OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 2 (Novembro 2020-Abril 2021)
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A CONSTRUÇÃO DA COOPERAÇÃO EM INTELLIGENCE NA UNIÃO EUROPEIA
JOÃO ESTEVENS
jestevens@fcsh.unl.pt
Investigador doutorando no IPRI-NOVA, fazendo parte do grupo de investigação ‘Democracia e
Governance’, onde se encontra a terminar o doutoramento em Estudos sobre a Globalização
(NOVA FCSH, Portugal), com uma tese dedicada à construção do poder punitivo democrático.
Bolseiro de investigação no ICS-ULisboa, fazendo parte do grupo de investigação ‘Ambiente,
Território e Sociedade’. É mestre em Ciência Política e Relações Internacionais (NOVA FCSH) e
licenciado em Economia (NOVA SBE) e em Ciência Política e Relações Internacionais (NOVA
FCSH). É também pós-graduado em Gestão de Informações e Segurança (NOVA IMS). Tem
desenvolvido investigação nas áreas da demografia política, das informações, dos estudos de
segurança, da democracia e das práticas punitivas do Estado
Resumo
A segurança europeia apresenta uma natureza transnacional devido às interdependências das
sociedades globalizadas. Daqui deriva a necessidade de cooperação e de partilha de
informações de segurança entre os Estados-Membros. Este artigo apresenta uma revisão
crítica ao funcionamento da comunidade de informações na União Europeia (UE), fazendo uma
revisitação histórica que nos permite compreender se a cooperação transnacional tem, ou
não, caminhado no sentido de uma maior integração. Para além de mapear os organismos
que fazem parte desta comunidade, o artigo parte de um racional teórico da análise política
para estruturar os desafios da partilha de informações de segurança na escala comunitária.
Argumenta-se que a capacidade de produção de informações de segurança próprias por parte
da UE é muito reduzida, estando dependente da partilha de informações efetuada pelos
serviços nacionais. Adicionalmente, afirma-se que a partilha de informações policiais se
encontra muito mais estruturada do que a partilha de informações de segurança. Por último,
conclui-se que a comunidade de informações europeia acolhe diferentes culturas de
informações no seu interior e centra as suas atividades numa cooperação difusa, que enfrenta
os limites da soberania nacional, os défices de interoperabilidade e dificuldades no
estabelecimento de relações institucionais de confiança.
Palavras-chave
Informações, segurança, cooperação, culturas de informações, União Europeia
Como citar este artigo
Estevens, João (2020). A construção da cooperação em intelligence na União Europeia. In
Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 11, 2 Consultado [online] em data da
última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.2.6
Artigo recebido em Abril 7, 2020 e aceite para publicação em Setembro 22, 2020
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A construção da cooperação em intelligence na União Europeia
João Estevens
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A CONSTRUÇÃO DA COOPERAÇÃO EM INTELLIGENCE NA UNIÃO
EUROPEIA
JOÃO ESTEVENS
Introdução
De acordo com o número dois do artigo 4.º do Tratado da União Europeia (TUE), fica
patente que “[A] União respeita as funções essenciais do Estado, nomeadamente as que
se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a
salvaguardar a segurança nacional. Em especial, a segurança nacional continua a ser da
exclusiva responsabilidade de cada Estado-Membro”. Também o artigo 73.º do Tratado
sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) reitera o papel dos Estados-Membros
na execução das suas políticas de segurança nacional: Os Estados-Membros são livres
de organizar entre si e sob a sua responsabilidade formas de cooperação e de
coordenação, conforme considerarem adequado, entre os serviços competentes das
respetivas administrações responsáveis pela garantia da segurança nacional”. Este
enquadramento jurídico releva para a concretização de uma segurança
intergovernamental na UE, de onde emergem as práticas de cooperação entre serviços
e agências de informações. Tal como argumentado por Aden (2018), a cooperação na
comunidade de informações europeia é muito mais formal e estruturada em termos de
cooperação policial do que entre ‘serviços secretos’, principalmente devido a um
enquadramento legal da cooperação policial em termos de regulação europeia,
registando-se sucessivos esforços de integração nas revisões introduzidas pelos Tratados
de Maastricht, Amsterdão e Lisboa. Ainda assim, o Tratado de Lisboa, apesar de alargar
o espaço de atuação da UE em matérias de segurança, manteve os princípios do
intergovernamentalismo, desde logo as decisões do Conselho por unanimidade e a
possibilidade de mecanismos de travão (Brandão, 2010: 60).
As dificuldades são maiores no que concerne a atuação concreta e operacional, apesar
de assistirmos a presidentes e primeiros-ministros a assinarem tratados, a expressarem
publicamente a necessidade de cooperação entre os Estados-Membros para fazer face a
ameaças comuns, ou a apoiarem documentos simbólicos como a Estratégia de Segurança
Europeia (Cross, 2011:76). Todavia, o contexto da segurança na UE tem sofrido algumas
alterações em função dos rios atentados terroristas, evidenciando a necessidade de
uma maior partilha de informações de segurança entre os Estados-Membros (Costa,
2016: 91). Adicionalmente, a saída do Reino Unido da UE exige uma reorganização da
comunidade de informações da União (Glees, 2017; Hillebrand, 2017; Segell, 2017).
Assim, ainda que a segurança europeia tenha vindo a seguir um percurso de progressiva
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integração em matérias centrais da soberania nacional - terrorismo, tráfico humano e de
droga, cibercriminalidade, controlo de fronteiras - esbatendo algumas separações entre
as fronteiros internas e externas dos Estados-Membros e aceitando uma parcial de
governação da UE nestas áreas (Cross, 2011), a cooperação na partilha de informações
de segurança mantém-se complexa e volátil (Gruszczak, 2016: 271).
O campo de estudo das informações ainda se encontra em construção e tem-se
desenvolvido sobretudo no contexto anglófono, avançando teoricamente a partir de
enquadramentos disciplinares do Direito, da História, da Ciência Política e das Relações
Internacionais (Gill e Phytian, 2018). São muitas as definições de informações
estratégicas, umas mais restritivas que as limitam a um processo que alimenta a
segurança nacional, outras mais abrangentes, que percecionam as informações como o
produto de um processo que origina conhecimento para alimentar a decisão estratégica
com interesse e relevância em diferentes áreas (Gill e Phytian, 2006). Conceptualmente,
é necessário distinguir entre informações de segurança e informações policiais. As
primeiras têm um caráter estratégico, oferecendo um entendimento que contribui para
decisões, políticas e gestão de recursos para se atingirem objetivos no longo prazo com
vista a garantir a segurança nacional. As segundas são orientadas para a segurança
interna, designadamente no que concerne a prevenção da criminalidade violenta e de
incidentes de ordem blica, podendo, ainda, inserir-se na esfera da investigação
criminal (Moleirinho, 2009: 82). No âmbito deste artigo consideram-se as informações
estratégicas de segurança, que se inscrevem como um elemento essencial dos sistemas
de segurança e defesa nacional, sendo, todavia, concebidas de forma dissemelhante
entre os Estados-Membros (Coqc, 2017). A globalização acarretou o entendimento amplo
da segurança nacional, que inclui, atualmente, preocupações com diversos riscos
transnacionais, para além das tradicionais ameaças político-militares (Buzan, 1991;
Hough, 2004; Williams, 2008; Kaldor e Rangelov, 2014), tendo exigido uma natural
expansão das áreas de intervenção das informações. No entanto, a globalização dos
serviços de informações não tem sido assim tão rápida, mantendo-se as mesmas
sobretudo no espaço das jurisdições nacionais (Aldrich, 2009). muitos serviços e
agências de informações sem capacidade para recolher e analisar todas as informações
disponíveis, desde logo porque não se encontram dotados com recursos suficientes, ao
contrário de países com “grandes escolas” de intel como EUA, Rússia, Reino Unido, Israel
ou China. As práticas cooperativas entre as comunidades de informações são a solução
e acontecem quer ao nível nacional - com outras forças e serviços de segurança - quer
ao nível internacional - com serviços congéneres. A cooperação internacional é
maioritariamente bilateral e ocorre em função de interesses comuns, de culturas de
informações partilhadas, de alianças históricas, ou da proximidade geográfica e
estratégica com diferentes regiões do mundo (Rudner, 2004; Aldrich, 2009).
É dentro do enquadramento supramencionado que interessa aferir os moldes em que se
organizam as informações de segurança no âmbito da UE. Este artigo trata-se de uma
investigação exploratória e assume a forma de ensaio predominantemente descritivo,
que tem por objetivo dar resposta a três questões fundamentais: (1) Quais os organismos
e os mecanismos de cooperação existentes no âmbito das informações de segurança na
UE?; (2) Quais os desafios que se colocam a uma maior cooperação?; e (3) Qual o papel
que a UE poderá assumir? A estrutura do artigo segue as questões orientadoras, existindo
três secções, a primeira identificando os organismos que intervêm no processo e de que
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forma, a segunda destinada à apresentação de um modelo de análise dos desafios que
se colocam à cooperação nas informações e uma terceira secção onde se apontam
possíveis caminhos de atuação para a UE. Metodologicamente, a primeira secção segue
uma abordagem compreensiva da literatura para mapear a comunidade de informações
existente, bem como a sua evolução; a segunda secção parte do contributo de Goodin e
Tilly (2006) na análise política para introduzir um modelo que permite analisar e
estruturar os desafios enfrentados em diferentes dimensões; por último, a terceira
secção relaciona as duas anteriores, de modo a considerar o papel e o posicionamento
da UE neste processo, seguindo aqui uma visão institucional. Considera-se que o
contributo deste artigo deriva, sobretudo, da sistematização da informação acerca de um
tema pouco explorado no domínio das ciências sociais.
O argumento aqui apresentado é o da existência de um sistema de informações europeu
não integrado e fragmentado, que depende de sobremaneira da produção e da gestão
das informações por parte dos serviços e agências de informações nacionais dos Estados-
Membros, apontando para uma comunidade de informações da UE onde prevalecem os
interesses nacionais e onde convivem culturas de informações distintas. Deste modo, é
um sistema onde se assinalam algumas sobreposições e dificuldades na partilha de
informações, identificando-se, também, fragilidades no posicionamento da UE, pois a
cooperação necessária para fazer a face a muitos riscos e ameaças extravasa os limites
da União e até o do espaço do continente europeu. Ao mesmo tempo, a atuação exigida
apresenta, maioritariamente, um caráter local ou nacional, colocando o nível regional
numa zona ambígua para as operações da comunidade de informações da UE. Assim, o
futuro desta parece estar dependente da evolução institucional do próprio projeto
comunitário e de um eventual aprofundamento da integração em matérias de segurança
e defesa nacionais, bem como da intensidade e da expansão territorial da principal
ameaça partilhada dos vários sistemas de segurança nacional: o terrorismo. Sem uma
maior integração da segurança nacional dos Estados-Membros na escala comunitária -
segurança interna da UE - será impossível pensar num sistema de informações de
segurança comum. Não obstante, a cooperação e a partilha de informações
(especialmente as policiais) na comunidade de informações europeia continuarão a ser
desenvolvidas, com contributos positivos para a Política Externa e de Segurança Comum
(PESC) e para a Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), ainda que se deparem
com alguns desafios, designadamente os limites da soberania nacional, os défices de
interoperabilidade e o estabelecimento de relações institucionais de confiança dentro e
fora do espaço da UE.
Cooperação e informações na UE: os organismos supranacionais
O desenvolvimento das informações na UE tem acontecido a um ritmo lento, ainda que
se reconheçam os relativos progressos numa cooperação pan-europeia após o 11 de
setembro e o 11 de março (Argomaniz, 2009) e, atualmente, após os sucessivos
atentados terroristas, em particular o de Paris (2015). Porém, a produção de informações
manteve-se centrada na dimensão nacional e não na dimensão comunitária,
transformando a comunidade de informações da UE num projeto de cooperação e de
partilha de informações entre serviços e agências nacionais, que assenta sobretudo numa
estratégia de contraterrorismo (Rudner, 2004; Argomaniz, 2015; Den Boer, 2015). A
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Estratégia Global da União Europeia, de 2016, evidenciou a necessidade de maior partilha
de informações e cooperação entre os Estados-Membros e as agências de segurança da
UE nas atividades de contraterrorismo, bem como um reforço na produção de
informações por parte do Centro de Análise de Informações da UE (IntCen), alimentado
pela cooperação com agências da UE como a Europol e a Eurojust (European Union,
2016). Tem-se assistido a um quadro de cooperação na UE com acréscimos graduais na
partilha de informações e na cooperação policial com particular incidência nas questões
da radicalização violenta, do terrorismo e da criminalidade transnacional (Feiteira, 2016:
286), impactando também nos objetivos traçados pela PESC e pela PCSD.
A partilha de informações é liderada pelos Estados-Membros numa base de partilha
voluntária, o que permite variações na sua intensidade e modalidades, designadamente
ao vel do não comprometimento de relações privilegiadas de algumas agências e
serviços de informações com outros parceiros fora do espaço da UE (Walsh, 2008).
Igualmente, verifica-se alguma desconfiança em relação à qualidade das informações
produzidas por alguns serviços devido à dissemelhança das técnicas de recolha e de
análise que servem de base à produção das informações (Politi, 1998: 12; Grusczak,
2016: 84). Assume-se a confiança como o princípio basilar da cooperação, sendo, no
entanto, vários os desafios que se colocam ao estabelecimento de relações de confiança,
desde logo devido à natureza secreta da produção de informações. Assim, a cooperação
nas informações tende a ser centrada em questões como a cibersegurança, o terrorismo
internacional e o crime transnacional organizado (Bilgi, 2016: 59) e a ocorrer nos
organismos que se seguem.
Clube de Berna
É um fórum de partilha informal e voluntária de informações entre serviços de diferentes
países, criado nos anos setenta do século passado, geralmente reunindo de dois em dois
anos. Atualmente, fazem parte a totalidade dos países da UE, bem como Noruega e
Suíça. Assume-se como uma das principais plataformas de encontro entre os líderes dos
serviços de informações nacionais. A sua agenda centra-se na realização de encontros e
conferências, onde se debatem questões técnicas e operacionais das atividades levadas
a cabo pelos serviços de informações nacionais. Mais recentemente, foram criados grupos
de trabalho no âmbito do contraterrorismo e do combate à criminalidade transnacional
organizada, que levaram à criação do Counter Terrorism Group (CTG), em 2001. Este
grupo conta com a participação dos EUA e produz relatórios de avaliação da ameaça
terrorista, que o partilhados não entre Estados-Membros, mas também com o
Conselho da União Europeia. Note-se, todavia, que este grupo opera fora do quadro
institucional da União apesar da sua aproximação à mesma na última década, o
existindo qualquer obrigatoriedade na relevância e qualidade das informações cedidas
pelos serviços de informações nacionais (Walsh, 2006: 631).
Serviço Europeu de Polícia (Europol)
Tal como o Clube de Berna, também na esfera da cooperação policial foi criado um fórum
informal de partilha de informações que reunia diversos pses europeus, nos anos
setenta, designadamente o Grupo de Trevi. Este era formado por um conjunto de
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ministros e altos quadros dos Ministérios da Justiça e dos Assuntos Internos dos Estados-
Membros, muitas vezes entendido como um rum que potenciou a criação do Espaço de
Liberdade, Segurança e Justiça da UE, consagrado no Tratado de Amesterdão. A Europol
entrou em funcionamento em 1999, possuindo unidades de representação de todos os
Estados-Membros, que são as responsáveis pela intermediação entre as forças e serviços
de segurança nacionais com a Europol. A partilha de informações provenientes dos
serviços nacionais deriva da sua própria iniciativa ou de respostas a questões colocadas
aos serviços nacionais por parte da Europol (Bilgi, 2016: 58). É uma estrutura
fundamental da segurança da UE, que apoia as operações no terreno e funciona como
uma plataforma de informações em matérias policiais-criminais. As suas principais áreas
de atuação o o combate a ameaças provenientes do terrorismo, de redes
transnacionais de tráfico de droga e de lavagem de dinheiro, da contrafação de moeda e
de fraudes, e do tráfico de seres humanos. Nos últimos anos, o papel da Europol tem
sido crescente e as suas áreas de intervenção alargadas, tornando-se num organismo
fundamental no combate ao crime ao vel europeu (Rozée et al., 2013). Em 2015, foi
criado o Centro Europeu de Contraterrorismo (European Counter Terrorism Centre -
ECTC), na sequência dos atentados de Paris de novembro de 2015, que se encontra em
funcionamento desde o início de 2016. Também em 2016, foi criado o Centro Europeu
de Tráfico de Migrantes (European Migrant Smuggling Centre - EMSC), que surge após
esta questão ser apontada como um dos grandes desafios na Agenda Europeia para a
Migração 2015. Neste centro, trabalha-se articuladamente com outras agências da União
como a Eurojust, ao nível da cooperação judicial, e a Frontex, no âmbito da proteção das
fronteiras externas. Ainda que sejam apontadas várias críticas à Europol em termos de
transparência e de responsabilidade (Jansson, 2016), assinala-se a produção e
disseminação aberta de um relatório anual, o Europol Review, que informa das suas
atividades e dos resultados alcançados, contendo, ainda, informações específicas sobre
os tipos de funcionalidades e de sistemas à disposição da Europol, a partir dos quais
presta um apoio coordenado às operações policiais na UE.
Comité Permanente para a Cooperação Operacional em matéria de Segurança Interna
(COSI)
Outro organismo que contribui para a partilha de informações é o ComiPermanente
para a Cooperação Operacional em matéria de Segurança Interna (COSI), criado a partir
do artigo 71.º do TFUE, a fim de assegurar, na União, a promoção e o reforço da
cooperação operacional em matéria de segurança interna. Para isso, fomenta a
coordenação da ação das autoridades competentes dos Estados-Membros, assegurando
cooperação operacional eficaz no domínio da segurança interna da UE, inclusive no
âmbito da aplicação da lei, do controlo das fronteiras e da cooperação judiciária em
matéria penal. Avalia, também, a orientação geral e a eficácia da cooperação operacional
e assiste o Conselho na reação a atentados terroristas ou a desastres naturais. Contudo,
uma vez mais, não se trata de um órgão operacional com autonomia para conduzir
operações, nem para intervir no processo legislativo (Caldas, 2016: 63). É formado por
representantes dos Estados-Membros, apoiados pelos conselheiros de JAI das
representações permanentes, informando periodicamente o Parlamento Europeu e os
Parlamentos nacionais dos seus trabalhos. Os representantes de outros organismos
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envolvidos na segurança interna, como a Europol, a Eurojust e a Frontex, participam com
frequência nas reuniões do COSI.
INTCEN
O Centro de Inteligência e de Situação da União Europeia (Intelligence Analysis Centre -
IntCen existe com diferentes designações desde 1999, sendo integrado no Serviço
Europeu para a Acão Externa (SEAE) em 2010, funcionando diariamente e de forma
ininterrupta. A sua missão está confinada ao fornecimento e análise de informações, em
particular o alerta precoce e a avaliação de ocorrências que possam impactar nas
instituições da UE e nos Estados-Membros, nos domínios da segurança, defesa e
contraterrorismo. Atua como canal de entrada de informações classificadas na UE
provenientes dos serviços e agências de informações civis dos Estados-Membros, sendo
grande parte das suas análises elaboradas com base em informações facultadas pelos
serviços e agências nacionais de informações, pelas autoridades militares nacionais e
pelos diplomatas nas Delegações da UE. Ainda que nem todos os Estados-Membros
possam contribuir para a produção de informações, todos terão acesso às informações
produzidas pelo IntCen. Aquando da partilha de informações com origem nos serviços
nacionais para o IntCen, os primeiros podem definir que outros atores podem aceder
àquelas informações para além dos principais consumidores das informações
disseminadas pelo IntCen. Ou seja, de acordo com o princípio da origem das informações,
aquela que provém de serviços nacionais pode ser negada a deputados europeus, por
exemplo (Cross, 2013: 393). O seu contributo operacional estende-se, por exemplo, ao
fornecimento de informações sobre os destinos, as razões e os circuitos de deslocação
dos terroristas dentro e fora do território da UE. Em 2007, a capacidade do IntCen para
analisar situações fora do espaço da UE foi reforçada através da criação da Capacidade
de Análise Individual (SIAC), que cruza informações civis com as obtidas pela Divisão de
Informações do Estado-Maior da UE, emitindo informações de alerta precoce, de
planeamento da resposta a crises, e avaliações das operações e exercícios levados a cabo
no âmbito da PESC (Caldas, 2016: 64-65).
Trata-se de um organismo que produz informações de apoio ao decisor político, em
particular dirigido ao SEAE, mas assistindo também as presidências do Conselho e da
Comissão Europeia, contribuindo, em simultâneo, para a PESC e para a PCSD, derivado
das suas análises responderem a ameaças provenientes do terrorismo, da proliferação
de armas de destruição massiva e de outros riscos e ameaças de natureza global. Não
obstante, é um organismo que também intervém na recolha de informações,
principalmente a partir de fontes abertas (Open Source Intelligence - OSINT) e
residualmente pela observação direta e presencial em cenários de crise (Human
Intelligence - HUMINT), produzindo informações que o existiriam de outra forma.
Deste modo, o produto das informações do IntCen combina a recolha própria, sobretudo
com recurso a OSINT, com a análise das informações partilhadas pelos Estados-
Membros, tanto civis como militares, e de relatórios diplomáticos (Gruszczak, 2016: 86).
O produto das informações do IntCen efetiva-se através da produção de relatórios
semestrais, relatórios especiais (de resposta a situações de crise ou numa área de
crescente relevância num determinado momento), sumários de apoio ao decisor político
quando solicitados e avaliações de risco, também semestrais, a que se poderão adicionar
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briefings ad-hoc junto das instituições da UE quando seja pertinente. O IntCen não é
uma agência europeia de informações, mas é o mais próximo do que dela existe, tendo
vindo a ser um ator fundamental na coordenação e centralização da cooperação das
informações ao vel europeu e, gradualmente, afirmando-se enquanto produtor de
informações de segurança. Assim, é um organismo fundamental (enquanto produtor e
consumidor de informações) na comunidade de informações da UE (Cross, 2013: 395),
tendo assumido um papel crescente na política externa europeia durante a última década
(Fagersten, 2014: 97).
Centro de Satélites da União Europeia (SatCen)
O SatCen (European Union Satellite Centre) é uma agência criada em 1992 que responde
ao ComiPolítico e de Segurança (CPS), organismo responsável pela PESC e pela PCSD,
que produz informações relativas ao espaço e a questões geoespaciais, a partir da análise
de imagens de satélite e outras imagens aeroespaciais (IMINT e GEOINT). Assume-se
enquanto organismo das informações militares, desenvolvendo as suas atividades
conjuntamente com outros parceiros como a Agência Europeia de Defesa (European
Defence Agency - EDA) e a Agência Espacial Europeia (European Space Agency - ESA).
Os principais consumidores dos produtos e serviços do SatCen são, para além dos
Estados-Membros, o SEAE, a Comissão Europeia, a Frontex, e outras instituições e
agências da UE. Apesar da GEOINT estar particularmente associada às Forças Armadas,
a verdade é que um interesse crescente na esfera civil, tanto para o setor público,
como para o setor privado. A GEOINT produzida pelo SatCen destina-se sobretudo a
colaborar em programas e missões de ajuda humanitária, em planos de contingência em
situação de crise, nas áreas do controlo de fronteiras, do combate à pirataria a redes de
terrorismo e de criminalidade organizada, no apoio a redes de videovigilância, na
identificação de capacidades militares, no controlo da não proliferação de armas químicas
e de destruição massiva e no apoio a infraestruturas críticas, designadamente em
avaliações de risco e de vulnerabilidades. Note-se que o centro não possui satélites
próprios, pelo que utiliza as imagens de satélites existentes, muitas vezes procedendo à
sua compra, para, posteriormente, os analistas executarem o tratamento das mesmas.
Assim: (1) por um lado o SatCen o comanda os satélites existentes, nem nas suas
tarefas, nem nas suas posições; e (2) muito menos consegue controlar a qualidade do
material recolhido, sendo que os satélites privados de uso comercial muitas vezes
apresentam recolha de imagens com menor resolução àquela que poderia ser necessária
para realizar a avaliação por parte do SatCen (Walsh, 2006: 636).
Estado-Maior da União Europeia (EMUE)
O Estado-Maior da União Europeia, tal como o Comité Militar, foi uma consequência do
Conselho Europeu de Helsínquia (1999), que abriu espaço para o estabelecimento de
organismos político-militares permanentes, tendo sido, posteriormente, criado em 2001,
e estando, desde 2010, integrado na estrutura do SEAE. É a única estrutura militar
integrada de forma permanente na União, reunindo um conjunto alargado de
especialistas, que utilizam o contributo das informações militares para a elaboração da
PCSD. As suas funções passam, por um lado, pelo aconselhamento em assuntos de
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natureza militar, e, por outro, pelo planeamento, pela avaliação e pela emissão de
recomendações sobre assuntos relacionados com situações de gestão de crise e com a
definição da estratégia militar. Para fazer face a esta missão, o EMUE beneficia de uma
Divisão de Informações, que utiliza informações militares produzidas pelos Estados-
Membros e por outros organismos europeus, para, posteriormente, elaborar relatórios e
avaliações para o ComiMilitar, para o SEAE e para outros organismos da UE (Walsh,
2006: 633). O Estado-Maior monitoriza, igualmente, a gestão das operações em curso,
assim como as capacidades militares que os Estados-Membros colocam à disposição da
UE, identificando quais as forças (inter)nacionais que podem ser convocadas para as
operações conduzidas pela União (Caldas, 2016: 66).
Os desafios da cooperação: obstáculos formais e ambiguidades
Os serviços e agências de informações nacionais possuem diferentes culturas de
informações e recursos assimétricos, fazendo com que, no interior da própria UE, se
assistam a processos de produção de informações heterogéneos entre agências e
organismos. Com a crescente expansão da Internet, estimativas que colocam a
recolha de informação grandemente dependente de OSINT, que se revela uma forma
menos complexa, dispendiosa e morosa para o fazer quando comparada com outras
formas de recolha secretas como a HUMINT (Omand, Bartlett e Miller, 2012). No que diz
respeito à partilha de informações, os esforços recentes evidenciam uma mudança de
paradigma, que se prende com o reforço da segurança cooperativa na UE. Devido ao
alargamento das agendas de segurança nacional, é impossível que os pequenos serviços
consigam produzir informações, em quantidade e em qualidade, mantendo os seus
orçamentos inalterados. Assim, a cooperação permite, por um lado, a maximização dos
recursos existentes, evitando, por outro lado, a sobreposição de missões em termos
operacionais (Gruszczak, 2016: 88-89). Do ponto de vista securitário, a existência de
riscos e de ameaças compartilhadas no espaço da UE incentiva a cooperação e uma
agenda comum, como é o caso do contraterrorismo. Ainda assim, por vezes, a partilha
de informações tem beneficiado mais o processo de decisão da UE do que a eficácia de
uma estratégia de contraterrorismo comum. Isto porque as informações partilhadas têm
alimentado sobretudo as políticas europeias de contraterrorismo, possuindo,
recorrentemente, um reduzido impacte operacional e tático, áreas onde as informações
(operacionais e táticas) tendem a manter-se ao vel nacional (Muller-Wille, 2008: 69).
Apesar de a cooperação permitir ganhos económicos e securitários, esta também tem
uma origem interna, que é determinada pela natureza do próprio processo de integração
europeia, marcado por sucessivos efeitos spillover. A introdução de políticas de
cooperação em matérias de segurança tem determinado a cooperação em áreas
adjacentes, onde se insere a crescente cooperação nas informações com o
desenvolvimento da PESC (Fagersten, 2014: 103). Contudo, as práticas cooperativas
enfrentam obstáculos em diferentes áreas, propondo-se abaixo um modelo exploratório
que sistematiza as dimensões e os determinantes da cooperação a partir do agrupamento
de grandes domínios contextuais que podem afetar um fenómeno político (Goodin e Tilly,
2006). Resumidamente, podemos enquadrar os desafios da partilha de informações de
segurança em cinco grandes dimensões: cultural, securitária, legal, económica e
psicológica.
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Dimensão cultural: diferentes culturas de informações
A cooperação tende a realizar-se mais facilmente quando existem culturas de
informações semelhantes, sendo mais difícil de efetivar quando as culturas de
informações são substancialmente distintas entre os países em causa (Born et al., 2015:
110). A cultura de informações depende da forma como as comunidades de informações
se inscrevem legalmente no interior Estados-Membros e desenvolvem as suas práticas,
com reflexos em diferentes desenhos institucionais, diferentes articulações entre
informações civis-militares, diferentes tutelas governativas, diferentes contribuições para
os sistemas de segurança interna e de defesa nacional, ou diferentes mecanismos de
fiscalização, de controlo democrático e de transparência. Tendo em consideração os
países da UE, assume-se a existência de culturas de informações distintas, que derivam
de uma história política e cultural diferenciada entre os Estados-Membros, de onde
emergiram as divergências nos ambientes legais e nos sistemas políticos em que as
comunidades de informações nacionais atuam (Graaf e Nyce, 2016).
Dimensão securitária: a globalização da segurança
São muitas as interdependências entre os riscos ambientais ou de saúde pública, ou as
ameaças como a cibercriminalidade ou terrorismo, por exemplo, que exigem uma
cooperação mais alargada, desde logo incluindo os EUA, e não restrita aos Estados-
Membros. Ao nível operacional, as missões e atuações têm acontecido sobretudo nos
níveis nacional e local, ou têm proveniência na NATO, situando-se a União num vel
intermédio, onde os problemas partilhados são, não raras vezes, circunstanciais e a
capacidade de intervenção limitada. O desafio é, então, encontrar objetivos comuns,
podendo mencionar-se a atuação no âmbito da cibercriminalidade, do contraterrorismo
e do combate às redes de tráfico de seres humanos como desafios que unem,
atualmente, todos os Estados-Membros, pese embora numa escala de preocupação
diferenciada e insuficiente para estabelecer uma cooperação estruturada e alargada no
longo prazo. Para uma efetiva partilha de informações na UE é indispensável que se
formule uma agenda de segurança coletiva, que possa vincular a atuação dos Estados-
Membros e dos respetivos serviços e agências nacionais de informações em torno de
interesses comuns.
Dimensão legal: o Tratado de Lisboa
O Tratado de Lisboa acarretou o aumento das competências e da relevância estratégica
do IntCen. Porém, não é possível ignorar que o mesmo Tratado inscreveu, de forma
clara, a responsabilidade de garantir a segurança nacional por parte dos Estados-
Membros. Assim, esta é uma competência exclusiva dos Estados-Membros, onde os
mesmos mantêm reservas de soberania, fazendo com que a cooperação em matérias de
segurança e, em particular, nas questões associadas à partilha de informações entre
serviços de informações aconteça de modo pouco estruturado e, preferencialmente, com
serviços parceiros. Deste modo, as competências da UE para atuar na produção de
informações ou para exigir e coordenar a partilha de informações são ainda muito
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reduzidas, apesar do aumento do número de organismos europeus que fazem parte da
comunidade de informações europeia, nas últimas duas décadas. O Tratado de Lisboa
apresenta-se como um instrumento de bloqueio formal-legal, que impossibilita uma
cooperação mais integrada, o desenvolvimento de redes e de canais de partilha de
informações centralizados na UE, e uma maior harmonização dos métodos de recolha,
bem como das técnicas de análise das informações. Uma revisão deste enquadramento
legal poderia agilizar uma maior interoperabilidade, corrigindo algumas das dificuldades
sentidas na partilha de informações na comunidade de informações europeia e
acarretando ganhos de eficácia.
Dimensão económica: a expansão do mercado das informações
A importância das informações ao vel nacional tem hoje um espetro mais alargado,
consagrando uma atuação em diferentes setores que servem os interesses nacionais.
Daqui se retira que as agendas de trabalho dos serviços e agências de informações
nacionais apresentam alguns elementos compartilhados, mas que vão muito além desses
elementos. Os serviços e agências de informações nacionais operam num mercado em
expansão e muito competitivo, existindo diversas situações nas quais os Estados-
Membros competem entre si por informações estratégicas que possam ajudar os
diferentes Governos nacionais nos seus processos de decisão (Rêgo, 2015). Parece existir
um sistema dual, onde áreas em que os serviços e agências de informações dos
Estados-Membros cooperam e outras em que competem. Por exemplo, tanto as
informações económicas (apoio a negociações do Governo, ações de contraespionagem
económica, apoio a estratégias de empresas nacionais, etc.) como as informações
energéticas são áreas em que os interesses estratégicos nacionais são recorrentemente
conflituais, e onde os serviços e agências de informações nacionais enfrentam um
ambiente competitivo. Esta constante competição não favorece a cooperação alargada,
aberta e continuada de longo prazo que é desejada na UE.
Dimensão psicológica: o princípio da confiança
Uma das dimensões fundamentais para a cooperação é a confiança, manifestando-se
através da incerteza sobre o que outros serviços e analistas podem fazer com as
informações recebidas, do eventual impacte negativo nas parcerias históricas
existentes para a cooperação bilateral, ou do risco do free-rider’ (Muller-Wille, 2008:
62). Como assegurar uma partilha de responsabilidades e de recursos equitativas entre
os Estados-Membros para evitar a desconfiança? Como criar standards no âmbito da
recolha e da análise das informações para que os serviços e agências nacionais confiem
nas informações produzidas externamente aos mesmos? Como garantir a segurança das
informações partilhadas em centros mais pequenos e com menores recursos para
garantir a segurança das informações recebidas? Como manter canais de comunicação
permanentemente abertos, que fomentem relações de confiança interpessoais, e o
apenas relações pontuais em situações de crise? Estas são algumas questões centrais,
cujas respostas têm sido caracterizadas pela volatilidade e pela incerteza, o que tem
criado dificuldades em estimular as desejadas relações de confiança. Talvez assim se
compreenda a preferência dos Estados-Membros pela partilha de informações bilateral,
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junto de serviços e agências de informações com as quais se assume a existência do
princípio da confiança, por oposição a uma alargada atuação multilateral na UE. A
confiança é o elemento determinante para o sucesso da partilha de informações, mas
necessita de tempo para se desenvolver, através do reconhecimento dos benefícios
mútuos alcançados em iniciativas conjuntas, por oposição à criação de um modelo formal
de cooperação.
O papel da UE: status quo ou maior autonomia?
A cedência de competências no âmbito da produção de informações de segurança a
Bruxelas não parece possível num futuro próximo, ceteris paribus. Não obstante, a
inexistência de uma integração total das informações no aparelho burocrático da União
não invalida o esperado aprofundamento da comunidade de informações de segurança
na UE. A evolução desta comunidade aponta para o desenvolvimento de uma rede
alargada e flexível, que coresponsabiliza a UE e os Estados-Membros pela produção e
pela partilha de informações levadas a cabo no interior da União. Tal como escreveu
Alessandro Politi (1998: 8) num dos primeiros textos de referência sobre as informações
no contexto da UE, podem não existir grandes vantagens em formalizar excessivamente
a comunidade de informações europeia, podendo a flexibilidade de uma rede garantir
maior eficácia na gestão da necessária cooperação e da partilha de informações, ao invés
de se tentar enveredar pela criação de uma cultura de informações europeia alternativa
às nacionais. Se, em parte, este argumento ainda se pode manter válido, a verdade é
que parece ter perdido força em função da enorme expansão do terrorismo internacional,
apontando vários problemas sobre uma rede de informações complexa e insuficiente,
onde a cooperação é difusa, acontece em diferentes níveis e não apresenta
procedimentos e práticas padronizadas (Argomaniz, 2015). Apesar dos efetivos ganhos
com a partilha de informações no domínio da cooperação policial, a integração da partilha
de informações entre serviços e agências de informações no domínio comunitário tem
sido mais lenta, revelando uma preferência dos Governos nacionais (i) pelas iniciativas
informais por oposição à regulação formal, (ii) pela partilha com um reduzido número de
atores ao invés da partilha alargada ao vel da União, e (iii) pelo estabelecimento de
práticas ad hoc em alternativa a soluções institucionais (Gruszczak, 2016: 217 e 272). O
papel da UE dependerá do seu posicionamento em três áreas, designadamente a
definição da sua participação no ciclo das informações, a sua eficácia na gestão e
coordenação da partilha de informações e a sua capacidade para impulsionar maior
interoperabilidade.
A sua participação na recolha de informações com recurso a meios próprios exigirá mais
da UE e da relação desta com os Estados-Membros, por oposição a uma circunscrição às
fases de análise e de disseminação das informações provenientes dos serviços nacionais,
desde logo porque a recolha e os seus limites jurídicos são uma área mais sensível às
culturas legais nacionais, que variam entre os Estados-Membros. Apesar de se
reconhecer a importância da HUMINT e da SIGINT, muitas possibilidades para a
recolha de informação acontecer a partir de OSINT, que tem detido a preferência dos
organismos europeus que produzem informações, principalmente à medida que o seu
valor aumenta com a expansão das ferramentas de comunicação digital. A recolha
através de meios próprios não invalida o tratamento das informações provenientes dos
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serviços e agências nacionais. Ainda assim, a atuação conjunta encerra dois desafios:
(1) evitar a sobreposição de análises e (2) garantir a mais-valia das informações
produzidas a partir da UE. A duplicação de análises, o excesso de análises e a crescente
burocratização de processos e procedimentos dificilmente será percecionada como uma
mais-valia para os Estados-Membros. Por oposição, um sistema em rede, direto, flexível
e estável, com acesso a informações mais difíceis de obter pelos serviços e agências
nacionais, poderá levar ao reconhecimento de um contributo favorável da UE e a uma
maior participação destes na comunidade de informações europeia. Esta rede horizontal
com diversas pontes para cooperação, ao invés de um modelo formal hierarquizado, pode
fomentar a confiança e evitar conflitos adicionais na relação dos Estados-Membros com
os seus próprios processos de integração.
Em relação à cooperação, a comunidade de informações europeia carece de maior
aprofundamento, articulação e centralização, sendo, também, fundamental garantir a
relevância das informações de segurança partilhadas no plano multilateral. Um sistema
de cooperação liderado pela UE poderia diminuir a preferência pela cooperação bilateral,
sem que houvesse uma obrigatoriedade pela partilha multilateral, podendo existir um
modelo de cooperação por clusters em função de interesses partilhados pelos Estados-
Membros, mas coordenado pela UE. Esta partilha flexível por clusters e por áreas
permitiria até, quiçá, estender a cooperação para além das fronteiras da UE, a países
com uma relevância histórica como é o caso do Reino Unido e dos EUA, bem como a
países que em determinadas áreas apresentam um interesse geoestratégico muito
elevado, como a Turquia ou Marrocos, por exemplo, ou até no âmbito institucional da
segurança coletiva, junto da NATO. Obviamente que uma maior circulação e acesso a
informações pressupõe o fortalecimento da segurança dos canais de comunicação
existentes e dos centros de dados onde as mesmas seriam armazenadas, bem como a
definição das condições desse acesso por parte das forças e serviços de segurança dos
Estados-Membros e de outros atores.
A fraca interoperabilidade na comunidade de informações europeia é uma das suas
principais limitações, sendo necessário compatibilizar soluções entre os Estados-
Membros ao vel dos ambientes legais onde a recolha de intel acontece, das
infraestruturas, das cnicas e metodologias de análise e de tratamento das informações,
e da partilha de tecnologia (necessária tanto nas técnicas de recolha como na segurança
dos canais de disseminação das informações). Tudo isto contribuiria, ainda, para uma
maior harmonização das diferentes culturas de informações que coabitam na Europa,
podendo refletir-se positivamente em relações de maior confiança entre os Estados-
Membros, favorecendo a cooperação. Esta harmonização talvez pudesse ter efeitos
positivos, também, no plano do controlo democrático, da transparência e da gestão do
binómio segurança e liberdade, desde logo ao conciliar o acesso a (meta)dados com a
proteção de direitos, liberdades e garantias, matérias sobre as quais os Estados-Membros
apresentam posições distintas.
Conclusão
Este artigo evidencia que a comunidade de informações da UE é substancialmente
distinta das comunidades nacionais que conhecemos, o que não constitui uma surpresa
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em função da prevalência da nacionalidade na partilha de informações de segurança
entre serviços e agências de informações na UE. A segurança nacional dos Estados-
Membros ainda não se totalmente representada na segurança interna da União,
compreendendo-se, assim, a maior cooperação no que concerne a partilha de
informações policiais. A partilha de informações de segurança assemelha-se mais a uma
rede aberta, onde coabitam diferentes formas de produzir, analisar e disseminar
informações. As informações de segurança configuram-se como o último reduto da
soberania nacional do qual os Estados-Membros fazem uso, tornando a dependência da
comunidade de informações europeia dos Estados-Membros muito elevada. Esta
comunidade atua ao vel nacional, com os diferentes serviços e agências de informações
nacionais, e ao nível europeu, através dos diferentes organismos que participam na
produção e na partilha de informações, de onde beneficiam vários organismos e
instituições da UE, bem como os Estados-Membros.
Ainda que a criação de uma agência de informações europeia no contexto atual não seja
crível, o fortalecimento da partilha parece ser um dos caminhos a seguir, contribuindo
para uma maximização dos recursos existentes e para o desenvolvimento de
comunidades epistémicas. Ademais, as vantagens da cooperação em termos da
economia de recursos - num contexto de restrições orçamentais para muitos pequenos
serviços e agências de informações nacionais - e da produção de informações em
economias de escala são difíceis de negar. É também necessário que a UE afirme a sua
capacidade própria de recolha e de análise - sobretudo a partir do IntCen e com recurso
a OSINT - de onde se espera um contributo crescente para a PESC e para a PCSD e, por
conseguinte, na formulação de toda a visão geoestratégica da UE. O futuro das
informações de segurança na UE parece depender, por um lado, de uma maior integração
das questões de segurança e da defesa comum e, por outro lado, do avanço de ameaças
comuns aos vários Estados-Membros como o terrorismo. Não obstante, é importante
assegurar que quaisquer aprofundamentos ao nível da centralização, da análise, da
disseminação e, sobretudo, da partilha das informações não comprometam a autonomia
dos Estados-Membros e não violem os princípios de atuação dos diferentes atores que
intervêm na comunidade de informações da UE. Por último, o posicionamento da UE
nesta questão reflete, também, a forma como a instituição pretende projetar-se no
sistema internacional, quiçá obrigando a revisitar a coesão atual da relação transatlântica
e as históricas relações UE-NATO em matérias de segurança e de defesa.
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