lógica da
rentabilidade financeira, a desvalorização e a falta de liberdade de investigação, incluindo
o risco de excessivo controlo institucional sobre o ensino e a investigação para fins de
comercialização.
Esta última posição, sobretudo no que respeita ao que muitos académicos tendem a
referir como “bons e velhos tempos”, nos quais as decisões na Academia eram tomadas
numa atmosfera colegial, sem sérias interferências externas, são tidas pelos defensores
do managerialismo como nostálgicas e idealistas. Por outro lado, examinando a natureza
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das reformas gestionárias no ensino superior, é possível destacar o sentimento geral de
que a vida académica “já não é a mesma coisa”. Muitas mudanças têm vindo a ocorrer.
Entre as que é possível recensear destacamos que o próprio impacto da massificação do
ensino superior tem vindo a alterar o reconhecimento social dos sistemas de ensino
superior retirando-lhes, por isso, crédito.
Para ilustrar o posicionamento dos que se opõem ao managerialismo, Maassen (2003)
retrata algumas posições comuns entre os académicos. Estes consideram que as IES,
quando sustentadas pelo modelo colegial, apresentam-se em vantagem, ocupando um
patamar académico superior. Criticam a corrente managerialista por ser conduzida mais
por razões económicas do que por razões académicas. Enfatizam o seu posicionamento
postulando que as IES não são “fábricas de sapatos” não podendo, pois, ser geridas como
se de “fábricas de sapatos” se tratasse.
Segundo Readings (2003), a maioria dos que abordam a problemática da IES optam por
uma de duas posições: ou exortações nostálgicas nas quais se defende um regresso aos
ideais humboldtianos de uma comunidade e funcionamento social modulares; ou
exigências tecnocráticas que advogam uma IES a acolher de braços abertos a sua
identidade empresarial, tornando-se mais produtiva e mais eficiente.
Podemos, pois, afirmar que a dificuldade ou a impossibilidade de compatibilizar a
IES empresarial”, inspirada por uma cultura de mercado, com a ideia do ensino e
investigação, entendidas como bens públicos, parece ser o quebra-cabeças fundamental
dos novos paradigmas de governação das IES e da sua relação com a sociedade. Como
consequência destas posições, uma pergunta relevante e inevitável surge. O quê e quem
domina atualmente os sistemas de ensino superior e em particular as suas instituições?
Quem esteja familiarizado com a complexidade da problemática do ensino superior
admitinão ser fácil formular uma resposta segura a esta questão. Numa abordagem
peculiar, Readings (2003) considera que não é necessária nenhuma identidade nova para
a IES, enaltecendo que temos é que reconhecer que a perda de referencial da função da
IES abre um espaço em que podemos pensar de forma diferente as noções de
comunidade e de comunicação. Assim, considera-se que, mesmo sendo difícil o desafio
da presente conjuntura, não se exige a construção de uma instituição melhor, a produção
de um outro modelo de eficiência, de um outro projeto unificado e unificador. O que se
exige, com inteligência, é um tipo de pensamento que não procure emprestar ao trabalho
desenvolvido na IES uma função ideológica unificada (Barnnett, 2000), procurando-se,
também, encontrar uma nova linguagem em que a IES possa reivindicar o seu papel
enquanto locus do ensino superior.
Cruzando esta discussão com a globalização, também ela mercantil, e na mesma linha
de pensamento, podemos afirmar que no quadro de uma economia global não se pode
recorrer à IES para fornecer um modelo de comunidade. No mesmo sentido, o apelo à
IES como modelo de comunidade já não responde à pergunta sobre a função social da
mesma. Em alternativa, propõe-se que a IES seja um lugar onde se tenta pensar o laço
social sem recorrer a uma ideia unificadora, seja a da perspetiva cultural, seja a do
Estado. Readings (2003) defende que o futuro da IES pós-histórica parece estar
relacionado com o pensamento da comunidade, que abandona a identidade expressiva
ou o consenso transnacional enquanto meios para atingir uma unidade.
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A alternativa que temos vindo a apresentar, para além de constituir uma opção
sustentada por princípios diferentes da NGP, parece estabelecer o abandono gradual do
princípio da ligação entre a IES e a identidade nacional que dominou o referencial da IES
nos últimos três séculos, particularmente na Europa, embora possa ser referenciada
diferentemente nos países em desenvolvimento.
1.4. O criticismo relativamente ao managerialismo e à Nova Gestão Pública
Quanto à sua aplicação no ensino superior, muitas questões mantêm-se em aberto. No
entanto, Santiago et al (2005), retratando o exemplo do que aconteceu em Portugal,
sustentam que até 2005 a intromissão do managerialismo e do mercado no ensino
superior o foi totalmente bem-sucedida, não ocorrendo mudanças tão profundas como
faria supor a força com que a ideologia managerialista se procurou introduzir no ensino
superior. Esta argumentação é sustentada por algumas evidências que continuam a
perdurar e a marcar a vida académica. De facto, o modo de funcionamento colegial
manteve alguns dos seus mecanismos; os gestores académicos continuam a valorizar
mais os seus papéis profissionais que os papéis de gestão; a investigação básica
continuou a resistir (com dificuldade) ao empreendedorismo; a ideologia “vocacionalista”
não submergiu totalmente à educação e à formação; e a maioria dos académicos parece
continuar a resistir às novas linguagens e culturas da gestão e da economia (Santiago et
al, 2005).
Porém, os autores reconhecem que a inexistência da ligação entre o ensino superior e a
economia e a crítica ao funcionamento colegial tinham tido eco nas medidas políticas de
estruturação do ensino superior: a institucionalização dos sistemas de avaliação e de
acreditação conseguiu materializar os critérios economicistas e de empregabilidade; o
financiamento do ensino superior sofreu restrições e mudanças de regras, incitando-se o
autofinanciamento; a competição interinstitucional é promovida na crença de que
constitui um instrumento para atingir uma maior eficiência e eficácia; a retórica da
globalização e da economia/sociedade do conhecimento tem conseguido estimular a ideia
da relação unívoca entre o conhecimento e a competitividade das nações (Santiago et al,
2005).
A influência que a NGP exerce sobre o setor público, particularmente sobre o sistema de
ensino superior, é suscetível de trazer algumas vantagens em resposta às expectativas
e à procura social e até como resposta às diversas dimensões da crise da IES. Porém, a
sua análise não pode ser orientada para uma visão unidirecional e determinista. As
contradições da NGP são, como vimos, evidentes, bem como o evidentes as
contradições advindas do endeusamento do mercado, da noção da sua infalibilidade e do
caráter mítico e ideal da gestão privada.
O debate atual sobre a IES realça a contradição entre a autonomia institucional e a
pressão exercida para submetê-la a critérios de natureza empresarial (Aithal & Kumar,
2019). Este fenómeno parece acentuar a crise institucional da IES e a consequente
alteração paradigmática, nomeadamente o afastamento do ensino superior do Estado-
Nação e do Estado-Providência. Deste modo, é marginalizada a cultura humanista a favor
dos interesses do mercado, promovendo o capitalismo académico virado para um regime
liberal de aprendizagem. Estes fatores, apelando a princípios de eficiência, facilitam a
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mercantilização do ensino superior, a aceleração do movimento de globalização e o
surgimento de modelos managerialistas. Pode-se, pois, concluir que a influência das
forças do mercado, conjugadas com a falta de financiamento e a internacionalização do
ensino superior poderão ter contribuído para a crise identitária da IES. Esta realidade
parece ter conduzido a uma alteração nas formas de regulação do ensino superior pelo
Estado, mas não necessariamente ao fim do seu controlo estratégico (Santiago &
Carvalho, 2004).
Num mundo cada vez mais globalizado, os sistemas de ensino superior o conduzidos
a desempenhar um papel fundamental na produção e difusão do conhecimento
contribuindo para a elevação da cidadania, cultura, ciência e inovação nas sociedades
onde se encontram inseridas.
Aos processos de difusão global têm surgido, em contraposição, modelos de
recontextualização que procuram refletir as realidades nacionais ou locais de cada país.
Para fugir à ordem uniformista da globalização o ensino superior procura uma lógica
institucional de prestação de serviço público, na qual a estrutura organizacional facilita a
integração harmoniosa do ensino e da investigação. Procura-se estabelecer políticas para
o ensino superior que possibilitem a criação de capital humano, de capital social e de
capital cultural capazes de lidar de forma crítica com a globalização. Este posicionamento
implica a redefinição da missão e do papel da IES perante as novas tendências mundiais
e os desafios da sociedade do conhecimento.
Embora a ideologia managerialista não tenha sido completamente bem-sucedida,
mantendo-se muitas questões em aberto, reconhece-se que a lógica da racionalidade
económica de mercado e gestionária tem hegemonizado a política de reconfiguração dos
sistemas e das IES (Deem et al, 2007).
Podemos, pois, concluir que a influência, na IES, do managerialismo em geral e da NGP
em particular, parece não colher consenso. Enquanto alguns argumentos insistem na
defesa do modelo pela possibilidade que confere de estimular a competitividade e
eficiência das IES, outros criticam-no pela excessiva dependência do mercado, pela
gestão privada e pela diminuição da democracia interna, para além de outros fatores
acima mencionados.
2. Estudo empírico: a gestão das instituições de Ensino Superior em
Moçambique
2.1. Enquadramento metodológico
A opção metodológica tomada para o nosso estudo empírico foi uma abordagem
qualitativa por considerarmos que a mesma viabilizaria melhor a possibilidade de
interpretar e de analisar os sentimentos e as motivações dos atores envolvidos no
fenómeno do estudo. Assim, foi determinada uma amostra probabilística e aleatória em
que cada membro da população estudada tinha a mesma probabilidade de ser
selecionado para integrar a referida amostra. Por outras palavras, as possibilidades de
escolha não foram pré-determinadas e poderiam recair sobre qualquer um dos atores.
Sendo este o determinante principal da constituição da amostra, procedeu-se ainda a
uma estratificação da mesma de modo a incluir universidades e institutos superiores,
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Vol. 11, Nº. 2 (Novembro 2020-Abril 2021), pp. 202-222
A caracterização dos processos de gestão nas Instituições de Ensino Superior em Moçambique.
A colegialidade, o managerialismo e outros fatores conjugados
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instituições públicas e instituições privadas, e a distribuição geográfica das mesmas
instituições. Deste modo, e tomando em consideração os objetivos do estudo, a técnica
de análise de dados escolhida, a dimensão da revisão bibliográfica e, ainda, os recursos
e o tempo destinado ao estudo, foi determinada uma amostra de 9 IES representando
18,4% da população constituída por 49 IES (de acordo com os dados do Ministério da
Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico-Profissional de Moçambique).
Para realização das entrevistas, foram inicialmente escolhidos dois guiões utilizados para
entrevistas piloto (um para dirigentes e docentes das IES e outro para estudantes). Da
análise efetuada na fase-piloto, concluiu-se que o vel de respostas não justificava uma
diferenciação, optando-se por estabelecer apenas um guião universal para as entrevistas.
Uma vez a recolha de dados concluída, foi criada a seguinte grelha de análise a partir da
qual se efetuou a discussão e a análise dos dados:
1. Dimensão Caracterização da Gestão e Governação das IES em Moçambique
1.1. Categoria: Modelos de Gestão e Governação das IES
Temas:
1.1.1. Órgãos Académicos Tradicionais
Fundamentação dos Princípios da Colegialidade
1.1.2. Sistema e Processos Managerialistas
Identificação das ferramentas e factores associados
ao managerialismo
1.1.3. Outros Sistemas e Modelos
Caracterização da opção tomada
1.2. Categoria: Participação de Docentes, Estudantes e CTA nos Processos de Gestão e Governação
Temas:
1.2.1. Modalidades para o Enquadramento
Organizacional e na Gestão
Verificação dos factores conducentes à integração
1.2.2. Inexistência de pressupostos para a integração
nos processos organizacionais e de gestão
Identificação das razoes que conduzem à não
participação
1.3. Categoria: Desenho da Estrutura Organizacional para as IES
Temas:
1.3.1. Melhor opção para a estrutura organizacional
Caracterização do modelo mais adequado
1.3.2. Estrutura pedagógica e de ensino
Identificação do modelo mais eficiente
2. Dimensão Implicações Pedagógicas para a Gestão das IES em Moçambique
2.1. Categoria: Opções de Desenvolvimento de Cursos e Programas
Temas:
2.1.1. Contribuição para a Sustentabilidade da
Instituição
Cursos e Programas Relevantes
2.1.2. Níveis apropriados de qualidade no processo de
ensino e de investigação
Definição de padrões e de indicadores de qualidade
adequados.
2.2. Categoria Os Graus de Ensino Superior em Moçambique
Organização e gestão das IES face ao sistema LMD
Adequação do sistema de graus às necessidades e
interesses do público e dos níveis de desenvolvimento
2.3. Categoria: A contribuição dos Docentes para a eficiência e eficácia da gestão e dos resultados
pedagógicos
Temas: Número insuficiente de docentes a tempo
inteiro (ou número excessivo de docentes a tempo
parcial)
Implicações na eficiência e eficácia da gestão
3.Dimensão Implicações Financeiras par a Gestão das IES em Moçambique
3.1. Categoria: Financiamento das IES
Temas:
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Formas Inovadoras de Financiamento das IES
Caracterização das modalidades a serem adoptadas
por cada um dos segmentos.
3.2. Categoria: Legislação sobre a Gestão Financeira das IES
Temas:
3.2.1. Responsabilidades Fiscais das IES
(regulamentação da gestão financeira das IES)
Avaliação da carga fiscal estabelecida para as IES
(verificação de um quadro regulatório específico)
3.2.2. Remuneração dos Docentes
Tabelas remuneratórias e carreiras docentes
3.2.3. Resultados Financeiros
Estabelecimentos de princípios e regras de distribuição
financeira
Fonte: Elaboração Própria
2.2. Caracterização da gestão das IES
No que diz respeito à caracterização dos modelos de gestão das IES, centramos a nossa
discussão basicamente em duas dimensões. Uma deles reflete o domínio das estruturas
académicas tradicionais sustentados pelos princípios e fundamentos da colegialidade
possivelmente alinhada com os interesses corporativos. A outra comporta um sistema
constituído por um conjunto de ferramentas e processos de gestão que visam a eficiência
e a medição do desempenho das instituições e dos seus profissionais, baseados nos
sistemas e processos managerialistas.
A argumentação dos entrevistados do nosso estudo parece identificar-se claramente com
o modelo tradicional e colegial nas IES com um acento particular na democraticidade do
sistema cujos contornos iremos abordar de seguida. Porém, nem todos os interlocutores
apresentam o mesmo ponto de vista sobre a problemática que temos vindo a discutir.
Parte dos pressupostos que enquadram o discurso dos entrevistados são sustentados
pelas práticas da gestão privada que decorrem, por um lado, da economia, da
globalização e das políticas de privatização e, por outro lado, da separação do
financiamento blico da prestação de serviços (Santiago et al, 2005; Zavale, 2018).
Este conjunto de questões, que podem ser enquadradas na lógica da NGP, parece o
constituir, mesmo assim, a opção única dos entrevistados acima citados. Aliás, alguns
dos princípios da NGP destacam-se pelas suas contradições internas. Um dos exemplos
mais elucidativos é o paradoxo existente entre o princípio da descentralização e o reforço
do poder político e estratégico do topo, visando uma autoridade fortemente centralizada
que assegure a racionalidade das decisões e dos resultados (Williams, 2000; Meek,
2003).
De facto, o discurso parece expressar o desejo de compatibilizar, num certo sentido, a
IES empresarial” sustentada pela cultura do mercado com a ideia do ensino e
investigação como bens públicos. Este entrelaçamento de lógicas constitui o problema
fundamental dos novos paradigmas defendidos para a e gestão das IES, bem como a sua
relação com a sociedade (Readings, 2003). Portanto, os atores expressam um conjunto
de posições híbridas que articulam a lógica tradicional com a lógica managerialista e de
mercado. No fundo, o que emerge do discurso é um modelo suficientemente flexível para
permitir o aproveitamento das oportunidades do mercado a favor das IES, capitalizando
a produção do conhecimento. Esta lógica abriria espaço, inclusivamente, para a
participação das empresas e de outros setores da sociedade nos órgãos de governação
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das IES, sendo essa participação, igualmente, uma janela através da qual se pode avaliar
o desempenho e a relevância das ações formativas nas IES.
A argumentação dos entrevistados parece, pois, refletir influências do modelo
managerialista mas evidenciando a necessidade de manutenção dos princípios e dos
valores tradicionais da vida académica. O que parece emergir da posição dos
entrevistados é uma forma de pensamento que procura refletir um modelo que, mesmo
sendo eficiente, não se aproxima de uma ideologia unificada da IES (Barnnet, 2000).
As narrativas dos diversos entrevistados considerados no presente ponto indicam uma
linha de orientação para a gestão das IES alinhada com os princípios tradicionais da vida
académica sustentadas pela colegialidade e pela democraticidade. Verifica-se, pois, uma
notória resistência dos profissionais do ensino superior às lógicas influenciadas pelos
valores utilitários e pelo managerialismo. No entanto, não deixaram de existir
posicionamentos, embora minoritários, a favor de um modelo de governação e gestão
híbrido e flexível no qual se procura conciliar a ideia de ensino e investigação como um
bem público, articulada com uma maior eficiência e eficácia dos processos, características
do sistema managerialista.
2.3. Participação dos docentes, estudantes e CTA nos processos de gestão e
governação
Nesta categoria procura-se avaliar as modalidades de participação, especificamente dos
agentes internos (docentes, estudantes e corpo técnico e administrativo) na gestão das
IES e quais as modalidades seguidas para o seu enquadramento organizacional. Ademais,
tendo as escolhas dos atores, descritas no ponto anterior, recaído, em grande medida,
sobre o modelo colegial e democrático de gestão da IES, o mesmo fará sentido se
houver uma adequada participação dos seus membros. Um processo no qual os
interesses legítimos dos diversos sectores ou de diferentes grupos possam influenciar a
tomada de decisões, aos diferentes níveis, e ao mesmo tempo se sintam atores do seu
próprio crescimento e desenvolvimento (Morais & Graça, 2014).
Parece-nos, no entanto, que no caso do nosso estudo e pelo que é espelhado pelos atores
entrevistados, apesar de existir, em alguns casos, uma vontade genuína de participação,
a mesma não se torna efetiva devido a problemas de operacionalização.
Para além dos problemas de funcionamento há quem advogue, igualmente, lacunas no
processo de enquadramento organizacional e de gestão.
Este posicionamento sugere a priori falhas de liderança e de planeamento face ao modelo
de gestão que é defendido e aparentemente perseguido (Watson, 2012; Thornton et al,
2020). Significa, igualmente, que se regista um certo amadorismo gerencial,
suscitando um processo de tomada de decisões com base em situações emergentes,
revelador da falta de estratégias programadas e de um processo de planeamento
adequado (Meyer & Mangolim, 2006).
A análise às entrevistas não traz, igualmente, evidências sobre a participação efetiva dos
diferentes sectores das IES. Revela, apenas, o desejo do ator para que cada uma das
partes possa, com a sua opinião, participar no processo de tomada de decisão.
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Podemos, pois, concluir que existe, no geral, um deficit de participação dos diversos
grupos constituintes da comunidade universitária e de outras IES. Esta circunstância não
permite uma participação efetiva no processo de tomada de decisão e na gestão dessas
mesmas instituições para além das falhas de carácter democrático que se registam
(Luescher-Mamashela & Mugume, 2014; Zavale et al, 2017). Apesar desta situação
geral, mesmo assim pode-se considerar que em alguns casos existe uma reveladora
participação dos docentes devido, sobretudo, à sua preparação profissional que conduz
a um certo ascendente relativamente a outros grupos da comunidade académica.
2.4. Modelos de estrutura organizacional das IES
O que se pretende discutir nesta categoria diz respeito aos modelos de organização das
IES, incidindo particularmente nas estruturas de gestão pedagógica que mais se
coadunam com a realidade das IES em Moçambique segundo a leitura dos atores
entrevistados. Concretamente, pretende-se verificar se a opção é pelo modelo europeu
continental que segue uma lógica profissional, tradicionalmente mais utilizado em
Moçambique, cujo núcleo é a faculdade ou se, por outro lado, existem outras opções que
possam justificar diferentes escolhas, nomeadamente o modelo inglês organizado em
departamentos de carácter científico.
A maior parte dos atores entrevistados o tiveram dúvidas relativamente ao seu
posicionamento, transmitindo-nos uma resposta sustentada numa estrutura
conservadora, seguindo o modelo organizacional mais comum nas IES em Moçambique.
Ou seja, o modelo vertical de carácter profissional faculdades, departamentos, cursos,
admitindo a existências de escolas para unidades especializadas, e centros para unidades
de pesquisa ou de serviços. Aliás, a diferenciação entre escolas e faculdades é, muitas
vezes, apenas uma questão semântica, pois como afirma Costa (2001: 153) o modelo
europeu continental é, tradicionalmente, o da organização em escolas, nomeadamente
designadas por faculdades”.
Na discussão sobre as escolhas da Estrutura Organizacional das IES foi possível constatar
que a maioria dos posicionamentos recaiu sobre o modelo tradicional mais utilizado em
Moçambique cujo cleo central é a faculdade o modelo europeu continental. Foi
possível, no entanto, encontrar posições divergentes. Uma que não concretiza o seu
posicionamento mas indica que a estrutura deve estar condicionada ao tipo de IES
(universidade, politécnico, instituto superior, etc.). Outra, que é claramente contrária à
maioria das opções, advogando um modelo mais horizontal e flexível sustentado pelos
departamentos científicos o modelo inglês. Em qualquer das circunstâncias, concluiu-
se que a escolha da estrutura em si não é suficiente para estabelecer o impacto a ser
produzido nas IES. É necessário ter em conta um conjunto de elementos, fatores e
determinantes, incluindo a cultura organizacional, pelo seu poder influenciador na
conceção da estrutura e, igualmente, pelos impactos e condicionantes produzidos no
funcionamento das organizações em estudo, no caso, as IES.
2.5. Enquadramento dos graus académicos no sistema de Ensino Superior
em Moçambique
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A estrutura e os níveis estabelecidos para os diferentes graus académicos que vigoram
no sistema de ensino superior em Moçambique exerce uma determinada influência na
gestão e organização das IES. Deste modo, torna-se importante discutir o modelo de
organização dos graus no sistema de ensino superior em Moçambique, os diversos
posicionamentos sobre a problemática e a sua adequação às necessidades e à realidade
do país. Importa destacar que a Lei do Ensino Superior em Moçambique Lei 27/2009,
de 29 de Setembro, estabelece no seu Artigo 22 (Estruturação do ensino superior) que
existem três ciclos de formação 1º, e que correspondem, respetivamente, aos
graus de Licenciado, Mestre e Doutor. Esta estrutura, a que abreviadamente designamos
por LMD, parece estar em linha com os desígnios dos acordos europeus de Bolonha sobre
a matéria. Este assunto tem suscitado, no entanto, debate e pontos de vista divergentes
na opinião pública moçambicana. No caso do nosso estudo, não encontrámos,
igualmente, posições consensuais, o que constitui, aliás, um testemunho sobre as
dinâmicas que se operam à volta da arquitetura dos graus do ensino superior em
Moçambique.
Entre os nossos entrevistados, obtivemos pronunciamentos bastante assertivos e a favor
do sistema LMD. No seu conjunto, podem-se considerar maioritários relativamente aos
restantes posicionamentos.
As ideias formuladas pelos atores acima citados parecem seguir a lógica das reformas
dos países europeus. Este facto não é de estranhar pois, muitas das reformas dos
sistemas de ensino superior em África (Moçambique incluído), tendem a seguir os
modelos historicamente herdados dos países colonizadores. O caso presente é
demonstrativo da ideia que as reformas nas universidades e em outras IES têm sido no
sentido de aderirem ao “Processo de Bolonha” (Sall & Ndajaye, 2007). O carácter
universal da ciência, da tecnologia e do saber em geral são as razões formuladas para
defender o alinhamento com “Bolonha” (Kuphane, 2009). Por outro lado, pode-se
considerar a aceitação do sistema LMD como uma necessidade de se obter uma certa
harmonização (que o se deve confundir com uniformização), uma maior transparência
dos processos e, ainda, a construção de uma imagem de qualidade que permita à IES
ter melhores condições de competição internacional (Costa, 2001).
Consideramos que a possibilidade de reintroduzir o bacharelato, eventualmente na forma
de formação especializada ou vocacional e, igualmente, a reintrodução do grau de
diploma de Pós-Graduação, podem constituir vantagens competitivas no sistema e nas
IES em Moçambique. Sobre esta última possibilidade são destacados os MBA que, de
acordo com Costa (2001), constituem formações de prestígio em vários países,
normalmente com a duração de um ano e maioritariamente frequentados por gestores
profissionais que abdicam da dissertação, preferindo o diploma de pós-graduação findo
o 1º ano de estudos. As propostas de alteração veiculadas pelos atores do nosso estudo
sintetizam a necessidade de procurar introduzir nos modelos em discussão
especificidades de acordo com as lógicas nacionais e locais, contrapondo os processos de
difusão global cujos modelos educativos tendem a ser uniformizadores (Schriewer,
1996).
2.6. A qualidade das IES e os processos de avaliação interna e externa
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No âmbito das atividades das IES, os mecanismos de avaliação, para além de outros
propósitos, são utilizados para testar os veis de qualidade através, normalmente, de
padrões e indicadores apropriados. Para que os objetivos deste processo sejam atingidos
é necessário levar a cabo um conjunto de ações nos diferentes sectores que compõem a
estrutura das IES, com particular ênfase na oferta de programas de ensino e nas
atividades de investigação. Este conjunto de realizações constitui objeto de avaliação,
quer interna (autoavaliação), quer externa através de diferentes entidades. No que
respeita à avaliação interna, as preocupações fundamentais das IES parecem situar-se
em convencer o público que, em circunstâncias muitas vezes adversas, o ensino oferecido
corresponde à melhor qualidade possível. A principal questão que se coloca para atingir
este objetivo prende-se, no nosso entender, com a forma de assegurar a adaptação do
ensino a um ambiente de mudança permanente (Parvin, 2019).
É neste contexto que os atores do nosso estudo emitiram os seus pronunciamentos, com
perspetivas diferentes, mas todas manifestando uma preocupação central com a
qualidade a medida em que um produto ou um serviço fiável faz o que deve ser feito,
o que se destina a fazer (Morais & Graça, 2014). Estes autores consideram que a outra
componente do nosso estudo - a avaliação - embora seja um conceito multifacetado,
pode ser visto como a apreciação sistemática de um projeto, programa ou política quanto
à sua conceção, execução e resultados. Estes dois fatores constituem vetores
fundamentais no sucesso e na gestão das IES.
Uma parte dos entrevistados reconhece os processos de avaliação quer internos quer
externos como mecanismos importantes, válidos e participativos para o controlo e
garantia da qualidade das IES.
Dois outros entrevistados apresentam posições antagónicas. A análise das suas posições
conduz-nos a discutir a multidimensionalidade da visão e a falta de consenso sobre o
conceito de qualidade na educação, em geral, e no ensino superior, em particular.
Face às divergências acima citadas, não é de estranhar que o nosso último interlocutor
da temática da qualidade e avaliação apresente um posicionamento completamente
singular e diferente dos demais.
Este entrevistado, para além dos aspetos sobre qualidade e avaliação abordados,
inclina-se para uma avaliação externa realizada por agências internacionais
independentes. Outro fator, peculiar, centra-se na relação da qualidade do ensino
superior com a deficiente formação nos subsistemas que o alimentam, ou seja, no ensino
secundário e no ensino técnico-profissional.
Existe por parte dos atores do ensino superior uma evidente preocupação pela melhoria
dos processos educativos e de funcionamento das IES na procura de se elevar os padrões
de qualidade, não obstante os diversos pontos de vista sobre o conceito. Todos
defendem, igualmente, a efetivação de processos de avaliação quer internos, quer
externos, visando aferir a qualidade das IES através da utilização de mecanismos
relevantes. No âmbito da avaliação externa, enquanto a maioria dos entrevistados coloca
a responsabilidade em agências nacionais do Estado, alguns dos interlocutores defendem
não somente a utilização de padrões internacionais, mas também a intervenção de
agências internacionais de avaliação que trariam maior credibilidade ao sistema. Outro
dos pontos de destaque no estudo refere-se à expansão do ensino superior sem pôr em
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causa a qualidade, que é defendida por alguns atores e, ainda, a influência exercida pelos
constrangimentos registados no ensino secundário que se refletem na qualidade do
ensino superior.
2.7. O número insuficiente e as qualificações dos docentes a tempo integral
implicações no funcionamento das IES
A grande maioria das IES em Moçambique, com destaque para as instituições privadas,
não possui um corpo docente constituído por docentes a tempo integral com as
qualificações e em número suficiente para garantir o ensino, a investigação e as funções
de gestão académica e outras desejáveis para o funcionamento normal dessas
instituições. Nesta perspetiva, o Estado moçambicano estabeleceu um quadro regulador
(Artigo 7 do Regulamento de Licenciamento e Funcionamento das Instituições de Ensino
Superior Decreto 48/2010 de 11 de Novembro) que procura garantir, de acordo
com o grau de exigência ou do tipo de formação superior, docentes qualificados para a
prossecução dos objetivos estabelecidos pelas respetivas IES. Neste quadro é
estabelecido o número mínimo de docentes a tempo integral (1/3 para as Universidades
e Academias Classe A, dos quais metade devem ser Doutores e 1/4 para as restantes
IES Classes B, C, D e E, dos quais metade devem possuir pelo menos o grau de Mestre)
e ainda, no mesmo quadro, estabelece-se que dez anos após a abertura de qualquer IES,
30% dos seus docentes devem possuir o grau de Doutor ou de Mestre embora a
proporção entre os mesmos não esteja estabelecida. Não obstante estas medidas
regulamentares, o estudo efetuado com os diversos atores parece confirmar a asserção
acima indicada sobre as dificuldades existentes na composição e qualificação dos
docentes na maioria das IES moçambicanas.
Um dos entrevistados refere-se aos efeitos negativos provocados pelo número
insuficiente de docentes a tempo integral. Porém, outro dos entrevistados defende que,
mesmo existindo docentes a tempo integral, os mesmos parecem não cumprir com as
suas obrigações na formação, investigação e gestão das IES.
Outro dos entrevistados parece confirmar que o principal problema surge não somente
pelo maior ou menor número de docentes a tempo integral, mas, sobretudo, pela criação
do ambiente e das condições de trabalho necessárias a um bom desempenho e, também,
pelo cumprimento escrupuloso das responsabilidades dos docentes.
Outros participantes do nosso estudo confirmam, por um lado, a perniciosidade do
número insuficiente dos docentes a tempo inteiro e, por outro lado, a assunção do não
alcance dos objetivos formativos, de investigação e de gestão.
É unânime que a não existência de um número suficiente de docentes a tempo integral
repercute-se no funcionamento das IES em Moçambique, quer na componente
pedagógica, quer na dimensão gestionária. Deste modo, as IES deverão realizar um
grande esforço no recrutamento de docentes qualificados e, ao mesmo tempo, na
formação destes e de outros, para que se cumpram as exigências da legislação vigente
quanto ao número e quanto às qualificações. Para além do conhecimento científico de
cada uma das áreas de atividade, os docentes deverão ser orientados para o
conhecimento pedagógico e didático, para que as suas aulas sigam uma metodologia
adequada à formação dos estudantes. Mesmo que as IES tenham os docentes
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qualificados e em número suficiente, é necessário ter em conta um conjunto de fatores
conjugados que garantam a eficiência e a eficácia da sua atuação bem como bons
resultados académicos. Este conjunto de fatores influenciadores passam por: tomar em
consideração as políticas públicas nacionais para o sector; estabelecer um correto
relacionamento institucional; possuir uma relação de proximidade com os estudantes;
entender os ditames da sociedade envolvente e relacionar-se com a mesma; conhecer e
utilizar positivamente o seu eu, profissional e pessoal e, ainda, possuir a noção das
influências resultantes da época contemporânea em que vivemos, nomeadamente as
referências da globalização e da internacionalização, para além de outras dimensões.
2.8. Gestão financeira das IES em Moçambique: modalidades de
financiamento
Uma das dimensões fundamentais no funcionamento das IES é a sua gestão financeira
(Chyrva et al, 2020). Diferentes problemáticas podem ser equacionadas neste ínterim,
designadamente os constrangimentos do Estado no financiamento às IES (referimo-nos,
em grande medida, às públicas), as formas inovadoras que podem ser implementadas
através de diferentes modalidades de financiamento, nomeadamente pelas famílias, pela
sociedade, pelos cidadãos e pelo mercado e, ainda, a diminuição dos encargos fiscais
através de legislação apropriada. Tendo em conta a inter-relação entre as diferentes
componentes da gestão financeira que constituem objeto da nossa análise, optámos por
abordá-los de uma forma global no presente ponto.
Um dos entrevistados, apesar de concordar basicamente com a linha do
autofinanciamento, sugere um maior apoio do Estado na cobrança de taxas destinadas a
financiar o ensino superior. Mesmo podendo afirmar que o financiamento do Estado
continua a ser, direta ou indiretamente, preponderante em Moçambique (para as IES
públicas, embora pequenas parcelas possam financiar indiretamente as IES privadas),
importa realçar os fatores que contribuíram para a mudança de paradigma reduzindo,
tendencialmente, a comparticipação do Estado.
Para além dos esforços próprios das IES, vejamos o que nos dizem os entrevistados deste
estudo quanto à participação das famílias, do mercado e dos cidadãos nos esforços de
financiamento do ensino superior. Obviamente que em muitos casos existe uma
interpenetração entre o que a sociedade pretende realizar e os propósitos das próprias
instituições.
Um dos nossos entrevistados defende, para além de outras propostas, uma maior
participação do Estado nos negócios da Educação em geral e no ensino superior em
particular. A fundamentação do nosso entrevistado para justificar uma maior participação
do Estado é sustentada pelo modelo de Estado-providência que atribui à Educação um
papel fundamental no desenvolvimento económico e social, bem como na consolidação
da identidade nacional (Cotovio, 2004). A implementação deste modelo na realidade
atual do país parece-nos extremamente difícil. Não obstante ser ainda pertinente o
contributo da IES para a identidade política nacional num quadro coerente de Estado-
nação, em nosso entender a aplicação de mecanismos de welfare state na atual
conjuntura financeira do país não nos parece realista, sobretudo considerando o efeito
combinado das dívidas ocultas com e da Covid-19. Esta aspiração parece ser possível
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através de avultados recursos próprios ou por intermédio de uma generosa ajuda dos
parceiros internacionais. Nem uma nem outra alternativa parecem ser viáveis no atual
contexto do país. Aliás, nas últimas décadas, tanto nos países desenvolvidos quanto nos
países em vias de desenvolvimento, verifica-se uma tendência de redução dos
financiamentos públicos às IES (Cerdeira, 2008), pior ainda quando fatores
extraordinários reforçam os efeitos negativos.
Os nossos interlocutores defendem, na generalidade, uma política de alívio fiscal do
Estado para com as IES, embora alguns deles estabeleçam limites ao âmbito de aplicação
e à proporção das reduções a serem concedidas. Esta possibilidade é, igualmente,
referida por Reis & Reis (2008) que no quadro de uma política de gestão do ensino
superior ao encontro do mercado defendem formas de financiamento que aliviem a
despesa pública e a carga fiscal. Temos para nós que a redução da carga fiscal é benéfica
em certas circunstâncias especiais, nomeadamente no quadro do investimento,
sobretudo inicial, aproveitando o quadro legislativo existente. Não nos parece exequível,
na situação atual da economia moçambicana, que o Estado conceda vantagens fiscais
sobre as remunerações dos docentes ou sobre os resultados dos exercícios económicos,
como alguns atores advogam, nomeadamente devido aos impactos orçamentais da
Covid-19.
A gestão financeira constitui um dos vetores principais da gestão das IES. A sua
importância advém da influência que exerce nas atividades dessas instituições e no facto
de abranger diferentes atores, nomeadamente o Estado, os estudantes, as famílias, o
mercado e a sociedade em geral. O financiamento das IES realiza-se num ambiente de
recursos escassos e de grandes dificuldades financeiras do Estado moçambicano que
desde 2015 vive grandes dificuldades. Deste modo, mesmo admitindo a continuidade do
papel proeminente do Estado no quadro da sua responsabilidade social e da necessidade
de expansão do sistema, os atores em estudo e os vários autores consultados defendem
uma diversificação das fontes de financiamento que resultam numa maior partilha de
custos (cost sharing). Assim, é requerida a contribuição dos estudantes, pagando total
ou parcialmente as respetivas propinas através de recursos próprios, de empréstimos
bancários ou do acesso a bolsas de estudo públicas ou privadas. O papel do mercado e
da sociedade em geral são igualmente relevantes através do financiamento aos
estudantes ou da contratação de serviços às IES. Aliás, este último segmento parece
constituir uma importante fonte de receitas a ser alargada e a estender-se a outros
domínios como sejam a investigação e as atividades formativas de cacter específico.
Ainda que de forma indireta, a redução da carga fiscal em determinadas circunstâncias
constitui uma forma de aliviar as despesas das IES, contribuindo para a obtenção de
melhores resultados financeiros.
Conclusão
O aparente conservadorismo verificado no posicionamento das principais dimensões
estudadas não significa que não tenha havido críticas contundentes e propostas ousadas.
Assim, a constatação da não participação efetiva da comunidade académica na gestão
das instituições de ensino superior põe em causa as escolhas recaídas no modelo colegial
e democrático. A elevação dos padrões de qualidade, tidos como fundamentais na atual
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Vol. 11, Nº. 2 (Novembro 2020-Abril 2021), pp. 202-222
A caracterização dos processos de gestão nas Instituições de Ensino Superior em Moçambique.
A colegialidade, o managerialismo e outros fatores conjugados
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conjuntura do ensino superior em Moçambique, deve ser monitorizada através da
autoavaliação e da avaliação externa, conduzida por agências nacionais, segundo a
maioria das opiniões. No entanto, quem propugne agências internacionais para o
efeito, de modo a incrementar a credibilidade do processo. Outro aspeto que coloca em
causa a garantia da qualidade é a insuficiente existência de docentes a tempo integral.
Porém, não basta apenas o recrutamento de docentes para preencher as diretrizes legais.
Sustenta-se a necessidade de formação científica e pedagógica, para além do
conhecimento e apropriação do ambiente envolvente por parte dos docentes. No que
toca à questão estrutural, a Faculdade mantém-se como a escolha nuclear embora uma
opinião minoritária defenda a organização em departamentos científicos. quanto aos
ciclos de estudo, sem por em causa o fundamental da estrutura LMD Licenciatura,
Mestrado e Doutoramento, são apresentadas algumas alterações pontuais no ciclo
reintrodução do bacharelato para formações especializadas e no ciclo reintrodução
do diploma de pós-graduação como um grau e a equalização entre mestrados académicos
e profissionalizantes. A problemática do financiamento para o ensino superior foi objeto
de um debate aprofundado que concluiu sobre a necessidade de o Estado continuar a
manter um papel importante. Não obstante, a atual conjuntura económico-financeira
caracterizada pelo efeito conjugado das dívidas ocultas e da Covid-19 exige a
participação dos estudantes, das famílias, do mercado e da sociedade em geral, de modo
a existir uma maior partilha de custos (cost sharing), desenvolvendo um novo paradigma
baseado numa diversificação das fontes de financiamento para as instituições de ensino
superior.
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