OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 2 (Novembro 2020-Abril 2021)
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POLÍTICA EXTERNA, DESENVOLVIMENTO E ESTRATÉGIAS INTERNACIONAIS
EM RELAÇÃO À ÁSIA-PACÍFICO: OS CASOS DA ARGENTINA E DO CHILE
FLORENCIA RUBIOLO
frubiolo@gmail.com
Investigadora Associada do Conselho Nacional de Investigação Técnica e Científica (CONICET,
Argentina). Doutorada em Relações Internacionais (Universidade Nacional de Rosário). Diretora
do Programa de Doutoramento em Relações Internacionais e Professora de História das Relações
Internacionais na Universidade Católica de Córdoba (UCC)
PAOLA ANDREA BARONI
paobaroni@yahoo.com.ar
Investigadora e Professora da Universidad Siglo 21 (Córdoba, Argentina). Doutorada em
Relações Internacionais pela Universidad Nacional de Rosario (Argentina
Resumo
No século XXI, os vínculos entre a América do Sul e a região asiática têm sido mais constantes,
e estes vínculos têm tido interpretações distintas de acordo com as consequências que têm
tido nas economias nacionais sul-americanas, assim como a sua relação com os atuais
processos de integração na região e as diferentes estratégias de inserção económica. Existem
diferenças na forma como os países sul-americanos se inserem na Ásia, pelo que o objetivo
deste trabalho é analisar as características da política externa e as estratégias de inserção
internacional da Argentina e do Chile em relação à China, Sudeste Asiático e à Índia, com
destaque para a articulação entre as estruturas económicas e produtivas, os modelos de
inserção internacional e algumas implicações económicas. Os estudos de caso selecionados
representam dois modelos de desenvolvimento distintos que optaram por estratégias de
inserção internacional diferenciadas, que resultaram em relações diversas com a região
asiática. A investigação teve por base uma metodologia qualitativa e uma perspetiva teórica
sul-americana.
Palavras-chave
Região asiática, modelo de desenvolvimento, estratégia de inserção internacional, política
externa, América do Sul
Como citar este artigo
Rubiolo, Florencia; Baroni, Paola Andrea (2020). Política externa, desenvolvimento e
estratégias internacionais em relação à Ásia-Pacífico: os casos da Argentina e do Chile. In
Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 11, 2 Consultado [online] em data da
última consulta, DOI: https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.2.5
Artigo recebido em Outubro 14, 2019 e aceite para publicação em Agosto 3, 2020
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Política externa, desenvolvimento e estratégias internacionais em relação à Ásia-Pacífico:
os casos da Argentina e do Chile
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POLÍTICA EXTERNA, DESENVOLVIMENTO E ESTRATÉGIAS
INTERNACIONAIS EM RELAÇÃO À ÁSIA-PACÍFICO:
OS CASOS DA ARGENTINA E DO CHILE
1
FLORENCIA RUBIOLO
PAOLA ANDREA BARONI
Introdução
No século XXI, o Leste Asiático emerge como uma região de crescimento e
desenvolvimento económico mundial devido, em parte, à deslocalização da produção
como consequência das vantagens competitivas que a região asiática proporciona, como
os baixos custos de produção, que são consequência da mão de obra barata e dos
incentivos ao investimento. A consolidação da China como principal produtora de
produtos fabricados e, recentemente, como fonte de investimentos, assim como a
consolidação do Sudeste Asiático (SEA)
2
e da Índia como mercados de exportação de
matérias-primas, tornaram a região uma alternativa económica para países em busca de
diversificação.
A América do Sul e o continente asiático tiveram ligações ocasionais ao longo das suas
histórias por razões culturais, geográficas, históricas e políticas. Os vínculos aumentaram
com o fim da Guerra Fria; com o boom de crescimento económico da China, do SEA e da
Índia, e com a abertura comercial e liberalização de medidas económicas nos países sul-
americanos, que favoreceram a procura de novos mercados para a exportação de
matéria-prima e seus derivados. Nesse contexto, a América Latina passou a valorizar a
região Ásia-Pacífico na sua agenda externa num contexto de diversificação (Mols e Faust,
1998).
No século XXI, as ligações entre estas duas regiões têm sido mais constantes devido ao
crescente multilateralismo do sistema internacional, ao aumento da interdependência
comercial, à globalização das finanças, e ao avanço das comunicações e dos transportes,
entre outros. No entanto, esses nculos tiveram diferentes interpretações de acordo com
as consequências que tiveram nas economias internas sul-americanas, a sua relação com
os atuais processos de integração da região e as diferentes estratégias de inserção
económica que resultam na capacidade de obter participações de mercado e
investimentos inter-regionais.
1
Artigo traduzido por Carolina Peralta.
2
Para efeitos deste artigo, serão considerados os países que fazem parte da ASEAN-6: Indonésia, Tailândia,
Filipinas, Malásia, Vietname e Singapura, por serem o principal parceiro comercial da região sul-americana.
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As ligações entre a América do Sul e o leste e o sul da Ásia não têm sido profundamente
exploradas na investigação académica, uma vez que as relações bilaterais e multilaterais
ainda estão em processo de consolidação. A maioria dos trabalhos académicos do Leste
Asiático sobre a América Latina têm-se focado na comparação de políticas económicas,
distinto desempenho económico e nas causas e consequências para ambas as regiões.
3
Da mesma forma, poucos trabalhos
apresentam análises para além da análise estatística das ligações e que, ao mesmo
tempo, permitam comparar casos distintos.
4
Dada a necessidade de aprofundar as diferenças intrínsecas na forma como os países
sul-americanos se inserem na Ásia, o objetivo deste trabalho é analisar as características
da política externa e as estratégias de inserção internacional da Argentina e do Chile na
China, Sudeste Asiático e na Índia, com destaque para a articulação entre as estruturas
económicas e produtivas, os modelos de inserção internacional e as principais
implicações económicas.
Para tal, consideramos o efeito da crescente dependência dos mercados do Leste Asiático,
principalmente nos seguintes aspetos: a) características e implicações das políticas
bilaterais da Argentina e do Chile nas suas relações com a Ásia Pacífico; b) o nível de
diversificação de parceiros e/ou mercados para as exportações; c) as mudanças na
estrutura exportadora que podem impactar as estruturas produtivas (concentração nos
produtos primários e manufaturados de origem agrícola [MOA]).
Os casos selecionados são a Argentina e o Chile porque representam dois modelos de
desenvolvimento distintos que optaram por estratégias internacionais diferentes,
traduzindo-se em relações diversas com a região asiática. Por um lado, o país andino
optou por um modelo de desenvolvimento neoliberal, com uma estrutura produtiva
voltada para o setor primário e uma estratégia internacional baseada no regionalismo
aberto, com uma densa rede de tratados de livre comércio (TLC). A Argentina, desde
2003, implementou um modelo de (neo) desenvolvimento baseado numa estrutura
produtiva mais diversificada e numa estratégia internacional assente num regionalismo
semifechado.
3
Nesse sentido, Lee & Kim (2018) analisam os sistemas de inovação e a relação com o desempenho
económico na América Latina e no Leste Asiático, a partir de uma perspetiva do desenvolvimento; Zhang
(2007) examina a relação entre investimento estrangeiro direto e crescimento económico em ambas as
regiões; e Lin (1989) também compara o desempenho económico e as políticas de desenvolvimento no
Leste Asiático e na América Latina.
4
Antes do século XXI, os estudos sobre a Ásia e os países da América Latina (PAL) concentravam-se no
Japão, Coreia do Sul e alguns aspetos da China (por exemplo, Taiwan). Desde 2000, os estudos sobre os
vínculos entre os PAL e a Ásia-Pacífico foram inicialmente conduzidos por organismos internacionais como
a CEPAL, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial, entre outros, devido à
complementaridade económica das regiões e às possibilidades que esse fato significou para o crescimento
e desenvolvimento económico. A análise concentrou-se nas dimensões económica, comercial e de
infraestrutura. Quando os vínculos começaram a crescer, os estudos sobre a China dispararam e os estudos
sobre o Sudeste Asiático e a Índia começaram a florescer, incluindo outros aspetos como política, cultura,
diplomacia, cooperação, etc. Devido ao aumento do impacto desses países na política externa dos países
PAL, a última década assistiu a um maior número de iniciativas académicas realizadas a partir de diferentes
marcos analíticos, como a análise da política externa. Este artigo inclui-se nesta última categoria.
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Conceitos a partir de uma perspetiva teórica sul-americana
Modelos de desenvolvimento e estratégias internacionais
Para compreender as implicações económicas das relações comerciais com a Ásia-Pacífico
no Chile e na Argentina, devemos basear-nos em conceitos locais relacionados com a
política externa e a articulação entre modelos de desenvolvimento e estratégias
internacionais.
Em primeiro lugar, partimos de uma definição ampla de política externa, entendida como
uma política de Estado “que é planeada e concebida tendo em consideração os objetivos
nacionais, as instâncias internas e as condições que surgem do quadro externo”
(Colacrai, 2006: 25) É a combinação de decisões e ações do Estado projetadas no exterior
que reúnem condicionamentos múltiplos dos veis interno e externo. Segundo Van
Klaveren (1992), como as economias latino-americanas fazem parte de um mundo em
desenvolvimento, o desenvolvimento é o imperativo interno que determina as decisões
externas dos Estados. Não se trata apenas de avaliar a política externa em termos do
seu contributo para a promoção das exportações e da estabilidade comercial e financeira,
mas também em termos da capacidade de transformar as variáveis internacionais “de
uma forma mais favorável à concretização de uma estratégia de desenvolvimento” (Van
Klaveren, 1984:36).
Concordamos que existe uma condição comum na influência dos imperativos de
desenvolvimento na política externa latino-americana. No entanto, a forma como essas
metas são projetadas no plano internacional não é homogénea. Assim, distinguimos os
diferentes modelos de abordagem à Ásia, e essas distinções serão baseadas nas
capacidades materiais - principalmente nas estruturas económicas dos países em estudo
- e nos compromissos regionais preexistentes, que moldaram, de diferentes formas, a
política externa e decisões de estratégia económica.
Como premissa principal, acreditamos na ligação entre as estruturas produtivas e
exportadoras de um país, a sua estratégia internacional e a sua política externa. Essa
conexão nem sempre é linear, uma vez que a estrutura produtiva de um país impõe
condições internas não só à política económica internacional, mas também à política
externa, em termos de parceiros comerciais e de integração regional.
Bernal Meza (2000) afirma que a análise da política externa não pode ser separada do
modelo de desenvolvimento ou da economia internacional. O modelo de desenvolvimento
inclui “a forma como a política e a economia se articulam, entre o Estado e o mercado,
em determinado contexto. Cada modelo possui a sua própria forma de acumulação,
produção e distribuição de riqueza, além de uma estratégia de inserção estrangeira. Por
isso, os padrões cambiais, as regulamentações do comércio externo e as exigências nas
negociações externas serão diferentes” (Zelicovich, 2012: 6). Ou seja, as condicionantes
internas da ação externa dos países sul-americanos em relação à região asiática, a
influência do modelo produtivo e os papéis do Estado e do mercado, devem ser
considerados centrais na definição das decisões económicas.
Cada modelo de desenvolvimento possui uma estratégia internacional específica, que
pode ser entendida como a estratégia utilizada pelos Estados na sua interação com o
sistema internacional. Segundo Lorenzini (2011), essa estratégia traduz as escolhas
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feitas por um Estado quanto às orientações e diretrizes de política externa que
implementa para se relacionar com outros atores em diferentes esferas, como a política,
a económica e a de segurança.
Um elemento altamente determinante nas estratégias económicas internacionais dos
países em estudo é a preexistência de um modelo exportador primário que, no caso da
Argentina, se combina com um modelo industrial baseado em acordos regionais (Mercado
Comum do Sul [MERCOSUL, na sigla espanhola]) e principalmente orientado para o
mercado interno e latino-americano. Este último também pressupõe “uma estratégia
gradual, na qual a proteção e a ação económica do Estado desempenham um papel
central, com o objetivo de ter mais autonomia do centro” (Guillén, 2008: 25).
Em conclusão, os dois países apresentam estruturas produtivas heterogéneas que afetam
diretamente o modo como a inserção económica internacional ocorre, recorrendo assim
às condições materiais sobre as quais as estratégias externas são construídas, e
refletindo diferentes formas de interação e intervenção entre Estado e mercado, que
apresentam um modelo de desenvolvimento distinto.
Diversificação, neoextrativismo e o papel das economias emergentes
No início do século XXI, e principalmente a partir da crise de 2008, os Estados sul-
americanos optaram por ampliar os seus parceiros comerciais para aumentar sua
autonomia, melhorar a sua inserção internacional e mitigar os efeitos da crise,
diversificando parceiros e atraindo investimentos. A combinação de condições internas,
um contexto económico internacional instável e a concorrência crescente entre os países
em desenvolvimento por participações de mercado e investimentos favoreceram a
aproximação da América do Sul à China e, em menor medida, às principais economias
do Sudeste Asiático e à Índia.
A diversificação tornou-se uma ferramenta para alcançar níveis mais elevados de
autonomia reduzindo a dependência económica e política, e também para evitar a
discriminação dos processos de integração e melhorar a participação na economia
mundial de forma a não acabar na periferia (Olivet, 2005). A Ásia Pacífico, com as suas
elevadas taxas de crescimento económico, surgiu como a melhor opção de inserção
económica alternativa aos parceiros tradicionais. O resultado, aliado às condições
regionais asiáticas, tem sido a multiplicação de parceiros comerciais na maioria dos
países da região tornando-se os países asiáticos importantes destinos das exportações
sul-americanas, com a China como protagonista.
Nesse sentido, observamos que, no caso da Argentina, houve uma redução da
concentração das exportações nos cinco primeiros destinos entre 2003
5
e 2019:
enquanto em 2003 representava 51%, em 2019 caiu para 41% (Brasil, China, Estados
Unidos, Chile e Vietname). No caso do Chile, observamos uma concentração crescente
das vendas no mesmo período para os seus cinco principais parceiros de destino, mas
um envolvimento crescente dos mercados asiáticos mais importantes. Em 2003, 47%
5
Selecionamos o ano de 2003 porque o consideramos o início do impacto do boom das commodities
aumento rápido dos preços das commodities devido à crescente procura por parte das economias
emergentes - na América Latina, iniciado em 2002, o que permitirá ver a mudança durante a diversificação.
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das exportações do país foram para os seus principais parceiros, enquanto em 2019 essa
participação aumentou para 66% (China, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Brasil)
(UN Comtrade, 2020).
Observa-se que o processo de diversificação dos destinos das exportações revela
resultados positivos no caso da Argentina, enquanto no caso do Chile ocorreu o contrário.
Entendemos que a assinatura de TLCs bilaterais com economias como os Estados Unidos
e a China tem levado a uma maior concentração de parceiros comerciais para as
exportações chilenas.
Relativamente à composição do cabaz de exportações, observa-se uma concentração
crescente de produtos primários e derivados nas exportações sul-americanas. Esta
concentração está ligada à divisão internacional do trabalho, que tem levado ao
crescimento económico dos países asiáticos e à melhoria do vel de vida dos seus
cidadãos, conduzindo ao aumento no consumo de commodities (Frechero, 2013),
impulsionando assim as exportações de produtos primários sul-americanos.
Apesar desse fenómeno, notamos que, nos casos escolhidos, houve uma distribuição
constante da participação de cada uma das grandes áreas nas exportações entre 2005 e
2015. No caso da Argentina, em 2005 as exportações de produtos manufaturados
representaram 30,7% do total, e de produtos primários 69,3%; enquanto em 2015, os
manufaturados representavam 29,4% e os produtos primários 70,6% da participação.
No caso do Chile, o cenário é semelhante no que diz respeito à estabilidade, embora a
composição do cabaz apresente maior concentração de matéria-prima. Em 2005, os
produtos manufaturados respondiam por 13,7% do cabaz, enquanto os produtos
primários representavam 86,3%. Em 2015, as participações foram de 14,4% e 85,6%,
respetivamente, no total das vendas do Chile para o mundo (CEPAL, 2016)
6
.
Em ambos os casos, o cabaz da exportação possui um elevado componente de produtos
primários e de subprodutos, o que está relacionado com as condições internacionais
referidas anteriormente e com a significativa alta dos preços internacionais das
commodities.
Nacht (2013) e Bittencourt (2012) explicam algumas das implicações que a concentração
das vendas de commodities pode ter no desenvolvimento interno dos países sul-
americanos. Em primeiro lugar, o comércio da América do Sul com a China destaca o
papel da região como fornecedora de matéria-prima. Este facto indica a fragilidade da
estratégia de inserção económica, que é condicionada pelas “oscilações entre boas e s
colheitas (no caso dos produtos agrícolas), bem como pela volatilidade e deterioração
dos termos de troca” (Nacht, 2013: 151). Em segundo lugar, Bittencourt (2012) afirma
que o elevado peso dos produtos primários nas economias sul-americanas e a crescente
concorrência com a China em áreas industriais - em particular com o MERCOSUL -
representam um problema para o desenvolvimento sul-americano a longo prazo.
Estas mudanças voltaram a colocar o fenómeno das industrias extrativas em evidência,
juntamente com as respetivas consequências para o desenvolvimento dos países em que
6
Em 2019, as tendências foram semelhantes: no caso da Argentina, os produtos primários representaram
27% do total das exportações; combustível e energia 7%; MOA 37% e Manufaturas de Origem Industrial
(MOI) 29% (INDEC, 2020). No caso do Chile, os produtos minerais representaram 52% do total das
exportações; agricultura, pecuária, silvicultura e pesca 10% e bens industriais 38% (SUBREI, 2020).
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representa um traço central nas suas estruturas produtivas (Gudynas, 2012). Gudynas
(2009) recorre ao neoextrativismo progressivo para descrever o fenómeno do século XXI
na América do Sul, onde se combinam diferentes premissas: a) o desenvolvimento é
concebido a partir de setores extrativos; b) maior presença e atuação ativa do Estado,
que procura a legitimação através da redistribuição do excedente obtido; c) inserção
internacional dependente de matérias-primas e subordinada aos centros de poder; d)
aumento da fragmentação territorial, impactos socioambientais, entre outros.
Na América do Sul, esse fenómeno manifesta-se nas atividades extrativas, como o
desenvolvimento e aprofundamento da mineração a céu aberto já existente e na
prospeção e exploração de petróleo. Também houve uma mudança na prática da
agricultura, e as monoculturas de exportação, como a soja, foram encorajadas (Gudynas,
2009). Slipak (2012) acrescenta que os preços das commodities geram um alto custo de
oportunidade se os fatores de produção não forem destinados a essas atividades,
facilitando a continuidade desse modelo. Além disso, até meados de 2014, houve uma
valorização da moeda nacional, o que aumentou o incentivo à importação de bens médios
e finais, e à exportação de produtos primários e MOA (Durán Lima e Pellandra, 2017).
Maristella Svampa (2019), que cunhou o conceito de consenso de commodities para
explicar as exportações em larga escala de produtos primários, o crescimento económico
e o aumento do consumo devido ao neoextrativismo, afirma que as oportunidades
económicas que o aumento dos preços e da procura das commodities geraram conduziu
a outro conceito: ilusão desenvolvimentista. Segundo Svampa, os governos regionais -
progressistas ou conservadores - pensaram que seria possível, graças a essas novas
aberturas económicas, encurtar a distância com os países industrializados para alcançar
o desenvolvimento.
Na verdade, as fortes receitas que os Estados sul-americanos m recebido como
resultado deste tipo de exportações desencorajam o desenvolvimento da indústria
nacional e sustentam a continuidade de uma troca desfavorável à região sul-americana
(Slipak, 2012; Nacht, 2013). Observa-se a ausência de uma política industrial na maioria
dos países da região e, naqueles onde existe, apresenta características defensivas, o que
não possibilita a adaptação a novos modelos tecnológicos (CEPAL, 2016).
Nesse sentido, esse tipo de economia assente em commodities, sem uma política de
inovação, tem revelado o problema da falta de diversificação da matriz produtiva. A
Quarta Revolução Industrial é caracterizada pelo desenvolvimento e implantação da
inteligência artificial, internet das coisas, fabrico de aditivos, biotecnologia, big data, e
block chain, entre outros, e os países latino-americanos atrasaram-se nessas áreas.
Numa economia global movida pelo conhecimento, a região da América Latina atribui
escassos recursos à investigação e desenvolvimento, e os atribuídos representam apenas
0,6% do PIB regional (RICYT, 2019) e, como consequência, possui um número limitado
de investigadores na área STEM, falta de incentivos à investigação e fraca produção de
patentes e licenças (representando apenas 2% do total mundial) (OMPI, 2020).
Assim, a dependência desse tipo de especialização produtiva, assente em produtos
intensivos em trabalho e em recursos naturais, aumenta a vulnerabilidade do Estado face
às mudanças externas - muitas vezes vinculadas a fatores climáticos, sociais e políticos
- (Nacht, 2013) e, ao mesmo tempo, diminui a sua margem de autonomia económica,
comercial e política. Para completar o cenário, esse modelo de inserção fortalece a
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presença do investimento estrangeiro direto (IED) voltado para a extração de recursos
naturais ou para o seu processamento básico, reforçando o padrão de especialização da
região e fortalecendo o desenvolvimento de atividades de baixo conteúdo tecnológico
(Dussel Peters e Armony, 2018).
Para concluir, a estrutura económica e produtiva dos países sul-americanos é afetada
não pelos danos nos termos de troca, mas também pela desaceleração do IED chinês,
bem como pelas suas exportações e importações e das dos países do Sudeste Asiático e
da Índia. Este facto denota a vulnerabilidade desses países focados num modelo de
desenvolvimento assente em produtos de pouco valor acrescentado.
Estratégias internacionais distintas em relação ao Leste Asiático: Chile e
Argentina
Como os modelos de desenvolvimento da Argentina e do Chile apresentam diferenças
estruturais, as suas estratégias económicas internacionais também apresentam
características distintas.
Com relação ao Chile, a estratégia de inserção internacional baseia-se nas premissas da
abertura comercial unilateral, na liberalização financeira e na desregulamentação
económica, que atribui prioridade ao regionalismo aberto e à assinatura de acordos
preferenciais e de livre comércio. Os principais resultados deste modelo, promovido entre
1973 e 1990 e continuado pelos governos democráticos até agora, têm sido o
crescimento constante das exportações de recursos naturais, a concentração em grandes
parceiros comerciais extrarregionais, a diminuição das exportações não tradicionais e
desincentivo ao desenvolvimento da indústria manufatureira, entre outros (Aninat del
Solar, 2007).
Nesse sentido, e com uma visão pragmática de inserção, em termos económicos, a
política externa chilena seguiu uma agenda comercial orientada para o crescimento
através das exportações primárias (Colacrai e Lorenzini, 2005). Na esfera política, as
instâncias de negociação multilateral são privilegiadas e desempenharam um papel
preponderante na reaproximação do país à Ásia-Pacífico (Quezada, 2010).
Assim, a região Ásia-Pacífico tornou-se um pilar da política externa chilena. O governo
militar teve a capacidade de ver que o desenvolvimento de novos vínculos com os países
asiáticos poderia amenizar as limitações enfrentadas pelo Estado devido à sua situação
política internacional de isolamento
7
. Os governos democráticos que se seguiram
prosseguiram uma política de aprofundamento e fortalecimento das relações com esses
países, especialmente devido à necessidade de reinserção internacional do país
(Wilhelmy, 2010).
Nesta lógica, estabeleceu-se e consolidou-se uma densa rede de acordos: a assinatura
de TLCs com a Coreia do Sul (2003), China (2006), Malásia (2012), Vietname (2014),
Hong Kong (2014) e Tailândia (2015); a negociação de um TLC com a Indonésia, um
Acordo de Parceria Económica com Singapura (denominado P-4 em 2008) e um Acordo
7
O governo militar (1973-1990) sofreu restrições internacionais devido às violações de direitos políticos,
sociais e humanos.
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de Comércio Preferencial com a Índia (ACP) (2007). Algumas condições que favoreceram
essa aproximação dinâmica foram o complemento económico, a necessidade chilena de
grandes mercados para as suas exportações e a política de abertura e liberalização
comercial asiática, que também privilegiou a assinatura do TLC. Soma-se a isso a
crescente procura asiática por recursos para sustentar um processo de industrialização
em rápido desenvolvimento, que tornou natural a aproximação ao país transandino,
primeiro produtor e exportador de cobre e derivados.
No caso da Argentina, e tendo em consideração o período desde o restabelecimento da
democracia até agora, o modelo de desenvolvimento tem variado, desde a substituição
de importações por um modelo neoliberal nos anos 90, e por outro neo-
desenvolvimentismo de 2003 a 2015. Assim, a política externa e as estratégias de
inserção internacional passaram por mudanças e ajustes com cada um desses modelos.
A única característica que prevalece desde o fim da Guerra Fria é a adoção de um
regionalismo fechado, com o objetivo de ampliar os mercados internos e desenvolver
uma política de industrialização.
Historicamente, a política externa da Argentina em relação à Ásia tem sido escassa
porque a região era considerada distante dos interesses locais. Ganhou visibilidade na
década de 80, quando um grupo de países emergiu na economia internacional. Sob o
governo de Alfonsín, deu-se um novo impulso relativamente à região asiática, devido à
necessidade de obter novas fontes de financiamento externo, bem como de novas
alternativas de inserção internacional (Cardozo, 2008). A principal característica das
ligações com esta região têm sido os aspetos comerciais e económicos, que apenas em
poucas ocasiões foram acompanhados por iniciativas políticas governamentais. A maior
parte dessas ações concentrou-se na década de 90, quando a região do Sudeste Asiático
recebeu grande atenção por parte do governo e da sua diplomacia (Baroni & Rubiolo,
2013).
A saída do plano de conversibilidade pela desvalorização da moeda nacional em 2002,
aliada ao aumento do preço internacional das commodities, favoreceu a adoção de um
modelo de crescimento económico baseado nas exportações com alta componente de
produtos primários e MOA, cujos principais destinos são as economias asiáticas. Da
mesma forma, a abertura limitada do mercado e o regionalismo fechado possibilitaram
a continuidade do processo de industrialização, garantindo mercados latino-americanos
para as exportações industriais do país.
Tendo em conta essa dupla lógica de inserção comercial, a região asiática ganhou
relevância na agenda externa argentina como recetor das exportações agrícolas, em linha
com a crescente procura da China, do Sudeste Asiático e da Índia. A política externa para
esses países acompanhou a tendência e, gradualmente, as ões políticas de abordagem
aos principais mercados multiplicaram-se através de visitas de Estado ao mais alto nível,
missões comerciais e assinatura de diversos acordos bilaterais, entre outros (Rubiolo,
2017).
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O comércio como chave da aproximação: características e implicações
A dimensão comercial tem sido fundamental tanto para a Argentina como para o Chile
nos seus vínculos bilaterais com a Ásia. Em linhas gerais, as nações asiáticas tornaram-
se parceiros importantes nos últimos 15 anos. As diferenças residem principalmente na
participação da China, do Sudeste Asiático e da Índia como mercados de destino e origem
das mercadorias dos dois países sul-americanos.
No caso da Argentina, a China é o terceiro destino de vendas e a segunda de origem a
nível global. Desde 2008, tem havido um aumento constante das importações
provenientes deste mercado: em 2018 o total de mercadorias provenientes da China
representou 19% das aquisições globais da Argentina. Enquanto isso, as vendas da
Argentina tiveram um movimento flutuante, o que levou a uma redução da percentagem
destinada à China para 6,8% em 2008. Essa informação revela a relação assimétrica
entre exportações e importações, o que provoca um saldo comercial negativo constante
para a Argentina em relação ao gigante asiático que, desde 2014, ultrapassa os 6.000
milhões de dólares (ALADI, 2019; UN Comtrade, 2020). Ao mesmo tempo, percebemos
que a Argentina é mais dependente do mercado chinês como fornecedor de produtos
manufaturados do que como destino das vendas locais, onde se observa uma maior
diversidade.
A relação comercial do Chile com a China é diferente da que tem a Argentina. Em primeiro
lugar, o Chile e a China têm um TLC em vigor desde outubro de 2006, que teve um
impacto no nculo comercial bilateral: tanto as exportações chilenas como as
importações do gigante asiático têm tido um ritmo de crescimento constante desde 2008,
tendo a China passado a ser o primeiro parceiro comercial (como mercado de destino e
origem) do país transandino. Em 2018, os produtos chineses representaram 23% das
compras mundiais do Chile, e o Chile destinou 33% das suas exportações à China. Em
ambos os sentidos, há um crescimento constante em relação ao ano anterior desde 2008
(UN Comtrade, 2020). Ao contrário do caso da Argentina, vemos que o comércio externo
do Chile apresenta um elevado e crescente grau de dependência do mercado chinês, o
que revela uma tendência progressiva para uma maior concentração comercial.
Contudo, se examinarmos os números relativamente à relação do Chile com o Sudeste
Asiático, a situação é bastante diferente, pois a concentração no mercado chinês
prejudicou os laços comerciais com parceiros da região menos importantes, mas mais
semelhantes económica e politicamente. O Sudeste Asiático é um parceiro secundário:
as exportações têm apresentado uma tendência decrescente, que em 2018 atingiu um
total de 1000 milhões de dólares relativamente às seis principais economias. Esse
número representa apenas 1,4% do total das vendas chilenas para o mundo. No que diz
respeito às importações, embora ligeiramente superiores, também não foram
representativas: um total regional de 2300 milhões de dólares, que representam 3,2%
das exportações mundiais do Chile (UN Comtrade, 2020). Em ambos os sentidos, vemos
o quão irrelevante o Sudeste Asiático é como mercado de inserção comercial para o Chile.
No caso da Índia, a situação é semelhante. Embora exista um Acordo de Comércio
Preferencial que impulsionou as exportações chilenas e facilitou a diversificação dos
mercados, não é um parceiro estratégico para o Chile, apesar do potencial do seu
mercado. Entre 2012-2018, a participação média como destino das exportações do Chile
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foi de 2,7%, sendo 2014 o ponto mais alto (3,4%), com exportações de 2571 milhões
de dólares. Em relação às importações, não apresentam salto quantitativo, pois
representam menos de 1% do total das importações do Chile no mesmo período. Estes
números indicam uma balança comercial positiva constante para o país transandino (UN
Comtrade, 2020).
Por outro lado, a relação comercial da Argentina com o Sudeste Asiático passou por um
processo de aprofundamento único na América do Sul desde 2003, com maior
intensidade desde 2008, o que permitiu evitar a concentração no mercado chinês como
destino de vendas: em 2018, as vendas argentinas às seis principais economias do
Sudeste Asiático ultrapassaram os 4.500 milhões de dólares, o que representa 7% das
vendas totais mundiais da Argentina. Entre os países de destino da região, o Vietname e
a Indonésia destacam-se como principais compradores. Por sua vez, as importações, que
também têm apresentado crescimento constante, não são importantes para o comércio
argentino, pois, atualmente, representam apenas 4% das compras totais do país (UN
Comtrade, 2020).
No que diz respeito à relação comercial com a Índia, tem havido um aumento progressivo
do seu papel como destino das exportações da Argentina desde 2010, com maior
destaque a partir de 2014, quando foi incluída no Programa de Aumento e Diversificação
das Exportações
8
. A sua participação média como destino das exportações no período
2012-2018 foi de 2,7%. as importações da Índia indicam um planalto maior e fraco
crescimento, com uma participação de 0,9% em 2012 que passou para 1,3% em 2019.
Nesse caso, também podemos observar um saldo comercial positivo para o país sul-
americano (UN Comtrade, 2020).
O que é peculiar na relação da Argentina com a China, o Sudeste Asiático e a Índia é a
configuração do comércio triangular: a China concentra o principal fluxo de importações,
enquanto as exportações vão, principalmente, para os mercados do Sudeste Asiático e
da Índia. Assim, a Argentina traçou uma estratégia de inserção comercial com maior
diversificação de mercados que o Chile, além de agregar mercados que não são grandes
economias mundiais, como o Vietname e a Indonésia, e outros países emergentes como
a Índia, à lista dos principais parceiros, configurando uma inserção comercial Sul-Sul.
Uma das principais características do comércio dos dois países com o Leste e o Sul da
Ásia é a concentração das exportações em poucos produtos. No caso do Chile, quatro
produtos respondem por 83% das vendas para a China: minério de cobre e derivados,
minério de ferro e celulose. As exportações para a Índia seguem um padrão semelhante,
com mais de 90% concentradas em três produtos: minério de cobre e derivados, celulose
e iodo (ALADI, 2019).
As exportações da Argentina também revelam um alto nível de concentração em
produtos agrícolas. As vendas para o Sudeste Asiático são, principalmente, soja, milho e
trigo, que representam cerca de 85% do que é vendido para a região. Os produtos
enviados para a China são sobretudo soja, azeite, óleo de peixe e óleo de girassol, e
respondem a 82% do que é vendido ao país. No caso da Índia, a concentração é maior,
8
Programa iniciado em 2013 com o objetivo de melhorar as exportações da Argentina, tanto quantitativa
como qualitativamente, através da diversificação de parceiros e produtos.
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pois o principal produto exportado é óleo de soja, cuja participação oscilou entre 72% e
90% no período 2012-2018 (ALADI, 2019).
Como referido anteriormente, as importações sul-americanas de produtos chineses têm
passado por um processo crescente desde o início de 2000. As duas principais áreas de
importação são têxteis e confeção, IT, máquinas e eletrónica (ALADI, 2019). O acelerado
processo de crescimento das importações aumentou a preocupação governamental e
empresarial quanto ao impacto na produção local, no emprego e na concorrência com
outros mercados, entre outras variáveis.
A concentração produtiva e exportadora do comércio dos países sul-americanos na China,
Sudeste Asiático e a Índia tem muitos impactos na sua inserção no comércio externo.
Com maior ou menor grau de abertura, as estratégias adotadas não se tornaram
ferramentas eficientes para o desenvolvimento sustentável do comércio. A Argentina e
Chile não desenvolveram economias de escala que lhes permitam diferenciar os seus
produtos e desenvolver um tipo de comércio intraindustrial. Portanto, a proporção mais
relevante na troca é dada pelas vantagens comparativas, seja pelo fornecimento de
recursos naturais, pelos baixos custos da mão de obra, pela sua posição geográfica, ou
pela combinação desses e de outros fatores. Nesse sentido, a abertura comercial que
delinearam não se revelou eficaz para conseguir uma melhor posição no mercado através
de ligações a longo prazo de difícil substituição (De la Cruz y Marín, 2011).
Assim, essas características revelam uma economia política dependente que tenta
também permear todos os aspetos da cadeia produtiva, o que aprofundou o estatuto
periférico deste tipo de países e restringiu as suas capacidades e possibilidades de
desenvolvimento autónomo (Giraudo, 2019).
Considerações finais
Muitas condições internacionais, regionais e internas, permanentes e ocasionais, devem
ser consideradas na análise das estratégias internacionais sul-americanas. Algumas
dessas condições, como os preços internacionais das commodities, a procura de
matérias-primas e a contração dos fluxos comerciais mundiais, entre outras, afetam
todas as economias da região, devido às circunstâncias semelhantes de inserção
comercial extrarregional que partilham: fornecedores de matérias-primas e membros de
cadeias de valor a jusante. No entanto, existem diferenças internas que geram certas
condições, como os veis de comércio inter-regionais, a procura latino-americana, e
acordos comerciais regionais, entre outros, que têm impactos díspares nas políticas de
inserção do comércio externo dos países da região.
Numa primeira conclusão, as estratégias internacionais assentes na exportação de
matérias-primas revelaram-se bem-sucedidas enquanto plataformas para o crescimento
económico e para a superação da crise económica, especialmente no caso da Argentina.
Da mesma forma, os fluxos cambiais gerados pelo crescimento das exportações para a
China, o Sudeste Asiático e a Índia, permitiram diminuir a dependência do financiamento
externo, assim como diversificar os mercados de exportação, logo maiores margens de
autonomia na tomada de decisões políticas e económicas.
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No entanto, na última década, os laços com a China tornaram-se mais fortes,
contribuindo para uma nova relação de dependência. Entre outros efeitos, destacam-se
a elevada concentração das exportações para Pequim, especialmente no caso do Chile,
e a crescente competição por mercados regionais. Presos a uma economia voltada para
a exportação de commodities, esses países m revelado deficiência de capacidade e
autonomia para transformar a sua matriz produtiva.
Aqui, as características das estratégias de inserção externa adotadas por cada Estado no
plano económico tiveram diferentes implicações, em função das condições produtivas
internas. No caso do Chile, observamos um amplo processo de abertura baseado no livre
comércio com a China, ao passo que na Argentina encontramos políticas seletivas de
proteção e privilégio do mercado nacional e regional, vinculadas ao atual processo de
integração. As diversas orientações de inserção económica externa destes dois países,
que representam os dois modelos de desenvolvimento e respetivas estratégias de
inserção externa mais alargadas na América do Sul, constituem obstáculos ao acordo de
políticas regionais comuns frente aos desafios colocados pela presença da China nas
dimensões comerciais e financeiras da região.
Da mesma forma, as diferenças dos impactos de acordo com o setor produtivo afetado
também dificultam o desenho de políticas consistentes e duradouras que procurem
equilibrar o papel das economias asiáticas, especialmente da China, dado o seu efeito
negativo na indústria regional. Assim, os Estados devem decidir quais os setores a
favorecer e quais a desprezar. No caso do Chile, a escolha foi um modelo aberto que
beneficia o setor primário de exportação e relega o industrial. Quanto à Argentina, ainda
conflito: por um lado, favorecer o setor agrícola, que é a principal fonte de divisas,
por outro, continuar a proteger um amplo setor industrial que, embora sólido em alguns
pontos, ainda se encontra em desenvolvimento.
A falta de inovação na estrutura produtiva de ambos os países limita as possibilidades de
crescimento e desenvolvimento económico, uma vez que o acesso e o avanço das novas
tecnologias são essenciais, não só para a produtividade e competitividade internacional,
mas também para evitar o aumento progressivo do hiato tecnológico e, como
consequência, das condições de dependência estrutural.
Nesse sentido, a construção de políticas conjuntas a nível regional é dificultada por essas
diferenças, pois os interesses subjacentes que sustentam as decisões dos Estados o
opostos. Enquanto os dirigentes sul-americanos não considerarem a consolidação de uma
esfera regional ampliada uma prioridade para a inserção económica e comercial, de forma
a estabelecer vínculos extrarregionais, como os TLCs ou outros, é difícil prever uma forma
conjunta de responder aos efeitos negativos produzidos pela presença da China e, cada
vez mais, de outros grandes países asiáticos nas economias da região. O perigo é a
intensificação de uma estratégia de inserção dependente da exportação de produtos com
zero ou pouco valor acrescentado e a perda gradual da importância internacional devido
à dependência crescente.
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