OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 2 (Novembro 2020-Abril 2021)
187
A SEGURANÇA NACIONAL. UMA NOVA ABORDAGEM FACE AO TERRORISMO
MARÍTIMO EM ÁFRICA
Damião Fernandes Capitão Ginga
damiaoginga@hotmail.com
Doutor em Ciência Política, especialista em Relações Internacionais e Políticas Públicas Marítimas.
Professor Auxiliar convidado no Instituto Superior de Relações Internacionais “Venâncio de
Moura”, Luanda (Angola).
Resumo
A conceptualização operacional da Segurança Nacional é frequentemente identificada como
sendo difusa e cada vez mais abrangente, mormente por na atualidade esta se encontrar
relacionada ao contexto geopolítico e aos atores em referência. A análise conceptual aqui
apresentada tem como objetivo principal abordar o conceito de Segurança Nacional, fazendo
uma correlação com o crescimento do terrorismo marítimo no continente africano em geral,
tendo como enfoque particular a sua incidência nas suas regiões, enquadrado pelos debates
das relações internacionais. A hipótese central do trabalho é de que a abordagem ao fenómeno
do terrorismo marítimo no continente africano deverá ser tratada ao nível de um regime de
segurança conjunto entre os Estados africanos. Nesta perspetiva, paralelamente ao
enquadramento conceptual surgem como elementos centrais neste ensaio, a abordagem ao
papel dos Estados na segurança territorial face ao crescimento das ameaças terroristas no
mar em todo continente e a identificação dos principais desafios que se colocam à segurança
nacional, nesta região do globo, onde a abordagem securitária conjunta entre os Estados se
revelou fundamental, para contrariar a tendência ascendente dos movimentos do terrorismo
transnacional.
Palavras-chave
Segurança Nacional, Terrorismo marítimo, África, Oceanos
Como citar este artigo
Ginga, Damião Fernandes Capitão (2020). A Segurança nacional. Uma nova abordagem face
ao terrorismo marítimo em África. In Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 11,
2 Consultado [online] em data da última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-
7251.11.2.11
Artigo recebido em Maio 14, 2020 e aceite para publicação em Agosto 31, 2020
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A SEGURANÇA NACIONAL. UMA NOVA ABORDAGEM FACE AO
TERRORISMO MARÍTIMO EM ÁFRICA
Damião Fernandes Capitão Ginga
Introdução
No âmbito dos Estudos de Segurança Internacional, após os atentados de 11 de setembro
de 2001, a importância dada ao tema cresceu exponencialmente, designadamente ao
nível dos debates sobre como proteger o Estado contra ataques externos, porquanto
significou uma mudança paradigmática, alterando as dinâmicas da política internacional
e resultando numa declaração de luta global contra o terrorismo e contra todas
organizações que apoiam movimentos terroristas.
No continente africano, com o início do século XXI, observou-se a emergência de
movimentos terroristas que passaram a constituir uma ameaça à segurança e à
estabilidade política dos Estados africanos. Na verdade, a atualidade africana tem sido
marcada pela proliferação de grupos terroristas, onde a intensificação das ações de
movimentos terroristas, como o Boko Haram e o Al-Shabaab, têm afetado a segurança
e estabilidade dos Estados da região, designadamente nas regiões da África Ocidental e
Oriental. Estes grupos terroristas têm na sua agenda a desestabilização das estruturas
de poder nestas regiões, promovendo assim a islamização destas nações em oposição a
civilização ocidental (Omuoha, 2013; Schmid, 2011).
Portanto, a abordagem aqui apresentada visa aprofundar o debate sobre as questões de
segurança nacional no seio dos principais interessados em temáticas que abordam a
causa africana em geral, e as questões da Segurança Nacional nas regiões do continente,
face ao terrorismo marítimo, servindo assim de mais um elemento de análise sobre o
estado de fragilidade das fronteiras dos Países africanos, onde parece evidente a postura
letárgica das autoridades africanas. Uma abordagem à segurança nacional em África, não
é apenas uma reflexão sociopolítica sobre os factos, mas também uma visão de
desenvolvimento humano e empoderamento das Nações africanas, elencando por isso os
principais desafios face ao terrorismo marítimo e apontando algumas linhas de ação,
tendo em vista o novo paradigma.
Com o efeito, a análise não será centrada aos movimentos terroristas, mas nas dinâmicas
no âmbito da Segurança Nacional, mormente ao nível da região do Golfo da Guiné, para
fazer face a essas ameaças, sendo que importará perceber: qual deve ser o papel dos
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Estados africanos, enquanto garantes da segurança, soberania e integridade territorial,
face às crescentes ondas de terrorismo marítimo? O artigo faz uma análise sistemática,
com base numa revisão bibliográfica, adotando uma abordagem qualitativa, mediante
um raciocínio dedutivo, partindo de um objetivo central, com base na pergunta de
partida; e encontra-se estruturado em três pontos, sendo o primeiro uma abordagem
conceptual, seguido de uma análise ao estado de insegurança continental, finalizando
com a descrição do papel dos Estados africanos para fazer face ao fenómeno.
Abordagem conceptual
Para abordar o conceito e a problemática da Segurança Nacional, torna-se importante
fazer referência ao espetro de abrangência dos Estudos de Segurança Internacional, na
sigla em inglês ISS (International Security Studies), pelo que a sua interdisciplinaridade
abrange o campo de estudo de outras ciências, nomeadamente o das Relações
Internacionais, porquanto as fronteiras entre uma e outra ciências são difíceis de traçar
(Buzan e Hansen, 2009: 16). Todavia, atendendo as metas preconizadas no presente
artigo cientifico, a conceptualização das temáticas aqui trazidas será no âmbito das
Relações Internacionais, respeitando porém as teorias das principais Escolas no quadro
dos Estudos em Segurança, dentre as quais o International Peace Research Institute,
Oslo (PRIO); e a Escola de Compenhaga de Estudos de Segurança, baseada no
Compenhagen Peace Research Institute.
O termo segurança na sua origem etimológica deriva do latim securus”, que significa
sem medo, e remete-nos a ausência de risco, a previsibilidade, a certeza quanto ao
futuro. Como refere Philippe David, o conceito de Segurança tem sido objeto de uma
profunda renovação conceptual, considerando a capacidade do Estado em conter as
ameaças à sua soberania, devido à evolução dos veis clássicos de análise da segurança
nacional, regional, internacional e cooperativa, para o nível de segurança comum, global
e humana (2001: 29-30). O conceito perdeu, assim, a sua dimensão quase
exclusivamente pública, nacional e militar (Guedes e Elias, 2010: 28). Deste modo,
segundo o conceito defendido pelo Almirante António Sacchetti, o conceito de Segurança
Nacional consiste:
“na situação que garante a unidade, a soberania e a independência da Nação;
a integridade do território e a segurança das pessoas e bens; a unidade do
Estado e o desenvolvimento normal das suas tarefas; a liberdade de acção
política dos órgãos de soberania e o regular funcionamento das instituições
democráticas constantes do quadro constitucional” (2008:19).
Percebe-se assim que a Segurança Nacional traduz o complexo ideológico, que visa
garantir e proteger a integridade e soberania dos Estados e de todos os valores materiais
e abstratos que representam os objetivos vitais dos Estados. Portanto, o conceito de
Segurança Nacional defendido atualmente, no âmbito das Relações Internacionais,
refere-se à segurança coletiva, entendida como um pilar essencial para a manutenção
da estrutura dos Estados modernos e da presente Ordem Mundial, englobando o espetro
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da segurança interna dos países, ou de um espaço regional ou continental, em que se
centra a área de interesses desses Estados que dele fazem parte, fazendo assim surgir
a noção de regime de segurança no seio das organizações internacionais
1
.
Ademais, na atual ordem internacional, o conceito de Segurança Nacional evoluiu para
uma visão mais abrangente como resultado da complexidade, instabilidade e insegurança
da conjuntura internacional, considerando um maior espaço para a cooperação e para o
diálogo a nível interno e de âmbito externo.
Encontra-se deste modo subentendido que o "sentimento de segurança" pressupõe não
apenas o conceito de Defesa face ao exterior, mas também uma visão político-
estratégica, em que se está menos inseguro quando se alcançam as metas traçadas que
garantam a segurança desejável e não apenas quando se assegura a própria
sobrevivência da Nação (Ginga, 2014).
Assim e a semelhança de outros contextos, verifica-se uma maior abrangência referente
aos pilares dos elementos de Segurança Nacional nos Estados africanos, graças também
à maior "desmilitarização" dos elementos que se encontram na base deste fator,
ultrapassando assim a dimensão da segurança militar ao englobar as esferas económica,
social, cultural, entre outros campos essenciais, quanto à implementação do sentimento
de segurança de qualquer Estado
2
(Moreira, 2002). Conforme defendem Guedes e Elias,
o conceito de “Segurança’ tornou-se um conceito de banda larga”, na medida em que
abrange agora a “atuação e o empenhamento de instituições públicas mas e também de
privadas, da sociedade local e da sociedade civil num sentido mais amplo bem como
de instituições e organizações internacionais, sejam elas as de Estados vizinhos, as de
entidades intergovernamentais ou as de outras, supranacionais” (Guedes e Elias, 2010:
28).
Por sua vez, e no que toca ao ressurgimento do fenómeno do terrorismo na ordem pós-
Guerra Fria, materializado pelos ataques às torres gémeas, importará também perceber
e abordar o seu conceito, tendo como matriz a sua tipologia, em função do ato violento,
dos objetivos, do ator que executa e da sua motivação
3
. O terrorismo é um fenómeno
antigo, enraizado na história e na geografia, que se tem transformado ao longo dos anos,
variando a estrutura organizacional, o modus operandi, a área de atuação, o objetivo-
alvo e a ideologia prevalecente (Lousada, 2007: 20).
Portanto, conceptualizar o fenómeno e caraterizar o seu percurso histórico até aos nossos
dias, seria a forma mais correta de abordar o tema, todavia, e por racionalização de
espaço, a abordagem no presente artigo limitar-se ao terrorismo moderno
1
Por força da globalização crescente, a figura do Estado nacional vai perdendo importância, o que obriga a
rever os sistemas de governança das sociedades contemporâneas, nos quais a participação pública dos
cidadãos e a emergência de novas instituições internacionais adquirem um maior peso, sendo que no caso
concreto da segurança nos levam a duas dimensões essenciais, a da segurança humana e da segurança
coletiva (Lourenço e Machado, 2013: 94).
2
Ademais, a tendência dos Estados se integrarem nos “grandes espaços” que tem tentado contrariar as
insuficiências do velho modelo soberano, tem implicado a transformação das perspetivas da segurança
territorial e o maior reconhecimento das solidariedades transfronteiriças, num contexto de globalização.
3
Ao longo dos séculos o terrorismo experimentou diferentes variantes, enquanto instrumento de agentes
não-estaduais, pelo que foi destaque no séc. XVIII-XIX por causa dos anarquistas. Mais recentemente, no
séc. XXI, as manifestações violentas protagonizadas pela Al-Qaeda, responsável pelos ataques terroristas
de 11 de Setembro de 2001 nos EUA, e de 11 Março de 2004 em Madrid, fez emergir no seio das sociedades
contemporâneas uma nova versão do terrorismo, mais virado para internacionalização dos seus efeitos,
isto é, o terrorismo moderno (Galito, 2013).
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transnacional ou neoterrorismo, mais concretamente à sua vertente marítima. Percebe-
se assim, que a definição contemporânea do termo terrorismo está não apenas
relacionada com a história, mas também com a cultura, as políticas das nações e o
contexto geopolítico em questão, o que faz com que existam várias conceções sobre o
terrorismo, sendo que para alguns a definição correta sobre o fenómeno é terrorismo,
para outros combate pela liberdade, porém independente do contexto geopolítico, o
existe uma definição exclusiva de terrorismo
4
.
Importará apresentar uma visão conceptual académica do fenómeno, pelo que segundo
Tore Bjorgo (2005: 2), o terrorismo consiste num “conjunto de métodos de combate ao
invés de uma ideologia ou movimento identificável, e envolve o uso premeditado de
violência contra não combatentes, a fim de conseguir um efeito psicológico de medo nos
outros, os alvos imediatos...”, na medida em que o seu entendimento está centrado na
natureza do ato e não na sua motivação. As Nações Unidas, no seu conceito apresentado
em Fevereiro de 2002, defende que o terrorismo “compreende toda a ação que provoca
danos a pessoas ou a bens, quando o propósito da ação, pela sua natureza ou contexto,
é intimidar a população ou pressionar um governo ou organização internacional a abster-
se de redigir determinado ato”. Nesta sua visão, as Nações Unidas não abordam a
natureza do ator terrorista, isto é, se está limitada a grupos do crime organizado ou se
podem ser incluídos os Estados, enquanto elementos fomentadores ou financiadores do
fenómeno.
Na verdade, embora muitas vezes o conceito de terrorismo marítimo seja confundido
com a noção de pirataria marítima, devido a sua natureza, o diferencial encontra-se
sobretudo nas motivações e no objetivos que encerram uma e outra atividade, ou seja,
a pirataria é de uma maneira geral motivada por interesses privados, não estando
subjacentes objetivos de caráter político-ideológico, enquanto o terrorismo marítimo é
percebido como uma das várias formas de rebelião armada por alguma causa superior,
geralmente de carácter político ideológico, visando a provocação-repressão-
desestabilização; conforme Bjorn Moller defende, quando afirma que o “... terrorism is a
strategy or tactics which an actor may choose, either fully and permanently or, much
more frequently, partly and periodically, either alternating between or combining non-
violent political struggle with guerrilla war and/or terrorism” (2009: 23).
Entretanto e versando sobre a definição concreta de Terrorismo Marítimo, importafazer
um cruzamento entre as definições aqui expostas e a definição de Pirataria Marítima,
defendida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que define
como sendo:
“(...) todo ato ilícito de violência ou de detenção ou de depredação cometidos,
para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de
uma aeronave privada, e dirigidos contra: um navio ou uma aeronave em alto
mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos (...), pessoas ou bens em lugar
não submetido à jurisdição de algum Estado; e todo ato de participação
voluntária na utilização de um navio ou de uma aeronave, quando aquele que
4
Conforme as investigações de Pierre-Marie Dupuy, existem pelo menos 109 possíveis definições de
terrorismo (apud Galito, 2013: 3).
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o pratica tenha conhecimento de factos que em a esse navio ou aeronave
o carater de navio ou aeronave pirata” (CNUDM, 1982: Art. 101º).
Com isso e após breve análise conceptual, considera-se consensual o facto de o
terrorismo marítimo ser caraterizado como um ato ilegal de carácter violento, contra
indivíduos, estruturas, organizações ou Estados, no ou a partir do mar, com motivações
de carácter político-ideológico, visando alcançar ganhos para um determinado grupo de
individuos ou organizações internacionais. Encontra-se subjacente a existência de uma
organização ou estrutura em rede”, apoiada por uma complexa teia de instrumentos
políticos, religiosos, económicos e financeiros (Moller, 2009).
A pirataria marítima surge assim como um instrumento ou componente do espetro global
do terrorismo marítimo
5
, sendo que este último abrange todas as atividades ilícitas no
espaço marítimo, que tenham motivação político-ideológicas. O terrorismo matimo
compreende diferentes manifestações, designadamente os atos de pirataria
6
, os atos de
deposição de substâncias e derrame ilegal nos oceanos
7
, os atos de violência contra
navios no mar ou em terra
8
, os atos de extração ilegal e depredação dos recursos
marinhos, os atos de utilização de um navio como arma, os atos de utilização do mar
como meio logístico para apoio de atividades terroristas e a utilização do mar como
plataforma de lançamento de ataques contra Estados, entre outras manifestações
(Cottim, 2008: 131). Portanto, a abordagem aqui apresentada centrar-seao terrorismo
marítimo, nas suas diferentes variantes.
O contexto de insegurança no Continente
A situação geopolítica do continente africano é muito marcada por problemas e ameaças
à sua Segurança, porquanto estes são mais antigos que a sua constituição como
5
O terrorismo marítimo não é facilmente dissociado da pirataria, particularmente pelo seu caráter complexo
e ao mesmo tempo transversal a todas outras manifestações do crime organizado no mar. Não existem
muitos relatórios estatísticos sobre o 'terrorismo marítimo' internacional, não apenas por este ser
normalmente associado a pirataria, mas também porque os alvos do terrorismo marítimo nem sempre são
alvos no mar, mas também em terra, sendo um dos fatores que difere o terrorismo da pirataria, onde os
alvos são sempre marítimos (Moller, 2009).
6
Dentre as várias manifestações do terrorismo marítimo, ao longo da história, destaca-se o sequestro do
navio de cruzeiro italiano Achille Lauro em Outubro de 1985, no Mediterrâneo, por um grupo de terroristas
da Frente de Libertação da Palestina, que culminou com o cidadão americano Leon Klinghoffer, e mais tarde
resultou na implementação da Convenção para a Supressão de Actos Ilícitos contra a Segurança da
Navegação Marítima (SUA 1988). Mais tarde, após os eventos de 11 de setembro de 2001, a 22ª sessão da
Assembléia da Organização Marítima Internacional (OMI), em novembro de 2001, acordou desenvolver
novas medidas relativas à proteção de navios e instalações portuárias, tendo resultado na adoção, em 12
de dezembro de 2002, o Código Internacional para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias
(International Ship and Port Facility Security Code ISPS Code). Ainda em 2002, a OMI implementou outros
dois sistemas, com vista a reforçar a segurança a bordo dos navios e das infraestrututras marítimas, a
saber: o Sistema de Identificação Automática (Automatic Identification System AIS); e o Sistema de
Alerta de Proteção de Navio (Ship Secure Alert System SSAS). (Simioni, 2011).
7
Na era pós 11 de setembro, o ataque ao Limburg, um petroleiro de bandeira francesa ao serviço da Petronas,
ocorrido a 6 de Outubro de 2002, por meio de um pequeno barco carregado de explosivos, ao largo do
Iémen, que causou a morte a um tripulante e o derrame de 90.000 barris de crude no mar, evidencia o
potencial danoso que o terrorismo pode ter para o ambiente marinho (Cottim, 2008).
8
Os ataques da Al-Qaeda contra o destroier americano USS Cole, no Iêmen (2000); o ataque ao terminal
petrolífero no Iraque (2004); o ataque de um grupo filiado ao Estado Islâmico a um navio egípcio no Mar
Mediterrâneo (2015), constituem exemplos concretos deste tipo de manifestação de terrorismo marítimo
(Simioni, 2011).
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continente formado por Estados soberanos, visto que desde sempre enfrentou
obstáculos, dentre eles as conquistas e as ocupações promovidas por vários povos ao
longo de vários séculos, posteriormente pelas tentativas de dominação perpetradas pelas
grandes potências durante o século XIX, tendo dado lugar à Conferência de Berlim, e
atualmente pela terceira fase da chamada Scramble for África”, motivada por razões
geopolíticas e geoestratégicas, fazendo com que as maiores potências internacionais
estejam mais atentas às dinâmicas deste continente; onde os recursos minerais e
energéticos ocupam um lugar central nesta nova interação.
A História do continente, nomeadamente da região Subsariana, é assim marcada por três
vetores críticos, corresponsáveis pelos baixos níveis de desenvolvimento e pelos
prolongados períodos de crises políticas, securitárias e socioeconómicas. O primeiro está
associado ao seu “potencial em recursos naturais” ou seja, as suas riquezas naturais que
há vários séculos têm despertado o interesse de outros Estados; o segundo está
relacionado às "fragilidades internas" dos Estados, o que tem resultado em sucessivos
conflitos intraestatais e contribuído para instabilidade sociopolítica nesses Países; e o
terceiro encontra-se ligado ao acentuado "deficit democrático" e à desestruturação da
maior parte dos Estados africanos, que tem favorecido a disseminação da violência
generalizada pelo continente (Ginga, 2014: 161).
Como resultado, nas últimas décadas assistiu-se à uma alteração evolutiva da tipologia
dos conflitos regionais em África, estes transitaram do interior dos Estados para os
Oceanos, afetando o desenvolvimento local, as dinâmicas regionais e continentais, e
fragilizando as estruturas sociopolíticas nestes Estados. Este novo contexto
contemporâneo regional levou os Estados e as Organizações Regionais Africanas (ORA),
tal como a comunidade internacional, a atribuir maior importância ao fator segurança no
mar, dado que sem paz, estabilidade e tranquilidade nestes espaços, não existem
condições para os Estados se desenvolverem
9
.
Neste panorama, mais recentemente, no início do século XXI, os movimentos terroristas,
associados a outras modalidades do crime organizado como a pirataria e o tráfico de
droga, bens, armas e seres humanos, têm contribuído para o debate académico sobre as
dimensões geopolíticas da segurança no continente, sobretudo na sua dimensão
marítima, que tem constituído o “calcanhar de Aquiles” para os Estados nesta região,
onde a atuação das autoridades locais não tem sido suficiente para, isoladamente, pôr
termo a estes ataques à soberania e ao Estado de Direito no continente. Esta é a
realidade de um continente que tem sido fragilizado pela insegurança, com
consequências ao nível do desenvolvimento socioeconómico, e onde os Estados com
estruturas débeis enfraquecem mais ainda a condição continental
10
.
Com efeito, novos atores da cena internacional e continental têm concorrido com os
Estados, diminuindo muitas vezes a sua autonomia, tornando mais complexas as suas
9
Os ataques ao setor petrolífero ao longo da costa ocidental do continente Africano, custam bilhões de dólares
em receita perdida, desestabilizam os preços globais da energia e levam a desastres ambientais. De acordo
com ao relatório da missão de avaliação das Nações Unidas sobre pirataria no Golfo da Guiné em 2011,
esses crimes causaram perdas econômicas de até USD 2 bilhões anualmente, atingindo principalmente as
economias locais (Gorce e Salvy, 2012: 62, tradução livre).
10
As atividades ilegais têm-se multiplicado nos espaços marítimos africanos, fundamentalmente porque
muitos Estados não têm capacidade para exercer de forma continuada a autoridade do Estado no mar, e os
que são capazes têm a sua ação limitada por força da CNUDM (Gorce e Salvy, 2012: 59).
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dinâmicas no âmbito das relações internacionais, e algumas vezes pondo em causa a
estabilidade local, regional e até mesmo continental. O binómio “segurança-
insegurança”, no continente, tem sido representado pelo conjunto de vulnerabilidades
internas e externas que ameaçam ou têm o potencial de reduzir ou enfraquecer as
estruturas governamentais, organismos ou instituições, e regimes políticos.
De acordo com os dados apresentados anualmente pelo Global Firepower, percebe-se
que paralelamente a esta ameaça os Estados africanos enfrentam um problema mais
profundo, traduzido pela exiguidade de recursos para fazer face ao contexto de
insegurança de forma geral, e ao terrorismo marítimo de maneira particular
11
. Os últimos
relatórios do International Institute for Strategic Studies (IISS) The Military Balance
descrevem um panorama de desinvestimento nas Marinhas de Guerra
12
, em alguns
Estados africanos, o que a médio e longo prazo poderá determinar uma menor presença
da Autoridade dos Estados no mar. Com efeito, despite increasing international
commitment, and amid persistente militar operations, the security situation in west Africa
and the sahel region continues to deteriorate (IISS, 2020: 444).
Como anteriormente sublinhado, a presente abordagem versa sobretudo à última onda
13
do terrorismo marítimo no continente, porquanto os movimentos terroristas no
continente emergiram ao longo do tempo com diferentes motivações, o que fez com que
o fenómeno em África passasse por várias transformações. Como resultado, nos últimos
anos o continente tem sido muito afetado pelo terrorismo marítimo organizado,
mormente com a derrota do Estado Islâmico no Iraque e na ria, os movimentos
terroristas têm expandido a sua causa extremista ao longo das regiões do continente,
nomeadamente nas regiões do Sahel, Golfo da Gui e Golfo do Áden. O terrorismo
marítimo tem sido também um ponto de intersecção da política local e da violência, e é
nisto que se encontra o problema, pois seus efeitos são estruturais e ultrapassam as
fronteiras e as constituições nacionais (Schmid, 2011).
Neste quadro, o aumento progressivo dos sequestros, ataques, detenções e ataques,
perpetrados por grupos terroristas no continente, tem agravado a preocupação de que
os movimentos do crime organizado estejam a ganhar força, na medida em que,
atualmente, os alvos do terrorismo no continente variam dependendo dos objetivos do
movimento em causa. Vários grupos insurgentes têm feito uso extensivo do mar, como
um prolongamento da sua afirmação no continente, sendo que se observa uma maior
ligação entre as redes do crime organizado em terra e no mar (Moller, 2009: 27).
11
O Ranking apresentado pela plataforma Global Fire Power é baseado no potencial militar de cada Estado,
em termos de meios militares terrestre, marítimos e aéreos. Assim, na maior parte dos Estados africanos
costeiros, observam-se grandes vulnerabilidades a nível da componente naval, concretamente ao nível dos
meios necessários para o exercício permanente da Autoridade do Estado no Mar, nas suas várias dimensões
(sub-superficie, superfície e aérea). Vide. <Consultado em 15/09/2020>
https://www.globalfirepower.com/navy-ships.asp
12
De acordo com o Military Balance 2020, em 2019, os gastos com defesa dos Estados da África subsariana
representaram apenas 1% (17.1 biilhões USD) dos gastos globais, sendo a África do Sul o País que mais
gastou (3.54 bilhões USD).
13
No âmbito da história sobre o terrorismo, comummente apresenta-se a sua evolução enquadrada em etapas
ou “ondas do terrorismo”, sendo a primeira a Onda dos Anarquistas, simbolizada também pelos movimentos
anarquistas surgidos desde a Revolução Francesa, liderada por Robespierre; a segunda foi a Onda
Anticolonialista, representada pelos movimentos de libertação e independentistas saídos da 1ª Conferência
Pan-Africana de 1919; a terceira foi a Onda da Nova Esquerda, em que misturava o nacionalismo ao
radicalismo terrorista; a quarta é a Onda Religiosa, marcada pelo fundamentalismo religioso, que vem
ganhando contornos cada vez mais políticos e mais alargados (Schmid, 2011).
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Dentre os movimentos terroristas no continente, importará focar alguns grupos que têm
feito uso dos ‘espaços líquidos’ para a sua progressão e ligação entre células: Movimento
para a Emancipação do Delta do Níger (MEDN), com forte atuação na região do Delta do
Níger; Boko Haram, que opera principalmente na parte Ocidental e Norte de África; Al
Qaeda do Magreb Islâmico (AQIM), que atua na região do Mali, Mauritânia e Norte de
África; Movimento para Unidade e Jihad na África Ocidental (MUJAO), uma organização
militar e terrorista, de ideologia jihadista salafita que se separou da AQMI, tendo uma
das suas células dado origem ao Estado Islâmico no Grande Saara; o Janjaweed na região
do Sudão; a Ansar al-Sharia (Defensores da Sharia), milícia islâmica baseada no Iêmen,
defende a implementação estrita da lei islâmica em rios Estados africanos, nas regiões
Setentrional e Ocidental de África, particularmente no Magreb e Sahel, em países como
a Argélia, Tunísia, bia, Egito e Mali; Hizbul Shabab ou Al-Shabab (a Juventude), cujas
bases e origens encontram-se na Somália, e atua na África Oriental, mais
especificamente na região do ‘Chifre de África’; entre outros movimentos terroristas
(Goïta, 2011; Thurston, 2017).
Nos últimos anos, estes grupos, aproveitando as frágeis estruturas dos Estados africanos,
e servindo-se dos fundos originados pelas redes do crime organizado, têm expandido as
suas células no continente. Associado a isso, o descontentamento das populações,
relativamente às autoridades locais, tem favorecido o recrudescimento destes
movimentos, no seio das comunidades africanas, através do recrutamento de
combatentes para as suas células, como é o caso da fação Ansaru (Stohl, Burchill e
Englund, 2017).
No caso vertente a região ocidental, o descontentamento interno nos Estados da região,
relativo a gestão dos recursos, tem feito imergir movimentos radicais, sob o ‘pano
de fundo’ de constituírem-se numa alternativa às elites do poder nestes espaços, sendo
que importa sublinhar os casos concretos do MEDN e o Boko Haram, que em nome da
autodeterminação dos povos, ambicionam estabelecer califados muçulmanos nestas
áreas, disseminando o terror e o radicalismo islâmico (Thurston, 2017). O Caso da
plataforma petrolífera Bonga, atacada a 60 milhas náuticas do delta do ger em junho
de 2008 pelo MEND, forçando a paragem da produção, traduz o quadro de insurgência
destes movimentos; o caso do desaparecimento do Navio-tanque petroleiro Kerala
14
, de
bandeira liberiana, ao serviço da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola, em
Janeiro de 2014; ou ainda o caso do Navio-graneleiro MV Bonita, de bandeira
norueguesa, abordado por piratas a 2 de novembro de 2019 (Ploch, 2013; IMB, 2019).
Na verdade, contrariamente alguns anos, em que as preocupações das autoridades
internacionais repousavam sobre a região do Golfo do Áden, atualmente os desafios de
erradicação dos grupos terroristas encontram-se na região do Golfo da Gui(GG). No
ano de 2019, de acordo com o International Maritime Bureau, foram reportadas cerca de
162 incidentes de pirataria marítima e assaltos à o armada contra navios, em todo
mundo, sendo que 40% foram registados no continente Africano (IMB, 2019: 5).
Na verdade, na região do Golfo da Guiné, diferentemente da região do Golfo do Áden,
onde optavam pelos prémios de resgate de cargas e pessoas, os movimentos terroristas
14
Vide. <consultado em 03/12/2018> https://www.reuters.com/article/us-angola-piracy/pirates-hijacked-
tanker-off-angola-stole-cargo-owners-idUSBREA0P0QY20140126.
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têm alterado o seu modus operandis, na medida em que têm privilegiado a captura das
cargas e dos meios marítimos, para sua comercialização no ‘mercado negro’, o que tem
favorecido também o crescimento das células criminosas (Kamal-Deen, 2015). A grande
parte dos navios abordados por estas milícias fica retida o tempo necessário para efetuar
a transferência de carga, que posteriormente é encaminhada e transacionada no
‘mercado negro’; a outra parte dos navios, designadamente veleiros e lanchas rápidas,
é capturada, ficando ao serviço destas células do crime organizado.
Como resultado da fraca autoridade do Estado no mar, o terrorismo marítimo tem
crescido nas ‘águas continentais’, nomeadamente na região ocidental do continente.
Neste particular e de acordo com Bjorn Moller (2009: 28), “…there are claims that Al
Qaeda has assembled its own small fleet in the form of ‘ghost ships,’ i.e. hijacked ships
which have been re-flagged and re-registered…it also seems that Al Qaeda has tried to
develop what one might call a strategy for maritime terrorism”, pelo que se observa a
evolução dos meios utilizados pelo crime organizado, sendo os ancoradouros e zonas
petrolíferas os palcos preferenciais dos terroristas (Chatam House, 2013)
Esta evolução, nas técnicas e mo modo de atuação dos movimentos terroristas, tem feito
com que as redes da criminalidade organizada, em determinadas latitudes, consigam
pleitear com as autoridades locais, levando várias vezes a negociações entre autoridades
governamentais e grupos errantes, ou mesmo a ligações político-ideológicas entre os
grupos do crime organizado e as elites políticas (IE&P, 2017).
O relatório anual da UNODC, sobre o crime organizado transnacional na costa ocidental
de África, descreve a fraca capacidade de alguns Estados em exercer a autoridade de
Estado nos espaços marítimos e costeiros, designadamente devido a insuficiência em
termos de recursos económicos, materiais e humanos, como o catalisador da proliferação
das atividades criminosas, na medida em que o terrorismo marítimo, nos últimos anos,
tem surgido como o canal de fortalecimento destes movimentos terroristas (UNODC,
2018).
Finalmente, as profundas transformações ocorridas na ordem política e na economia dos
Estados africanos nos últimos anos, os insucessos, a perenidade das fronteiras e a falta
de expectativas das nações africanas, justificam a configuração de uma nova doutrina de
segurança regional, que seja capaz de potenciar os Estados, com vista a assumir a sua
dimensão, enquanto continente berço, e afirmar o projeto local de um continente em
transformação, orientado para o desenvolvimento sustentável das suas nações.
O papel do Estado e os desafios futuros face ao Terrorismo Marítimo
Numa altura em que as novas ameaças, no âmbito dos estudos do International Security
Studies, não se enquadram nos parâmetros convencionais de "quem" ameaça, "como",
"quando" e "onde", a eficácia da segurança militar tem sido posta em causa, por a corrida
armamentista já não ser suficiente para conter o terrorismo transnacional, surgindo a
noção de que a ‘cooperação securitária’ surge como a melhor forma para a sua
contenção; não apenas pela maior abrangência dos atores que estas pressupõem, mas
também pelo maior aprofundamento dos laços de amizade e cooperação, que pesam
bastante nas relações internacionais (Singh, 2019; Ginga, 2014).
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Decerto que, maritime boundary management is always a collaborative process between
a country and its neighbours, thus cannot be done unilaterally, and is always better to
be done jointly at the regional level…” (Okonkwo, 2017: 66), pelo que existe a
necessidade de se reencontrarem e se desenvolverem mais parcerias no âmbito da
segurança regional, mormente no combate ao terrorismo marítimo, levando a um
redimensionamento das infraestruturas nacionais e das fronteiras nacionais, e visando
dar respostas adequadas à natureza desses novos desafios e riscos à integridade e
soberania do Estado.
A segurança humana, enquanto pilar fulcral da Segurança Nacional, deve justificar a
intervenção dos Estados africanos a favor das suas fragilidades internas, sob pena de se
ver proliferadas as ameaças e os desafios que asilam o crime transnacional para dentro
das fronteiras nestas regiões, sobretudo devido a incapacidade de isoladamente
controlarem parte dos seus territórios.
Neste particular, no continente Africano, as ORA associadas à União Africana (UA) surgem
como os principais atores a nível continental, por forma a responder alguns dos vários
problemas que os Estados atravessam, nomeadamente a insegurança marítima e o
terrorismo, entre outros, que mais facilmente podem ser resolvidos em conjunto.
As Resoluções 1368 e 1373 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), em
concordância com o artigo 39º da Carta das Nações Unidas, declaram que o terrorismo,
nas suas diferentes vertentes, é uma ameaça a nível global, pelo que deve ser combatido
a todos os níveis com todos os meios (Cottim, 2008: 141). Assim sendo, paralelamente
à atuação não africana, com vista a garantir a paz e estabilidade no continente, já existe
por parte dos líderes africanos a consciência de que é necessário criar um ambiente cada
vez menos conflituoso no seio dos seus Estados, de forma a tornar possível o
desenvolvimento sustentável destas regiões; o que levou à operacionalização da
chamada “Arquitetura de Paz e Segurança Africana” (APSA), enquanto plataforma para
a institucionalização do regime de segurança continental.
Na verdade, as medidas para combater o terrorismo marítimo são transversais à luta
contra pirataria na região, e vice-versa, particularmente por a última ser uma
componente da primeira, pelo que o CSNU, através das Resoluções 2018 (2011) e 2039
(2012), exortou aos Estados das ORA, a tomarem medidas consentâneas a vel nacional
e regional, com o apoio da comunidade internacional, para implementar estratégias
nacionais de segurança marítima.
Como resultado, a 24 e 25 de junho de 2013, em Yaoundé, República de Camarões, deu-
se a cimeira de Chefes de Estados e de Governo sobre a Proteção Marítima e Segurança
no Golfo da Guiné, que culminou com a criação e posterior implementação do conhecido
Código de Conduta de Yaoundé de 2013. Este código surge, no quadro da componente
marítima da APSA, como continuidade ao Código de conduta do Djibuti e um
complemento à Emenda de Jeddah” ao Código de Conduta de Djibuti 2017 (Singh,
2019).
Ademais, para o Golfo da Guiné, e em respeito à sua Resolução A.1069 (28) de 5 de
fevereiro de 2014, a OMI desenvolveu e implementou um programa de "TableTop
Exercises", destinado a promover abordagem intergovernamental para proteção
marítima e aplicação da lei do mar na África Ocidental e central.
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Paralelamente, a Carta de Lomé, adotada na Cimeira Extraordinária da UA sobre a
proteção e a segurança marítimas e o desenvolvimento em África, a 15 de outubro de
2016, em Lomé, surge também como um instrumento essencial no tocante às questões
de insegurança marítima e à luta contra o terrorismo marítimo, reforçando a necessidade
de implementação o Memorandum of Understanding (MoU), assinado entre a OMI e a
OMAOC (Organização Marítima de Africa do Oeste e do Centro), em julho de 2008, no
quadro da Global Maritime Security Integrated Technical Co-operation Programme;
visando estabelecer uma Rede Integrada de Guarda costeira sub-regional na África
Ocidental e Central.
A estes instrumentos, associou-se o Interregional Coordination Center (ICC), criado
através de um MoU assinado entre os organismos da Comunidade Económica de Estados
da África Central (CEEAC), da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
(CEDEAO) e a Comissão do Golfo da Gui (GGC), em 5 de junho de 2014, sobre a
segurança marítima na África Central e Ocidental, que estabelece a criação do
Interregional Coordination Center (ICC) (ICC, 2014). Dentro desta rede regional de
segurança marítima os Estados estão agrupados em cinco zonas marítimas, sendo cada
uma apoiada por centros de coordenação regional, onde se sublinha o CREMAO (Centro
Regional de Segurança Marítima da África Ocidental) e o CRESMAC (Centro Regional de
Segurança Marítima da África Central).
De um modo geral, considera-se que deve nascer no seio dos Estados africanos uma
conceção antiterrorista, apoiando-se em um conjunto de medidas de caráter defensivo,
que permitam um alerta atempado sobre as ameaças, privilegiando assim a cooperação
internacional, ao vel do sistema de informações, na ajuda financeira e política mútua
entre os atores envolvidos na luta contra o terrorismo, de forma a evitar o maior
fortalecimento das organizações do crime e do terror, sendo que, como último rácio e de
forma harmonizada, deverão declarar uma guerra preventiva a vel continental
(Lousada, 2007: 42).
Conclusão
Depois de realçar as principais linhas de pensamento traçadas ao longo deste ensaio
científico, sobre a Segurança Nacional face ao atual contexto de terrorismo marítimo no
continente Africano, considera-se que o desenvolvimento sustentável destas regiões se
encontra dependente da adoção de um projeto continental de segurança marítima
cooperativo, nomeadamente porque estas ameaças têm forte impacto na economia
desses Estados.
Na verdade, infere-se que a luta contra o terrorismo marítimo deve ser conduzida de
forma continuada e harmonizada, assente numa estratégia de entreajuda dos Estados
africanos, de maneira a superar qualquer tipo de ameaça que possa se constituir em
empecilho ao desenvolvimento local e continental. Isto porque, os métodos dos
movimentos terroristas no continente têm evoluído, devido às próprias dinâmicas globais
e locais das redes do crime organizado.
A atual conjuntura continental, de insegurança territorial, obriga a que os Estados
tenham de garantir a segurança nacional e a defesa dos seus interesses singulares e
coletivos, no âmbito da comunidade internacional, muito para além do tradicional
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conceito de Segurança limitado às fonteiras territoriais, pelo que os aspetos ligados à
segurança devem constituir uma prioridade de investimento de todos os Estados, pela
íntima relação que têm com os fatores de desenvolvimento económico e de estabilidade
nacional, que e no caso vertente à região do Golfo da Guidevem surgir na linha da
frente dos grandes objetivos de cooperação regional.
Em suma, as Autoridades africanas devem também recolher dados e informações, de
forma a permitir a investigação sobre o envolvimento dos movimentos terroristas na
disseminação de outras modalidades do crime organizado no continente, mobilizando
para o efeito a cooperação entre as diferentes forças policiais nas regiões mais afetadas
do continente, sob pena de assistirem a multiplicação dessas redes da criminalidade
organizada pelo continente.
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